Se o Estado não Chegar até Eles, Alguém Chegará

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

A imagem de um jovem com réplica de fuzil ilustra a “guerra cultural” e a inoperância do Estado; a luta árdua da polícia e falhas da justiça, levam ao clamor por intervenção estatal urgente nas comunidades.


Dias atrás repercutiu, nas redes sociais, a imagem de um jovem subindo a viela de uma comunidade, tendo às costas, como “brinquedo”, uma réplica de fuzil com as iniciais de uma organização criminosa.

Sem camisa, com chinelos gastos, olhando para o chão, ele percorre o estreito caminho onde habitações extremamente humildes acomodam famílias que, certamente, desejariam ter uma melhor condição de vida. De qualquer forma, essa criança está imitando alguém que admira e se faz presente em seu dia a dia. Corretamente, entre os vários comentários sobre esta imagem (os quais lemos nas postagens onde foi reproduzida), é citada a “Guerra Cultural”. Exatamente, o que passa a ser admirado? Qual é a mensagem, quais são os valores, qual é a “autoridade” a ser imitada por ele? Qual é seu presente e o que ele almeja para o seu futuro (caso tenha um)?

Mas, não é fácil chegar até esse jovem e seu brinquedo (quanto mais em seu coração e em sua mente). Nem a ele e nem a milhares e milhares de outros.


Uma imagem com várias mensagens (e reflexões) implícitas (Fonte: Redes Sociais).

Para que a Torre Eiffel pudesse ser construída, foram necessárias aproximadamente 7.300 toneladas de peças de ferro (unidas por cerca de 2,5 milhões de rebites). Esse, também é o peso aproximado das barricadas retiradas pelas forças de segurança do Rio de Janeiro em 2024. Somente em 2023, foram removidas 2.317 delas (conforme divulgado pela Polícia Militar), em um total de 3.500 toneladas de entulho. Policiais, cujo salário não é de forma alguma compatível com o risco que correm (ainda mais quando comparamos ao erário destinado a outros funcionários públicos de carreira ou àqueles que ocupam gabinetes em funções de confiança e cargos em comissão) levam a cabo, quase que sozinhos e sem apoio incisivo de outros órgãos, uma missão dura, perigosa e frustrante.

Em 2023, os policiais do 7º BPM (Batalhão de Polícia Militar) removeram 464 barricadas e, os do 16º BPM, 419. Outras unidades policiais removeram dezenas (senão centenas) de obstáculos similares. Presumo que um policial militar do Rio de Janeiro não imaginou, ao prestar concurso, que sua ferramenta de trabalho seria, também, um maçarico (a ser utilizado em uma área onde necessitará do apoio de vários outros policiais e recursos como veículos blindados e maquinário, não exatamente da mesma forma que um serralheiro faz uso de idêntica ferramenta em uma calma oficina).

No mesmo Estado onde policiais removem as barricadas, uma notícia (entre as centenas que podemos facilmente encontrar) publicada no primeiro semestre de 2024, informava que um criminoso, então com 20 anos de idade, estava sendo preso pela 81ª vez. Por sinal, na primeira em que foi apreendido, havia sido em 2013, com 10 anos de idade. O caso foi exposto como a “ilustração da inoperância da justiça no Brasil” pela repórter.

Mas não é somente essa profissional que possui tal percepção. Se observarmos o Índice de Estado de Direito (Rule of Law Index) do World Justice Project alusivo ao ano de 2024, entre 142 nações avaliadas, a Justiça Criminal Brasileira encontra-se em 113ª posição (pior avaliada que as justiças iraniana, etíope, nigeriana ou sudanesa). Porém, dentro dos fatores avaliados para chegar a esta posição preocupante, no subitem “imparcialidade do sistema penal”, somente a Venezuela está em pior (e última) posição. É algo para refletir, não somente em relação à interpretação e aplicação das leis, mas, também, em relação a quem as faz e quais as prioridades das autoridades democraticamente eleitas para representar a população no Poder Legislativo, bem como no Executivo.

Já que falamos de reportagens, uma publicada no dia 17 de abril de 2020, cita um ministro da Suprema Corte e seu voto para restringir as operações policiais nas proximidades de escolas no Rio de Janeiro (tratava-se de notícia a respeito da ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, 635). Pouco mais de três anos depois, outra, publicada em 24 de setembro de 2023, era mais contundente: “Exclusivo: imagens mostram criminosos dando treinamento de guerrilha no Complexo da Maré – Bandidos fortemente armados simulam confrontos com a polícia em espaço próximos a creche e escolas na Maré.

Assim, o perímetro (escolar, principalmente, em destaque) a ser “protegido”, com a exigência de protocolos por parte da polícia, com ênfase na intensa fiscalização e denúncias contra operações policiais, passou a ser utilizado por narcoterroristas como área de treinamento, onde seu adestramento era vinculado à maior eficiência no combate às forças legais e, também, a grupos rivais, mantendo-se o domínio territorial, negando ou mitigando a governança estatal efetiva.


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Se o Estado não ocupa um espaço, alguém irá ocupá-lo e tentar mantê-lo, impondo também um regramento próprio aos demais que serão obrigados a nele conviver. Resta saber quem, de que forma e com qual regramento. Caso seja o Estado, há necessidade de atuação e suporte em diversas dimensões, em um trabalho contínuo, harmônico e de longo prazo, com diversos atores fazendo o seu trabalho, sem outras interferências.

Quantas “Torres Eiffel” a polícia terá que remover, prendendo às vezes o mesmo criminoso dezenas de vezes, até que integrantes de outros poderes entendam o que é a realidade e o efetivo significado do binômio causa/efeito? É fato que criminosos, terroristas, grupos insurgentes e congêneres apoiam-se mutuamente, quando há interesses. Resta aos demais fazerem o mesmo para tentar em um lapso que, com muito otimismo, é o de uma geração, mudar a realidade brasileira (realidade, digo, do cidadão e de profissionais como os policiais).

Por curiosidade, no final do Século XX, Qiao Liang e Wang  Xiangsui já citavam outras formas de atuação, que não a convencional (militar), tratando-se de conflitos. Em Guerra Além dos Limites: Conjecturas Sobre a Guerra e a Tática na Era da Globalização (Unrestricted Warfare: PLA Literature and Arts Publishing House, Pequim, 1999) já haviam mencionado diversos meios e métodos a serem utilizados para a execução de “Operações de Guerra Não-Militares”, entre estas a guerra psicológica (com a divulgação de, por exemplo, rumores para que ocorra a intimidação e neutralização da vontade de forças adversárias), a guerra em redes interativas (sociais), comprometendo pessoas em um tipo de atuação onde consideravam ser “virtualmente impossível a proteção”, a guerra de mídia (manipulando as informações que chegam ao público, influenciando sua opinião) e, nada mais atual um quarto de século depois da publicação, a guerra cultural (divulgando tendências, condutas “culturais” com a cooptação de pessoas com pontos de vista divergentes da maioria).

Da mesma forma, o uso da legislação e do sistema judicial como “arma” também é previsto (lawfare, para desgaste em diversos pontos, bem como aproveitando circunstâncias para a criação de novas leis/jurisprudência, que sejam de interesse a determinado grupo). Com certeza muitos enxergarão a aplicação, de uma forma ou de outra, desses meios na vida cotidiana atualmente. Alguém (ou “alguéns”) conheceu esses tipos de métodos e os aplica de forma eficaz, adequando-os quando necessário e, por vezes, alterando a roupagem, bem como angariando parcerias, admiradores e até defensores.

Se o Estado não chegar até esse jovem (com seu adornado “brinquedo”), alguém chegará ou, pior ainda, permanecerá. Permanência esta pelo convívio, pelos valores que estarão em sua mente e, portanto, em suas convicções e condutas. Resta apoiar (efetivamente) quem retira as barricadas (muitas vezes sob fogo de fuzil) nos Estados do nosso imenso Brasil, para que se chegue até ele (e a outros em idêntica situação).

A partir daí, ainda haverá um longo caminho ainda a percorrer, durante muito tempo.

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