
A vitória da Força Expedicionária Brasileira em Fornovo di Taro marcou cinco séculos entre uma retirada com liderança francesa (1495) e um cerco com ética brasileira (1945).
Entre os dias 26 e 29 de abril de 1945, a Força Expedicionária Brasileira (FEB) protagonizou uma das mais relevantes vitórias militares da Segunda Guerra Mundial: a rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã na região de Fornovo di Taro, norte da Itália. Este artigo analisa, sob uma perspectiva opinativa e fundamentada, os aspectos tático-estratégicos da operação, sua dimensão simbólica para o Exército Brasileiro, a liderança exercida por seus comandantes, a conduta dos pracinhas e os reflexos internacionais da vitória. Também se propõe uma análise comparativa com a Batalha de Fornovo de 1495, destacando diferenças e similaridades que ressaltam o valor histórico do feito brasileiro.
Introdução
A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial foi um marco para a identidade e projeção internacional do Exército Brasileiro. A vitória em Fornovo di Taro, em abril de 1945, não se restringiu ao âmbito militar. Ela simbolizou a afirmação de uma força armada disciplinada, profissional e capaz de operar em alto nível tático dentro de uma coalizão internacional. Este estudo avalia a operação de 1945 sob os prismas tático, simbólico e ético, contrapondo‑a à batalha de 1495 para evidenciar as transformações no pensamento e na prática militares, propondo de ampliar a compreensão sobre o legado da FEB.

A Batalha de Fornovo (6 de julho de 1495, Itália)
A Batalha de Fornovo, travada em 6 de julho de 1495, inseriu-se no contexto das Guerras Italianas, quando o rei Carlos VIII da França procurava consolidar sua reivindicação ao trono de Nápoles. Durante a retirada de seu exército da península, o monarca francês enfrentou a coalizão da Liga de Veneza, formada por estados italianos como Milão, Veneza e os Estados Papais. Os combates ocorreram em terreno adverso, marcado por chuvas e lama, dificultando os movimentos da cavalaria e o emprego da artilharia. A despeito da inferioridade numérica e do desgaste logístico, as tropas francesas mantiveram coesão e disciplina, conseguindo romper o cerco e seguir em direção ao norte. Embora os franceses não tenham aniquilado seus oponentes, alcançaram o objetivo operacional de preservar o núcleo de seu exército, o que configura uma vitória tática relevante [1].
A repercussão política da batalha foi ambígua. Para os italianos, a capacidade de reunir uma coalizão e confrontar um exército estrangeiro demonstrou que a resistência era possível. Por outro lado, a continuidade da retirada francesa, sem que a Liga conseguisse uma vitória decisiva, expôs a vulnerabilidade da península frente às potências externas. A simbologia da batalha reforçou a ideia de um território fragmentado e propenso à intervenção, o que se confirmaria nas décadas seguintes, com novas campanhas francesas, espanholas e austríacas em solo italiano. Assim, a Batalha de Fornovo funcionou como prenúncio da instabilidade prolongada que marcaria a Itália até sua unificação no século XIX.

Relatos da época destacam a disciplina do exército francês e a liderança firme de Carlos VIII, que comandou pessoalmente partes da batalha e organizou a retirada com eficiência. Em contrapartida, os italianos demonstraram menor unidade. Muitos contingentes priorizaram o saque ao trem de bagagens inimigo em detrimento da perseguição militar, comprometendo a ação coordenada.

A diferença de coesão entre os exércitos foi determinante. A liderança francesa, mesmo em retirada, mostrou-se funcional, enquanto a italiana, embora numericamente superior, revelou falhas na execução do plano comum. Esse contraste reforça o valor da liderança centralizada e da disciplina como fatores multiplicadores de força em combate.
Internacionalmente, a França emergiu da Batalha de Fornovo como uma potência com capacidade de projetar forças além de suas fronteiras. O fato de ter resistido a uma coalizão e preservado seu exército causou forte impressão nos observadores contemporâneos. Contudo, a ofensiva também alarmou os estados vizinhos, provocando reações que culminaram na criação de novas alianças para conter a expansão francesa. A batalha consolidou a percepção da Itália como palco de disputa entre impérios e evidenciou a necessidade de reequilíbrio geopolítico na Europa, antecipando os conflitos do século XVI.
A Batalha de Collecchio-Fornovo (1945)
A Batalha de Collecchio-Fornovo, travada entre 26 e 29 de abril de 1945, representou a última grande ação ofensiva da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Integrada ao IV Corpo do 5º Exército dos Estados Unidos, a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária realizou uma manobra de cerco e isolamento de forças inimigas compostas por remanescentes da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, da 90ª Divisão Panzergrenadier e unidades fascistas italianas.

O dispositivo tático incluiu ações coordenadas de bloqueio nas vias de fuga do Vale do Pó, sustentadas por fogo de artilharia e uso de engenharia para obstruções. A operação foi executada com precisão e rapidez, e resultou na rendição de mais de 14.800 combatentes inimigos. O êxito dessa ação evidencia o elevado grau de adestramento, a capacidade de comando e a coesão das tropas brasileiras em ambiente de combate real [2].
A rendição de uma grande força inimiga sob comando brasileiro gerou impactos políticos imediatos e duradouros. No contexto internacional, reforçou a imagem do Brasil como parceiro confiável das potências aliadas, rompendo com a imagem periférica que até então predominava. Internamente, a vitória foi incorporada ao imaginário institucional das Forças Armadas como exemplo de profissionalismo e disciplina. O feito ocorreu em momento crucial da política nacional, no limiar da transição do Estado Novo para a redemocratização. Assim, a FEB em Fornovo passou a simbolizar a capacidade do Exército de servir ao interesse nacional com eficácia, dentro e fora do território nacional [3].

Relatos de oficiais e praças confirmam que, mesmo diante da superioridade operacional, os militares brasileiros agiram com respeito à dignidade dos prisioneiros. O tratamento dispensado aos inimigos rendidos seguiu rigorosamente os preceitos do Direito Internacional Humanitário, com provisão de cuidados médicos, alimentação e abrigo. Essa conduta não foi fruto de improviso, mas reflexo da liderança exercida por comandantes como o general Mascarenhas de Moraes, o tenente-coronel Castello Branco e o coronel Lima Brayner, que orientaram suas tropas à luz dos valores institucionais do Exército Brasileiro. A ética militar demonstrada em Fornovo é, portanto, um marco da doutrina de combate baseada na legalidade e na humanidade [4].
A repercussão da operação de Fornovo foi significativa. Generais aliados, como Mark Clark e Harold Alexander, destacaram publicamente a eficácia e o profissionalismo da FEB. Esses elogios projetaram o Brasil a uma nova posição geopolítica no imediato pós-guerra, apoiando sua participação na fundação da Organização das Nações Unidas e sua presença em organismos internacionais de segurança e cooperação. A atuação da FEB, coroada pela rendição em Fornovo, consolidou a imagem do Brasil como nação com potencial estratégico e responsabilidade internacional, criando um legado que ultrapassa a memória bélica e repercute ainda hoje na diplomacia e na identidade militar brasileira [5].
Análise comparativa e reflexões sobre liderança e ética militar
A análise comparativa entre as batalhas de Fornovo, em 1495 e 1945, permite identificar diferenças fundamentais no tocante ao contexto histórico, ao papel da liderança militar, à conduta dos combatentes e ao reconhecimento político resultante dos embates. Essas diferenças, por sua vez, lançam luz sobre a evolução do pensamento militar e da ética em operações de combate.
No plano histórico-militar, observa-se que o embate de 1495 se inscreveu em um cenário fragmentado, dominado por disputas dinásticas e coalizões frágeis. Já a batalha de 1945 ocorreu em um contexto global, com forças aliadas engajadas na defesa de valores universais como liberdade, soberania e justiça internacional. A diferença de objetivos estratégicos se traduz no tipo de liderança exercida e no grau de profissionalismo militar. Enquanto Carlos VIII buscava consolidar uma conquista pessoal em meio à instabilidade da Itália renascentista, os comandantes da FEB operavam integrados a uma doutrina aliada e orientados por princípios institucionais claros.

LIVRO RECOMENDADO:
A campanha da Força Expedicionária Brasileira pela libertação da Itália
• Durval de Noronha Goyos Jr. (Autor)
• Edição Português
• Capa comum
Em termos simbólicos e políticos, a vitória francesa em Fornovo (1495), embora taticamente relevante, teve efeito limitado e transitório. A Itália permaneceu vulnerável e dividida, sendo palco de intervenções externas por séculos. Em contraste, a vitória brasileira em Fornovo (1945) representou um salto simbólico para o país no sistema internacional. O Brasil passou a ser visto como ator confiável e estratégico, papel que se confirmou com sua atuação na fundação da ONU e na diplomacia multilateral do pós-guerra.
A conduta dos militares também revela clivagens importantes. O exército francês manteve a disciplina sob pressão, mas o saque promovido pelos aliados italianos expôs uma desorganização tática que comprometeu o esforço conjunto. Já os pracinhas brasileiros demonstraram elevado padrão ético e operacional mesmo diante da rendição em massa de seus oponentes. Esse comportamento decorre diretamente da liderança consciente de oficiais como o general Mascarenhas de Moraes, que traduziu os valores do Exército em atitudes concretas no teatro de operações.
No que tange ao reconhecimento internacional e à imagem projetada no pós-guerra, há contraste marcante. A França renascentista saiu fortalecida militarmente, mas isolada politicamente. Já o Brasil, ao protagonizar a rendição de Fornovo em 1945, ganhou prestígio institucional, consolidando o Exército Brasileiro como força disciplinada e profissional. Esse legado permanece como referência não apenas para fins históricos, mas como inspiração permanente para o exercício da liderança ética em cenários complexos do presente.

Conclusão
A vitória da Força Expedicionária Brasileira em Fornovo di Taro não foi apenas um feito militar de grande envergadura, mas um marco de afirmação institucional e simbólica do Exército Brasileiro no cenário internacional. Diferentemente de conquistas efêmeras ou de vitórias isoladas, o episódio de abril de 1945 consolidou-se como expressão tangível de uma liderança ética, disciplinada e orientada por valores superiores à mera lógica da força.
A análise comparativa com a Batalha de Fornovo de 1495 amplia essa percepção ao evidenciar o amadurecimento dos paradigmas militares ao longo dos séculos. Quando antes prevaleciam disputas dinásticas e estratégias fragmentadas, emergiram em 1945 a coesão, o respeito à legalidade internacional e o profissionalismo operacional. A conduta dos pracinhas e a postura de seus comandantes mostraram que a verdadeira vitória em combate não reside apenas na rendição do inimigo, mas na manutenção da honra, da disciplina e da humanidade mesmo diante da adversidade.
Nesse sentido, revisitar Fornovo di Taro significa reencontrar lições permanentes para o exercício do comando, da ética e da liderança no ambiente militar. Trata-se de um legado que transcende gerações e que permanece atual diante dos novos desafios da paz e da guerra, lembrando-nos que liderar é, antes de tudo, servir com coragem, responsabilidade e integridade.
Referências
[1] BENEDETTI, Alessandro. Diaria de Bello Carolino (Diary of the Caroline War). Tradução e notas de Dorothy M. Schullian. New York: Frederick Ungar Publishing, 1967. Disponível em: https://archive.org/details/diariadebellocar0000bene.
[2] SKORA, Cláudio; SKORA, Edson. As Vitórias da FEB: do vale do rio Serchio ao vale do rio Pó. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2022.
[3] BRASIL. Manual de Liderança Militar. EB70-CI-11.400. Exército Brasileiro, 2023.
[4] BRASIL. Vade-Mécum – Valores, Deveres e Ética Militares. EB10-VM-12.010. Exército Brasileiro, 2022.
[5] ANDRADE, Rubens (org.). Vozes da Guerra: o relato dos soldados da FEB. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2015.