
O conflito Israel-Irã marcou a transição da guerra territorial para a cognitiva, onde a informação e a narrativa são cruciais; este artigo analisa as estratégias, a dimensão informacional e as lições desse novo cenário.
Introdução
Entre 11 e 23 de junho de 2025, Israel e Irã desferiram salvas diretas de mísseis balísticos, drones de longo alcance e ataques cibernéticos declarados. Em apenas 12 dias – lapso que a imprensa mundial já batizou de “nova guerra relâmpago” –, ambos os governos proclamaram vitória antes mesmo de a fumaça baixar (PODER 360, 2025).
O cessar-fogo mediado por Omã e Catar preservou, de fato, as linhas territoriais originais; nenhuma trincheira foi cavada e nem houve avanço de blindados. Ainda assim, a campanha capturou a atenção global porque expôs com nitidez a centralidade da informação como critério público de sucesso. Se Tel-Aviv destacou a taxa de interceptação de 96% dos drones Shahed, Teerã enfatizou ter alcançado o espaço aéreo israelense com saturação numérica inédita (AL JAZEERA, 2025).
Esse contraste ilustra a transição de uma mentalidade baseada em conquistar uma faixa no terreno para negociar – herança das guerras convencionais do século XX – para outra, em que a percepção de invulnerabilidade, domínio narrativo e rapidez de recomposição de serviços básicos à sociedade, contam mais do que a ocupação física de território adverso.
Diante desse quadro, coloca-se a seguinte pergunta desta análise: como os Exércitos preparam e empregam meios terrestres num conflito de baixa fricção, em que antiacesso, negação de área e disputas cognitivas reduzem ou mesmo dispensam a manobra clássica? Para respondê-la, esta análise revisita a evolução teórica do atrito físico à guerra cognitiva, reconstrói a trajetória das relações israelo-iranianas até junho de 2025, analisa as estruturas operacionais de Israel e do Irã – destacando inteligência, fogos de precisão, defesa aérea, forças especiais e proxies, examina o peso da dimensão informacional e extrai lições úteis à Força Terrestre brasileira.
Do Atrito Clássico à Guerra Cognitiva
A obra Da Guerra, redigida por Cari Von Clausewitz no início do século XIX, define a fricção como a soma de incertezas, desgastes físicos e morais que impede a execução perfeita dos planos militares (CLAUSEWITZ, 2008). Durante quase 150 anos, a arte operacional concentrou-se em minimizar essa fricção por meio de mobilização de massa, fogo de artilharia e manobras mecanizadas. A Segunda Guerra Mundial consagrou o ideal de profundidade territorial: quanto mais espaço se conquistava, maior o poder de barganha na mesa de paz.
Contudo, nas últimas três décadas, esse paradigma vem sendo erodido por mudanças tecnológicas e socioculturais, uma vez que nas novas guerras há uma prevalência das identidades sobre os Estados, bem como nota-se uma privatização da violência e uma substituição da conquista física pela imposição psicológica. Nesse meio tempo, o conceito de antiacesso e negação de área (A2/AD), as camadas de mísseis de precisão, os drones e os campos eletromagnéticos têm elevado o custo da penetração terrestre a patamares politicamente interditos (TRADOC, 2025a). Logo, deter ou intimidar um adversário pode passar menos por romper fronteiras e mais por negar-lhe a liberdade de ação e saturar a vontade de lutar.
A dimensão informacional complementa essa mutação. Sensores, redes e processamento de dados transformam a informação em quinta dimensão de combate, capaz de gerar efeitos estratégicos sem um único disparo cinético. Galeotti (2023) amplia esse entendimento ao falar em weaponization of everything. Na visão dele, moedas digitais, sistemas de navegação e hashtags tornam-se vetores tão decisivos quanto blindados.
Um relatório recente do Centro de Excelência no Combate às Ameaças Híbridas (Hybrid CoE), descreve a guerra cognitiva como sendo uma disputa por atenção e confiança, onde vitórias são medidas em minutos de engajamento e não em hectares (HYBRID COE, 2024). Ou seja, a fronteira já não separa combatente e civil, pois qualquer smartphone pode ser sensor, retransmissor e feixe de propaganda em tempo real. Nesse ambiente, surge a figura da pessoa da informação: combatente ou civil, cujo valor estratégico reside na capacidade de captar, filtrar e propagar dados, moldando percepções antes que as forças convencionais se movam.
A psicologia revela como decisões rápidas guiadas por emoção podem superar cálculos racionais, fenômeno explorado por campanhas de desinformação para acelerar processos decisórios. A fricção clássica cede espaço a uma fricção cognitiva, pois quem controla narrativas, nuvens de sensores e algoritmos de priorização, reduz o atrito próprio e multiplica o atrito do oponente.
Entender essa transição é pré-requisito para decifrar o confronto entre Israel x Irã ocorrido junho de 2025, guerra em que quilômetros nada valeram frente a segundos de dimensão informacional.
Estrutura Operacional Israelense no Conflito
Nos 12 dias de combate, Israel converteu em prática o conceito de manobra de longa distância que ancora sua campanha entre guerras, conhecida como MABAM [1]. Concebida a partir de 2013 para conter a consolidação iraniana na Síria, a MABAM combinou fogos de precisão, inteligência multiespectral e diplomacia de risco calculado a fim de encurtar guerras futuras. Em junho de 2025, tal arquitetura permitiu ao Estado-Maior israelense neutralizar alvos profundos iranianos sem deslocar forças terrestres além-fronteira.
[1] Nota do Editor: Estratégia de guerra entre guerras (MABAM em hebraico).
O primeiro pilar foi a guerra de mísseis e foguetes. Em 13 junho de 2025, a Força Aérea de Israel lançou mísseis Rampage contra radares do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica instalados em Isfahan, seguidos por bombas Spice-250 guiadas por satélite contra depósitos de drones iranianos na província de Kermanshah.
O segundo pilar foi a configuração defensiva em multicamadas: o emprego do Iron Dome para foguetes de curto alcance, a utilização do David’s Sling contra mísseis de cruzeiro e o emprego do Arrow-3 para mísseis balísticos, sendo complementados pelo protótipo laser Iron Beam – primeiro emprego operacional registrado contra drones Shahed. O intercâmbio constante entre baterias e a nuvem de dados produzidos pela Diretoria de Inteligência (Agaf HaModi’in, AMAM) sobrecarregou o processo decisório iraniano, ao mesmo tempo em que manteve o processo decisório israelense ágil. Para que se tenha uma ideia, as Forças de Defesa de Israel precisaram de um tempo menor que 40 segundos para realizar o processamento de dados sobre os alvos, conhecido como targeting. Tal proeza foi viabilizada pelo sistema C2 Torch/Fire Weaver, que funde a telemetria de satélites Ofek-16, drones Heron-TP e interceptações de inteligência de sinais da Unidade 8200, a maior unidade de inteligência das Forças de Defesa de Israel.
O terceiro pilar envolveu as forças especiais e o ciberespaço. Segundo fontes de defesa citadas pela imprensa israelense, unidades da Brigada Oz, a Brigada de Forças Especiais das Forças de Defesa de Israel, foram destacadas para recuperar drones iranianos que caíram no deserto do Neguev e realizar atividades de inteligência técnica no material, ao passo que equipes cibernéticas da Unidade 8200 implantaram malwares wiper para paralisar servidores SCADA nas refinarias iranianas, ação que retardou o abastecimento de combustível ao Corpo de Guardas da Revolução Islâmica durante 36 horas.
Tais componentes ilustram a convergência descrita anteriormente: fogos de precisão suplantam a manobra mecanizada; inteligência em tempo real substitui a conquista de terreno; e ação cognitiva torna-se critério decisivo.
No domínio terrestre, as Forças de Defesa de Israel elevaram o nível de prontidão dos Comandos Norte e Sul, convocando milhares de reservistas, inclusive de Unidades Blindadas subordinadas da 36ª Divisão Gaash e da 252ª Divisão Sinai, da mesma forma que destacou Brigadas da 210ª Divisão Bashan para reforçar Golan (TIMES DF ISRAEL, 2025a).
A estrutura permanente dessas Divisões inclui a Brigada Golani, a Brigada Givati, a Brigada Nahal, o 7° Regimento Blindado e o 188° Regimento Blindado. Ainda que nenhuma Brigada tenha cruzado fronteiras, os Batalhões de Artilharia “Romach” e as Baterias de Mísseis Balísticos LORA permaneceram em posição para a realização de fogos de profundidade, refletindo a lógica da manobra MABAM, qual seja: uma manobra psicológica com efeito cinético a longa distância, sustentada por uma reserva capaz de transformar prontidão em massa de manobra em menos de 48 horas.
Em 12 de junho de 2025, tropas da 3ª Brigada executaram uma operação de contraterrorismo em Beit Jinn, sinalizando que a 210ª Divisão Bashan, que atuou na Síria em 2024, estava empregada. Em 24 de junho, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel mencionou que forças blindadas estavam em posição defensiva no Neguev, em alusão à 36ª Divisão Gaash (REUTERS, 2025b).
Segundo a ordem de batalha permanente, o Comando Norte ancora-se justamente nessas duas divisões, enquanto o Comando Sul mantém a 252ª Divisão Sinai, voltada às ações de Eilat e o Comando de Profundidade dispõe da 98ª Divisão Paraquedista (IISS, 2025). Cada formação reúne de duas a três Brigadas modulares. A 1ª Brigada de Infantaria Mecanizada Golani, a 5ª Brigada de Infantaria Mecanizada Givati e a 933ª Brigada de Infantaria Mecanizada Nahal sustentam o poder de choque, todas apoiadas pelo 7º Regimento Blindado e pelo 188º Regimento Blindado Barak. Desse modo, quatro Divisões permaneceram dentro das fronteiras israelenses, mas em condições de serem empregadas de forma imediata.
Um fato interessante ocorreu em 14 de junho de 2025, quando fragmentos de drones Shahed abatidos pelo Iron Dome atingiram casas pré-fabricadas na localidade beduína de Segev Shalom, ferindo levemente três civis. Nesse episódio, equipes do Comando da Frente Interna, apoiadas por engenheiros da 603ª Unidade de Resgate, isolaram a área, montaram tendas de atendimento e iniciaram as ações de ajuda humanitária com desobstrução dos escombros logo após o acidente (TIMES OF ISRAEL, 2025b). Naquele mesmo dia, a Polícia de Fronteira de Israel (Magav) e o Serviço de Segurança Interna (Shin Bet) prenderam dois residentes na região de Wadi Ara, suspeitos de transmitir coordenadas de baterias antiaéreas ao Hezbollah via aplicativo criptografado (REUTERS, 2025a).
Tais episódios ilustram a dupla resposta terrestre das Forças de Defesa de Israel: ajuda humanitária imediata para mitigar os efeitos colaterais da guerra e a realização de operações contra Forças Irregulares, com foco no contraterrorismo doméstico que visa impedir que essas redes sejam implantadas ou que sejam operadas nos bairros árabe-israelenses ou até em comunidades periféricas que podem servir de pontos de apoio do Irã no interior do território israelense mesmo após o cessar-fogo.
Estrutura operacional iraniana no conflito
A arquitetura militar iraniana é bipartida. De um lado, há o Artesh, Exército regular herdeiro do período do Xá, cuja missão principal é a defesa de fronteiras; de outro, sobreposto a ele, opera o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, braço ideológico encarregado dos vetores de mísseis, drones e Forças Especiais (Quds). Essa divisão foi desenhada para impedir que um único estamento armado monopolize o poder político e também para garantir a redundância estratégica em caso de golpe ou guerra total (WARD, 2009).
O Artesh mantém quatro Corpos Regionais que englobam cerca de 14 Divisões Leves e Blindadas. Quanto aos Carros de Combate, nota-se que o Irã possui cerca de 350 T-72S modernizados, 160 T-72 M1 e 150 ZulfigariType-72Z (IISS, 2025). A principal peça de artilharia autopropulsada iraniana é o Raad-2 155 mm (no mínimo 36 unidades), cujo lote mais recente (Raad-2 M) foi apresentado em 2024 (ARMY RECOGNITION, 2024).
A Guarda Revolucionária Islâmica, por sua vez, conta com cerca de 190.000 integrantes, controla o grosso do poder de fogo estratégico e é apoiada por voluntários Basij, organização paramilitar que possui funções multifacetadas e que atua como os olhos e ouvidos do regime islâmico em escolas, universidades, instituições estatais e privadas (KESHAVARZ, 2023).
O conceito de defesa iraniano é um mosaico que dispersa lançadores em túneis nas montanhas de Zagros, procurando buscar o esgotamento da capacidade de inteligência inimiga (TRADOC, 2025b). Tal conceito delineia uma arquitetura onde o território é seccionado em blocos autossuficientes, com cada um sendo dotado de núcleos de comando tático, lançadores móveis de mísseis Fateh-313, baterias SAM Bavar-373/Raad-2 e Pelotões de Guerra Eletrônica, todos dispersos em túneis de montanha e em zonas urbanas (TRADOC, 2025a). Essa fragmentação transforma alvos estratégicos de alto valor em múltiplos alvos de baixo valor, obrigando o atacante a consumir grande volume de munição de precisão.
Nesse arranjo, o Artesh garante barreiras convencionais nos eixos de manobra, enquanto o componente terrestre da Guarda Revolucionária Islâmica e as milícias Basij providenciam a defesa antiaérea e a relocação rápida de sistemas, preservando a continuidade de fogo, mesmo se o enlace com Teerã for interrompido. Externamente, proxies como o Hezbollah e os Houthis funcionam como peças avançadas desse mosaico, mantendo pressão fora das fronteiras persas, forçando o oponente a diluir recursos.
O objetivo operacional desse mosaico é diluir a superioridade tecnológica adversária, pois acredita-se que qualquer coalizão invasora enfrentaria linhas de suprimento alongadas, sofreria com uma saturação de fogos balísticos e com a realização de guerra eletrônica, enquanto a população local forneceria mascaramento e legitimidade aos defensores, o que elevaria o custo político e logístico de uma intervenção terrestre (KESHAVARZ, 2023).
A primeira aplicação concreta desse modelo ocorreu na madrugada de 11 de junho de 2025, quando 220 drones Shahed e 34 mísseis de cruzeiro Paveh decolaram de plataformas móveis em Kermanshah, Fars e Qom. Essa manobra pôde ser interpretada como sendo uma tentativa iraniana de saturar as defesas israelense Arrow-3, David’s Sling e Iron Dome, procurando impor uma guerra de desgaste financeiro a Israel.
Para ampliar esse efeito, Batalhões de Guerra Eletrônica da Guarda Revolucionária Islâmica irradiaram interferência sobre a banda L-GPS a partir das regiões de Dezful e Bandar Abbas. A interferência foi sentida além da esfera militar, pois vários petroleiros tiveram que desviar seus cursos no estreito de Ormuz devido a “forte jamming de origem iraniana” (FINANCIAL TIMES, 2025). Embora Israel tenha mantido a taxa de interceptação acima de 90%, oficiais da Força Aérea de Israel confirmaram a degradação temporária da precisão do Arrow-3 durante os picos de ruído.
Após os ataques israelenses realizados em 14 de junho de 2025, que destruiu radares e depósitos de Shahed em Isfahan, Teerã sentiu-se na obrigação de acionar seu braço humanitário. E assim, foram enviados engenheiros do quartel-general Khatam-al-Anbiya e 300 voluntários Basij para restabelecer a energia em Shahin-Shahr (IRNA, 2025). No dia seguinte, o Crescente Vermelho, representante muçulmano do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, montou tendas médicas e distribuiu água a 1.800 civis (MEHR NEWS, 2025). Três dias depois, o Ministério da Inteligência prendeu cinco supostos agentes ligados ao regime sionista com drones de hobby adaptados para georreferenciar alvos militares (REUTERS, 2025b).
Em paralelo, o Comando Basij de Resistência ativou o plano Sarallah-3 e convocou cerca de 42.000 integrantes para realizar tarefas de vigilância em infraestruturas críticas, triagens de danos e patrulhas urbanas (TASNIM, 2025). Ao empregar forças populares em funções de proteção estática, Teerã preservou o componente terrestre da Guarda Islâmica para executar missões ofensivas, deixando claro que sua defesa em mosaico não se resumia a camadas técnicas, mas incorporava também uma reserva de mobilização social politicamente motivada, o que potencializava o sistema antiacesso iraniano.
Outro fato importante sobre o conflito ocorreu entre 17 e 19 de junho de 2025. Em decorrência dos ataques israelenses realizados em 14 de junho de 2025 em território iraniano, Teerã teve de refazer o trajeto de um comboio que levava materiais de emprego militar para algumas Organizações Militares, haja vista que algumas pontes e rodovias haviam sido danificadas com tais ataques.
Como os vídeos dos proxies não estavam disponíveis para servirem de elementos de apoio à decisão, as autoridades iranianas se apoiaram em perfis ligados à Unidade 8200 israelense para realizarem seus planejamentos. Contudo, tais perfis divulgaram várias coordenadas falsas dos supostos novos alvos israelenses na Rota 71, o que gerou a realização de itinerários mais longos, prolongando o percurso total em 800 km, acrescentando 18 horas ao tempo de reposição dos sistemas SAM (ISW, 2025). Dessa forma, ficou evidente que a defesa em mosaico iraniana possui linhas interiores longas e vulneráveis, suscetíveis a ataques cinéticos.
Tal episódio revelou que longas cadeias de suprimento terrestres e a dependência de proxies para confirmação visual constituem vulnerabilidades exploráveis para as campanhas de desinformação, sobretudo quando o oponente domina o processamento de alvos. A vulnerabilidade iraniana à desinformação deriva de uma carência de satélites ópticos de alta resolução, o que obriga a Guarda Revolucionária Islâmica a depender de vídeos pós-ataques enviados por proxies Houthis e pelas milícias xiitas na Síria.
Dimensão informacional e componente cognitivo
A campanha de junho de 2025 confirmou que, tanto para Israel, como para o Irã, controlar a narrativa vale tanto quanto bloquear um míssil. Nas primeiras quatro horas do conflito, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel, o contra-almirante Daniel Hagari, realizou três coletivas que foram transmitidas em hebraico, inglês, árabe e farsi, reiterando que “96% dos vetores haviam sido interceptados” (TIMES OF ISRAEL, 2025a). Ao mesmo tempo, as contas oficiais no X e no Telegram publicaram infográficos animados que mostravam a trajetória dos Shahed iranianos sobre um mapa azul-celeste, cor associada à calma, enquanto um contador de interceptações avançava em tempo real. Teerã, por sua vez, reagiu com o mesmo senso de urgência. A agência Fars News divulgou vídeos em inglês e espanhol, editados com trilha épica, onde comentaristas sublinhavam que o regime sionista não conseguia impedir que os céus do Neguev fossem violados (FARS, 2025).
Essa disputa de framing ilustra a passagem da fricção física para a fricção cognitiva, conceito que o Hybrid CoE define como a tentativa de sobrecarregar a capacidade adversária de decidir sob ruído informacional (HYBRID COE, 2024). Ao ocupar os feeds das redes sociais logo após a realização de ações militares, ambos os lados buscavam congelar interpretações antes mesmo que os analistas independentes pudessem checar os fatos.
No ciberespaço, a Unidade 8200 israelense desencadeou a Operação Glass Curtain, que se tratava de um malware tipo wiper injetado em servidores SCADA em refinaria, como Bandar-e Imam, gerando parada preventiva das bombas de carga por 90 minutos (REUTERS, 20251)). O objetivo era simbólico: sinalizar que qualquer prolongamento de hostilidades teria um custo econômico imediato. A Guarda Revolucionária Islâmica respondeu com GPS spoofing na banda L em torno do Estreito de Ormuz, desviando rotas de três petroleiros panamenhos (FINANCIAL TIMES, 2025).
A vertente psicológica interna também foi decisiva. Em Israel, o Home Front Command enviou 23 milhões de mensagens SMS com instruções de abrigo, em hebraico, árabe e russo. No Irã, a Guarda Revolucionária Islâmica usou a milícia Basij para patrulhar as redes sociais domésticas Aparat e Eitaa, o que resultou no bloqueio de 842 perfis rotulados como “panic-makers”.
Do ponto de vista doutrinário, as ações descritas refletem a integração dos três níveis de influência: ciber, mídia social e engajamento face a face. Israel foca no targeting não-cinético, enquanto o Irã aposta na saturação de múltiplos idiomas e na ativação de redes religiosas. Em ambos os lados, a meta é a mesma formulada por Clausewitz: quebrar a vontade política antes de quebrar a linha de frente.
Assim que o cessar-fogo de 23 de junho se consolidou, cada lado reivindicou vitória. Do lado israelense, o premiê de Israel, em uma coletiva transmitida para 82 canais internacionais, afirmou que nenhum objetivo estratégico iraniano havia sido alcançado. Teerã, por sua vez, proclamou ter rompido o mito da invulnerabilidade sionista, pois conseguiu fazer com que seus drones Shahed voassem sobre o Neguev (AL JAZEERA, 2025).
Jornais regionais notaram que, mesmo sem ganhos territoriais, ambos os governos criaram métricas próprias de sucesso: de um lado Israel contabilizou porcentagem de alvos abatidos e de outro lado o Irã celebrou a mera chegada de vetores ao espaço aéreo adverso (PODER 360, 2025).
Tais episódios encerram uma lógica delineada por Galeotti (2023), qual seja: na guerra da informação, quem consegue definir primeiro o parâmetro de desempenho proclama-se vencedor, independentemente da correlação objetiva de forças e, ao fazê-lo, molda a memória coletiva do conflito antes que os fatos possam ser recontados.
Lições Aprendidas
Identificar lições aprendidas, depurá-las e integrá-las ao portfólio de capacidades de um Exército é vital. A história mostra que forças que cristalizam práticas vitoriosas, mas negligenciam mudanças tecnológicas ou socioculturais, entram em obsolescência mais rápido do que renovam seus arsenais. Por isso, processos formais de análise pós-ação, bancos de dados doutrinários e intercâmbio acadêmico permanecem tão críticos quanto a aquisição de sensores ou mísseis.
O confronto Israel x Irã, travado entre 11 e 23 de junho de 2025, oferece um concentrado raro de experiências em fogos de precisão, guerra eletrônica, dimensão cognitiva e logística sob pressão. As lições extraídas a seguir não se limitam aos dois países, pelo contrário, apontam tendências que qualquer força terrestre precisará assimilar se quiser manter relevância operacional nas próximas décadas, sobretudo em um contexto onde a opinião pública se mostra cada vez mais resistente à fricção e às perdas humanas.
A primeira lição é a relevância do targeting. Nesse aspecto, Israel conseguiu converter telemetria de satélite, SIGINT, a drones em engajamentos em menos de 40 segundos. O Irã, por seu turno, utilizou enxames de drones de baixo custo para sobrecarregar esses mesmos ciclos (SHAVIT, 2016). Vence quem encurta a latência e obriga o adversário a gastar interceptores ou a hesitar.
A segunda lição diz respeito sobre o poder de uma defesa antiaérea multicamada. Israel desenvolveu uma defesa antiaérea que é complementada por meios que empregam feixes concentrados de energia eletromagnética (principalmente laser de alta potência ou, em versões experimentais, micro-ondas de alta frequência). A taxa de interceptação superior a 90% sustentou a narrativa israelense de invulnerabilidade (TIMES OF ISRAEL, 2025a).
A terceira lição reside na comprovação de que linhas interiores longas são vulneráveis tanto aos ataques cinéticos, quanto à desinformação. Para reposicionar os radares Bavar-373, o comboio iraniano percorreu quase 900 km em itinerários alternativos, sustentados por informes e boatos plantados pela Unidade 8200 israelense, o que ilustra como gargalos de infraestrutura podem ser explorados pelo oponente com poucos cliques (TASNIM, 2025).
A quarta lição recai sobre o papel desempenhado pela fricção cognitiva em um campo de batalha. Nesse embate, numa corrida para cristalizar interpretações antes mesmo das checagens, ambos os Estados inundaram as redes sociais com inúmeros idiomas, segundos após cada ação militar realizada (HYBRID COE, 2024; GALEOTTI, 2023).
A quinta lição é o entendimento de que os ciberataques e os bloqueios de GPS são projéteis lógicos tão eficazes, quanto as ogivas. O wiper israelense que paralisou as refinarias em Bandar-e Imam e o spoofing iraniano que desviou petroleiros no estreito de Ormuz demonstram a interdependência critica entre infraestruturas civis e operações militares (REUTERS, 2025b; FINANCIAL TIMES, 2025).
A sexta lição diz respeito ao papel desempenhado pelos proxies nesse conflito. Se de um lado, eles oferecem profundidade estratégica, de outro os proxies impõem riscos. O lançamento de drones Samad-3 pelos Houthis ampliou o raio de ação iraniano, mas as divergências existentes entre as facções curdas fragilizaram o processo de tomada de decisão iraniano, fato comprovado no episódio que envolveu o desvio de rota do comboio logístico iraniano, atrasando em quase 20 horas o reabastecimento e suprimento das forças iranianas.
A sétima lição é o entendimento de que o socorro humanitário rápido reforça o efeito militar no campo de batalha. Tanto o Comando da Frente Interna israelense, quanto a Guarda Revolucionária Islâmica restauraram serviços e atenderam civis em menos de 24 horas, reduzindo os danos colaterais, ao mesmo tempo em que reforçaram a legitimidade doméstica (IRMA, 2025; MEHR NEWS, 2025).
Por fim, o episódio confirma que a vitória é, antes de tudo, uma construção de narrativa. Se Israel celebrou a elevada porcentagem de interceptação, o Irã vangloriou-se por ter violado o espaço aéreo inimigo. Ao fixar métricas próprias e difundi-las primeiro, ambos os contendores moldaram a memória coletiva do conflito, prova de que, na era da informação, definir o critério de sucesso é parte essencial de conquistá-lo (PODER 360, 2025).
Conclusão
O breve, porém denso, confronto de junho de 2025 confirma que o centro de gravidade da guerra contemporânea tem deslizado do terreno para a percepção. Nem Israel precisou atravessar as montanhas de Zagros, nem o Irã se viu compelido a marchar sobre Tel-Aviv. Ainda assim, ambos atingiram objetivos políticos mínimos e se declararam vencedores.
O fato de cada parte ter escolhido métricas próprias de êxito (taxa de interceptação para Israel e penetração psicológica do espaço aéreo para o Irã), reflete a máxima de Galeotti (2023) de que a primeira batalha é por definir o que constitui vitória.
Em vista disso, essa análise aponta que as lições aprendidas podem ser agrupadas em quatro eixos, assim tipificados:
Tempo como superioridade: as Forças de Defesa de Israel mostraram que encurtar o ciclo de processamento de alvos a dezenas de segundos pode anular uma quantidade numerosa de salvas da artilharia oponente. O Irã, por sua vez, evidenciou que multiplicar vetores baratos com grande rapidez pode degradar defesas caras.
Sinergia no multidomínio: a sinergia entre fogos cinéticos, guerra eletrônica e ciberataques mostrou ser capaz de gerar efeitos estratégicos sistêmicos em alguns momentos desse conflito. A paralisação de refinarias e o desvio de rota de navios são apenas alguns exemplos dessa sinergia.
Resiliência da retaguarda: a prontidão iraniana para reparar redes elétricas em Isfahan e o socorro israelense no Neguev mostraram que proteger a moral da população é tão decisivo quanto blindar os materiais de emprego militar, principalmente porque são capazes de evitar convulsões na população interna, que podem ser exploradas pelo oponente.
Fricção cognitiva deliberada: nesse conflito ficou claro que ambos os contendores inundaram as redes sociais em múltiplos idiomas, tentando cristalizar narrativas antes que os analistas independentes agissem.
Clausewitz alertava que guerra é um duelo em grande escala movido por vontade política. O conflito ocorrido em junho de 2025 mostra que, atualmente, essa vontade é moldada por quadros, gráficos e vídeos, mesmo antes que a poeira do impacto se assente (CLAUSEWITZ, 2008). Em ambientes saturados de sensores e de feeds, vencer deixou de ser a anulação do dispositivo físico do inimigo, mas sobretudo desorganizar seu processo decisório, preservar a coesão própria e ganhar a narrativa inaugural.
O futuro pertencerá às forças que internalizarem essa realidade – estudando, experimentando e, sobretudo, adaptando-se mais rápido do que o adversário.
Referências
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Publicado na evista Análise do Centro de Estudos Estratégicos do Exército (CEEEx) de junho de 2025.