Turquia: Um xerife com os bolsos vazios

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O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, fala no palácio presidencial em Ancara, Turquia, em 29 de março de 2021 (Adem Altan/AFP).

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, fala no palácio presidencial em Ancara, Turquia, em 29 de março de 2021 (Adem Altan/AFP).

A Turquia, que vinha se tornando rapidamente uma economia mundial emergente e uma indiscutível potência regional, agora enfrenta uma crise econômica que pode ameaçar os objetivos do governo do presidente Recep Tayyp Erdogan.


Em nosso artigo anterior O Cáucaso, a Rússia e a Turquia, mostramos que a Turquia perseguiu uma nova política estratégica nos âmbitos regional e global após a eleição do presidente Recep Tayyip Erdogan. Segundo Davutoğlu, fundador do Partido da Justiça e Desenvolvimento da Turquia, que apoiou Erdogan nas eleições, essa estratégia foi chamada de Doutrina da Profundidade Estratégica.

Mencionamos naquele artigo que a situação atual da economia turca, que tem sido uma das mais bem-sucedidas da região por muitos anos, não permitirá que Ancara realize suas aspirações de longa data em outros países (da Ucrânia, na área do Cáucaso, ao Afeganistão, Síria e Iraque, à Líbia e Somália).

Reformas econômicas bem-sucedidas no início do século XXI fizeram da Turquia um modelo de desenvolvimento de sucesso, mas ela se desviou do caminho do desenvolvimento sustentável nos últimos cinco ou seis anos.

A economia turca viveu dois períodos diferentes desde o início do século XXI. Nos primeiros 15 anos, a economia do país caminhou em uma direção estável. Durante esse período, as demandas políticas também atingiram um mínimo; mas nos últimos cinco anos, essa tendência mudou, e com o aumento das intervenções do governo, a economia descarrilou e está se aproximando de um precipício assustador. Observar os indicadores de inflação, crescimento e volume econômico, moeda e balança comercial, dívida pública, investimento estrangeiro e déficit orçamentário revela a crise que espreitava a economia do país. Uma crise que agora chegou ao bolso do da população.

O governo turco terá que conter a forte inflação galopante para continuar sua doutrina de profundidade estratégica, caso contrário, enfrentará problemas internos. A queda da lira turca em relação ao dólar nos últimos dias, que despencou 60% nos últimos sete meses, soou o alarme no governo turco. A continuação dessa tendência pode levar a condições econômicas agudas, protestos generalizados e crises sociais.

Embora a mídia alinhada ao governo ainda tente mostrar uma situação normal, as realidades da economia são diferentes. Eles já haviam feito isso antes: por exemplo, no início de 2021 a televisão estatal turca avidamente divulgou que o Moody’s Credit Institute previa que a economia turca cresceria de 6% a 9% este ano. O presidente Erdogan, ao invés de dar atenção aos conselhos dos economistas turcos, afirmou muitas vezes que as altas taxas de juros dos bancos levam a uma inflação mais alta e que baixá-las é uma forma de evitar que os preços subam.

O presidente turco voltou a defender a queda brusca dos juros em seu discurso há duas semanas, e no dia seguinte, o valor da lira voltou a cair quase 9% em um único dia. Contudo, a desvalorização da moeda nacional nos últimos 20 dias foi registrada como a pior tendência desde novembro de 2020.


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Taxas de câmbio: queda anual e recente aumento acentuado

Com o objetivo de melhorar a situação, Erdogan emitiu um decreto duas semanas atrás nomeando Noureddin Nebati para substituir Lotfi Alwan como Ministro das Finanças. Alwan renunciou depois que a taxa de câmbio do euro em relação à lira turca atingiu 15,30 no final das negociações dos dias seguintes.

A tendência do mercado refletiu esperança devido a esta mudança inicial, mas a desvalorização da lira nos dias seguintes, e principalmente até 20 de dezembro, quando atingiu a taxa de 18,30, mostrou que o problema é muito profundo, relacionadas às estratégias, e não aos nomes das pessoas. Essa taxa foi a mais alta dos últimos 20 anos.

No entanto, Erdogan não deixou de lado sua forma de reduzir as taxas de juros bancários, dizendo: “Estamos reduzindo as taxas de juros. Não esperem mais nada de mim.”

O resultado foi uma queda tão acentuada da lira em relação ao dólar que os analistas econômicos ficaram surpresos. A queda marcante no valor veio quando o banco central turco cortou as taxas de juros em mais um ponto percentual, para 14%, na semana passada.

O remédio de Erdogan para a economia

Erdogan revelou as novas medidas para preservar o valor da lira na segunda-feira passada, após uma reunião de gabinete em Ancara. Ele disse que o governo compensaria a perda dos detentores de liras se a depreciação da moeda fosse maior do que a taxa de juros do banco. Claro, Erdogan não especificou como e por qual mecanismo o governo pretende cumprir essa promessa.

A notícia desta decisão do governo turco foi anunciada com o objetivo de travar a conversão dos depósitos em lira a moeda estrangeira e, em resposta, a tendência de queda da lira parou e começou a mover-se na direção oposta.

Assim, nas últimas horas da última segunda-feira, a cotação do dólar em relação à lira começou a cair de seu teto em patamar de 18,30. Ele atingiu o nível 11,30 por um período e experimentou um equilíbrio na faixa de 12 ao longo do tempo.

Outra ferramenta usada pelo governo turco para controlar a taxa de câmbio da lira foi injetar dólares no mercado. Parece que cerca de US$ 1 bilhão foram vendidos nos mercados depois do discurso de Erdogan na noite de segunda-feira passada. De acordo com alguns analistas, cerca de um a 1,5 bilhão de dólares das reservas cambiais do país foram trocados por liras durante a noite. No entanto, diz-se que esse valor de injeção pode chegar a US$ 6 bilhões durante a crise. Injetar dólares no mercado é uma solução temporária e, como o governo talvez não seja capaz de continuar, pode não ser a solução principal no longo prazo.


GRÁFICO 1: Taxa de câmbio mensal da Lira Turca (TRY) em relação ao Dólar Americano (USD). Fonte: XE.com.

O governo não pode ser culpado por criar esta situação sozinho. De um lado, a crise econômica global, e de outro, os efeitos da pandemia covid-19 sobre a economia turca, que depende fortemente do setor do turismo, também contribuíram para essa situação. Também é possível que o governo tenha tomado novas decisões para administrar seus ativos na oferta de moeda estrangeira.

Seja qual for o motivo desta situação, Erdogan deu uma desculpa aos opositores de seu governo e se colocou em péssima situação perante a opinião pública, circunstância que pode levar até a mudanças políticas na Turquia. Certamente, tentar mostrar a relação dos protestos com a situação em outros países, e encarcerar críticos, não serão as soluções fundamentais para o problema.

A Turquia, que vinha se tornando rapidamente uma economia mundial emergente e uma potência regional indiscutível, agora está seguindo os passos de muitos países tomaram o caminho errado, países em desenvolvimento que foram apanhados no redemoinho da ilusão de salvar o mundo e que há décadas envolvem seu povo em inúmeros problemas.

Talvez seja o momento de o atual regime turco aceitar que, se quiser durar até as eleições presidenciais de 2023, deve deixar de lado o papel do “xerife do mundo”, ou mesmo regional, e pensar nos problemas crescentes de sua população.

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