As armas avançadas do Irã, Parte 3 (final): Ameaças e oportunidades

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O então presidente do Irã, Hassan Rouhani, em visita a uma exposição sobre as realizações nucleares do país em Teerã, em abril de 2021 (AP).

O então presidente do Irã, Hassan Rouhani, em visita a uma exposição sobre as realizações nucleares do país em Teerã, em abril de 2021 (AP).

Se você acompanhou as duas primeiras partes deste artigo, sabe que o motivo para escrever esta série em três partes foram os recentes debates nos círculos militares iranianos sobre a obtenção de armas avançadas pelo Irã.


Leia a Parte 1 e a Parte 2 deste artigo.

A primeira parte tratou das armas que o Irã já produziu conforme revelado nas últimas décadas, e fez referência ao rival do Irã, a Turquia, na produção de armas semelhantes. Na segunda parte, foram mencionadas três possibilidades relacionadas a novos equipamentos fabricados no Irã que ainda não foram amplamente divulgados pela mídia (armas laser, equipamentos de guerra eletrônica e novos desenvolvimentos nucleares) sendo que as duas primeiras foram brevemente discutidas. A terceira (novos avanços nucleares) foi deixada por último devido à sua importância. Retomamos nesta terceira e última parte.

Enriquecimento e energia nuclear, o mundo e o Irã

O Irã, depois dos Estados Unidos, Rússia, China, França, Itália, Bélgica, Espanha, Alemanha, Holanda, Reino Unido e Japão, é o décimo segundo país do mundo em enriquecimento de urânio. Índia, Paquistão e Brasil também são países que possuem usinas de enriquecimento em menor escala. É claro que, de acordo com relatórios recentes, a Coreia do Norte também é um país que está expandindo rapidamente suas instalações de enriquecimento.

O urânio enriquecido tem vários usos, sendo as usinas nucleares os maiores consumidores para fins pacíficos, empregando urânio enriquecido em até 5%, enquanto o urânio altamente enriquecido (até 98%) é usado para fins militares.

O Irã é um dos países que aderiram ao Tratado de Não-Proliferação (TNP). O tratado global de 189 membros foi preparado para assinatura em 1º de julho de 1968, na época da Guerra Fria, e foi assinado pela primeira vez pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e 59 outros países, incluindo o Irã. Portanto, o Irã foi um dos primeiros países a assiná-lo. A China aderiu ao tratado em 9 de março de 1992, a França em 3 de agosto de 1992, e Índia, Paquistão, Sudão do Sul e Israel ainda não aderiram; a Coreia do Norte se retirou.

Anteriormente, em 1958, o Irã havia se tornado membro da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e assinou a convenção da AIEA em 1965. Depois disso, os Estados Unidos venderam o primeiro reator de pesquisa de água leve para pesquisa de 5 MW para o Irã em 1967. A empresa americana AMF instalou e comissionou esse reator na Universidade de Teerã. Os EUA inclusive forneceram ao Irã cerca de cinco quilos de combustível de urânio altamente enriquecido. O regime iraniano anterior estava no caminho da nuclearização, o Rei do Irã pretendia construir 23 reatores nucleares no país antes de meados da década de 1990 e exigiu a compra de usinas nucleares da Alemanha e da França. Nesse sentido, além dos seis reatores que foram contratados com países ocidentais, ele procurou comprar 12 novos reatores dos Estados Unidos, França e Alemanha no último ano de seu governo, compra que, devido à revolução iraniana, não foi concluída.

As atividades nucleares do Irã após a revolução islâmica

Os esforços do Irã para desenvolver atividades nucleares foram interrompidos por décadas pela revolução islâmica de 1978. Depois recomeçaram gradualmente, mas a Agência Internacional de Energia Atômica, devido a ambiguidades, relatou a questão das atividades nucleares do Irã ao Conselho de Segurança em fevereiro de 2006. Isso levou à adoção da primeira resolução no Conselho de Segurança da ONU para comprometer o Irã a uma maior cooperação em 1996. É claro que esta não foi a última resolução sobre esta questão, porque o Conselho de Segurança da ONU emitiu mais sete, das quais apenas duas enfatizavam a implementação do acordo JCPOA e as demais visavam impor sanções ao Irã.

No entanto, após dois anos de negociações, em 2015, o Irã e os países P5+1 (Rússia, China, França, Grã-Bretanha e Alemanha, juntamente com os Estados Unidos) assinaram um acordo em Viena sobre o programa nuclear iraniano. O acordo foi denominado Plano de Ação Abrangente Conjunto (JCPOA, Joint Comprehensive Plan of Action). De acordo com o texto do acordo, o Irã limparia suas reservas de enriquecimento de médio porte e diminuiria o armazenamento de urânio de baixo enriquecimento a 98%, além de reduzir o número de suas centrífugas nos próximos 15 anos em cerca de dois terços. O Irã também suspenderia o enriquecimento a mais de 3,67% e não construiria novas instalações de enriquecimento ou reatores de água pesada; a AIEA teria acesso regular a todas as instalações nucleares do país.

De acordo com o JCPOA, em troca do cumprimento de todas essas obrigações o Irã estaria isento de sanções do Conselho de Segurança da ONU, da União Europeia e dos Estados Unidos.

Após o acordo das partes, o Conselho de Segurança da ONU endossou formalmente o acordo, emitindo a famosa Resolução 2231 e, ao incorporá-la ao direito internacional, tornou-a juridicamente vinculativa.

No entanto, os Estados Unidos retiraram-se do JCPOA há cerca de quatro anos (sob a administração Donald Trump) o que fez com que ocorressem problemas na implementação. O parlamento iraniano considerou um projeto de lei sobre a retirada do JCPOA pelo Irã há dois anos, mas o descartou gradualmente. A retirada do Irã do Conselho da AIEA pode abrir caminho para sua retirada do TNP, ao qual a adesão é opcional.

Com a retirada dos EUA do JCPOA, o Irã acelerou suas atividades nucleares, instalou centrífugas de nova geração e alcançou o nível de 60% de enriquecimento de urânio. A continuidade desta situação, embora tenha causado problemas econômicos para o Irã, acelerou suas atividades nucleares, que seguem com força.

Possibilidade de uma abordagem militar às atividades nucleares do Irã

Vivemos em um planeta onde as armas nucleares atuais podem destruí-lo dezenas de vezes. Um olhar nas estatísticas mundiais sobre armas nucleares mostra que aqueles que já usaram armas nucleares e têm um dos maiores arsenais nucleares do mundo, são membros do próprio Conselho de Segurança, que pretende fundar um mundo livre de armas nucleares:


Estimativa de armas dos países nucleares.

No entanto, as potências mostram há tempos que sua maior preocupação é o Irã, que, apesar de várias e por vezes contraditórias análises de seus esforços para uso militar da tecnologia nuclear, nenhum relatório documentado foi apresentado até agora que pudesse comprovar à opinião pública mundial a essa especulação.

No entanto, os Estados Unidos já mostraram que o assunto de acesso a armas de destruição em massa é apenas uma ferramenta para atacar países aos quais se opõem, e não vê a necessidade de comprovar suas afirmações antes de um ataque. Isso é exatamente o que os EUA fizeram com o Iraque e com a Líbia. A Comissão de Inspeção Multinacional Iraquiana reconheceu que o Iraque não tinha armas de destruição em massa, exceto por um pequeno estoque de armas químicas que não eram consideradas uma ameaça militar potencial.

No entanto, os EUA e seus aliados invadiram o Iraque para encerrar o regime de Saddam Hussein e, apesar da mudança de governo no país, ainda não se retiraram completamente. O mesmo aconteceu com a Líbia. Os Estados Unidos invadiram a Líbia e derrubaram o governo de Muammar Gaddafi, que havia sido obrigado a fechar sua linha de produção de armas químicas e abandonar seu programa nuclear alguns anos antes.

Embora a circunstância atual do Irã não seja comparável aos dois países citados por vários motivos, nos últimos anos Israel buscou dois grupos de medidas para interromper as atividades nucleares do Irã com o apoio tácito dos Estados Unidos:

  • O assassinato de cientistas nucleares: o último foi Mohsen Fakhrizadeh, conhecido como o pai do programa nuclear do Irã;
  • Sabotagem em centros relacionados à indústria nuclear iraniana até mesmo com bombardeios.

O Irã, por outro lado, ainda não tomou nenhuma ação retaliatória séria, e isso deveria ser considerável para os analistas.

Adesão do Irã ao JCPOA

O Irã não deixou o JCPOA apesar da infidelidade dos Estados Unidos, e não seria lógico comentar seu comportamento com base em intenções futuras. No entanto, o Irã mostrou que adquiriu conhecimentos e capacidades no campo nuclear, e alguns analistas acreditam que o país pode surpreender o mundo com notícias inesperadas. No sentido inverso, alguns sempre citam quatro principais razões usadas para provar a não-adesão do Irã à produção e uso de armas nucleares:

  • A adesão do país ao TNP;
  • A falta de evidências até agora para demonstrar que o Irã já possui armas nucleares;
  • A baixa capacidade do Irã na produção de mísseis balísticos, ogivas nucleares, urânio com volume e riqueza suficientes para armas e, finalmente – a Sentença (Fatwa) do líder iraniano.

Naturalmente, deve-se notar que armas nucleares são parte das capacidades preventivas e defensivas de um país e fortalecem a defesa das nações contra possíveis ameaças à sua soberania. Embora não se pretenda aqui colocar em dúvida a sinceridade do Irã, pode ser apropriado olhar para quatro razões apresentadas por uma visão realista:

  • A adesão ao TNP é opcional, portanto, qualquer membro pode abandoná-lo a qualquer momento sem qualquer problema;
  • Julgar a real atitude dos países em não ter acesso a armas nucleares requer mais tempo e escrutínio. É claro que o parlamento iraniano considerou um projeto de lei que proíbe a produção, posse e uso de armas nucleares há dois anos, mas o projeto ainda não foi aprovado;
  • O Irã está produzindo urânio enriquecido a 60% usando sua nova geração de centrífugas. Em relação às ogivas nucleares, é impossível comentar sem informações suficientes, mas, o mais importante, é que o Irã já construiu um míssil balístico. Doze anos atrás, o Irã testou o míssil Sejjil, que tem 18 metros de comprimento, 1,25 metros de diâmetro, pesa 23 toneladas, é capaz de transportar uma ogiva de 1.000 quilos e tem alcance de até 2.500 quilômetros com propulsão a combustível sólido em dois estágios. Possui 250 km de altitude de voo e 4.300 m/s de velocidade no alvo, podendo atingir alvos com precisão inferior a 10 metros por meio de um sistema de orientação inercial de alta precisão. Outras características deste míssil são o tempo de preparação muito curto, alta aceleração durante o lançamento e disparo, o uso de um novo sistema de navegação, sensores sofisticados, dificuldade de rastreamento pelo inimigo e capacidade de passar por sistemas de defesa como Patriot e Iron Dome.
  • A Sentença (Fatwa) do Líder da República Islâmica do Irã também inclui alguns pontos que abordaremos.

Qual foi o ponto da sentença (Fatwa)?

O Irã realizou sua primeira conferência internacional sobre desarmamento com a participação de mais de 14 chanceleres, 10 vice-ministros e oito representantes de organizações regionais e internacionais em 2010. A Sentença do líder iraniano foi lida na cerimônia de abertura da conferência. O final desta mensagem histórica dizia: “Consideramos proibido o uso dessas armas, e o esforço para proteger os seres humanos dessa grande calamidade é dever de todos”.

“A parte mais importante da mensagem do líder iraniano à Conferência de Desarmamento Nuclear foi a proibição do uso de armas nucleares devido ao seu efeito devastador sobre as gerações futuras e sua incapacidade de distinguir entre militares e população civil”, disse Jonathan Granoff, diretor do Instituto de Segurança Global nos Estados Unidos. “Por isso, pedi a ele que envie uma carta a todos os líderes religiosos do mundo, pedindo que se unam a ele e declarem que o uso de armas nucleares é imoral e que ninguém tem o direito de usá-las em nenhuma circunstância”.


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A mensagem do líder foi enviada às agências de notícias por Mohammad Khazaei, Representante Permanente do Irã nas Nações Unidas. A Sentença, anexada a uma carta, foi entregue ao Presidente em exercício do Conselho de Segurança, ao Secretário-Geral e ao Presidente da Assembleia Geral da ONU e a todos os membros do Conselho de Segurança e Representações Permanentes. As Nações Unidas também foram solicitadas a registrá-la como documento oficial das Nações Unidas, o que foi feito.

Essa Sentença continha alguns pontos que devem ser considerados para entendê-la com maior precisão:

  • O líder do Irã, sem mencionar o nome de nenhum país na Fatwa, declarou a proibição da produção e uso de armas de destruição em massa.

Então, como se pode considerar apenas o Irã como destinatário desta Sentença? Embora esta Fatwa não seja condicional e sua implementação não seja considerada relacionada à implementação por outros, é uma regra geral que inclui todos os países do mundo. Portanto surge a questão sobre o que deve ser feito se alguns países não pararem de produzir armas nucleares? Especialmente aqueles países que são hostis a outros e que às vezes falam através de ameaças.

  • O texto é uma Fatwa religiosa de um líder muçulmano xiita. É necessária uma explicação sobre a Fatwa para compreender seu efeito, uma regra religiosa.

O islamismo, com 1,8 bilhão de seguidores, é a segunda religião mais popular do mundo depois do cristianismo e tem uma população maior que o ateísmo. Xiitas e sunitas são as duas principais correntes do Islã, com os xiitas representando cerca de 15% e os sunitas mais de 80% dos seguidores.

A religião sunita enfatiza o método que a história cita como sendo do Profeta do Islã e seus seguidores próximos, e por esta razão, a palavra “Sunnah”, que se refere à tradição, é mencionada em seu título e, em princípio, não tem muita flexibilidade em considerar exigências de época.

De forma diferente, os estudiosos xiitas aprendem a ciência da jurisprudência, que é dinâmica e pode alterar regras religiosas de acordo com as circunstâncias da época. Como exemplo, é por isso que o jogo de xadrez, que no passado era proibido aos xiitas, hoje é legalizado. Portanto, alguns assuntos restritos e proibidos podem se tornar comuns para os xiitas sob certas circunstâncias.

Opiniões de autoridades iranianas e analistas sobre esta questão

Talvez o primeiro cientista iraniano a falar sobre a necessidade de o Irã adquirir uma arma nuclear tenha sido o Dr. Abu Mohammad Asgarkhani, professor associado de relações internacionais da Universidade de Teerã e graduado pela Universidade de Queens, Canadá. Ele, que faleceu há alguns meses, falou abertamente sobre a necessidade de o Irã construir bombas nucleares, não apenas nas salas de aula, mas também em entrevistas públicas. Ele acreditava que o Irã deveria se retirar do TNP com base no Artigo 10 (“o direito de se retirar quando os interesses vitais dos governos estão em jogo”).

Outro que apontou para a questão das atividades nucleares desconhecidas do Irã foi Fereydoun Abbasi, ex-chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, que disse que Fakhrizadeh desenvolveu um sistema de armas nucleares. Ele acrescentou que Israel estava focado em Fakhrizadeh porque desenvolveu um sistema para obter uma bomba atômica. Abbasi fez essas observações no primeiro aniversário do assassinato de Fakhrizadeh. Abbasi, que também é um cientista nuclear iraniano, já havia sobrevivido a uma tentativa de assassinato. É claro que o Dr. Asgarkhani não era funcionário do governo, e Abbasi se pronunciou quando não era mais chefe da Organização de Energia Atômica do Irã.

Mahmoud Alavi, ex-ministro de inteligência iraniano, disse em entrevista durante seu período no ministério que, embora a atividade nuclear do Irã seja pacífica, se o país optar por armas nucleares, a culpa é daqueles que o forçaram a fazê-lo. Essa observação mostrou que ele achava que não era impossível que o Irã fosse forçado a seguir um plano nuclear militar para sua defesa sob pressão dos Estados Unidos e aliados. Mais tarde, o parlamento iraniano o convocou sobre este comentário.

Embora a sobrevivência de governos geralmente não esteja condicionada à obtenção de armas nucleares, e eles sobrevivam pelo apoio de seu povo, se um dia as pressões e ameaças externas atingirem a integridade territorial e a sobrevivência do governo iraniano, então as notícias inacreditáveis sobre​ conquistas surpreendentes pelo país neste campo certamente não poderão ser descartadas.

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