Interesses dos EUA na Ucrânia

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Fronteira Ucrânia-Bielorrússia na cidade de Vicha, Ucrânia (Chris McGrath/Getty Images).

Por George Friedman*

Fronteira Ucrânia-Bielorrússia na cidade de Vicha, Ucrânia (Chris McGrath/Getty Images).

Alguns argumentam que os Estados Unidos têm um interesse moral na Ucrânia, mas o argumento moral não é suficiente para as duras realidades da geopolítica.


Quase todas as vezes que a Rússia foi invadida, foi salva por sua profundidade estratégica. A Rússia não pode realmente ser derrotada sem primeiro tomar Moscou, e há um longo caminho até Moscou. De Napoleão a Hitler, os invasores vindos do Oeste tiveram que tentar chegar à capital antes da chegada do inverno brutal – de fato, ajudava chegar antes que as chuvas do outono entupissem as estradas com lama. A Rússia deve, portanto, manter o ponto de partida de um ataque o mais longe possível e usar seu exército para retardar o avanço o máximo possível.

Esse é o valor estratégico da Ucrânia para a Rússia. Se a Ucrânia permanecer intacta e se tornar parte da OTAN, Moscou estaria a menos de 480 quilômetros dos atacantes. Muitos argumentam que a OTAN não tem intenção de invadir. Eu argumento que nada é menos confiável do que as intenções. Os planejadores de guerra devem planejar as capacidades, que mudam muito mais lentamente do que as intenções. Considerações como direitos das nações soberanas historicamente sempre ficaram em segundo plano em relação à necessidade de garantir a segurança de uma nação.

Alguns argumentaram que os Estados Unidos não têm interesse na Ucrânia ou, se tiverem, é um interesse moral. O argumento moral não é suficiente para as duras realidades da geopolítica. Penso que os EUA têm um interesse nacional fundamental na guerra. Os Estados Unidos estão protegidos contra invasões terrestres, então as únicas ameaças que podem surgir vêm dos oceanos. Proteger os mares tem sido, portanto, a base da segurança nacional dos EUA desde 1900.

A história confirma isso. Entraram na Primeira Guerra Mundial após o naufrágio do Lusitania. O ataque não foi a base para entrar na guerra, é claro, mas deixou claro que o conflito também seria uma guerra naval e que uma guerra naval poderia ameaçar os interesses fundamentais americanos. Se a Alemanha tivesse vencido, teria controlado o Atlântico, colocando em risco o leste dos Estados Unidos.

A Segunda Guerra Mundial ressuscitou o problema. Os Estados Unidos ficaram suficientemente alarmados para concordar com o Lend-Lease Act, pelo qual Washington emprestaria ao Reino Unido suprimentos muito necessários em troca do arrendamento da maioria das bases britânicas perto da América do Norte. Mas em um adendo então secreto, Londres concordou que, se fosse forçada a se render à Alemanha (o que não era uma noção absurda na época), a Marinha britânica navegaria para a América do Norte. Dito de outra forma, os Estados Unidos ajudariam, mas sua ajuda dependia de forçar o poder britânico a se afastar da América do Norte, bem como de um compromisso, na pior das hipóteses, de entregar a marinha britânica aos Estados Unidos.


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A Guerra Fria também teve um componente naval importante, embora negligenciado. Todos os conflitos terrestres que ocorreram exigiram a infusão de suprimentos às forças locais. Os suprimentos da OTAN, por exemplo, foram prometidos pelos Estados Unidos, e a União Soviética tinha um interesse esmagador em detê-los. Em uma guerra, os submarinos soviéticos passariam pelo GIUK (Greenland, Iceland, United Kingdom, ou Groenlândia, Islândia e Reino Unido), e os bombardeiros soviéticos sairiam da península de Kola, atingindo bases aéreas na Noruega, enquanto também disparavam através do GIUK em direção a comboios contendo porta-aviões e enormes capacidades antiaéreas e antimísseis. Assim, para os EUA, a Guerra Fria foi tanto uma guerra naval quanto terrestre.

Do ponto de vista de Washington, a expansão soviética na Europa era o mesmo que a expansão soviética no Atlântico. Se a Península Europeia fosse dominada por uma única potência que pudesse consolidar seus recursos humanos e materiais, poderia construir uma força naval capaz de ameaçar a América do Norte.

Para os EUA, impedir a dominação da Península Europeia por qualquer potência singular interrompe uma ameaça antes que ela aconteça. E este é o cerne do interesse americano na Ucrânia. Entre outras razões, a Rússia invadiu para limitar a ameaça representada pela OTAN. Mesmo que a Rússia subjugue a Ucrânia, ainda há outros aliados da OTAN a oeste. Uma vitória rápida na Ucrânia, portanto, levanta a possibilidade de mais movimento militar mais a oeste. O manejo da guerra pela Rússia tornou esse resultado mais improvável, é claro, mas improvável não é o mesmo que impossível.

Isso porque para um país como a Rússia há segurança na distância. É coerente supor que Moscou avançará para o oeste o máximo que puder de maneira razoável e segura. E isso é uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Parar a Rússia na Ucrânia, com tropas ucranianas lutando e os EUA fornecendo armas enquanto travam uma guerra econômica paralela, é uma restrição eficiente da ambição russa.


Publicado no Geopolitical Futures.


*George Friedman é analista geopolítico e estrategista de assuntos internacionais mundialmente reconhecido. É fundador e presidente da Geopolitical Futures, um think tank especializado em relações internacionais e política externa americana. É autor de diversas obras, dentre as quais os best-sellers “Os próximos 100 anos” e “A próxima década”.

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2 comentários

  1. Lendo este artigo, eu me lembre dos laboratórios biológicos supostamente mantidos pelos EUA e também os negócios escusos do filho do Biden.

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