O Poder das Metanarrativas: uma Análise à Luz da Doutrina das Operações de Informação

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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As metanarrativas moldam a percepção pública e justificam ações geopolíticas; a análise dos seus impactos revela o poder da guerra informacional e cognitiva.


As metanarrativas são construções discursivas que transcendem narrativas individuais, estabelecendo um quadro interpretativo amplo capaz de moldar percepções e influenciar comportamentos. No contexto da comunicação estratégica, essas estruturas narrativas exercem um papel fundamental na consolidação de visões de mundo e na legitimação de determinadas agendas políticas e militares. Seu impacto é particularmente evidente nas dinâmicas geopolíticas contemporâneas, onde Estados e organizações se utilizam de metanarrativas para justificar ações e direcionar a opinião pública.

A mídia ocidental desempenha um papel central na formulação e disseminação dessas metanarrativas. Por meio da seleção de eventos, da ênfase em determinados temas e da caracterização dos atores envolvidos, os veículos de comunicação constroem enquadramentos que influenciam percepções e posicionamentos. Essa construção narrativa não ocorre de forma isolada; ela está frequentemente alinhada a interesses estratégicos e à doutrina das operações de informação, utilizada por governos e forças militares para estruturar campanhas de influência.

Este artigo busca examinar o poder das metanarrativas na mídia ocidental a partir da doutrina das operações de informação, explorando como esses mecanismos são empregados para moldar conflitos e direcionar discursos. Para isso, serão analisados alguns casos para estudo envolvendo campanhas de diferentes atores envolvidos na Guerra Russo-Ucraniana, e que terão o propósito de ilustrar a forma como as informações podem ser exploradas, manipuladas e utilizadas para fins estratégicos. Ao compreender essas dinâmicas, torna-se possível refletir sobre as implicações da guerra informacional na construção da realidade política contemporânea.

Fundamentos teóricos

A construção e disseminação de narrativas são elementos fundamentais na comunicação estratégica, sendo amplamente explorados em contextos políticos e militares. As narrativas estruturam discursos e influenciam percepções, tornando-se ferramentas essenciais para a formulação de campanhas de informação e guerra psicológica.

A Narrativa

Fisher (1987), em sua teoria do Paradigma Narrativo, argumenta que a comunicação humana é essencialmente baseada em histórias. Segundo ele, as pessoas tomam decisões e interpretam o mundo por meio de narrativas, que são mais persuasivas do que argumentos puramente lógicos.

Já McDonald (2014), por sua vez, enfatiza que uma narrativa não é apenas uma sequência de eventos, mas uma estrutura que influencia a atenção e o envolvimento do público. Ele diferencia narrativa de história, destacando que a narrativa possui elementos específicos que moldam a percepção dos acontecimentos.

Além disso, estudos sobre comunicação estratégica apontam que narrativas são privilegiadas na cognição humana, pois são mais fáceis de entender e lembrar do que informações isoladas. Esse princípio é explorado na comunicação científica e política, nas quais as narrativas são usadas para estruturar discursos de forma eficaz.

Emily Weinzheimer (2025) define narrativa como um meio de selecionar e apresentar eventos de maneira estratégica, influenciando percepções e atitudes.

O Exército Brasileiro (BRASIL, 2019) também reconhece a importância das narrativas no contexto das operações de informação. Segundo o Manual de Campanha EB70-MC-10.213, narrativas são construções discursivas que organizam eventos e ideias de maneira coerente, influenciando percepções e comportamentos. Além disso, o manual enfatiza que as narrativas podem ser utilizadas estrategicamente para moldar a opinião pública e reforçar determinados enquadramentos políticos e militares.

A Metanarrativa

Mas há um nível superior da narrativa, que segundo Weinzheimer (2025) se denomina “metanarrativa”, opera em um nível mais amplo e poderoso, funcionando como um prisma que moldará a forma pela qual a comunidade internacional interpretará determinados eventos e conflitos, em linha com que a estratégia de quem a impõe.

Essa camada da metanarrativa é construída particularmente com o concurso da mídia global, e determina quais aspectos de um conflito serão enfatizados, quais atores serão identificados e como suas motivações serão atribuídas e apresentadas, assim como desacreditando os fatos, sempre que isso se mostrar essencial para os objetivos colimados. Dessa forma, a metanarrativa molda a forma como o público compreende os acontecimentos e, em última instância, pode contribuir diretamente para o domínio da informação no nível global.

Dentro da doutrina das operações de informação da OTAN e dos Estados Unidos, as metanarrativas desempenham um papel crucial na guerra cognitiva. A OTAN e os EUA enfatizam a importância da influência informacional para moldar ambientes estratégicos, utilizando campanhas de comunicação como ferramentas essenciais em conflitos contemporâneos. O “guerrear cognitivo” será desenvolvido para explorar fatores psicológicos e comportamentais e influenciar adversários e audiências, sendo um complemento às operações de informação tradicionais.


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A Propaganda

Por fim, a propaganda é um elemento-chave na construção de metanarrativas. A propaganda pode ser definida como um conjunto de técnicas de comunicação voltadas para influenciar percepções, atitudes e comportamentos de um público-alvo. Segundo Olejnik (2025), a propaganda opera dentro do espectro da desinformação e da influência estratégica, sendo utilizada por governos, organizações e grupos políticos para moldar narrativas e legitimar ações. Historicamente, a propaganda tem sido empregada em contextos militares e políticos para reforçar discursos e direcionar a opinião pública. No século XX, por exemplo, foi amplamente utilizada durante as guerras mundiais e a Guerra Fria para consolidar ideologias e justificar intervenções.

No campo da comunicação estratégica, a propaganda é vista como um mecanismo essencial para a construção de metanarrativas. Bakir e McStay (2018) argumentam que a propaganda moderna explora emoções para maximizar seu impacto, utilizando redes sociais e plataformas digitais para amplificar narrativas estratégicas. Esse processo pode incluir incentivos, coerção e até mesmo a distorção de fatos para atingir objetivos específicos. A propaganda digital, impulsionada pelo avanço das tecnologias, tornou-se ainda mais sofisticada, permitindo a manipulação de percepções em larga escala.

Historicamente utilizada para moldar opiniões e legitimar ações, a propaganda moderna integra técnicas sofisticadas para disseminar narrativas estratégicas de forma eficaz. Ao considerar o impacto das operações de informação no cenário atual, torna-se evidente que a propaganda e a guerra cognitiva são ferramentas indispensáveis para a configuração das percepções globais sobre conflitos e disputas geopolíticas.

O guerrear cognitivo

Além dos conceitos de narrativas, metanarrativas e propaganda, precisamos também revisar o de “guerrear cognitivo”. Ele surge como ferramenta estratégica de domínio da competição global nas dimensões informacional e humana.

Segundo a OTAN, esse conceito refere-se à manipulação deliberada da cognição humana para influenciar percepções e comportamentos de indivíduos, grupos ou populações. Diferente do guerrear informacional, que foca na comunicação e na difusão de dados, o guerrear cognitivo busca alterar não apenas o que as pessoas pensam, mas como elas pensam.

Estudos no âmbito da OTAN chegam a apontar o domínio cognitivo como um sexto domínio operacional, ao lado dos domínios terrestre, marítimo, aéreo, espacial e cibernético (OTAN, 2024). Ela envolve propaganda, desinformação, manipulação de redes sociais e tecnologias avançadas para modificar estados mentais e explorar vulnerabilidades psicológicas. Isso permite que atores estratégicos direcionem discursos, influenciem decisões e moldem ambientes políticos e militares.

As ferramentas de análise: JIPOE 2.0 e PMESII-PT

A aplicação dos conceitos JIPOE 2.0 e PMESII-PT reforça a análise operacional das metanarrativas. O JIPOE 2.0 (Joint Intelligence Preparation of the Operational Environment) 2.0 aprimora a preparação do ambiente operacional ao incorporar elementos informacionais, enquanto o PMESII-PT (Political, Military, Economic, Social, Information, Infrastructure, Physical Environment, and Time) fornece um modelo holístico para avaliar as influências narrativas dentro de um conflito.

Os conceitos JIPOE 2.0 e PMESII-PT (UNITED STATES, 2014) são amplamente utilizados na doutrina militar dos Estados Unidos e da OTAN para análise estratégica e planejamento operacional.

Exemplo de uma análise PMESII-PT da Guerra Russo-Ucraniana

A análise PMESII-PT (JUREVICIUS, 2024) observa um modelo cartesiano, que ajuda a compreender o ambiente operacional de forma holística, considerando fatores políticos, militares, econômicos, sociais, informacionais, de infraestrutura, ambientais e temporais. Esse modelo é essencial para a formulação de estratégias de guerra cognitiva e operações de informação.



Exemplo de uma avaliação JIPOE 2.0 da Guerra Russo-Ucraniana

A avaliação JIPOE 2.0 (VASICEK; HLAVIZNA, 2024) é uma evolução do processo tradicional de análise do ambiente operacional, incorporando aos domínios físicos tradicionais o ciberespaço, o ambiente eletromagnético e o ambiente informacional.

Ele é aplicado para elaborar uma estratégia em operações militares modernas em ambiente multidomínio, permitindo que comandantes identifiquem vulnerabilidades e antecipem ações adversárias. A elaboração de metanarrativas pode se aproveitar das considerações levantadas nesta análise, como veremos mais a frente nos estudos de caso.



O papel da mídia na construção de metanarrativas

A mídia desempenha um papel central na construção de metanarrativas, atuando como um agente de influência na percepção pública e na formulação de discursos estratégicos. Por meio da seleção e do enquadramento de eventos, os veículos de comunicação moldam a forma como determinados acontecimentos são interpretados, reforçando narrativas que favorecem interesses políticos, econômicos e militares.

O processo de construção de metanarrativas ocorre através da escolha de quais aspectos de um evento serão enfatizados, quais atores serão identificados e como suas motivações serão atribuídas. Esse mecanismo permite que a mídia direcione a atenção do público para determinados temas, ao mesmo tempo em que minimiza ou omite informações que possam contradizer a narrativa dominante. Estudos sobre comunicação estratégica indicam que esse processo não ocorre de maneira neutra, mas sim alinhado a interesses específicos que buscam consolidar determinadas visões de mundo.

Além da seleção de eventos, a mídia exerce influência direta na formulação de discursos estratégicos. Governos e organizações frequentemente utilizam veículos de comunicação para disseminar mensagens que legitimam ações políticas e militares, criando um ambiente favorável para a aceitação de determinadas políticas. A construção de metanarrativas pode ser observada em conflitos internacionais, onde a mídia global enquadra os eventos de maneira a reforçar determinadas agendas geopolíticas.

O impacto das metanarrativas na opinião pública e na diplomacia internacional é significativo. Ao moldar percepções, a mídia pode influenciar decisões políticas e militares, além de afetar relações entre Estados. A forma como um conflito é apresentado pode determinar o nível de apoio internacional a um dos lados envolvidos, influenciando sanções, alianças e intervenções militares. A era digital ampliou esse fenômeno, permitindo que narrativas sejam disseminadas rapidamente e alcancem públicos globais.

Historicamente, diversas campanhas narrativas bem-sucedidas demonstram o poder da mídia na construção de metanarrativas. Durante a Guerra Fria, por exemplo, a narrativa do “mundo livre contra o comunismo” foi amplamente promovida pelos meios de comunicação ocidentais, moldando percepções sobre os blocos ideológicos em disputa. Mais recentemente, a cobertura midiática de conflitos como a Guerra do Iraque e a invasão da Ucrânia exemplificam como a mídia pode estruturar narrativas que influenciam a opinião pública e justificam ações políticas e militares.

Casos de estudo

Abordaremos quatro casos de estudo emblemáticos, verificados na Guerra Russo-Ucraniana, que fornecem subsídios para melhor entender esse fenômeno informacional e cognitivo:

• A campanha dos aliados ocidentais “It’s Not About NATO” (“Não se trata da OTAN”);

• A narrativa ucraniana sobre um suposto “Russian Mobile Crematorium” (Crematórios Móveis Russos);

• As narrativas russas; e

• Manipulação de estatísticas, por todos os atores envolvidos.

Campanha “It’s Not About NATO”

A construção de metanarrativas em conflitos internacionais é um elemento essencial para moldar percepções e influenciar decisões políticas. Quando apresentamos a avaliação JIPOE 2.0 da Guerra Russo-Ucraniana (Tabela 2), podemos observar que no fator de avaliação “5. Ambiente Informacional”, uma das considerações levantadas foi que “Os EUA e a Europa precisam descaracterizar que a expansão da OTAN seja um fator desencadeador da guerra, caracterizando a ação russa como não provocada”.

Esta campanha utilizou a ideia “It’s Not About NATO” (Não se trata da OTAN) e se constituiu em uma das maiores e mais abrangentes metanarrativas já desenvolvidas em todos os tempos (ver Figura 1). Ela surgiu da necessidade estratégica de mostrar que a Ucrânia não era um proxy, e garantir o apoio à narrativa ocidental como um fator central no controle do ambiente informacional interno e externo para a condução da guerra.

Inicialmente promovida pelos Estados Unidos e, posteriormente, pela Europa, essa metanarrativa busca descaracterizar a ideia de que a expansão da OTAN foi um fator desencadeador do conflito. O objetivo é reforçar a percepção de que a invasão russa não se trata de uma resposta à ampliação da aliança militar, mas sim de uma agressão unilateral e não provocada contra a soberania ucraniana.


FIGURA 1: Campanha “It’s Not About NATO”.

A estruturação dessa narrativa ocorre por meio da seleção de eventos e da ênfase em determinados aspectos do conflito. A mídia ocidental, ao destacar a ameaça russa e minimizar o papel da OTAN na escalada das tensões, contribui para consolidar essa metanarrativa. O impacto dessa campanha na opinião pública é significativo, na medida em que ela é impulsionada por toda a mídia ocidental, influenciando positivamente a legitimidade das ações militares ucranianas e moldando o apoio internacional à resistência contra a invasão.

Campanha “Russian Mobile Crematorium”

Também, como vimos na Tabela 2, no fator de avaliação “1. Interdependência Política”, a Ucrânia busca manter apoio internacional, demonstrando o caráter agressor da Rússia. Neste sentido, diversas campanhas de metanarrativas foram desenvolvidas. Uma das mais conhecidas é a que difundiu a narrativa dos “Russian Mobile Crematorium” (Figura 2).

Ela exemplifica o impacto da disseminação de imagens falsas na construção de percepções sobre o conflito. A alegação de que forças russas utilizavam crematórios móveis para ocultar suas baixas surgiu inicialmente em 2015, durante a guerra no leste da Ucrânia, no sentido de que tropas pró-Rússia cremavam civis ucranianos no Donbass para ocultar crimes de guerra, e foi retomada em 2022, no contexto da invasão em larga escala, já nesta oportunidade no sentido de mostrar que os russos estavam ocultando suas baixas mediante a cremação dos seus próprios soldados.


FIGURA 2: Campanha “Russian Mobile Crematorium”.

A mídia ocidental, tendo à frente a britânica, impulsionou essa campanha, utilizando imagens antigas e não verificadas para reforçar essa narrativa, atribuindo à Rússia a intenção de esconder evidências de crimes de guerra.

A disseminação dessa metanarrativa teve consequências diretas na cobertura midiática do conflito, influenciando a percepção pública sobre as ações russas e justificando sanções e medidas políticas contra Moscou. A manipulação de imagens e informações nesse contexto demonstra como a guerra informacional pode ser utilizada para moldar narrativas estratégicas e direcionar discursos geopolíticos.

Campanha narrativa russa

De volta à Tabela 2, observamos, no fator “4. Dinâmica Social”, que a Rússia busca demonstrar que russos e ucranianos formam um mesmo povo, com tradições e crenças semelhantes, e que vem sendo divididos pelo expansionismo europeu.


FIGURA 3: Narrativas russas.

Neste sentido, Rússia busca construir sua própria narrativa para justificar suas ações na Ucrânia, enfatizando elementos históricos e culturais (Figura 3). O governo russo frequentemente recorre à ideia de que russos e ucranianos compartilham uma identidade comum, baseada na história da Rus de Kiev, argumentando que a guerra é uma resposta à influência ocidental sobre a Ucrânia. Além disso, a Rússia apresenta sua intervenção como uma medida de proteção contra a expansão da OTAN e contra supostas ameaças à população russa étnica na Ucrânia.

No entanto, essa narrativa não se consolidou como metanarrativa, uma vez que teve impacto muito limitado no Ocidente. E isto se explica simplesmente pelo fato de que a mídia global não a reproduz minimamente as narrativas russas. Como aponta Weinzheimer (2025), a visão negativa da Rússia no Ocidente persiste desde a Guerra Fria, dificultando a aceitação de qualquer narrativa russa que tente justificar suas ações. A metanarrativa ocidental enquadra a Rússia como um agressor, reforçando a percepção de que a invasão da Ucrânia é uma violação da soberania nacional e não uma resposta legítima a ameaças externas.

A mídia ocidental também desempenha um papel crucial na marginalização da narrativa russa. Ao destacar eventos como a anexação da Crimeia em 2014 e as acusações de crimes de guerra cometidos por forças russas, os veículos de comunicação reforçam a metanarrativa dominante que posiciona a Rússia como um ator hostil no cenário internacional. Além disso, tentativas russas de contestar essa narrativa, como negar acusações ou apresentar versões alternativas dos fatos, são frequentemente classificadas como desinformação e não recebem ampla cobertura.

Manipulação de estatísticas na construção de metanarrativas

A divulgação de números sobre baixas humanas e perdas materiais desempenha papel fundamental na construção de metanarrativas em conflitos internacionais. Esses dados, muitas vezes sem base em fontes verificáveis, são amplamente utilizados por governos, mídias e atores estratégicos para reforçar determinadas percepções sobre os combates e influenciar a opinião pública.

O guerrear cognitivo e informacional explora a repetição de estatísticas imprecisas como ferramenta para consolidar visões de mundo. Os números apresentados por autoridades militares e por veículos de comunicação tendem a enfatizar as perdas do adversário, enquanto minimizam ou silenciam as próprias baixas.

Um caso de estudo sobre este aspecto são os boletins da “Inteligência de Defesa Britânica” (Figura 4), que apresentam quase diariamente dados sobre perdas russas. Interessante notar que a difusão de boletins voltados para a opinião pública por parte de órgãos de inteligência não costuma ser uma competência destes, mas de órgãos de informações públicas. Mas aparentemente este artifício é utilizado simplesmente para permitir que a desinformação receba um “carimbo” de confiabilidade inquestionável.


FIGURA 4: Boletim da Inteligência de Defesa Britânica.

Além disso, tais dados são frequentemente repercutidos por outros órgãos ocidentais, tais como o Institute for the Study of War (ISW) e outros, sendo utilizados para justificar discursos políticos e militares, influenciando sanções, apoio diplomático, aumento de financiamento e outras ações estratégicas.

Implicações e reflexões

As metanarrativas desempenham um papel central no guerrear cognitivo, sendo utilizadas para moldar percepções e influenciar comportamentos em conflitos contemporâneos. Segundo estudos sobre guerra cognitiva, a exploração de vulnerabilidades cerebrais e vieses cognitivos é fundamental para operações de influência, permitindo que atores estratégicos direcionem discursos e consolidem determinadas visões de mundo.

Governos e organizações podem se beneficiar da manipulação de narrativas ao estruturar campanhas informacionais que legitimam suas ações e deslegitimam adversários. Como vimos, a OTAN, por exemplo, reconhece o domínio cognitivo como um sexto domínio operacional, e isso por si só revela a importância das metanarrativas na formulação de suas estratégias militares e políticas. Esse reconhecimento reflete a crescente importância da guerra informacional na definição de cenários estratégicos e na conformação de percepções globais.

Para mitigar ou desmascarar metanarrativas enganosas, é essencial adotar estratégias de análise crítica e verificação de informações. A transparência na comunicação internacional e o fortalecimento da “alfabetização midiática”, ou seja, a capacidade de que os públicos-alvo questionem dados e informações recebidas, são ferramentas essenciais para reduzir os impactos da manipulação informacional. Além disso, iniciativas acadêmicas e institucionais podem contribuir para a identificação de padrões narrativos utilizados em campanhas de desinformação, permitindo uma abordagem mais eficaz na contenção da guerra cognitiva.

À medida em que o papel da informação se torna cada vez mais central nas disputas geopolíticas, a necessidade de mecanismos robustos para avaliar, contestar e contextualizar metanarrativas se intensifica. A compreensão desses processos não apenas fortalece a defesa contra a manipulação informacional, mas também contribui para uma comunicação global mais equilibrada e transparente.

Considerações finais

Este artigo explorou o papel das metanarrativas na formulação de percepções sobre conflitos globais, destacando como elas influenciam discursos políticos e decisões estratégicas na opinião pública.

O preocupante é que todos somos parte da opinião pública e, portanto, sujeitos a nos tornar vítimas do guerrear cognitivo e, neste sentido, o que se verifica é que até mesmo em meios acadêmicos e de discussão doutrinária o impacto das metanarrativas se observa, mesmo sabendo que em tais espaços se esperaria que o pensamento crítico fosse uma ferramenta básica de trabalho de profissionais esclarecidos, o que por si só já nos revela o poder das metanarrativas.

Por meio dos casos analisados, demonstramos que as metanarrativas não apenas moldam as interpretações dos acontecimentos, mas também legitimam ações de governos, organizações, mídias e mesmo das Forças Armadas de terceiros países não diretamente envolvidos nos conflitos, revelando um efeito colateral de tais estratégias.

O impacto do guerrear cognitivo ficou evidente ao longo da pesquisa, revelando que a manipulação de narrativas não se limita à desinformação, mas opera em um nível mais profundo, cognitivo, afetando como as pessoas pensam, interpretam fatos e reagem a eventos. A OTAN reconhece esse fenômeno como um sexto domínio operacional, o que reforça sua relevância na política internacional contemporânea.

Diante desse cenário, torna-se essencial promover a análise crítica e fortalecer estratégias de verificação de informações para mitigar os efeitos das metanarrativas enganosas. A transparência na comunicação internacional e o desenvolvimento da alfabetização midiática são ferramentas indispensáveis para garantir que as sociedades possam interpretar narrativas com maior autonomia e consciência.

Com o avanço das tecnologias digitais, a velocidade e o alcance da disseminação de metanarrativas só tendem a crescer, tornando a reflexão sobre comunicação estratégica mais urgente do que nunca. Este artigo contribui para esse debate, fornecendo subsídios para uma compreensão mais profunda dos mecanismos que estruturam e propagam as narrativas que definem o cenário global.

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