Portugueses voam Super Tucano

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Foto: Paulo Mata/Pássaro de Ferro.

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Em 2015, o então capitão Coelho da Silva, piloto da Força Aérea Portuguesa (FAP), esteve na Base Aérea de Natal-RN, onde avaliou o Curso de Especialização Operacional da Aviação de Caça (CEOCA), da FAB, e a aeronave EMB-314 Super Tucano. Considerando as recentes notícias a respeito da possível aquisição dessa aeronave pela FAP, em substituição aos Alpha Jet retirados de serviço em 2018, este artigo, de Paulo Mata, é bastante atual.


Março de 2015. O capitão Coelho da Silva, piloto da Força Aérea Portuguesa (FAP), decola com destino ao Brasil. Desta vez não está no comando de nenhum dos Alpha Jet (AJet) ou F-16 que voou durante os últimos anos. O avião é um Airbus A330 da TAP e ele voa como passageiro. Tem pela frente um período de um ano na Base Aérea de Natal, onde irá qualificar-se para voar no A-29 Super Tucano, da Força Aérea Brasileira, em missões operacionais e como Instrutor.

Com o capitão Coelho da Silva, foi igualmente enviado a Natal outro piloto da FAP, recentemente brevetado na Academia da Força Aérea Brasileira, a fim de realizar a fase seguinte da sua formação, isto é, o Curso de Especialização Operacional da Aviação de Caça (CEOCA).

A Força Aérea Portuguesa vem mantendo programas de cooperação com diversos países, especificamente com EUA, Bélgica, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Brasil, que envolvem intercâmbio de pilotos e/ou técnicos. Estes programas têm interesse em vários níveis, permitindo, por exemplo, saber que padrão de procedimentos esperar, no caso de operações combinadas no futuro. Permitem também contrastar estes padrões de procedimentos com os da própria FAP, e assim aferir se a sua adoção ou adaptação podem trazer benefícios de qualquer ordem às necessidades nacionais portuguesas.

Este programa específico vem no momento em que se avizinha o fim de vida da frota AJet, marcado o mais tardar para fevereiro de 2018. Estão em estudo pelo Ministério da Defesa – com assessoria da FAP – as alternativas a considerar para o futuro da formação de pilotos de caça portugueses. Sobre a mesa, há várias possibilidades em aberto, que podem passar pela aquisição ou leasing de aviões turboélice de última geração, aviões a reação, ou pela contratação da formação dos pilotos de caça de terceiros. Portanto, a oportunidade de avaliar uma aeronave que cumpre a mesma missão que o AJet, tanto por um instrutor, como por um formando, bem como do curso que está sendo ministrado nessa mesma aeronave, agregaria valor às opções supracitadas.


Foto: Paulo Mata/Pássaro de Ferro.

O capitão Coelho da Silva, com quem tivemos a oportunidade de conversar nos últimos dias do seu destacamento em Natal, nos confirmou exatamente isso: “fui destacado com uma dupla tarefa: de um lado avaliar o curso (CEOCA) em relação às necessidades da FAP, e, de outro, avaliar se a aeronave A-29 é capaz de realizar a missão que atualmente é desempenhada na Esquadra 103 pelo AJet”.

A aeronave

A diferença mais óbvia, relativamente ao AJet, é logicamente a motorização, que implica em diferenças de performance, como nos explicou o capitão Coelho da Silva: “a aeronave não consegue suster as cargas G durante tanto tempo, as velocidades são inferiores, o envelope de voo (limites de operação) é inferior e o piloto não é submetido a uma exigência fisiológica tão grande.” Em sua opinião, os trunfos da nova geração de aviões turboélice de treinamento são outros: “os equipamentos e a interface entre o piloto e a aeronave (PVI), assemelham-se muito aos aviões de linha da frente, como o F-16.”

Trocar a formação num avião a reação mais antigo, por um turboélice, implica por isso uma mudança de filosofia: “quando chegar finalmente ao avião a reação, o piloto irá ter que fazer uma adaptação à velocidade e à exigência física, mas em termos de manuseamento dos equipamentos do avião e gestão da informação, onde é necessário investir mais tempo, o piloto vai estar muito próximo do que vai necessitar num avião de linha da frente.” Ou seja, antes o piloto em adaptação aprendia a voar uma aeronave a reação no curso de caça, e tinha que se adaptar aos aviônicos avançados nos esquadrões operacionais.

Com esta nova filosofia, adapta-se aos aviônicos modernos no curso de caça e a voar um avião a reação no esquadrão operacional. Este último método, eventualmente, fará mais sentido atualmente, uma vez que os aviões estão cada vez mais fáceis de pilotar, em virtude dos sistemas modernos, que ajudam muito nos comandos e operações básicas de voo. A grande dificuldade, e o que consome mais tempo de formação, são a operação e gestão dos equipamentos e informação.


Foto: Paulo Mata/Pássaro de Ferro.

A mesma opinião é corroborada pelo major Lordelo, antigo piloto de Mirage 2000 na FAB e atualmente lotado no Esquadrão 2º/5º – Joker em Natal, onde fez parte do grupo de trabalho que realizou a transição do AT-26 Xavante (a reação) para o A-29 Super Tucano: “foi necessário adaptar distâncias de formação, exercícios em voo, carga de estudo (o A-29 é muito mais exigente), o treinamento em simulador e o debriefing, que passaram a ser muito mais completos.” No entanto, em sua opinião, as vantagens da nova aeronave são enormes e as desvantagens devidas à performance podem ser mitigadas, “preparando as missões de treino, de modo a limitar o tempo que o aluno tem para realizar as tarefas, como se este estivesse a voar uma aeronave mais rápida”.

Assim, e apenas encurtando a área de treinamento, as distâncias percorridas no A-29 serão menores (do que num jato), mas o tempo de reação que o aluno tem e o tempo para realizar as tarefas, será o mesmo que se fosse em um avião a jato. A adicionar às vantagens dos modernos turboélice, e nada desprezíveis, estão os custos que é possível baixar, quer durante o curso de piloto de caça, quer nas horas que será possível reduzir no curso de conversão na linha da frente.

O curso de piloto de caça no Brasil

O CEOCA tem várias diferenças notórias, relativamente ao homólogo da FAP, o Curso Complementar de Pilotagem de Aviões de Caça, ministrado na Esquadra 103 em Beja. A maioria deve-se a diferenças de fundo nas estruturas das próprias Forças Aéreas dos dois países, que por sua vez são fruto de necessidades e realidades geopolíticas profundamente distintas. Muitas diferenças estavam já patentes nos cursos básicos de pilotagem, sendo o curso de aviões de caça outro espelho da mesma diferença de conceito entre as duas Força Aéreas.


Foto: Paulo Mata/Pássaro de Ferro.

Por exemplo, no Brasil, os pilotos que completarem o curso continuarão em A-29 nos esquadrões operacionais, nunca passando imediatamente para os aviões a reação, nem para instrutores de voo. Já em Portugal, os pilotos em adaptação que realizam atualmente o curso de piloto de caça no AJet, podem passar diretamente para os esquadrões operacionais que voam o F-16, ou ficar como instrutores no AJet ou no Épsilon. Isto deve-se a uma filosofia de formação diferente, uma vez que no Brasil se prolongam algumas das fases de instrução para os Esquadrões operacionais, enquanto em Portugal estão incorporadas no curso propriamente dito. As comunicações no Brasil são por norma em português, mesmo as táticas, enquanto em Portugal, membro fundador da OTAN, são em inglês.


Foto: Paulo Mata/Pássaro de Ferro.

Balanço

As diferenças de conceito, fruto de estruturas distintas nos dois países, causam inconvenientes dignos de nota à formação de pilotos de caça na sua congênere. Ainda assim, a presença do capitão Coelho da Silva como instrutor em Natal, permitiu um compartilhamento de informações que poderá levar, no futuro, a uma maior aproximação entre os dois países, em questões táticas e procedimentos padrão.

Relativamente à aeronave, entre todas as atualizações que o A-29 proporciona (tal como outras aeronaves da mesma categoria e geração), a capacidade de simular o combate além do alcance visual, é um valor agregado muito importante em relação ao AJet. As diferenças de performance não são importantes na fase de aprendizagem das manobras básicas de combate, já que o que se pretende é que o aluno aprenda os conceitos, que serão treinados contra uma aeronave com performances semelhantes. Além de ser uma plataforma consideravelmente mais barata de operar.

Com todas as variáveis ainda em aberto em relação à substituição do AJet, implicará inevitavelmente uma readaptação do syllabus (programa) do curso, que passará por potencializar as características da nova aeronave, na sua semelhança de sistemas com o F-16. Qualquer que seja ela, deverá trazer mais capacidades do que as disponíveis hoje e, se possível, poupar horas nos esquadrões operacionais, cujas aeronaves são muito mais dispendiosas e necessárias para outros fins que não a formação.

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