A Operação Spider Web lançada pela Ucrânia revoluciona a guerra moderna ao combinar drones de baixo custo, IA e táticas assimétricas no ataque a bases russas, redefinindo doutrinas e impactando o Tratado New START.
Desde 2022, o conflito entre Ucrânia e Rússia tem demonstrado a evolução da guerra moderna, revelando novas estratégias e tecnologias que redefinem os paradigmas do combate. A superioridade aérea sempre foi um fator determinante para o sucesso das operações militares russas, com o uso de bombardeiros estratégicos de longo alcance capazes de lançar mísseis de cruzeiro contra alvos ucranianos. No entanto, a Ucrânia vem explorando táticas inovadoras para neutralizar essa vantagem, utilizando abordagens assimétricas e disruptivas.
A Operação Spider Web se destaca nesse contexto como um exemplo de convergência operacional e guerra em ambiente multidomínio, unindo capacidades espaciais, aéreas, terrestres, cibernéticas, informacionais e humanas em uma operação coordenada. O emprego de drones FPV de baixo custo, combinados com inteligência artificial, redes móveis e logística clandestina, permitiu que as forças ucranianas atingissem bases aéreas russas estratégicas, causando danos significativos à aviação de longo alcance.
Este artigo tem como objetivo explorar os aspectos táticos, tecnológicos e estratégicos da Operação Spider Web, analisando sua concepção, execução e impactos no cenário militar contemporâneo. Além disso, busca estabelecer conexões entre a operação e o conceito de operações de convergência, conforme definido pelo Exército Brasileiro, demonstrando a integração de múltiplos domínios.
Planejamento e Execução
A Operação Spider Web foi resultado de um planejamento minucioso que se estendeu por 18 meses antes de sua execução. O objetivo central da estratégia era atingir bases aéreas estratégicas russas, comprometendo sua capacidade de lançar bombardeiros de longo alcance contra alvos ucranianos. Para isso, a Ucrânia desenvolveu um plano que integrava inteligência, logística clandestina, tecnologia avançada e ações coordenadas em múltiplos domínios.
Um dos maiores desafios da operação foi a grande distância entre o território ucraniano e as bases aéreas russas, algumas das quais estavam a milhares de quilômetros da linha de frente. A Base Aérea de Belaya, por exemplo, localiza-se a 6.112 km de distância da Ucrânia, tornando praticamente impossível um ataque convencional direto. Para contornar esse obstáculo, o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU, Sluzhba Bezpeky Ukrainy) desenvolveu uma estratégia inovadora que envolvia a infiltração de lançadores móveis de drones dentro da Rússia, permitindo que os ataques fossem executados já dentro do território russo, sem a necessidade de sobrevoar espaços controlados por radares inimigos.
Uma das etapas mais críticas foi o contrabando de drones de ataque, sistemas de lançamento modulares e cargas explosivas para dentro da Rússia. A logística foi conduzida de forma secreta, utilizando rotas encobertas para transportar cerca de 150 drones FPV, 300 cargas explosivas e os dispositivos de lançamento. Para evitar a detecção pelas forças russas, os equipamentos foram ocultados dentro de cabines modulares de madeira, que posteriormente foram carregadas em caminhões de transporte convencionais. Dessa forma, os veículos passavam despercebidos em meio ao fluxo de cargas civis dentro do território russo.
Um elemento fundamental da operação foi a utilização de civis russos desavisados na fase de transporte dos lançadores móveis. O SBU recrutou caminhoneiros russos para realizar entregas, sem que soubessem da verdadeira natureza da carga que transportavam. Os motoristas recebiam instruções para seguir rotas predefinidas e estacionar os caminhões em locais estratégicos, próximos às bases aéreas militares russas. Esses locais incluíam postos de combustível e áreas isoladas ao longo de rodovias, garantindo que os veículos permanecessem discretamente posicionados antes da ativação dos drones.
No momento designado para o ataque, os tetos das cabines de madeira foram abertos remotamente, permitindo que os drones decolassem diretamente dos caminhões. Esse método de lançamento minimizou a distância entre a origem e o alvo, reduzindo a possibilidade de interceptação pelos sistemas de defesa aérea russos. Dessa forma, os drones conseguiram contornar as defesas do tipo Pantsyr e S-300, atingindo as aeronaves russas sem serem derrubados.
Após o lançamento dos drones, os caminhões foram autodestruídos, impedindo que qualquer equipamento remanescente pudesse ser inspecionado ou recuperado pelo Exército russo. A autodestruição foi programada por meio de cargas explosivas instaladas nos veículos, garantindo que todas as provas físicas da operação fossem eliminadas.
Esse planejamento altamente sofisticado garantiu que 117 drones fossem lançados com sucesso, atingindo mais de 40 aeronaves, incluindo bombardeiros estratégicos e aeronaves de alerta antecipado. Além do impacto direto na frota aérea russa, a operação demonstrou a eficácia de uma abordagem multidomínio, combinando logística terrestre, tecnologia aérea, infraestrutura cibernética e operações humanas encobertas.
Impacto Estratégico e Tático
A Operação Spider Web atingiu quatro bases aéreas russas estratégicas, comprometendo parte significativa da aviação militar de longo alcance da Rússia. As bases atacadas foram essenciais para as operações ofensivas russas, funcionando como centros de lançamento de bombardeiros estratégicos e aeronaves de alerta antecipado. Entre as bases afetadas, destacam-se:
• Olenya Air Base (Murmansk), que abriga bombardeiros estratégicos Tu-160 e Tu-95MS, essenciais para ataques de longo alcance em missões de caráter nuclear. Operada pelo Comando Estratégico Russo.
• Diaghilevo Air Base (Ryazan), utilizada para treinamento de tripulações e manutenção de bombardeiros convencionais. Operada pela Força Aeroespacial russa.
• Belaya Air Base (Irkutsk), a mais distante das bases atacadas, a 6.112 km da Ucrânia, operada pela Força Aeroespacial russa, e crucial para operações de bombardeiros Tu-22M3 e Tu-95 destinados às missões convencionais (não nucleares).
• Ivanovo Air Base (Ivanovo), que abriga o único esquadrão das aeronaves A-50 AWACS, fundamentais para a defesa aérea e coordenação de ataques. Também operada pela Forças Aeroespacial Russa.
A frota russa está distribuída entre o Comando Estratégico Nuclear e a Força Aeroespacial, conforme demonstrado na tabela abaixo:
O governo ucraniano alega que os ataques a essas instalações resultaram na destruição ou dano de mais de 40 aeronaves, alegadamente cerca de 30% da frota do tipo no arsenal russo, incluindo bombardeiros Tu-95MS e Tu-22M3, além de aviões A-50. Entretanto esse número pode estar inflado, e vem sendo contestado inclusive pelos norte-americanos. De qualquer forma, imagens divulgadas mostram que o impacto foi significativo, particularmente se considerarmos os seguintes aspectos:
• A maior parte dos bombardeiros Tu-95MS e Tu-160 não está mais em produção, tornando qualquer tentativa de reposição extremamente difícil;
• A redução da frota compromete a capacidade da Rússia de realizar ataques de longo alcance, seja convencional ou nuclear, afetando diretamente sua doutrina militar;
• A perda de bombardeiros nucleares pode influenciar discussões sobre a renovação do Tratado New START, levando a mudanças na política de transparência e inspeção internacional.
A operação expôs falhas críticas na defesa aérea russa, evidenciando a dificuldade do país em impedir ataques dentro de seu próprio território. Sistemas como Pantsyr e S-300, responsáveis pela proteção de infraestruturas militares, não conseguiram interceptar os drones ucranianos, demonstrando vulnerabilidades na vigilância e resposta rápida a ameaças de baixo custo.
O prejuízo causado pela Operação Spider Web foi estimado pelos ucranianos em sete bilhões de dólares, considerando o valor estimado das aeronaves destruídas segundo os números por eles apresentados.
Independentemente da questão de valores e número de aeronaves, essa ação representa um marco na guerra moderna, evidenciando como o uso coordenado de drones de baixo custo, inteligência artificial e guerra informacional pode gerar impactos estratégicos profundos, mesmo contra uma potência militar como a Rússia.
Implicações Para o Tratado New START e a Segurança Global
O Tratado New START (Estados Unidos; Rússia, 2010), foi firmado em 2010, é o último dos grandes acordos de controle de armas nucleares entre as principais potências nucleares ainda em vigor. Sua principal função é limitar arsenais estratégicos e manter transparência sobre seu manejo, garantindo um equilíbrio de forças e reduzindo o risco de confrontos.
O Tratado New START foi assinado em 8 de abril de 2010, em Praga, pelos então presidentes Barack Obama (EUA) e Dmitri Medvedev (Rússia). Entrou em vigor em 5 de fevereiro de 2011, com validade inicial de 10 anos, sendo posteriormente prorrogado até 2026.
O tratado estabeleceu limites para ogivas nucleares estratégicas, lançadores de mísseis e bombardeiros, além de um regime de inspeção e transparência que exige que as potências mantenham suas frotas visíveis em pátios abertos para monitoramento por satélites militares. No entanto, a Rússia suspendeu as inspeções presenciais em 2023, alegando que o Ocidente explorava o tratado para obter vantagens estratégicas. Foram mantidas, portanto, apenas as vistorias por meio de satélites, aproveitando a política de céus abertos.
O ataque ucraniano à frota de bombardeiros russos, facilitado pela política de céu aberto do New START, levanta questões sobre o futuro do tratado e seus mecanismos de transparência.
Um dos pilares do New START é a política de inspeção e transparência, que obriga os dois países a manterem suas aeronaves estratégicas estacionadas em pátios abertos, permitindo o monitoramento contínuo via satélites militares. Essa prática visa evitar surpresas nucleares e aumentar a previsibilidade entre as potências, mas, paradoxalmente, tornou-se uma fraqueza explorada pela Ucrânia. Com acesso a imagens de satélite e dados de inteligência aberta, as forças ucranianas puderam identificar a posição exata de bombardeiros estratégicos russos, viabilizando ataques certeiros contra aeronaves essenciais para a doutrina nuclear russa.
Antes da operação, analistas ucranianos estudaram o posicionamento dos bombardeiros Tu-95MS, Tu-160 e Tu-22M3 nas bases aéreas russas. A localização fixa e exposta dessas aeronaves facilitou a execução do ataque, uma vez que os drones puderam ser programados para atingir aeronaves específicas. A destruição de parcela significativa da frota de bombardeiros russa levantou um alerta para Moscou sobre os riscos de manter sua força nuclear exposta, colocando em xeque a política de céu aberto do New START.
Diante desse cenário, a Rússia pode pressionar por mudanças no tratado, buscando maior flexibilidade na forma como estaciona seus bombardeiros estratégicos. Desde fevereiro de 2023, Putin suspendeu a participação da Rússia no New START, alegando que o Ocidente estava explorando o acordo para obter vantagens estratégicas. A Operação Spider Web pode reforçar essa justificativa, levando Moscou a insistir em restrições às inspeções externas e no direito de realocar suas aeronaves para instalações protegidas, longe do alcance dos satélites de monitoramento norte-americanos.
Se o New START não for renovado em 2026, a Rússia e os EUA podem entrar em um novo ciclo de desconfiança, aumentando a imprevisibilidade no cenário internacional. Sem as inspeções mútuas e regras de transparência, ambos os países podem adotar posturas defensivas mais agressivas, escondendo suas forças nucleares e dificultando qualquer tipo de verificação independente. Isso não apenas compromete a estabilidade estratégica, mas também eleva o risco de erros de cálculo, podendo acelerar escaladas militares indesejadas.
A ausência de um tratado formal pode incentivar novos investimentos em armas estratégicas, iniciando uma corrida armamentista entre as potências nucleares. A possibilidade de esconder arsenais abre espaço para programas de modernização acelerada, onde tanto Rússia quanto Estados Unidos podem expandir seus estoques de mísseis estratégicos e bombardeiros furtivos, elevando o custo global da segurança e criando um ambiente de maior instabilidade.
A Operação Spider Web não apenas infligiu danos diretos à frota aérea russa, mas também pressionou um dos últimos pilares do controle de armas nucleares. A forma como Moscou e Washington reagirão nos próximos anos pode definir se a transparência continuará sendo um mecanismo de estabilidade ou se entraremos em uma nova era de sigilo e imprevisibilidade militar.
O Papel da Tecnologia e da Inteligência Artificial
A Operação Spider Web demonstrou o impacto da tecnologia e da inteligência artificial na guerra moderna, integrando sistemas autônomos, redes de comunicação avançadas e aprendizado de máquina para maximizar a eficácia dos ataques. O uso de drones FPV, combinados com sistemas de pilotagem automatizada, garantiu a precisão dos ataques e minimizou a necessidade de intervenção humana direta.
Emprego do ArduPilot
Os drones utilizados na operação foram equipados com o ArduPilot, um sistema de controle de voo automatizado amplamente empregado em aeronaves não tripuladas. Esse software permitiu que os drones voassem de forma autônoma, seguindo rotas predefinidas e ajustando sua navegação conforme os dados recebidos. O ArduPilot possibilitou (Bondar, 2025):
• Planejamento de trajetória baseado em coordenadas geográficas, permitindo que os drones atingissem alvos específicos sem necessidade de operadores humanos ativos no momento do ataque;
• Ajustes automáticos para evitar obstáculos e interferências, tornando os drones mais eficazes em um ambiente de guerra eletrônica;
• Integração com sistemas de mira e sensores, otimizando a precisão dos ataques contra aeronaves estacionadas.
Exploração de Redes Móveis Russas
Para evitar bloqueios por guerra eletrônica e interferência de sinal, os operadores ucranianos exploraram as redes móveis russas 4G/LTE para controle dos drones (Bondar, 2025). Ao invés de depender de comunicações por rádio, que poderiam ser facilmente detectadas e bloqueadas, a operação utilizou cartões SIM russos adquiridos clandestinamente, permitindo que os drones se conectassem diretamente à infraestrutura de telecomunicações locais. Esse método trouxe vantagens como:
• Baixa probabilidade de detecção, pois os drones operavam como dispositivos convencionais dentro da rede russa.
• Maior alcance operacional, eliminando restrições associadas a transmissores de curto alcance;
• Capacidade de coordenação em tempo real, garantindo que os drones ajustassem seus ataques com base em novas informações obtidas pelos operadores ucranianos.
Emprego de Inteligência Artificial
A inteligência artificial desempenhou um papel fundamental na seleção dos alvos e na otimização dos ataques. Modelos avançados de visão computacional foram treinados para reconhecer padrões específicos nos bombardeiros estratégicos russos, identificando os pontos mais vulneráveis das aeronaves estacionadas. Com isso, os drones puderam (Bondar, 2025):
• Localizar alvos prioritários com base em assinaturas térmicas e imagens de satélite;
• Determinar pontos críticos das aeronaves, como motores, cabines de comando e depósitos de combustível, maximizando os danos causados;
• Ajustar a trajetória para garantir impacto direto nos alvos, evitando desperdício de munição e aumentando a efetividade dos ataques.
Para que os drones atacassem com precisão, engenheiros ucranianos treinaram sistemas de inteligência artificial utilizando bombardeiros soviéticos preservados em museus e centros de pesquisa. Esses modelos serviram como referência para a IA identificar fraquezas estruturais em aeronaves da era soviética ainda utilizadas pela Rússia. Isso permitiu que os drones fossem programados para atingir exatamente os componentes mais sensíveis, como (Bondar, 2025):
• Superfícies de controle, impedindo que as aeronaves danificadas pudessem ser reparadas rapidamente;
• Motores e entradas de ar, neutralizando a capacidade dos bombardeiros de decolar;
• Sistemas de armamento e eletrônica de bordo, reduzindo a eficiência operacional das aeronaves remanescentes.
5.4 Possível uso do Starlink Para Comunicação e Controle dos Drones
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Dado o alcance dos ataques e a necessidade de controle remoto confiável, é plausível que o sistema Starlink tenha sido utilizado para garantir a conectividade dos operadores ucranianos com os drones dentro do território russo. O Starlink já provou ser uma ferramenta essencial para as forças ucranianas, permitindo comunicações seguras mesmo em áreas onde as infraestruturas convencionais foram comprometidas.
Se o Starlink foi empregado na Operação Spider Web, ele pode ter desempenhado os seguintes papéis:
• Garantia de comunicação segura e criptografada, evitando bloqueios por guerra eletrônica russa;
• Controle remoto dos drones a partir de grandes distâncias, permitindo que operadores ucranianos ajustassem os ataques em tempo real;
• Redundância de conexão, caso as redes móveis russas fossem bloqueadas ou interferidas.
Embora não haja confirmação oficial sobre o uso do Starlink nessa operação específica, seu amplo uso pela Ucrânia e sua aplicação em conflitos anteriores sugere que ele pode ter sido o elemento-chave na coordenação dos ataques, especialmente considerando a necessidade de controle remoto confiável em distâncias que envolveram milhares de quilômetros.
O uso coordenado das tecnologias citadas elevou a eficácia da Operação Spider Web, demonstrando como drones de baixo custo, combinados com inteligência artificial, redes móveis e planejamento autônomo, podem atingir alvos estratégicos altamente protegidos, alterando o equilíbrio da guerra moderna.
Convergência de Operações em Ambientes Multidomínio
A Operação Spider Web exemplifica a aplicação de uma convergência de meios e capacidades para a atuação em um ambiente multidomínio, demonstrando como a combinação de diferentes capacidades pode gerar efeitos estratégicos significativos. A guerra moderna exige sincronização de esforços em múltiplos domínios, permitindo que forças militares explorem vulnerabilidades do inimigo e maximizem o impacto de suas ações.
Ambiente Multidomínio
A operação foi executada simultaneamente em múltiplos domínios, garantindo que diferentes elementos contribuíssem para o sucesso da missão. A atuação coordenada nesses domínios permitiu que a Ucrânia explorasse vulnerabilidades russas e maximizasse o impacto do ataque.
Os principais domínios e dimensões envolvidos na Operação Spider Web foram:
• Espacial, com o possível uso do Starlink para garantir comunicações seguras e controle remoto dos drones a grandes distâncias;
• Aéreo, com drones FPV realizando ataques de precisão contra aeronaves estratégicas russas;
• Terrestre, utilizando carretas transportadoras para disfarçar a logística e infiltrar os lançadores móveis dentro do território russo;
• Ciberespaço, com a inteligência artificial potencializando o trâmite de informações e auxiliando na navegação e no engajamento dos drones, garantindo que os ataques fossem direcionados aos pontos mais vulneráveis das aeronaves;
• Informacional, através do gerenciamento da percepção pública, amplificando os danos políticos e estratégicos do ataque ao expor falhas na defesa aérea russa;
• Humana, por meio da infiltração de agentes em território russo, garantindo que a operação fosse executada sem alertar as forças de segurança locais.
A integração desses domínios demonstra como a guerra moderna exige coordenação multidimensional, permitindo que forças militares explorem sinergias entre diferentes capacidades para atingir objetivos estratégicos.
A Operação Spider Web não apenas causou danos diretos à aviação militar russa, mas também redefiniu paradigmas da guerra assimétrica, mostrando como a convergência operacional e o ambiente multidomínio podem ser explorados para superar adversários tecnologicamente superiores.
Convergência Operacional
A convergência de meios para atuação em ambientes multidomínio consiste na integração de múltiplas capacidades dentro de uma única operação coordenada, garantindo que diferentes elementos atuem de forma complementar para atingir objetivos estratégicos. No caso da Operação Spider Web, essa convergência de capacidades foi essencial para o sucesso do ataque, permitindo que drones de baixo custo causassem danos estratégicos a uma das forças aéreas mais poderosas do mundo.
A forma como a operação Spider Web foi desencadeada se alinha ao conceito de Operações de Moldagem, previsto no recentemente publicado Manual de Operações 3.0 do Exército Brasileiro (Brasil, 2025).
Segundo este Manual, as operações de moldagem são ações coordenadas, planejadas pelos níveis de comando mais altos e executadas em todos os níveis, com o objetivo de estabelecer e preservar as condições estratégicas, operacionais e táticas necessárias para o sucesso das operações básicas. Visam, principalmente, criar vantagens para as forças amigas e impedir que o adversário alcance a iniciativa estratégica. Variam em magnitude, tempo, intensidade e forças empregadas, ajustando-se conforme as fases da operação.
De acordo com o conceito doutrinário estabelecido pelo Exército Brasileiro, os principais aspectos das operações de moldagem seriam os seguintes (Brasil, 2025):
• Conectividade entre diferentes domínios, garantindo eficiência e precisão na execução dos ataques;
• Degradação das capacidades adversárias;
• Desorganização e neutralização de sistemas estratégicos-operacionais de comando, controle, comunicações, meios aéreos, indústria de defesa, suprimento do inimigo e sua coesão, comprometendo sua capacidade de resposta e manobra.
No caso específico da Spider Web, ainda se verificou o emprego das seguintes capacidades:
• Emprego de capacidades no domínio espacial (Starlink) e cibernético de inteligência artificial, permitindo que os drones identificassem alvos prioritários e ajustassem suas trajetórias para maximizar os danos;
• Atuação dentro do território russo, utilizando logística clandestina e agentes infiltrados para viabilizar o lançamento dos drones.
• Exploração das ações no âmbito do guerrear informacional, amplificando os efeitos do ataque ao expor vulnerabilidades da defesa aérea russa e influenciar a percepção pública. Os resultados demonstraram como a convergência de tecnologia, inteligência, operações de informação e logística podem potencializar o resultado de operações militares, permitindo que forças menores enfrentem adversários superiores em capacidade convencional.
Lições Estratégicas Para o Exército do Futuro
A Operação Spider Web representa um marco na evolução da guerra moderna, demonstrando como táticas assimétricas, tecnologia acessível e planejamento multidomínio podem redefinir o equilíbrio estratégico entre forças militares. Os eventos dessa operação oferecem lições valiosas para o futuro dos conflitos, influenciando doutrinas militares e estratégias de defesa em todo o mundo.
A operação ucraniana evidenciou que ações isoladas em um único domínio são insuficientes para garantir o sucesso em um ambiente de guerra altamente tecnológico. A integração multidomínio, combinando espaço, ar, terra, ciberespaço, informação e operações humanas, foi essencial para viabilizar o ataque e maximizar seus efeitos estratégicos.
Essa abordagem multidomínio permite que forças militares:
• Superem defesas convencionais, explorando vulnerabilidades em diferentes camadas do inimigo;
• Aumentem a precisão dos ataques, utilizando inteligência artificial e redes de comunicação avançadas;
• Criem efeitos estratégicos duradouros e decisivos, combinando impacto físico e psicológico sobre o adversário.
A destruição de bombardeiros estratégicos russos, avaliados em centenas de milhões de dólares, por drones FPV que custam menos de mil dólares, demonstra que o custo não define a eficácia de um sistema de armas. O sucesso da operação reforça a ideia de que enxames de drones baratos, quando bem coordenados, podem neutralizar ativos militares de alto valor.
Esse princípio pode influenciar futuras estratégias militares, levando países a:
• Investir em sistemas de defesa contra drones, reconhecendo sua crescente ameaça;
• Desenvolver táticas de guerra assimétrica, explorando o potencial de plataformas acessíveis;
• Reavaliar o custo-benefício de sistemas militares tradicionais, considerando alternativas mais flexíveis e adaptáveis.
A operação demonstrou como sistemas autônomos e inteligência artificial aprimoram a eficiência dos ataques. O uso do ArduPilot e de modelos de IA para reconhecimento de alvos permitiu que os drones atingissem pontos críticos das aeronaves russas, garantindo danos irreparáveis.
Esse avanço na autonomia dos sistemas não tripulados pode levar a:
• Maior independência operacional, reduzindo a necessidade de operadores humanos em tempo real;
• Aumento da letalidade de drones baratos, tornando-os ainda mais eficazes contra alvos estratégicos;
• Desafios éticos e regulatórios, considerando o uso crescente de IA em decisões de ataque.
A ação ucraniana expôs vulnerabilidades em doutrinas militares tradicionais, mostrando que estratégias convencionais de defesa aérea não são suficientes para lidar com ameaças emergentes. A incapacidade da Rússia de interceptar os drones ucranianos revela que novas abordagens são necessárias para enfrentar desafios tecnológicos.
As forças militares ao redor do mundo precisarão:
• Revisar suas doutrinas de defesa aérea, incorporando medidas contra drones e guerra eletrônica;
• Investir em tecnologias disruptivas como IA, redes de comunicação avançadas e sistemas autônomos;
• Desenvolver estratégias flexíveis, adaptáveis a cenários de guerra assimétrica e multidomínio.
A Operação Spider Web não apenas redefiniu o conceito de guerra assimétrica, mas também pressionou forças militares globais a reconsiderarem as suas abordagens estratégicas. O futuro dos conflitos será moldado pela integração tecnológica, autonomia dos sistemas e adaptação doutrinária, exigindo que países se preparem para um novo paradigma de guerra.
Considerações Finais
A Operação Spider Web representa um divisor de águas na guerra moderna, demonstrando como a convergência operacional de meios e capacidades, quando apoiadas em tecnologia acessível e planejamentos elaborados sob a perspectiva multidomínio, podem redefinir o equilíbrio estratégico entre forças militares.
O ataque coordenado contra bases aéreas russas expôs vulnerabilidades críticas que tais ações podem provocar na defesa de um país considerado uma potência militar e evidenciou o impacto de drones de baixo custo quando empregados de forma inteligente e integrada.
Essa operação não apenas causou danos diretos à aviação estratégica russa, mas também pressionou um dos últimos pilares do controle de armas nucleares, o Tratado New START. A transparência exigida pelo tratado foi explorada pela Ucrânia para localizar e atacar bombardeiros estratégicos russos, o que levanta questões sobre o futuro da política de inspeção e monitoramento internacional.
As implicações para futuras operações militares são profundas. A integração multidomínio demonstrada na Operação Spider Web reforça a necessidade de sincronização entre diferentes capacidades, combinando espaço, ar, terra, ciberespaço, informação e operações humanas para maximizar a efetividade operacional. Esse modelo de guerra exige que forças militares ao redor do mundo revisem suas doutrinas, incorporando novas tecnologias e estratégias adaptáveis a cenários de guerra convencional ou assimétrica.
Além disso, a evolução das forças militares precisa acompanhar as novas realidades tecnológicas. O avanço da inteligência artificial, autonomia dos sistemas não tripulados e guerra informacional redefine a forma como os conflitos são conduzidos, exigindo que países invistam em defesas contra drones, guerra eletrônica e estratégias flexíveis para enfrentar desafios emergentes.
A Operação Spider Web não apenas alterou o curso das negociações que vinham sendo realizadas no âmbito da Guerra Russo-Ucraniana, mas também redefiniu paradigmas aplicáveis à guerra moderna, influenciando o desenvolvimento de futuras estratégias militares e moldando o cenário global de segurança.
Referências
BBC NEWS. Ukraine’s Spider Web operation: How drones struck Russian bombers. BBC, 2 de junho de 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/news/articles/cq69qnvj6nlo.
BONDAR, Kateryna. How Ukraine’s Operation “Spider’s Web” Redefines Asymmetric Warfare. Center for Strategic and International Studies, 2 de junho de 2025. Disponível em: https://www.csis.org/analysis/how-ukraines-spider-web-operation-redefines-asymmetric-warfare.
BRASIL. Exército Brasileiro. Portaria EME/C Ex nº 971, de 10 de fevereiro de 2023. Aprova o Manual de Fundamentos Conceito Operacional do Exército Brasileiro – Operações de Convergência 2040. Brasília, DF, 2023. Disponível em: _______.
BRASIL. Exército Brasileiro. Comando de Operações Terrestres. Manual de Campanha MC 3.0 – Operações. 6ª edição. Brasília: Ministério da Defesa, 2025.
ESTADOS UNIDOS; RÚSSIA. Tratado de Redução de Armas Estratégicas (New START). Assinado em 8 de abril de 2010, em Praga. Entrou em vigor em 5 de fevereiro de 2011. Prorrogado até 5 de fevereiro de 2026. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/New_START.
EURASIAN TIMES. Ukraine’s ferocious attack on Russia’s strategic bombers. Eurasian Times, 2 de junho de 2025. Disponível em: https://www.eurasiantimes.com/ukraines-ferocious-attack-on-russia-rock/#google_vignette.
IISS. The Military Balance 2025. Londres: Routledge, 2025. ISBN 978-1-041-04967-8.
REUTERS. Ukraine stages major attack on Russian aircraft with drones, security official says. Reuters, 1º de junho de 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/business/aerospace-defense/ukraine-stages-major-attack-russian-aircraft-with-drones-security-official-says-2025-06-01/.
SMALL WARS JOURNAL. Ukrainian Special Operations: SAS Lessons. Small Wars Journal, 2 de junho de 2025. Disponível em: https://smallwarsjournal.com/2025/06/02/ukrainian-special-operations-sas-lessons/.
Excelente texto, apresenta informações muito técnicas de forma acessível ao leitor leigo. Uma questão: quanto tempo até a guerra revolucionária adotar tais processos e vejamos alvos civis serem atingidos?
Sr Osmar Visibelli, agradeço seu comentário. Sobre sua pergunta, infelizmente a guerra irregular e o crime organizado já vem adotando algumas táticas que envolvem uso de drones. Já estamos vendo isso no Equador e na Colômbia. A perspectiva não é nada boa. Cordialmente, Coronel Coutinho