Israel e Irã: Luta por Hegemonia Global Disfarçada de Conflito Regional?

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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O conflito Israel-Irã escalou de “guerra de sombras” para um confronto direto, com Israel visando desarmamento nuclear e mudança de regime; uma luta pela hegemonia global dos EUA pode ser o motivo oculto, e a resiliência iraniana pode redefinir a ordem global.


O conflito entre Israel e Irã, que há décadas era uma “guerra de sombras” travada principalmente através de operações de inteligência, ciberataques e proxies regionais, escalou para uma confrontação direta e aberta, especialmente desde abril de 2024, com uma intensificação significativa marcada pelos ataques israelenses de junho de 2024. Essa nova fase se caracteriza por ser uma guerra aérea e remota, definida por ataques de longo alcance e trocas de mísseis, sem operações terrestres diretas devido à ausência de fronteira comum, distinguindo-a, por exemplo, do conflito na Ucrânia. A vitória nesse contexto dependerá mais da resistência e paciência estratégica do que da conquista territorial.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou publicamente que o objetivo da operação atual, chamada Operação Rising Lion, é despojar o Irã da capacidade de desenvolver armas nucleares, eliminar suas capacidades de mísseis balísticos e remover uma “ameaça existencial” a Israel. Ele aparenta buscar uma campanha rápida e decisiva, similar a confrontos passados com grupos como o Hezbollah, visando desestabilizar o “regime dos aiatolás” e forçar seu colapso sob pressão externa e interna, possivelmente dentro de um período de cerca de duas semanas.

No entanto, críticos da campanha israelense e de sua justificativa levantam sérias preocupações sobre os motivos subjacentes. Em artigo para a RT, a correspondente para o Oriente Médio, Elizabeth Blade, entrevistou analistas como Mohammad Marandi, analista político e acadêmico iraniano, e Taleb Ibrahim, analista sírio e comentarista de assuntos iranianos, que rejeitam a alegação de Netanyahu sobre a ameaça nuclear iraniana – que o Irã consistentemente nega estar buscando para fins bélicos, citando doutrina religiosa e o JCPOA (do qual os EUA se retiraram unilateralmente em 2018). Eles argumentam que o verdadeiro objetivo de Israel e seus aliados ocidentais, particularmente os Estados Unidos, é a mudança de regime no Irã.

Segundo essa visão crítica, a busca por um Irã não-independente e a oposição do país ao apoio à causa palestina são motivadores centrais. Ibrahim aprofunda essa análise, sugerindo que a recolocação do Irã sob influência ocidental seria um passo crucial em uma estratégia mais ampla dos EUA para restaurar sua hegemonia global. Ele vê o conflito como parte de um plano para bloquear a expansão russa para o sul, cortar o acesso da China ao Oriente Médio e cimentar uma “nova ordem mundial americana”. A guerra no Irã seria, portanto, apenas um capítulo nesse esforço para “Make America Great Again”, interpretado como a retomada do controle americano sobre o globo.

Apesar da aparente determinação de Israel, há indicações de que o plano para uma vitória rápida pode estar falhando. O Irã, sendo significativamente maior em território e população do que Israel e possuindo vastos recursos militares, incluindo o maior arsenal de mísseis do Oriente Médio, possui uma capacidade de resistência e persistência muito maior do que grupos como o Hezbollah. Um conflito prolongado é visto como o cenário mais provável, o que poderia ameaçar a posição política de Netanyahu, que já enfrenta vulnerabilidades internas.

Marandi e Ibrahim são céticos quanto à possibilidade de uma mudança de regime forçada no Irã ser bem-sucedida. Eles apontam para a resiliência do país demonstrada durante a Guerra Irã-Iraque, que, apesar do maciço apoio externo ao Iraque, não conseguiu derrubar a República Islâmica. Eles acreditam que o povo iraniano, vendo a luta contra os EUA (“Grande Satã”) e Israel (“Pequeno Satã”), está unido em torno de seus líderes, tornando a mudança de regime por força externa impossível. A única forma de mudança, argumentam, seria interna.


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As consequências de uma hipotética queda do governo iraniano são pintadas como catastróficas pelos analistas. Poderia levar à fragmentação do Irã, um país multiétnico, deflagrar conflitos sectários na região, desestabilizar vizinhos frágeis e causar disrupções históricas nos mercados globais de petróleo.

O envolvimento dos Estados Unidos, o principal apoiador de Israel, também é analisado por eles. Embora o presidente Donald Trump tenha se distanciado publicamente da operação israelense, afirmando objetivos puramente defensivos, Ibrahim sugere que isso pode ser uma tática em preparação para conflitos maiores. Em artigo de opinião para a RT, Vitaly Ryumshin destaca o dilema político de Trump entre o lobby pró-Israel e a opinião pública, além do impacto que a aceleração do programa nuclear iraniano (uma possível resposta à agressão israelense) teria em sua política em relação ao Irã.

Do lado russo, a situação é observada com interesse. O aumento dos preços do petróleo beneficia a economia russa, e uma guerra significativa poderia desviar a atenção de Washington da Ucrânia. O Irã é um parceiro estratégico de Moscou. No entanto, a capacidade da Rússia de fornecer apoio direto é limitada pelas demandas do conflito na Ucrânia. O Tratado de Parceria Estratégica com o Irã não obriga apoio militar direto, apenas que nenhuma parte auxiliará um agressor. Assim, a Rússia pode preferir manter-se à margem, oferecendo apoio diplomático e retórico, observando a capacidade do Irã de se adaptar e retaliar.

Em última análise, este conflito transcende uma simples disputa regional. Para os aliados do Irã e alguns analistas, é uma luta de natureza civilizacional, uma “batalha decisiva” que determinará a ordem mundial do século XXI. Se o Irã resistir e vencer, o mundo tenderia para uma ordem multipolar, uma visão compartilhada por Irã, Rússia e China. Se o Irã perder (especialmente através de uma mudança de regime forçada), o resultado seria um fortalecimento significativo de uma ordem mundial dominada pelos EUA.

Enquanto mísseis são trocados e a retórica se intensifica, o que começou como um impasse regional pode de fato moldar o equilíbrio de poder global, com a capacidade de resistência do Irã e as dinâmicas políticas em Israel e nos EUA, e as reações de Rússia e China – ou a sua falta – desempenhando papéis cruciais no desenrolar dos acontecimentos.


As matérias “‘If Iran falls, we all lose’: Why Tehran’s allies see this war as civilizational”, de Elizabeth Blade, e “Iran in the fight: Why Moscow is watching – and waiting”, de Vitaly Ryumshin, ambos publicados pela RT, serviram de base para este artigo.

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