Poder Aeroespacial na Guerra da Ucrânia

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Um drone Orlan-10 das Forças Aerotransportadas da Rússia no exercício tático Slavic Brotherhood 2018 (Andrey Rusov/Ministério da Defesa da Federação Russa).

Por Carlos Eduardo Valle Rosa*

Um drone Orlan-10 das Forças Aerotransportadas da Rússia no exercício tático Slavic Brotherhood 2018 (Andrey Rusov/Ministério da Defesa da Federação Russa).

Uma análise da guerra na Ucrânia do ponto de vista do poder aeroespacial, que tem passado por uma significativa evolução desde a Guerra do Golfo de 1991.


Ao completar um ano de conflito, a guerra na Ucrânia ainda não permite que muitas interrogações sejam respondidas de forma mais assertiva, em especial, no que tange ao emprego do poder aeroespacial. Este ensaio tem por objetivo atualizar algumas interpretações sobre as operações aeroespaciais, conduzidas pela Rússia e pela Ucrânia, destacando que se trata de uma argumentação que vem à luz de relatórios, entrevistas e fatos que permitem elucidar alguns temas, mas ainda não podem ser consideradas como análises definitivas da guerra. Nosso foco não é reducionista nem profético, mas busca apresentar um ponto de vista a partir do poder aeroespacial, recordando que a guerra moderna não se deixa reduzir a uma única dimensão, menos ainda, a uma única arma. Na verdade, é um empreendimento conjunto.

Desde a Guerra do Golfo de 1991, o pensamento estratégico de emprego do Poder Aeroespacial tem sofrido uma significativa evolução. Naquele conflito, a Coalizão, mas principalmente a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF, US Air Force), buscou evitar erros cometidos em conflitos passados, em especial na Guerra do Vietnã. Parte desses erros envolvia a atuação do poder aéreo, e foram identificados como “Limites” por Mark Clodfelter [1]. Dentre eles, a postura gradualista de aplicação da pressão nos ataques aéreos contra o Vietnã do Norte e a ausência de um pensamento integrado de uma estratégia aérea, cuja dispersão dos meios entre força aérea, exército, marinha e fuzileiros navais representou efetivamente a existência de quatro guerras aéreas distintas naquele conflito. Não é por menos que a campanha aérea de 1991 foi denominada Trovão Instantâneo (Instant Thunder) justamente em oposição ao Trovão Progressivo (Rolling Thunder) do Vietnã.

Na União Soviética, e depois na Rússia, essa transformação não passou despercebida. Já no final dos anos 1980, e com mais ênfase na década de 1990, houve o reconhecimento, fruto da evolução experimentada na Guerra de 1991, de uma revolução técnico-militar. O marechal Nikolai Ogarkov, por exemplo, entendeu que o impacto da tecnologia e de novas concepções doutrinárias de emprego do poder aeroespacial modificariam a forma de se empregar esse poder nas guerras vindouras.


IMAGEM 1: Nikolai V. Ogarkov e a Revolução Técnico-Militar (RGRU).

Apesar dessa tomada de consciência, a dissolução da União Soviética em 1991 implicou na reestruturação da força aérea em função da criação dos novos estados independentes, o que levou a uma fragmentação de capacidades e dispersão de meios aeroespaciais. Também os percalços de crises financeiras que se seguiram à formação da Rússia impediram que o processo de adaptação à essa nova forma de guerra aeroespacial se consolidasse. Isso impôs custos logísticos significativos com processos de desmobilização material, canibalização de peças sobressalentes e abandono de bases aéreas e aeronaves.

Esse panorama se agravou com a ênfase nos conflitos irregulares, contrainsurgências e movimentos separatistas que têm sido a realidade de combate da força aérea russa desde a época da União Soviética, passando pelo conflito do Afeganistão, até eventos como na Geórgia, na Chechênia e na Síria, mais recentemente. O que se extraiu de experiência de combate aeroespacial definitivamente não colaborou com o movimento da revolução técnico-militar. Na verdade, esse contexto teria sido pernicioso para o pensamento sobre o emprego do poder aeroespacial em contextos simétricos e de alta intensidade. Na prática, a atual Força Aeroespacial Russa (VKS, Vozdushno-kosmicheskiye sily) teria atuado essencialmente como uma arma de suporte da campanha terrestre.

Chegamos, então, ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que se desenvolve desde fevereiro de 2022. Nesta análise procuramos estabelecer uma premissa. Nosso entendimento é que poder aeroespacial não é sinônimo de força aérea, portanto, há uma gama mais ampla de capacidades aéreas e espaciais envolvidas no debate, além daquelas ligadas exclusivamente à VKS ou à Força Aérea Ucraniana (PSU, Povitryani syly Zbroynykh syl Ukrayiny). Benjamin Lambeth tem uma frase muito eloquente sobre isso, quando afirma que o “poder aéreo [aeroespacial] não conhece cor de uniforme” [2].

Portanto, quando nos referimos a poder aeroespacial, tratamos de uma capacidade ou de uma habilidade que se expressa na projeção de força militar, por meio ou a partir de uma plataforma na terceira dimensão sobre a superfície terrestre [3]. Esse conceito é deveras relevante, pois assume uma visão integrada de capacidades e multidimensional no sentido de incorporar tanto a atmosfera quanto o espaço exterior.

O ensaio parte de duas questões que podem conduzir o debate que propomos. A primeira delas tenta questionar o significado de vitória para a Rússia. É uma questão ampla, que envolve essencialmente conhecer os objetivos políticos, a meu ver ainda incertos, da operação militar especial iniciada pelo presidente Vladimir Putin. Mas ela é suficiente para a argumentação em torno dos efeitos do poder aeroespacial russo na campanha em curso. A segunda pergunta, que vai na mesma direção, procura identificar o que seria necessário para a Ucrânia vencer a guerra. Igualmente, é uma questão que admite um sem-número de linhas argumentativas que passam pelo maior envolvimento político-diplomático ocidental ou pelas consequências globais da guerra. Nossa proposta, a exemplo do caso russo, é direcionar os debates para a problemática de cessão de armamentos para as forças ucranianas.

Desenvolveremos os argumentos em torno de capacidades essenciais de emprego do poder aeroespacial, nos valendo de um framework de Benjamim Lambeth [4]. Esse autor identifica que o poder aeroespacial, em um conflito, precisa: a) liberdade de ação, que implica ser capaz de atacar o adversário e evitar que ele faça o mesmo; b) persistência em consistentemente atacar alvos com precisão dia e noite; c) identificar alvos, não somente aqueles de natureza fixa ou estática, mas também executar ataques contra alvos dinâmicos rotineiramente; d) dominar o conhecimento por meio de ações de inteligência, vigilância e reconhecimento que garantam predomínio na consciência situacional no espaço de batalha; e e) manter a pressão sobre o inimigo, capacidade que ganha consistência quando observa os princípios da ofensiva e do objetivo.

A liberdade de ação, em essência, decorre do grau de controle aeroespacial. Ela é a razão de ser de qualquer força aérea. A obtenção da supremacia ou da superioridade permitiriam liberdade de movimento da própria força aérea, assim como das manobras das forças de superfície. Para recordar Giulio Douhet e o “Comando do Ar” [5], o passo inicial de qualquer campanha aeroespacial, em especial nos conflitos regulares, é se obter o controle do ar!

Apreciações iniciais dos analistas, logo nas primeiras semanas da guerra, apontavam que a VKS adotaria postulados de shock and awe (“choque e pavor”), de paralisia estratégica ou de operações baseadas em efeitos. Em síntese, esperava-se que o Poder Aeroespacial russo tivesse a capacidade de avassaladoramente destruir centros de gravidade ucranianos, desmoralizar as forças oponentes, antecipadamente vencendo o conflito, antes que a campanha de superfície fosse necessária.

Contudo, essa expectativa não coadunou com os fatos. Em março de 2022, apontamos que as ações da VKS eram consistentes com um perfil teórico, doutrinário e histórico que não se enquadrava em ações independentes, focadas em efeitos estratégicos, centros de gravidade e paralisia do inimigo. Na verdade, todo o arcabouço indicava a manutenção da característica de acompanhamento da progressão da campanha terrestre, sobre a qual se proveria o suporte necessário. Recente relatório da RUSI (Royal United Services Institute) confirmou essa perspectiva, afirmando que “a lógica da priorização de alvos foi desproporcionalmente moldada pelos desafios táticos das forças de superfície, indiscutivelmente às expensas do planejamento da VKS para se obter o controle do ar” [6]. Ou seja, a VKS ainda não teria conseguido um grau de independência em seu pensamento estratégico.

Essa limitação pode ser observada na adaptabilidade aos desafios do ambiente operacional. Bremer e Grieco sugerem a existência de uma camada do espaço aéreo denominada “litoral aéreo” [7], onde a atuação de drones pequenos e mísseis superfície-ar portáteis, os MANPADS, tem criado sérias restrições para a operações de aeronaves de apoio aproximado, que é função implícita no suporte à campanha terrestre. Esse “litoral aéreo”, algo em torno de até 400 m de altura, trouxe uma visão peculiar de profundidade, verticalidade e defesa em camadas, fazendo surgir uma estratégia de air denial, ou negação do ar, na qual o lado mais fraco consegue se opor ao mais forte.

Esse tema nos leva à apreciação da persistência, que é a segunda demanda do poder aeroespacial. Aqui daremos especial atenção às questões dos drones, que no Brasil são chamados de Sistemas de Aeronave Remotamente Pilotadas (SARP). Os drones têm representado significativa relação custo-benefício, mesmo que a sobrevivência desses equipamentos não seja longa. Relativamente baratos, têm agido como instrumentos de reconhecimento tático e ofensivamente contra diversos tipos de alvos, inclusive com capacidade de realizar interferências eletrônicas, como é o caso do drone russo Orlan-10. Ainda há discordância sobre a questão dos drones como uma revolução tecnológica. Particularmente, na forma como têm sido utilizados no conflito, sou levado a acreditar que se trata de mais uma capacidade militar disponível, ou um multiplicador de força.

Contudo, há especificidades na utilização de drones por ambos os lados. Os russos têm percebido a relevância desse tipo de equipamento, mas não emprestam a eles um significado efetivamente estratégico. Para os ucranianos, os UAV (do inglês Unmanned Aerial Vehicle) têm representado uma forma de substituição do poder aéreo convencional, na medida em que buscam utilizar os drones para prover certa falta de consciência situacional, atacar alvos com certa precisão, mesmo à noite, instigar um sentido de resiliência nacional e afetar o moral das tropas russas, o que extrapola o mero significado tático desse tipo de equipamento [8]. Até que ponto os drones representam uma verdadeira revolução no campo de batalha é uma questão em aberto.

No tocante à capacidade de identificar alvos, podemos explorar dois argumentos. O primeiro está diretamente relacionado à dificuldade em se obter o grau de controle aeroespacial. Segundo Bronk, Reynolds e Watling houve um clássico erro russo na “mudança do objetivo” durante a campanha de supressão das defesas aéreas ucranianas, após insuficiente capacidade de localizar os alvos, que se moviam repetidamente, “para o apoio direto das forças de superfície na tentativa de progredir no terreno”. Posteriormente, esse esforço se voltou para o simples bombardeio de punição das cidades ucranianas. A conclusão que chegam os autores é que a “inabilidade da VKS em coordenar ataques do tipo SEAD (Suppression of Enemy Air Defenses, Supressão de Defesas Aéreas Inimigas) foi a principal razão dessa ameaça não ser um fator de sucesso na campanha” [9].

Para a USAF, SEAD é a “Ação para neutralizar, destruir ou degradar defesas aéreas de superfície do inimigo, por meios destrutivos ou disruptivos” [10].

Outro argumento está relacionado ao emprego de munição guiada de precisão, as munições guiadas de precisão (PGM, Precision-guided munition). Além de um histórico que privilegia pouco o emprego desse tipo de arma aérea, o que está em jogo é a inteligência aérea. Ataques com drones, mísseis de cruzeiro ou balísticos precisam de informações confiáveis sobre a posição atual do alvo que se move. A experiência limitada de emprego de PGM por parte da VKS, como apontam os dados, decorre de precária inteligência humana, métodos avançados de seleção de alvos e sensores adequados. O que queremos destacar é a demanda de uma Inteligência Aérea Inteligente! Afinal, uma arma de precisão (inteligente) direcionada ao alvo errado transforma-se em um ataque burro! Por outro lado, uma bomba convencional (bomba burra) que atinja um alvo corretamente identificado transforma-se em um ataque inteligente! Essa suposta carência da VKS também se observa naquilo que se denomina análise dos danos de batalha, que é realizada após o ataque. Se essa análise de inteligência é frágil, não se tem certeza se o alvo foi atacado, qual nível de dano obtido, e se houve algum dano, em quanto tempo esse alvo será recuperado! É fazer a guerra às cegas!

Dominar o conhecimento sobre o espaço de batalha, a terceira capacidade, em grande parte, é função de inteligência, vigilância e reconhecimento (IVR, ou, em inglês, ISR, Intelligence, Surveillance, and Reconnaissance). A Ucrânia estaria sendo provida nessa capacidade por múltiplos meios aeroespaciais. Evento recente no qual um drone Reaper americano teria sido derrubado por um SU-27, no Mar Negro, deu margem a especulações de provimento de IVR por parte da OTAN à Ucrânia, como no caso dos Rivet Joint ou do E-3 AWACS.


IMAGEM 2: RC-135 Rivet Joint, também conhecido como JSTARS, Joint Surveillance and Target Attack Radar System (Master Sgt. Lance Cheung/USAF).

Um destaque no contexto tático do IVR são os drones do tipo quadricóptero, utilizados para reconhecimento visual e por infravermelho. Além disso, o governo ucraniano contrata serviços satelitais de sensoriamento e de telecomunicações. Empresas comerciais estariam atuando na guerra, provendo imagens de radar de abertura sintética, o Synthetic-aperture radar (SAR), vitais para o planejamento militar ucraniano [11], como no caso da BlackSky. A Starlink, que opera uma constelação satelital da SpaceX, estaria provendo serviços de internet às forças ucranianas.

Ainda na componente espacial da guerra, a Rússia possui capacidades que merecem destaque. Na verdade, movimentos dissuasórios explorando essas capacidades podem ser incluídos nas ações da guerra. Por exemplo, no dia 15 de novembro de 2021, o sistema PL-19 Nudol teria sido utilizado contra um satélite defunto russo, o Cosmos 1408, demonstrando uma capacidade antissatelital, ou Anti-satellite Weapon (ASAT), nas vésperas da invasão da Ucrânia. No caso da guerra eletrônica, a Rússia dispôs sistemas como o Tirada-2, Zhitel e o Bylina-MM, alguns desses orgânicos aos Battalion Tactical Group (BTG), cuja atuação “no Donbass, afetaria a navegação de drones ucranianos” [12].

A última capacidade essencial do poder aeroespacial é manter a pressão sobre o inimigo. Inicialmente, afeta à Rússia, a questão do consumo e dos estoques de mísseis ganhou visibilidade na guerra. Dados de 13 de janeiro de 2023 mostram essa situação [13].


IMAGEM 3: Inventário de mísseis russos em 23 de fevereiro de 2023 (KOSSOV, 2023).

O que se deduz, preliminarmente, é que existe tanto escassez, caso do Iskander, como reservas significativas, caso do míssil superfície-ar S-300. No caso dos mísseis ar-superfície há estoques de 50% ou mais. Além dos números que o quadro apresenta, importa saber qual seria a capacidade de produção desses equipamentos em um cenário de consumo elevado como tem sido a guerra. Ou seja, pode-se deduzir que a Rússia teria reservas para aumentar a pressão na Ucrânia.

Outra forma de manter a pressão, nesse caso por parte da Ucrânia com suporte da OTAN, nos leva a analisar a recorrente reivindicação ucraniana por uma Zona de Exclusão Aérea (NFZ, No-fly Zone). As NFZ não são baratas! Na Bósnia, em 1995, estimou-se o custo da NFZ em torno de 628 milhões de dólares. Na Síria, a partir de 2011, o custo de uma NFZ gira em torno de 9 a 31 milhões de dólares por semana, ou seja, de 468 milhões a 1,6 bilhão por ano! As NFZ no Iraque tiveram um “custo de 12 bilhões de dólares” [14].

O fornecimento de equipamentos militares para a Ucrânia também se insere no debate dessa capacidade. Até porque ele incide em um dos erros identificados na Guerra do Vietnã: o gradualismo no atingimento dos objetivos políticos. Nosso ponto de vista é que o tipo de material que tem sido fornecido à Ucrânia tem aumentado o atrito e as perdas humanas, transformando a guerra em batalhas a exemplo das trincheiras da 1ª Guerra Mundial. Vedetes na mídia como o HIMARS podem atingir alvos a até 70 km do ponto de lançamento. Considerando que a bateria esteja à cerca de 20 km da linha de contato, o alcance útil é de cerca de 50 km. Outra vedete são os Main Battle Tank (MBT), como o Leopard 2, que tem uma velocidade máxima de 70 km/h e seu canhão de 120mm tem alcance de quatro a oito quilômetros.


IMAGEM 4: HIMARS, M142 High Mobility Artillery Rocket System, ou Sistema de Artilharia de Alta Mobilidade (Lockheed Martin).

Seriam esses os equipamentos necessários para a Ucrânia? Esse tipo de equipamento pode gerar vantagens táticas, podendo levar os ucranianos a vencer uma ou outra batalha. O que de fato é necessário são capacidades para vencer a guerra! Aquelas que alcancem efeitos estratégicos, atinjam centros de gravidade do adversário, causem paralisia sistêmica ou ajam coercitivamente e imponham ao oponente a derrota. Transformem a realidade da guerra de trincheira em uma vitória estratégica!

Por esse motivo, talvez seja necessário aos decisores políticos revisitar John Warden. Segundo esse autor, “planejamentos de guerra não devem visar esse ou aquele alvo, seja de que natureza for pensando no resultado que a destruição desse alvo terá nas forças militares inimigas em batalha, mas pelos efeitos diretos que essa destruição terá no sistema como um todo e, consequentemente, levarão o mais diretamente possível a obtenção dos objetivos estratégicos da campanha” [15]. Isso somente é possível com uma visão independente de emprego do poder aeroespacial, dentro dos propósitos conjuntos da campanha, que visem atingir os objetivos políticos estabelecidos. Além disso, obviamente, com os meios aeroespaciais e as capacidades adequadas. É exatamente sobre esses dois pontos que chegamos às nossas considerações finais.

Tentando contribuir na elucidação da questão sobre o significado de vitória para a Rússia, percebemos que a continuação da campanha aeroespacial com uma orientação tática, de subordinação ao movimento da força de superfície, dificilmente permitirá ao poder aeroespacial russo, e a VKS em particular, conseguir orientar suas ações para propósitos estratégicos e sistêmicos que neutralizem as capacidades ucranianas. Por esse motivo, o que se observa é uma tendência de troca de tecnologia e pensamento estratégico aeroespacial independente, por massa e táticas da 1ª Guerra Mundial.

No caso da Ucrânia, quando perguntamos o que ela precisa para vencer a guerra, compreendemos que a praticabilidade política e logística no fornecimento de aeronaves de combate de 4ª ou 5ª geração, ou a implantação de uma NFZ, são fatores de restrição para que isso se realize, inclusive com a possibilidade de escalada ainda maior do conflito. Contudo, sem a imposição de dilemas ao oponente, sem capacidade aeroespacial, seja na direção operações ofensivas contra o poder aeroespacial russo ou na direção de interdição estratégica das linhas de comunicação, e a VKS, e a Ucrânia não conseguirá atingir os efeitos estratégicos necessários para dar fim ao conflito.

Talvez fosse interessante lembrar um alerta de Colin Gray, que inclusive é pertinente ao Brasil, quando afirma que “a efetividade do poder aéreo [aeroespacial] é altamente dependente da qualidade, invariavelmente conjunta, da estratégia aérea executada, e que essa qualidade recai na excelência da educação estratégica que é assimilada, compreendida e aplicada pelos estrategistas [aeroespaciais]” [16].

Notas

[1] CLODFELTER, MARK. The limits of air power. The American bombing of North Vietnam. Lincoln: University of Nebraska Press, 2006.

[2] LAMBETH, BENJAMIN. Airpower Anatomy. In: OLSEN, JOHN A. Routledge Handbook of Air Power. Oxon: Routledge, 2018. p. 29-41.

[3] CLARKE, SHAUN. Strategy, Air Strike and Small Nations. Fairbairn: Aerospace Centre, 2001, p. 21; e FEDORCHAK, VIKTORIYA. Understanding Contemporary Air Power. Oxon: Routledge, 2020, p. 18.

[4] LAMBETH, op. cit., p. 36.

[5] DOUHET, GIULIO. The Command of the Air. Tradução de Dino Ferrari. Maxwell Air Force Base: Air University Press, 2019.

[6] ZABRODSKYI, MYKHAYLO et al. Preliminary Lessons in Conventional Warfighting from Russia’s Invasion of Ukraine: February-July 2022. London: RUSI, 2022.

[7] BREMER, MAXIMILIAM; GRIECO, KELLY A. Air denial: The dangerous illusion of decisive air superiority. Atlantic Council, 2022. Disponível em: https://www.atlanticcouncil.org/content-series/airpower-after-ukraine/air-denial-the-dangerous-illusion-of-decisive-air-superiority. Acesso em: 2 de setembro de 2022.

[8] LOWTHER, ADAM; SIDDIKI, MAHUBE. Combat Drones in Ukraine. Air & Space Operations Review (ASOR), Maxwell Air Force Base, Vol. 1, No. 4, Winter, 2022.

[9] BRONK, JUSTIN; REYNOLDS, NICK; WATLING, JACK. The Russian Air War and Ukrainian Requirements for Air Defence. London: RUSI, 2022. p. 14 e 38.

[10] USAF (United States Air Force). Air Force Doctrine Publication 3-01, Counterair Operations. Maxwell Air Force Base: Curtis Le May Center for Doctrine Development and Education, 6 september 2019, p. 8.

[11] BUTT, ABDULLAH R. Role of space capabilities in the Russia-Ukraine War. Center for Aerospace & Security Studies – CASS, 2022. Disponível em: https://casstt.com/post/role-of-space-capabilities-in-the-russia-ukraine-war/618 03/05/22. Acesso em: 3 de maio de 2022.

[12] ZABRODSKYI, op. cit., p. 37.

[13] KOSSOV, IGOR. How many missiles does Russia have left? The Kyiv Independent, 2023. Disponível em: https://kyivindependent.com/national/how-many-missiles-does-russia-have-left. Acesso em: 20 de fev. de 2023.

[14] SCHINELLA, ANTHONY M. Bombs Without Boots: the limits of airpower. Washington: Brookings Institution Press, 2019; BARON, KEVIN. How much would a no-fly zone over Syria cost? Foreign Policy, 2013. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2013/05/08/how-much-would-a-no-fly-zone-over-syria-cost/. Acesso em: 20 de fevereiro de 2023; FEDORCHAK, op. cit., p. 170.

[15] WARDEN III, JOHN. A. Smart Strategy, Smart Airpower. In: OLSEN, JOHN A. Airpower Reborn: The Strategic Concepts of John Warden and John Boyd. Annapolis: Naval Institute Press, 2015. p. 93-127.

[16] GRAY, COLIN S. Airpower for strategic effect. Maxwell Air Force Base: Air University Press, 2012. p. 313.

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