Tipologia do causador emocional e mentalmente perturbado em Incidentes Críticos

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Por Edson Dias Santos*


Foto: Unsplash/Elijah O’Donnell.

Estudo propõe uma atualização da tipologia de indivíduos classificados como emocional e mentalmente perturbados, causadores de incidentes críticos, visando determinar a linha de abordagem mais adequada a cada tipo de Ocorrência.


Este estudo visa apresentar uma atualização da tipologia direcionada a indivíduos classificados como emocionalmente e mentalmente perturbados considerados como causadores de incidentes críticos, estes de alta complexidade e intensidade que demostram uma carência e falta de uma resposta da polícia em detrimento de suas técnicas e táticas especiais a fim de promover uma solução adequada, aceitável e legal.

Partiremos levando em consideração a tipologia já existente, utilizada como ferramenta de classificação e intervenção, inserida dentro da doutrina de gerenciamento de crise aplicada em nossa realidade policial.

Esse processo de atualização destaca-se como necessário devido as alterações psicobiológicas e socioculturais que acometem os causadores de incidentes críticos na atualidade. Para tanto, foi realizada uma extensa pesquisa bibliográfica, normativa e documental.

Incidentes Críticos e seus agentes causadores

Para que possamos classificar e entender os fatores que nos ajudam a desenhar uma tipologia, temos que desenvolver a disciplina de identificar e conceituar o que vem a ser um incidente crítico e seus desdobramentos nos quais a pessoa está inserida.

Esse conceito não é novidade na atividade policial e já se encontra bem desenvolvido no Brasil e pelo mundo, vale destacar o trabalho do então capitão Paulo Aguilar que em seu artigo propõe uma atualização na doutrina do gerenciamento de crises: Incidentes policiais e centros de consciência, situação C51 na quarta revolução industrial, onde deixa claro a importância de uma doutrina de gerenciamento de incidentes bem estruturada. Em seu artigo o capitão citou a definição de incidente crítico adotada pelo National Incident Management System (NIMS) dos Estados Unidos, sendo um Sistema Nacional de Gestão de Incidentes que gerencia qualquer tipo de incidente nos EUA, a saber, temos a definição de incidente como: uma ocorrência provocada por fenômenos naturais, falhas tecnológicas e/ou mecânicas ou provocada pelo homem (incidente de conflito), que requer uma resposta para proteger a vida ou a propriedade (FEMA, 2017, p. 64).

Utilizando como ponto de partida essa definição podemos observar que o incidente crítico apresenta dois pilares embrionários, um produzido por efeitos naturais e o outro por ação do homem; este segundo pilar será objeto do nosso estudo e em especial visa responder a seguinte pergunta: como podemos classificar o comportamento desse agente causador?

Considerados entre os elementos essenciais de uma crise como de suma importância, os causadores da crise são os que realizam as exigências, é deles que depende a vida dos reféns em alguns incidentes críticos, exigindo com isso uma coleta de informação como motivações, seus antecedentes e sua periculosidade (Monteiro, 2001).

Em complemento à coleta de informações destacam-se: suas habilidades com armas, experiência (quando o causador já vivenciou esse cenário em outra ocasião), controle emocional apresentado e nível de conhecimento e controle sobre o ponto crítico.

Outros fatores que devem ser levados em consideração para orientar e nortear o gerenciamento de crise são os traços comportamentais, elementos de referência que estão diretamente ligados à característica do causador e seu conflito em questão, bem como os fatores de proteção e fatores de riscos.

Consoante a monografia de mestrado no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais do capitão Fernando Sério Vitória, da PMESP (Policia Militar do Estado de São Paulo), cujo tema foi Critérios objetivos para análise de negociação policial e decisão em gerenciamento de crises, não podemos esquecer os fatores de proteção (vínculos familiares positivos, relacionamentos afetivos, religiosidade, amizades, sucesso, e tudo mais que possa ser um freio moral) saudáveis ao ser humano e os fatores de riscos (inexistência dos fatores de proteção, transtornos mentais e a desesperança no encontro de solução de um ou mais problemas existentes) que podem levar a uma ideação suicida, uma tentativa suicida e ou uma consumação do suicídio.

Em 1987, o então capitão Bolz Junior do Departamento de Polícia de Nova York (EUA), em seu manual How to be a hostage and live (Como ser refém e sobreviver), já apresentava preocupação em classificar os tipos de causadores do incidente crítico objetivando colaborar com as ferramentas de intervenção em um cenário de negociação policial.

A preocupação apresentada na época era proporcionar um descritivo que colaborasse para as respostas de intervenção, podendo ainda dentro das suas variáveis auxiliar o processo de tomada de decisões a nível gerencial.

Em sua obra apresentada no CSP (Curso Superior de Polícia) realizado na PMESP, Souza (2002) destaca as três tipologias definidas pelo capitão Bolz Junior com sendo: criminoso profissional (ou criminoso motivado), emocionalmente perturbado e o indivíduo terrorista.

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Tipologia do Criminoso Comum

Pode ser considerado como um indivíduo que se mantém através de repetidos furtos e roubos apresentando uma vida dedicada ao crime, (Monteiro, 2001), transparecendo seu comportamento instrumental para alcançar seus objetivos e metas.

Na maioria dos casos onde sua ação acaba por ser frustrada pela intervenção da polícia utiliza-se do refém como escudo e garantia de vida, deixando clara sua meta de sair ileso e seguro da crise. Tratando-se de um processo de atualização, é válido destacar uma observação acerca da tipologia do criminoso, onde o termo criminoso profissional está sofrendo algumas adaptações em estudos propostos por alguns grupos especiais que atuam no processo de gerenciamento de crise.

Estão sendo desenvolvidos estudos pelo GATE (Grupos de Ações Táticas Especiais), que atua em um cenário crítico envolvendo a tipologia do criminoso. Tais estudos optam por defender apenas a terminologia de criminoso, retirando o adjetivo de profissional, com o objetivo de não empoderar a identidade do criminoso, evitando com isso, uma autopercepção de destaque devido a sua experiência reconhecida através de atos criminosos; ou seja, o objetivo é de não colaborar para que o criminoso, em sua autopercepção ou em uma percepção social, seja uma pessoa poderosa com o título de criminoso profissional, ou até mesmo utilizar-se de uma “muleta psicológica” fortalecendo sua segurança em relação às suas ações delituosas. Para chegar a essa problemática, os grupos responsáveis levaram em consideração a evolução da criminologia e os desdobramentos socioculturais do ser humano.

Evidenciando a observação feita acima, é possível observar o exemplo de uma das escolas que optaram por mudar a terminologia de criminoso profissional por criminoso comum no excerto da apostila de Gerenciamento de Crises do SENASP.

O 1º Tipo – Criminoso comum: também conhecido como contumaz, ou criminalmente motivado – é o indivíduo que se mantém através de repetidos furtos e roubos e de uma vida dedicada ao crime. Essa espécie de criminoso, geralmente, provoca uma crise por acidente, devido a um confronto inesperado com a Polícia, na flagrância de alguma atividade ilícita. Com a chegada da Polícia, o indivíduo agarra a primeira pessoa ao seu alcance como refém e passa a utilizá-la como garantia para a fuga, neutralizando, assim, a ação dos policiais. O grande perigo desse tipo de causador de evento crítico certamente está nos momentos iniciais da crise. Em média, os primeiros quarenta minutos são os mais perigosos. Esse tipo de causador de crise representa a maioria dos casos ocorridos no Brasil. (SENASP, 2008, p.17)

Em relação à tipologia do criminoso sugerem-se maiores estudos e um texto em especial destacando essa vertente, contudo destacamos que esse capítulo visa trabalhar e atualizar a tipologia do emocionalmente perturbado.

Tipologia do Emocionalmente/Mentalmente Perturbado

Em relação ao perfil da tipologia do emocionalmente perturbado, aqui descrito como o coração da proposta do texto, destacamos a necessidade de uma atualização devido às mudanças que circundam o ser humano, bem como a sua necessidade de adaptação ao meio por questão de sobrevivência e evolução, seja ela no campo físico, mental ou social.

De acordo com definição apresentada na época, segundo Souza (2002) o causador do incidente crítico (emocionalmente perturbado) era classificado em três tipos possíveis, sendo: um indivíduo psicopata, um indivíduo que simplesmente não conseguiu lidar com seus problemas de trabalho ou de família, e por fim, um indivíduo que esteja completamente divorciado da realidade.

Esse modelo foi utilizado por anos e mesmo com essa estrutura, teve sua colaboração positiva em várias intervenções e resultados em diversos incidentes críticos. Vale observar que essa definição e construção da tipologia não pode ser encarada como o carro chefe do processo para se atingir o desfecho do incidente crítico, porém podemos nos debruçar nessa fonte, para assim, buscar uma orientação assertiva que permita um acesso ao causador objetivando resolver o incidente.

O escopo da atualização utilizou, como pilar mestre, uma observação teórica que possibilitou visualizar uma falta de aprofundamento da ciência da psicologia em definir e ajustar os parâmetros de classificação e comportamento dos referidos elementos que compõem essa tipologia.

A colaboração da ciência da psicologia, que estuda o comportamento do homem e os seus processos mentais, nos possibilita enxergar que antes de qualquer observação ou análise diagnóstica temos que levar em consideração os aspectos do desenvolvimento do ciclo da vida, aspectos culturais e a diferença de sexo e de gênero do ser humano observado e estudado (DSM-5, 2014).

Dos fatores do desenvolvimento do ciclo da vida, podemos entender as fases de desenvolvimento do homem como; no início da vida (a infância), seguido pela fase de adolescência, complementada pela fase adulta e continuada em idades avançadas.

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em sua 5ª edição, o indivíduo pode apresentar transtornos que se manifestam no início da vida (p. ex., espectro da esquizofrenia entre outros), na adolescência e início da vida adulta (p. ex., transtornos bipolar, depressivo e de ansiedade), e por fim durante a vida adulta e idades mais avançadas (p. ex., transtornos neurocognitivos).

Ainda em relação ao ciclo da vida apresentado pelo indivíduo, o estresse emocional de acordo com sua fase instalada pode interferir no desenvolvimento do ser humano. Shonkoff (2012) defende que o estresse tóxico precoce na infância pode acarretar grande prejuízo ao desenvolvimento e à saúde do indivíduo, constituindo-se um fator de alto risco para a saúde na fase adulta.

Segundo Justo e Enumo (2015), a adolescência é um período do desenvolvimento suscetível ao estresse e ao desenvolvimento de problemas emocionais e de comportamento. Para Pereira et al. (2004, p. 44), durante o envelhecimento, além dos fatores psicossociais como vilões, temos o estresse do cotidiano, podendo causar grandes transtornos na vida do indivíduo.

Importante destacar como orientação que o aspecto do desenvolvimento humano, em especial o ciclo de vida apresentado pelo causador, deverá ser levado em consideração dentro da tipologia analisada.

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Dos fatores culturais segundo o DSM-5 (2014), a cultura proporciona estruturas de interpretação que moldam a experiência e a expressão de sintomas, sinais e comportamentos que são os critérios para o diagnóstico de um indivíduo.

Culturalmente estamos transformando a forma de lidar com as coisas em nosso cotidiano. Segundo o professor Leonardo Gomes Mello e Silva, professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas FFLCH da USP, o que chamávamos de dureza no trabalho ou cansaço, e que era vivenciado somente naquele ambiente, hoje internalizamos essa relação, ela já não é mais exterior e objetiva, está entrando na subjetividade da pessoa, de maneira que essa distinção entre o fora e o dentro do trabalho fica mais difícil de ser estabelecida. Significa dizer que hoje as cobranças são levadas para casa e para o lazer e as metas do serviço envolvem uma mobilização maior do indivíduo (Revista Espaço Aberto, 2015).

Dos fatores da diferença de sexo e de gênero, a Associação Americana de Psiquiatria foi alvo de críticas ao defender que sexo e gênero podem interferir no diagnóstico de uma patologia. Fica claro que o objetivo da associação era elaborar uma estrutura sem viés de preconceito, mas sim, visando uma colaboração para um diagnóstico assertivo.

Podemos beber dessa fonte em relação à tipologia do emocionalmente e/ou mentalmente perturbado, para melhor assim defini-lo em um incidente crítico levando em consideração a diferença de sexo ou gênero, sabendo que existem variações de comportamento entre eles de acordo com a alteração do comportamento apresentado.

Em termos de nomenclatura, diferenças sexuais são variações atribuídas aos órgãos reprodutores de um indivíduo e ao complemento cromossômico XX ou XY. Diferenças de gênero são variações que resultam tanto do sexo biológico como da auto representação do indivíduo, que inclui consequências psicológicas, comportamentais e sociais do gênero percebido. O termo diferenças de gênero é utilizado no DSM-5 porque, com mais frequência, as diferenças entre homens e mulheres são o resultado tanto do sexo biológico quanto da auto representação individual. Contudo, algumas diferenças baseiam-se apenas no sexo biológico. (DSM-5, 2014, p.15).

Após esclarecer os campos de observação e colaboração da psicologia como ciência (podendo ela ser utilizada como ferramenta de auxílio na definição da tipologia do causador), agora podemos organizar e atualizar a tipologia do causador apresentada por Souza (2002), que versa sobre a tipologia do emocionalmente perturbado, agora entendida por uma outra ótica.

Mentalmente Perturbado

Realizando um recorte na tipologia do emocionalmente perturbado e trabalhando apenas com a classificação do indivíduo psicopata e psicótico (indivíduo completamente divorciado da realidade), observamos que esses dois tipos possíveis apresentam em comum a presença de um transtorno mental, este definido e classificado como uma patologia, diagnosticado por um manual estático DSM-5 e um manual de classificação internacional de doenças CID 11.

Com base nesse recorte e na comparação desses possíveis tipos, podemos definir o transtorno mental, clinicamente diagnosticado, como elemento nuclear para a definição da tipologia do mentalmente perturbado.

Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativas que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental. Desvios sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito. (DSM -5, 2014, p.20)

A entender, podemos definir a tipologia do mentalmente perturbado como sendo: um indivíduo que apresenta em sua estrutura algum tipo de transtorno mental caracterizado por uma perturbação clinicamente significativa, seja ela na cognição, em sua regulação emocional ou no seu comportamento, alterando com isso seus processos psicológico e biológico e o desenvolvimento de seu funcionamento mental implícito.

De acordo com o DSM-5 (2014), a formulação e análise de caso para qualquer paciente deve incluir uma história clínica criteriosa, bem como os fatores sociais, psicológicos e biológicos que podem ter contribuído para o desenvolvimento de determinado transtorno mental. Portanto, não basta simplesmente listar os sintomas nos critérios diagnósticos para estabelecer um diagnóstico de transtorno mental.

Amparado nessa abordagem clínica e adaptando para a realidade operacional, a qual envolve o atendimento de ocorrência com causadores mentalmente perturbados, devemos analisar seu transtorno levando em consideração a história do seu contexto clínico, o curso de suas relações sociais, suas condições biológicas e seu nível de preservação psicológica.

Dos transtornos apresentados nessa nova atualização podemos ter: Transtornos do Neurodesenvolvimento, Espectro da Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos; Transtorno Bipolar e transtornos relacionados; Transtornos Depressivos, Transtornos de Ansiedade, Transtorno Obsessivo-compulsivo e transtornos relacionados; Transtornos Relacionados a Trauma e a Estressores, Transtornos Dissociativos, Transtorno de Sintomas Somáticos e transtornos relacionados; Transtornos Alimentares, Transtornos da Eliminação, Transtornos do Sono-Vigília, Disfunções Sexuais, Transtornos Disruptivos do Controle de Impulsos e da Conduta; Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos, Transtornos Neurocognitivos, Transtornos da Personalidade, Transtornos Parafílicos, Transtornos do Movimento Induzidos por Medicamentos e outros efeitos adversos de medicamentos e ou outros transtornos mentais ou condições que podem ser foco da atenção e observação.

Com essa amplitude dos tipos mentalmente perturbados podemos ser mais assertivos e utilizar uma abordagem direcionada para lidar com o transtorno apresentado. Vale ressaltar que o objetivo não será promover um tratamento clínico, mas sim uma identificação de sintomas clinicamente definidos por um diagnóstico, visando ajustar as ferramentas de intervenção em um cenário de condução de uma crise gerada por um causador mentalmente perturbado.

A tipologia do mentalmente perturbado se faz necessária para ampliar os tipos de comportamentos apresentados pelo ser humano em incidentes críticos. atualizando os possíveis tipos de indivíduos identificados com essa tipologia (mentalmente perturbado), podemos ampliar nossa classificação, deixando de usar somente o indivíduo psicopata e o psicótico.

Destaco como fundamental e acabo por reforçar que, em relação ao indivíduo mentalmente perturbado para efeito de intervenção e acolhimento, precisamos levar em consideração o tipo de transtorno mental apresentado, o diagnóstico clínico, as alterações biológicas, psicológicas e as alterações implícitas do desenvolvimento mental apresentado.

Emocionalmente Perturbado

Com a tipologia do mentalmente perturbado definida, agora podemos filtrar e atualizar o que venha ser a definição da tipologia do emocionalmente perturbado.

Utilizando como base a definição de Souza (2002) dos tipos já citados dentro da classificação do emocionalmente perturbado, sobrou apenas a classificação do indivíduo que ele define como uma pessoa que simplesmente não conseguiu lidar com seus problemas de trabalho ou de família.

Ampliando esse conceito, podemos perceber que a interação do homem e mundo se apresenta muito mais ampla do que parece e não pode ser interpretada somente por dois campos vivenciais, assim explica a fenomenologia estudada na psicologia.

A fenomenologia possibilitou à psicologia uma nova postura para inquirir os fenômenos psicológicos: a de não se ater somente ao estudo de comportamentos observáveis e controláveis, mas procurar interrogar as experiências vividas e os significados que o sujeito lhes atribui, ou seja, o de não priorizar o objeto e/ou sujeito, mas centrar-se na relação sujeito objeto-mundo (Bruns, 2001, p. 63).

Fundamentado nessa teoria, não podemos entender o mundo fenomenológico do ser humano exclusivamente por sua relação com a trabalho e/ou a família, mas sim em um contexto maior, onde esse sujeito, em interação com seu mundo, pode experimentar suas relações e significados no campo religioso/espiritual, financeiro, escolar, familiar, trabalho e lazer entre outros que assim ele julgar representativo.

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Para promover a sobrevivência mental do ser humano, nós necessitamos de um processo de adaptação frente as relações e significados que experimentamos com o nosso mundo. Conforme a psicóloga Marilda Novaes Lipp, podemos experimentar uma reação de estresse a essa adaptação vivenciada. Ela define o estresse como uma reação que as pessoas demostram diante de algum fator, bom ou mau, que as obriga a desprender um esforço mais intenso que o usual, visando uma adaptação ao que está ocorrendo, seja externamente ou dentro da sua mente.

Segundo Lipp (2001), há muita ansiedade quando o estresse se agrava e o indivíduo experimenta uma gangorra emocional, podendo ocorrer um desequilíbrio interno muito grande, no qual as pessoas podem apresentar uma queda de energia, não conseguindo trabalhar; suas decisões podem ser impensadas, à medida que ocorre um aumento descontrolado do estresse aumenta a irritabilidade, a impaciência e a raiva, quando a tensão excede o limite gerencial, a resistência emocional e física começa a ruir, isso resulta em um conjunto de indivíduos estressados.

Fatores experimentados nessa gangorra emocional podem colaborar para o desequilíbrio emocional do indivíduo, alterando seu estado de humor, deixando seu estado afetivo emocional abalado e favorecendo o desequilíbrio em seu comportamento.

A partir dessas informações e teorias podemos atualizar a definição do emocionalmente perturbado como sendo: um indivíduo que apresenta alterações em seu comportamento provocado por uma gangorra de emoções, abalando sua estrutura afetiva e emocional, alterando com isso seu estado de humor, prejudicando sua relações e experiências com o seu mundo (religioso/espiritual, financeiro, escolar, familiar, trabalho, lazer e outros que assim ele julgar representativo em sua relação). Vale destacar que essas alterações não apresentam nenhum tipo de transtorno mental clinicamente diagnosticado, e não podem ser definidas somente pelo uso de drogas e/ou substâncias psicoativas que podem potencializar esse estado de perturbação emocional.

Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), droga é “toda a substância que, pela sua natureza química, afeta a estrutura e funcionamento do organismo” e dependência “um estado de necessidade física e/ou psíquica de uma ou mais drogas, resultante do seu uso contínuo ou periódico”.

Fonte (2006), uma das classificações mais empregadas na área da saúde, divide as drogas em depressivas, estimulantes e alucinógenas/modificadoras. Essa classificação serve para identificar e organizar os efeitos físicos e psicológicos experimentados pelo individuo mediante o uso de drogas.

As drogas depressoras são aquelas que diminuem a atividade do sistema nervoso central, provocando relaxamento, afastando as sensações desagradáveis. As drogas estimulantes ativam o sistema nervoso central, aumentando o estado de alerta e atenção, suprimindo o sono, fadiga, apetite, provocam excitações e as pessoas sentem-se com mais força e mais inteligentes. Por fim, as drogas modificadoras provocam uma perturbação na atividade cerebral, produzindo distorções ao nível da percepção e da cognição. (Fonte, 2006)

Com todas essas alterações podemos perceber que o causador do incidente crítico mediante o uso de drogas pode apresentar alterações físicas e psicológicas, prejudicando seu desempenho ou potencializando suas emoções.

Levando em consideração esses apontamentos, identificamos que a droga, ou qualquer outra substância psicoativa ingerida pelo indivíduo, é um agente externo que acaba por ser interiorizado em seu estado físico e psicológico, promovendo alterações, potencializando ou inibindo tudo que ele já traz em sua estrutura de personalidade, bem como a maneira de lidar com suas emoções; logo o elemento droga pode alterar algo que já pertence ao indivíduo, seja uma emoção, um conflito, um medo ou um desejo.

Segundo Salinac (2006, p. 111) o efeito das drogas nas pessoas é um assunto extremamente complexo, sendo importante destacar que usuários misturam drogas de todo os tipos e formas que se possa imaginar, por isso, a assessoria de um profissional da saúde é muito importante para a interpretação e revisão dos efetivos da substância no organismo e no comportamento do causador usuário de drogas.

Atualizar essa definição visa ampliar a visão das possíveis relações de conflito vivenciadas pelo causador do incidente crítico, para assim poder oferecer uma ferramenta de intervenção adequada para a influência e mudança de comportamento.

Em relação ao indivíduo emocionalmente perturbado para efeito de intervenção e acolhimento, precisamos levar em consideração seu comportamento, o nível de abalo da sua estrutura afetivo emocional, seu estado de humor e identificar a relação de conflito vivenciada em seu mundo fenomenológico, seja na área religiosa/espiritual, financeira, escolar, familiar, trabalho, lazer e/ou outros que assim ele julgar representativo em sua relação.

Tipologia do Terrorista

Segundo a classificação feita pelo capitão Frank Bolz Junior, do Departamento de Polícia de Nova York, EUA, citado por Souza (2002), temos por fim a tipologia do indivíduo terrorista que em sua manifestação pode apresentar uma motivação política ou religiosa. Embora seja considerada uma realidade que apresenta uma baixa estatística de casos em nosso país, o resultado fica eternizado pelo tempo devido seu impacto devastador e cruel.

Segundo Witcker (2005) citado por Raposo (2007), A palavra “terrorismo” deriva do latim terror, que significa medo ou horror. Trata-se de um termo usado para designar um fenômeno político, de longa data, cuja finalidade é aniquilar ou aterrorizar rivais mediante o uso de violência, terror e morte de pessoas inocentes. Sem modificar sua essência, o terrorismo exibe, na atualidade, cinco aspectos que o distinguem de épocas anteriores: o caráter transnacional; o embasamento religioso e nacionalista; o uso de terroristas suicidas; a alta letalidade dos ataques; e a orientação anti-ocidental, sobretudo nos grupos fundamentalistas islâmicos. Essas características nos remetem a uma nova modalidade, que poderia ser chamada de neoterrorismo.

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As forças de segurança nacionais buscam uma evolução e amadurecimento ao lidar com essa tipologia, vide a preocupação que procurou estabelecer uma lei que visa disciplinar o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista, conforme cita a lei:

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública, LEI Nº 13.260, DE 16 DE MARÇO DE 2016.

Atualmente a tipologia do terrorista vem se destacando pelo mundo e em especial em nossa cultura nacional, exigindo assim maiores estudos e fundamentações teóricas para nortear respostas gerenciais a esse tipo de causador.

Raposo (2007), 2º Oficial de Inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), um teórico especialista em terrorismo, destaca em seu artigo alguns tipos de modalidades que atualmente devemos levar em consideração: Terrorismo Suicida, Terrorismo Cibernético (Ciberterrorismo), Terrorismo Nuclear e Radioativo, Bioterrorismo.

Segundo o tenente-coronel Eduardo de Oliveira Fernandes (2012, p. 88-89) citado por Aguilar (2017), as organizações criminosas têm se utilizado de técnicas terroristas protagonizando ataques múltiplos, coordenados ou simultâneos, como os que ocorreram em São Paulo em 2006, e defende a tese de um novo fenômeno criminal ao abordar as terminologias: terrorismo criminal e criminoso.

Colaborando para o processo de atualização, não podemos deixar de destacar os incidentes críticos com atiradores ativos em nossa realidade a nível nacional, onde tivemos: um atirador no Shopping Morumbi (1999), um atirador no colégio em Realengo/Rio de Janeiro (2011), um atirador na igreja em Campinas/São Paulo (2018) e dois atiradores em Suzano/São Paulo (2019).

De acordo com os eventos acima expostos fica evidenciada a necessidade de consolidação de uma doutrina preparada para lidar com essa tipologia de causador, como também temos a presença dos “lobos solitários”, em outras culturas também conhecidos com “ratos solitários”, considerado uma pessoa que age em nome próprio, sem ordens ou conexões com uma organização, definição do Escritório de Assistência Antiterrorismo do Departamento de Estado dos EUA citado por Aguilar (2017) e a entender temos o atirador ativo como sendo:

Um atirador ativo é um indivíduo ativamente empenhado em matar ou tentar matar pessoas em uma área povoada ou confinada. Na maioria dos casos, atiradores ativos usam armas de fogo e não há um padrão ou método para a sua seleção de vítimas. Situações com atirador ativo são imprevisíveis e podem evoluir rapidamente. (Federal Emergency Management Agency, FEMA, IS-907, 2017)

Vale destacar que mediante o impacto e complexidade da tipologia do terrorista, maiores estudo são necessários para lidar com sua manifestação, seja ela fundamentalista, radicalista ou extremista, lembrando que a proposta nuclear desse capítulo visa trabalhar e explorar o emocional e mentalmente perturbado.

Considerações finais

O trabalho proposto vislumbra colaborar para uma melhor identificação do indivíduo causador do incidente crítico atualizando sua definição tipológica, vale ressaltar que para obter essa atualização, todos os trabalhos já realizados foram de suma importância para a confecção, reorganização e classificação da tipologia dos causadores.

Como raiz embrionária desse estudo, abaixo é apresentada uma divisão do conceito da tipologia do causador relacionando o que era interpretado como emocionalmente perturbado para mentalmente perturbado e/ou mentalmente perturbado conforme esquema abaixo:

Fonte: o Autor.

Utilizando a doutrina de gerenciamento de crises como base teórica para a organização, condução e controle do incidente crítico, esse estudo possibilitou identificar ferramentas de consulta e intervenção em relação a expressão e instrumentalidade do causador da crise.

Na função de negociador, entender o causador do incidente crítico se torna crucial para determinar a linha de negociação a ser seguida, e nesse caminho de persuadir e influenciar o comportamento do causador o processo de identificação de sua tipologia tem como finalidade auxiliar os ajustes de intervenção, promovendo um acesso assertivo em relação à mudança de comportamento do causador.

Como fruto deste estudo podemos destacar algumas ferramentas de táticas que visam colaborar na resolução da crise envolvendo os perfis do mentalmente e emocionalmente perturbado:

1. Colaboração para o direcionamento e captação de recurso durante o processo de coleta de informações

A informação é uma das ferramentas mais importantes dentro do processo de gerenciamento de crise. Com a implementação desse novo modelo de tipologia, podemos direcionar o processo de levantamento e investigação de modo mais assertivo. O quadro abaixo simplifica alguns elementos de informação fundamentais para cada tipologia:

Fonte: o Autor.

2. Colaboração para definir uma linha de abordagem e condução do processo de negociação

Levando em consideração que todo processo de negociação é ser norteado por motivações conscientes e inconscientes, uma equipe de negociação não pode renunciar à análise da tipologia do causador.

No caso do emocionalmente perturbado a equipe deve levar em conta uma certa racionalidade preservada, onde o causador direciona sua motivação e suas exigências à esfera da realidade que o cerca.

No caso do mentalmente perturbado, o processo racional sofre uma ruptura, mesmo que temporal ou definitiva, onde o curso da realidade é prejudicado. Diante dessa representatividade a equipe deve reunir elementos para acessar o conflito psíquico do causador, promovendo o acolhimento e redução dos impactos percebidos por ele.

3. Colaboração frente a comunicação do causador com a equipe de intervenção/assalto

Dentro da realidade de gerenciar uma crise, a polícia conta com algumas alternativas especiais a serem implementadas e uma delas, a ser considerada em uma ocorrência envolvendo as referidas tipologias, chamaremos de tática de intervenção/assalto.

Vale destacar que o procedimento de intervenção sempre será seguido de uma verbalização ou comado de voz, e nesse momento fica clara a importância de identificar e diferenciar a tipologia do causador entre o emocionalmente e mentalmente perturbado.

O mentalmente perturbado pode apresentar prejuízo na compreensão da realidade que o cerca, tendo dificuldade em identificar a equipe de intervenção como uma força policial controladora, criando com isso uma barreira na comunicação, promovendo uma aversão acentuada diante da intervenção.

No caso do emocionalmente perturbado, devido à interação com a realidade se manter preservada em um nível de interação básica, acredita-se que a representação da equipe de intervenção poderá ser mais bem interpretada pelo causador.

Toda a atualização exige uma contextualização teórica seguida de uma implementação prática, que tive oportunidade de executar no grupo ao qual pertenço. Percebemos que os desdobramentos foram positivos ao ajudar uma classificação adequada, mediante as respostas de comportamento apresentadas por parte do causador da crise.

Neste estudo, apesar da relevância, é importante destacar que não foi feita nenhuma referência às abordagens jurídicas e políticas do uso drogas, e que para sedimentar tais definições, referentes às tipologias dos causadores no mundo acadêmico, são sugeridos maiores estudos.


*Edson Dias Santos é cabo da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), Bacharel em Psicologia e pós-graduado em Psicobiologia pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Possui, entre outros, os cursos: Gerenciamento de Crise e Negociação COT (PF/DF), Ações Táticas Especiais e Gerenciamento de Crises e Negociação (GATE/SP). É docente em diversas disciplinas na PMESP e Instrutor Técnico e Especialista em Doutrina de Gerenciamento de Crise; Psicólogo Negociador do GATE/SP responsável por desenvolver diversos treinamentos táticos operacionais com aplicabilidade da ciência da psicologia em resposta a incidentes críticos. É negociador policial com experiência em centenas de ocorrências atendidas durante 18 anos dedicados ao GATE, entre elas: ocorrências com refém emocionalmente e mentalmente perturbado, atirador ativo, suicida e marginal embarricado em local de difícil acesso. Atuou na Copa do Mundo 2014, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016 e na Copa América de 2014 como membro do Gabinete de Gerenciamento de Crises e Negociador de Crises envolvendo vítimas e reféns localizados. Atualmente permanece na função de negociador policial do GATE/SP no 4º Batalhão de Polícia de Choque – Operações Especiais.


Referências

AGUILAR, Paulo Augusto. MACTAC – Multi-Assault Counter-Terrorist Action Capabilities: Capacidade de Resposta Contra-terrorista Frente a Múltiplos Ataques. Revista da PMESP: A Força Policial, São Paulo, Disponível em: <http://goo.gl/jNdjvo>. p. 45-57, junho de 2016.

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BOLZ JUNIOR, Frank A. How to be a Hostage and Live. Lyle Stuart Inc., SECAUCUS, New Jersey, 1987.

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2 comentários

  1. Ótimo artigo. Durante a leitura, me lembrei do caso Eloah – Aquela menina que foi feita refém pelo seu namorado chamado Lindberg.

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