Uma interpretação da ascensão da República Romana

Compartilhe:
Imagem gerada por inteligência artificial.

Por Gustavo Franco*

Imagem gerada por inteligência artificial.

A guerra, a disciplina militar, a adaptação e a ambição coletiva impulsionaram a ascensão da República Romana, em contraste com a decadência de Cartago.


Não é algo difícil de encontrar: em debates ou discussões acerca do declínio e falência de uma nação, de um estado ou de uma empresa, o fato das pessoas tocarem na questão da decadência do Império Romano. Certo é que esta questão também já intrigava os ilustrados no século XVIII. Portanto, aquela ideia que afirma que Roma entrou em declínio devido à sua grandeza é aceita em parte, como veremos adiante. No entanto, isso não responde completamente a esta indagação.

Para entender melhor a razão pela qual o Império e República desmoronaram, devemos ter em mente como se deu a ascensão da república em detrimento da monarquia, e como se tornou grande. Depois, com mais dados e informações, iremos nos debruçar nos elementos e questões desta causa. Desse modo, busco dar um vislumbre, ao afirmar que não houve uma causa específica e sim uma causa geral. Montesquieu precisa que o modelo da república nos é dado pelas repúblicas antigas e, em particular, pela república romana, antes das grandes conquistas.

Nãos nos debruçaremos aqui sobre a monarquia romana. A utilizaremos apenas como ponto de partida para esta análise. Sabemos que ela começa em 753 a.C. e se estendeu até a queda da realeza, em 509 a.C. Após a expulsão do rei Tarquínio, o senado decidiu extinguir a monarquia, convertendo Roma em uma república, no ano 509 a.C. Lúcio Júnio Bruto e Lúcio Tarquínio Colatino, sobrinho de Tarquínio e viúvo de Lucrécia, foram os dois primeiros cônsules.


MAPA 1: A Roma Antiga (Wikipedia).

Ao analisar o primeiro capítulo da obra Considerações Sobre a Grandeza e Decadência dos Romanos, ficou evidente que a cidade de Rômulo não encontrou muitas alternativas para seu crescimento senão a guerra. A guerra vai ser um elemento extremamente explorado por Montesquieu, em suas Considerações. Em uma série de citações abaixo, podemos perceber que Montesquieu dedica inúmeras páginas da obra aqui analisada Considerações que vão desde as causas da grandeza e decadência dos romanos à questão militar. E a origem guerreira foi um dos fatores relevantes para a ascensão romana.

Montesquieu irá se aprofundar na arte da guerra dos romanos; sempre que possível, irá traçar um paralelo entre o Exército romano e os Exércitos dos Estados modernos. Ele vai salientar a criação da legião pelos romanos; segundo Vegécio, foi um deus quem a inventou e que, a princípio, era composta por três mil soldados de infantaria e 300 de cavalaria. Logo, com o passar do tempo, esses números iriam dobrar.

Os romanos, lançados à guerra, como quem nela vê a única arte, puseram todo o seu engenho e todos os seus pensamentos em aperfeiçoá-la. Entenderam que seria conveniente equipar seus soldados com armas ofensivas e defensivas mais fortes e pesadas do que qualquer outro povo.

Para poderem utilizar armas mais pesadas do que as de outros homens, eles precisavam ser mais do que homens. E assim se tornaram, mediante um intenso e rígido trabalho de disciplina física, sendo capazes de marchar, em cinco horas, 20 milhas, ao contrário dos Exércitos modernos, que perecem, em grande parte, devido à inconstância dos trabalhos físicos. Montesquieu aponta assim a ociosidade dos exércitos nos Estados modernos.


MAPA 2: A expansão de Roma, do início da República ao Século III (MapPorn).

Sempre que os romanos estavam em perigo, a prática de exercícios militares era intensificada e entre os romanos a ociosidade chegava a ser mais temida do que os próprios inimigos. Quando não estavam em guerra, nadavam no rio Tibre e faziam exercícios constantes no campo de Marte.

Devido à rigidez física desses soldados, alcançada graças aos exercícios, a falta de ociosidade, associada à altivez e ao orgulho do povo romano, deixavam o Exército “imune” a várias mudanças climáticas e a várias doenças; eles não “adoeciam”, ao contrário dos Exércitos modernos que, antes mesmo de entrarem em combate, padecem de várias enfermidades.

Nos exércitos modernos, as deserções são mais frequentes do que entre os romanos, pois estes castigavam de forma impiedosa seus desertores, e não havia honra nem coragem entre os estes.

Outra vantagem dos romanos era que seus exércitos não eram muito numerosos, fazendo com que seus comandantes os conhecessem melhor e que a disciplina fosse melhor obedecida, em pontos de logística, mobilidade e até na reposição das tropas.

Os combatentes da era moderna lutavam contando com a multidão e a união do exército, daí a origem de sua força. Já os romanos eram naturalmente corajosos, aguerridos e não temiam entrar em combate em menor número, pois confiavam e tinham consciência das suas próprias forças e do seu próprio valor.

Os povos da Europa guerreiam de forma semelhante e homogênea, possuindo as mesmas táticas, técnicas, armamentos e valores e, sobretudo, um bom exército, pois é preciso ter um grande contingente para se fazer um bom exército. Ainda nos tempos de Rômulo, quando Roma ainda era uma pequena cidade, a forma de governo era uma monarquia. Depois de 38 anos de reinado, Rômulo havia travado numerosas guerras, estendendo a influência de Roma por todo o Lácio e outras áreas circundantes. Por este motivo, seria eternamente recordado como o primeiro grande conquistador, assim como um dos homens mais devotos da história de Roma.

Os grandes historiadores da terceira geração da escola dos Annales dizem que não se faz história sem relacionar texto com imagem, sem sensibilidade e sem fruição estética porque História é arte e a arte perpassa por campos da imaginação, já dizia Barbara Tuchmann (1912-1989). E como apontou Georges Duby (1919-1996), a arte não pode ser analisada sem o rigor da investigação das fontes. De forma geral, o uso de imagens em métodos que integram questões pedagógicas e historiográficas, além de introduzir dinamismo ao ensino, possibilita a interpretação da História com grande riqueza de informações e detalhes. As obras de arte, por exemplo, cujo apelo estético é outro fator de sedução, podem e devem ser exploradas como fontes de informação sobre determinados aspectos do passado, tais como: paisagens e arquiteturas, costumes e condições de vida e de trabalho, moda, visões de mundo e ideologias, etc.

Estamos diante de imagens que retratam o momento da ascensão da república que fora uma temática muito recorrente na História da Arte, e por meio dessas imagens podemos entender melhor muitas palavras e conceitos que moldaram a República Romana e a fizeram ascender mesmo nos momento mais difíceis: triunfo, prosperidade, juramento disciplina militar, esforços contínuos; virtudes como constância e a coragem, liberdade, arte, engenho, desejo de superação, distribuição equitativa de terras, sair depressa da insignificância e estímulo; sociedade bem regulada, empenho muito grande em defender a pátria, cidadãos e soldados, superação, adaptação, extrair o melhor do inimigo conquistado, ambição e orgulho.

Estes elementos fizeram parte da ascensão da República e foram muito bem representados nas imagens escolhidas. A imagem do pintor Jean Auguste Dominique Ingres (1780-1867) nos mostra muito bem como foi o período do rei que cedeu seu nome à construção da cidade eterna e mostra como a pilhagem e a guerra eram vida e alegria nos primórdios de Roma, e pode justificar tal afirmação.


IMAGEM 1: Rômulo transporta um rico espólio para o templo de Júpiter. Jean- Auguste Dominique Ingres, École des Beaux-Arts, Paris.

Rômulo e os sucessores estiveram quase sempre em guerra com os vizinhos, para obterem cidadãos, mulheres ou terras. Voltavam para a Cidade com os despojos dos povos vencidos, designadamente feixes de trigo e rebanhos, o que dava lugar a grandes manifestações de alegria. Nem outra foi a origem dos triunfos, que de futuro viriam a representar a principal causa das grandezas a que tal cidade chegou. (MONTESQUIEU, 2002, p. 10)

O primeiro capítulo de Montesquieu nos mostra como os romanos, ainda em sua fase inicial, quando Roma era uma pequena cidade, extraíam o melhor de seus adversários, como forma de engrandecimento, ao contrário dos contemporâneos de Montesquieu. Os romanos se adaptavam às situações e não temiam a inovação.

A moral, que estava intrinsecamente relacionada à religião, era um ponto marcante entre os romanos, pois inibia, e muito, a corrupção, ainda nessa fase pretérita de Roma. Exemplo disso era que os espólios de guerra eram distribuídos, apesar de serem regulamentados sob juramento. Eram distribuídos aos soldados e cidadãos, conforme fora combinado antes de partirem para a guerra. Nos estados modernos, a corrupção das entidades religiosas e a distribuição dos espólios não ocorria da mesma forma que em Roma, onde existia uma melhor divisão das pilhagens.

Roma estava sempre em guerra, adquirindo, inevitavelmente, um grande conhecimento da arte da guerra. Outra vantagem dessas guerras contínuas era que Roma não desistia, a não ser quando saísse vencedora. Somente como vencedores os romanos selavam a paz e a ambição gerava uma necessidade de vencer, sobretudo quando fossem derrotados, surgindo um desejo cada vez maior de superação e vingança entre eles. Tais sentimentos geravam uma dificuldade de distinção sem precedentes de valores como o amor, por si só e pela pátria, ou seja, os romanos eram demasiadamente patriotas. Os cidadãos contemporâneos, para Montesquieu, eram tão patriotas? Não. Por isso as repúblicas eram características da Antiguidade.

Quando surgia um novo rei em Roma, este não precisava renovar todas as obrigações e tratados feitos anteriormente por determinados reis. As “leis” caducavam após sua morte ou deposição, fazendo com que o novo rei obtivesse liberdade para fazer a lei a seu modo, ao contrário das nações modernas, onde os reis seguiam as “leis” com certo vigor. Neste aspecto, Montesquieu deve preferir os Estados modernos.

A questão do rapto das Sabinas, que para muitos é uma lenda, para outros, inclusive pintores, foi uma eterna fonte de inspiração, com destaque no Renascimento e no Classicismo, em que até o momento o autor deste trabalho reconhece a existência de sete quadros. Foi um tema muito recorrente. Durante o Renascimento, o tema se tornou muito popular, como uma história que destacava a importância do matrimônio para a continuidade das famílias e culturas. Também era um dos raros exemplos de um tema de batalha, um gênero bastante popular, que permitia ao artista demonstrar seu virtuosismo no retrato, tanto na exposição da figura feminina quanto da masculina, em poses extremas.


IMAGEM 2: Pietro da Cortona, 1627-29, Museus Capitolinos.

Na imagem de Pietro da Cortona (1596-1669), estamos diante de mulheres sendo usurpadas e solapadas de seus maridos e suas terras, em detrimento do crescimento de Roma, que rogava por mulheres para dar à luz e vida naquela região que, para muitos, é o coração do Lácio.

No entanto, é com Jaques Louis David (1748-1825) que vemos a plenitude do movimento e que muito nos ajudará a explicar melhor a afirmação de Montesquieu, de que o poderio foi grandemente elevado em virtude da união com os sabinos. Depois da paz estabelecida entre estes povos, Rômulo integrou os sabinos à cidade de Roma. Isto foi fundamental em Roma que, desde seus primórdios, ainda quando engatinhava a curtos passos, já era capaz de assimilar a cultura alheia. Esta obra de David, em que ele descreve o rapto das Sabinas, nos mostra a instabilidade da região do Lácio neste processo de crescimento de Roma e como a união com os sabinos fora benéfica, no sentido de belicosidade.


IMAGEM 3: A Intervenção das Sabinas, por Jacques-Louis David, no Museu do Louvre.

Roma viu o seu poderio grandemente acrescido, em virtude da união com os sabinos, povos duros e belicosos, à semelhança dos lacedemônios, dos quais, aliás, descendiam. Rômulo adotou o mesmo escudo deles, que era grande, e pôs de lado o pequeno escudo argivo de que até aí se tinha servido. Foi isso, aliás – não podemos deixar de o assinalar – que mais contribuiu para tornar os romanos senhores do mundo. Tendo eles combatido, sucessivamente, contra todos os povos, sempre souberam renunciar aos seus usos, mal encontraram outros melhores. (MONTESQUIEU, 2002, p. 10)

Se alguma nação detinha, por natureza ou por instituição, qualquer prerrogativa, logo os romanos passavam a fazer uso dela. Não descuidaram de meios para terem acesso a cavalos númidas, arqueiros cretenses, besteiros baleares e navios ródios.

Outro dado a ser considerado é que, mesmo se tratando de uma monarquia, no princípio de Roma para Montesquieu o motor da Monarquia é a honra. Nosso autor escreveu a este respeito que, por alguma razão, as sucessões reais foram eficientes, ou seja, desde muito cedo, para a felicidade de Roma, a cidade e a sociedade estavam dirigidas pelos homens certos.

Uma das causas da prosperidade de Roma foi todos os seus reis terem sido personagens importantes. Em nenhum outro lado se consegue encontrar ao longo das histórias, uma sucessão ininterrupta de homens de Estado e de capitães assim. (MONTESQUIEU, 2002, p.11).

Outra imagem que, a meu ver, torna-se muito elucidativa, é aquela do grande pintor francês David, O Juramento dos Horácios.

David descreve muito bem este período em sua graciosa pintura. Mostra-nos três irmãos Horácios fazendo a saudação romana, sob a qual juram que lutarão pela República Romana, embora sua decisão possa trazer sofrimento para suas famílias. A pintura simboliza o princípio segundo o qual o dever público, o sacrifício pessoal, o patriotismo e a defesa das convicções tomadas em consciência, são valores superiores à própria segurança, ou seja, aos seus interesses. Está explícito um belo exemplo do sentimento de virtude.


IMAGEM 4: Juramento dos Horácios 1784 Jacques-Louis David, no Museu do Louvre.

Ora, a guerra era quase sempre agradável ao povo, porque na sábia distribuição dos despojos se tinha descoberto um meio de lhe a tornar útil. O produto do saque era posto em comum e distribuído aos soldados. Nada se perdia porque, antes de partir, cada um tinha já jurado que não desviaria coisa alguma em seu proveito. Ora, os romanos eram o povo do mundo mais religioso quanto ao juramento, que constitui sempre o nervo da disciplina. (MONTESQUIEU, 2002, p.13)

Os cidadãos que ficavam na cidade também se beneficiavam dos espólios de guerra, uma vez que confiscavam uma parte das terras do povo vencido, que eram divididas em duas partes. Uma das partes era vendida em prol do público, enquanto a outra era distribuída aos cidadãos pobres, com o encargo de uma renda a favor da República.

Os cônsules da República, como só podiam ter acesso às honrarias do triunfo, que só eram dadas através de uma conquista ou de uma vitória militar, tratavam a guerra com uma impetuosidade ao extremo.


IMAGEM 5: Breno e sua parte no butim, pintura de Paul Jamin.

Se houvessem conquistado rapidamente todas as cidades vizinhas, encontrar-se-iam na decadência, à chegada de Pirro, dos gauleses e de Aníbal e, segundo um destino idêntico ao de quase todos os Estados do mundo, depressa teriam passado da pobreza às riquezas, e das riquezas à corrupção. Mas Roma, entregue a contínuos esforços e sempre perante novos obstáculos, fazia sentir sua força sem a poder dilatar; e, numa circunferência muito pequena, exercitava-se em virtudes que tão fatais haviam de ser para o Universo. (MONTESQUIEU, 2002, p.15)


IMAGEM 6: Breno, chefe gaulês, e Marco Fúrio Camilo, depois do Cerco de Roma. Ilustração de “Histoire de France em cent tableaux”, por Paul Lehugeur, Paris, 1886.

Estamos aqui diante de um elemento muito interessante: a lenta e difícil expansão pode dar consistência à ascensão. Mostra-se válido concentrar no que as conquistas guerreiras legaram aos romanos, tendo em mente que foram lentas e difíceis. Se fossem fáceis e rápidas, talvez, para Montesquieu, não teriam dado consistência ao Estado.


IMAGEM 7: Tempestade da Neve: Aníbal e seu exército cruzando os Alpes, William Turner, 1810-1812.

Para poderem ter armas mais pesadas que as dos outros homens, era preciso que se tornassem mais que homens: foi o que fizeram mediante um trabalho contínuo, que lhes aumentava as forças, e mediante exercícios, que lhes davam destreza, a qual não é mais que uma justa administração das forças que se tem. (MONTESQUIEU, 2002, p.19)

Esta passagem é decisiva: a disciplina que adquiriram com a vida militar forma um tipo humano adequado à experiência republicana.

Montesquieu dá muita ênfase ao aspecto militar. Por que razão? Porque ela contribui com a formação do homem republicano firme, disciplinado, capaz de enfrentar desafios difíceis, que é dotado das virtudes necessárias para o mundo republicano, a tal ponto que o segundo capítulo da obra chama-se Da Arte da Guerra Entre os Romanos.

É muito interessante o ponto de vista do autor, para o qual, muitas vezes, alguns elementos que colaboraram com a ascensão, quando o processo era invertido, foram, justamente, as causas da corrupção e do declínio dos romanos. É o caso, também, da cidade portuária, localizada no norte da África, Cartago, terra onde reinou a mitológica rainha Dido, atualmente próxima a Túnis, capital da Tunísia. Em Cartago, encontramos um processo, no mínimo, curiosamente invertido, o qual colaborou para a ascensão dos romanos.

Cartago, que empreendia a guerra com sua opulência contra a pobreza romana, encontrava-se, por essa razão, em desvantagem. O ouro e a prata se exaurem, mas a virtude, a constância, a força e a pobreza nunca se gastam.


MAPA 3: Império cartaginês (Encyclopaedia Britannica).

Temos um paralelo estabelecido devido aos contrastes que são evidentes à oposição entre a Roma pobre e virtuosa e a Cartago rica e corrompida: no mundo republicano – as duas são repúblicas – a opulência e a desigualdade são elementos corrosivos.

Os romanos eram ambiciosos por orgulho e os cartagineses por avareza; uns queriam mandar, os outros queriam adquirir; estes últimos, calculando, sem cessar a receita e a despesa, fizeram sempre a guerra sem gostar dela. (MONTESQUIEU, 2002, p.31).

O paralelo é mantido: para Montesquieu o orgulho de mandar é menos corrosivo para uma república do que a avareza de adquirir bens e comodidades. Estamos lidando aqui com tipos de ambição distintos.

Os cartagineses serviam-se de tropas estrangeiras e os romanos empregavam as suas. Como estes últimos jamais tinham olhado os vencidos a não ser como instrumentos para triunfos futuros, transformaram em soldados todos os povos que haviam subjugado. E quanto maior dificuldade tiveram em os vencer, mais dignos os julgaram de serem incorporados na sua República. (MONTESQUIEU, 2002, p.32)

Temos outro aspecto da questão da assimilação, decisivo para o êxito. Maquiavel já nos alertou a respeito do perigo de confiar suas forças nas mãos de mercenários que, muitas vezes, cobram altos preços para oferecer proteção a determinado cliente em tempos de paz, e na hora em que o cliente mais precisa, que é no momento de guerra, eles vão embora. Esta é apenas uma das lições em que o autor de O Príncipe nos ensina porque não se deve confiar em mercenários, questão que poderá ser discutida em trabalhos que virão posteriormente.

Roma foi um prodígio de constância. Depois das jornadas do Ticino, de Trébia e de Trasimeno, depois da jornada de Canas, mais funesta ainda, abandonada por quase todos os povos da Itália, nem mesmo assim pediu a paz. (MONTESQUIEU, 2002, p.52)

Outros sentimentos analisados por Montesquieu, profundamente relacionados com a ascensão de Roma, foram a constância e a perseverança, que são importantes virtudes clássicas. O mundo republicano, sem profundas desigualdades, é o cenário para a manifestação destas virtudes.

Assim, enquanto em Roma os empregos públicos se obtinham apenas pela virtude e não davam outro proveito além da honra e de uma primazia nas fadigas, tudo o que o público pode dar aos particulares se vendia em Cartago e todo o serviço prestado pelos particulares era pago pelo público. (MONTESQUIEU, 2002, p.30)

Estamos diante de uma informação preciosa, pois, enquanto os romanos buscavam glória, os cartagineses almejavam riqueza. Os cartagineses eram mais preponderantes no mar, pois possuíam uma esquadra naval poderosa. Porém no tempo de Montesquieu, esta vantagem é mais significativa. Nas esquadras modernas, o que se fazia com mil remos, na modernidade se faz com cem. Na antiguidade, não havia bússola e tinham que navegar sempre junto à costa. As batalhas navais eram traçadas, os exércitos eram deslocados para os mares, “os soldados serviam para tudo e a arte de canhões e grandes navios servia para pouco” (Montesquieu, 2002, p. 36). Montesquieu, assim, nos mostra a importância da esquadra naval inglesa, o que garantia a soberania da nação nos mares. Temos aqui um paralelo entre a antiguidade e era moderna.

Foi um período truculento na história de Roma durante a fase republicana que, por várias razões, se envolveu em grandes guerras, nas palavras do autor Montesquieu, que diz: “pequenas vitórias e grandes guerras” (Montesquieu, 2002, p.42). É neste contexto que entram em cena os personagens que representam os inimigos lendários da República, que a fizeram tremer, como o gaulês Breno, Pirro, rei do Épiro, e Aníbal, o cartaginês.

Parece-me que os aspectos centrais que aparecem em outros capítulos se repetem aqui: romanos assimilam adversários; não manifestam grande ambição material, mas objetivam a glória da conquista. São aspectos que jamais podem ser deixados de lado ao analisar a ascensão romana.

Mas a fraqueza principal do reino da Síria provinha da corte, onde reinavam os sucessores de Dario e não os descendentes de Alexandre. O luxo, a vaidade e a indolência, que em nenhum século abandonaram as cortes da Ásia, em nenhuma outra reinaram tanto como nesta. O mal contagiou não só o povo e os soldados mas também os romanos, visto que a guerra travada entre eles e Antíoco marca a verdadeira época da sua corrupção. (MONTESQUIEU, 2002, p.48)

É uma passagem que merece nossa atenção: o luxo e a indolência asiática como princípio de corrupção. A análise negativa dos impérios asiáticos irá se repetir nas páginas do Espírito da Leis sobre o despotismo. Vale a observação de que a república romana alimentava formas de comportamento exatamente contrárias: simplicidade e diligência Não fosse isso, os sírios poderiam ter tido uma chance de conter o avanço dos romanos.

As forças dos reis do Egito, tal como as dos outros reis da Ásia, consistiam nos auxiliares gregos. Além do espírito de liberdade, honra e glória, que animavam os gregos, eles entregavam-se incessantemente a toda a espécie de exercícios do corpo: dispunham, nas principais cidades, de jogos organizados, onde os vencedores obtinham coroas que causavam a admiração em toda a Grécia e generalizavam o espírito de emulação. Ora, em uma época em que se combatia com armas cujo êxito dependia da força e da destreza daqueles que delas se serviam, não se pode pôr em dúvida que pessoas assim exercitadas tivessem grandes vantagens sobre essa multidão de bárbaros recrutados indiferentemente e levados para a guerra sem prévia seleção, como acontecia com os exércitos de Dario. (MONTESQUIEU, 2002, p.50)


LIVRO RECOMENDADO:

Em nome de Roma: Os conquistadores que formaram o império romano

• Adrian Goldsworthy (Autor)
• Em português
• Kindle ou Capa comum


Observemos a comparação entre asiáticos e gregos. Ela vai na mesma direção da observação sobre a Síria: os asiáticos são indolentes, ao contrário dos gregos, e corrompidos pelo luxo. Esta caracterização dos asiáticos é um elemento de contraponto às virtudes republicanas. No entanto, os gregos não eram unidos. Por isso, foram conquistados pelos romanos.

Enquanto durasse qualquer guerra importante, o senado nunca se dava por achado fossem quais fossem as injúrias que lhe dirigissem e sabia esperar em silêncio que o tempo da punição chegasse. Mesmo que o povo lhe mandasse os culpados, recusava-se a puni-los, pois lhe era mais saboroso ter toda a Nação na conta de criminosa e poder em qualquer momento exercer uma vingança útil. (MONTESQUIEU, 2002, p.52)

Esta é outra passagem que se mostra muito significativa, pois aponta a moderação do senado. A moderação, como já vimos, é um aspecto importante da ascensão republicana, para Montesquieu.

Como nunca celebravam a paz de boa-fé e como a ânsia de invadirem tudo os levava a elaborar tratados que em vez de pôr termo às guerras a bem dizer as suspendiam, costumavam impor condições que mais cedo ou mais tarde vinham a dar lugar à decadência do Estado que as aceitava. Ou faziam sair as guarnições lhe entregassem os cavalos ou os elefantes; e, se esse povo era poderoso no mar, obrigavam-no a queimar os navios e algumas vezes a ir habitar mais para o interior das terras. (MONTESQUIEU, 2002, p.52)

É com ferro, e não com ouro, que se resgata a pátria” (Non auro, sed ferro, recuperanda est patria). – Marco Fúrio Camilo 446 a.C.-365 a.C.

Estamos diante de uma passagem de muita relevância. Encontrei até uma frase atribuída a Marco Fúrio Camilo que justifica completamente a citação acima. Enquanto este expulsava os gauleses de Roma, os romanos, na guerra, não davam trégua. Devemos notar a “ânsia de invadirem tudo”. Não faltava ambição aos romanos, mas ela se manifestava em termos coletivos.

Depois de terem destruído os exércitos de um príncipe, arruinavam-lhe as finanças por meio de taxas excessivas ou de um tributo, com o pretexto de o fazerem pagar as despesas da guerra – novo gênero de tirania que o forçava a oprimir e a perder por conseguinte o amor dos súbditos. (MONTESQUIEU, 2002, p.52).

É bem interessante que Montesquieu identifica, nos romanos, as táticas de conquista de cunho econômico para enfraquecer e oprimir ainda mais o povo conquistado. Penso que isto é um belo exemplo do caso das ocupações na região da Judéia.

Quando concediam a paz a algum príncipe, levavam algum dos irmãos ou dos filhos como refém. Não havia melhor maneira para lançar arbitrariamente a confusão nesse reino. Se tinham em seu poder o herdeiro mais próximo, intimidavam o possuidor; se apenas um príncipe de grau afastado, serviam-se dele para animar as revoltas dos povos. (MONTESQUIEU, 2002, p.53)

Montesquieu, neste capítulo, nos relata e faz uma espécie de inventário das táticas de dominação, após a conquista militar. Este tipo de “astúcia” é importante para a ascensão.

Mas nada serviu melhor Roma do que o respeito que impôs à terra inteira. Começou por reduzir os reis ao silêncio e tornou-os como que estúpidos. Não era tanto o poder maior ou menor mas a própria pessoa deles que entrava em causa e se via atacada. Incorrer no risco de uma guerra era expor-se ao cativeiro, à morte, à infâmia do triunfo. Assim, reis que viviam no fasto e nas delícias não ousavam lançar olhares fixos sobre o povo romano; e, depois de terem perdido a coragem, passavam a esperar da paciência e das baixezas deles alguma dilação para as misérias que os ameaçavam. (MONTESQUIEU, 2002, p.59)

Estamos aqui diante da soma de elementos bastante relevantes, pois é capaz de associar o inventário das estratégias de conquista com a análise da corrupção despótica, provavelmente referida ao contexto asiático. O sentimento de respeito era uma forma de submissão tão importante quanto as armas o foram. Por isso, merece ser mencionado.

Em linhas gerais, Montesquieu aponta que os romanos faziam de tudo para fazer valer uma máxima, que se baseava, sobretudo, na divisão dos poderes locais dos lugares conquistados. Segundo o autor, os romanos “respeitavam” as culturas dos povos subjugados. Não tentavam impor a sua cultura para esses povos; por isso, ele vai dar o exemplo de que, para os espanhóis conquistarem o México e o Peru, foi preciso que eles os destruíssem antes.

O próprio autor explica como isso acontecia em Roma, através desta outra citação: “Mas como Roma não impunha nenhuma lei geral, os povos não tinham entre si ligações perigosas.” (MONTESQUIEU, 2002, p.60).

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

____________________________________________________________________________________________________________
____________________________________
________________________________________________________________________

Veja também