Os A-4 da Força Aérea do Kuwait na Guerra do Golfo

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O comandante Noziglia num TA-4KU (Foto: Acervo pessoal Cmdr. Robert Noziglia).

Após dois dias de intensos combates durante a invasão iraquiana do Kuwait, as forças kuwaitianas foram derrotadas. No entanto, muitos pilotos conseguiram escapar para a Arábia Saudita levando suas aeronaves e puderam retornar ao combate posteriormente. Entre essas aeronaves, estavam os McDonnell Douglas A-4KU e TA-4KU Skyhawk, alguns dos quais voam hoje no Esquadrão VF-1 da Marinha do Brasil.


Em 2 de agosto de 1990 o Iraque invadiu o Kuwait, e depois de dois dias de intensos combates, as forças armadas kuwaitianas acabaram dominadas pela Guarda Republicana Iraquiana. Uma parte dos pilotos da Força Aérea conseguiu escapar em suas aeronaves para a vizinha Arábia Saudita e para o Bahrein. O estado do Kuwait foi anexado, e Saddam Hussein o anunciou como a 19ª província do Iraque.

O então primeiro-tenente da Força Aérea do Kuwait, Khaled Malallah, recebeu um telefonema às 23h30 da noite anterior e foi instruído a se apresentar em sua base. “Eles disseram, venha para a base, venha e junte-se a nós”. Malallah contou que foi utilizado um código especial e ele entendeu que se tratava uma guerra.

Malallah chegou na base pouco depois da meia-noite. Três outros pilotos já haviam chegado e outros dez chegaram ao longo da madrugada. Vários estavam em férias de verão, muitos foram capturados e outros não podiam chegar devido às tropas invasoras, portanto cabia a esses poucos, mais um esquadrão de caças Mirage F1 de outra base, continuar a luta.

De quatro a seis aeronaves iraquianas bombardeavam a base a cada três horas. Com a pista destruída, os oficiais decidiram usar uma estrada de serviço para as decolagens e pousos. O problema principal era que os A-4 Skyhawks não estavam equipados para voar à noite e tiveram que esperar até o amanhecer para iniciar suas surtidas.

Pouco depois do amanhecer, Malallah partiu para a sua única missão daquele dia: dar cobertura aérea para um grupo de aeronaves que tentava bombardear quatro canhoneiras iraquianas na costa do Kuwait. Os A-4 kuwaitianos não eram empregados ​​para combate ar-ar e não tinham radar. Malallah teve que confiar em informações via rádio de sua base, que monitorava dois interceptadores iraquianos que se aproximavam dele 40 milhas ao norte.

As aeronaves iraquianas se aproximaram quando os bombardeios começaram o ataque, mas os kuwaitianos sabiam que os iraquianos não poderiam disparar seus mísseis a menos de 15 milhas do alvo. Os caças do Iraque estavam a 19 milhas quando todas as quatro canhoneiras se incendiaram e os A-4 se afastaram.


Os A-4KU na Arábia Saudita, com a inscrição “Free Kuwait” (Foto: Acervo pessoal Cmdr. Robert Noziglia).

Um esquadrão de Mirage F1 conseguiu completar uma missão no início da manhã, mas os iraquianos tomaram o controle de sua base e eles tiveram que fugir para a Arábia Saudita. Os A-4 continuaram as surtidas ao longo do dia. Não podiam fazer muito, porque estavam com menos da metade de sua força de trabalho.

Segundo o então tenente-coronel Sultan Abdulla, que viria a ser o oficial de operações do destacamento do Kuwait na Arábia Saudita, “Abatemos muitos helicópteros, jogamos muitas bombas neles, mas estávamos em menor número e era tarde demais”.

Ao longo da noite de 2 de agosto, os oficiais da base se reuniram no escritório do comandante para decidir o que fazer a seguir: lutar ou fugir. À meia-noite, decidiram que não havia escolha e teriam que fugir. Às 03h30, os jatos começaram a decolar para a Arábia Saudita.

O tenente-coronel Abdulla disse que a decisão não foi unânime, e não foi fácil. “Não existe uma palavra para descrever como nos sentimos quando deixamos o Kuwait. Eu pensava, é melhor morrer do que evacuar. Mas não era o caso de morrer. Hoje temos 20 aeronaves. Se ficarmos, não teremos nem aviões e nem pilotos.”

Cerca de 80% da força aérea do Kuwait, incluindo 18 A-4KU Skyhawk, dois TA-4KU Skyhawk, 15 Mirage F1, três aeronaves de transporte L100-30 (C-130), aviões de treinamento e vários helicópteros, chegaram à Arábia Saudita.

Obviamente, em sua fuga os kuwaitianos só puderam levar as aeronaves. Agora, a Força Aérea do Kuwait na Arábia Saudita não tinha instalações de apoio, equipamentos, ferramentas ou manuais. E seus pilotos só voltariam a voar aeronaves armadas com munição real três meses depois.


O Cmdr. Noziglia num A-4KU (Foto: acervo pessoal Cmdr. Robert Noziglia).

De volta ao combate

Em 15 de setembro de 1990, o comandante Robert E. Noziglia, Jr., oficial de manutenção de aeronaves da Naval Air Weapons Station, Point Mugu, Califórnia, foi entrevistado em Washington pelo embaixador dos EUA para o Kuwait, Edward W. Genhm Jr. e selecionado para chefiar a reconstrução da Força Aérea do Kuwait.

Noziglia montou uma equipe de 86 técnicos, militares aposentados da Marinha e do Corpo de Fuzileiros Navais, todos com experiência no A-4 Skyhawk. Em 16 de setembro de 1990, eles partiram da Base Aérea Andrews, estado de Maryland, num Boeing 747 kuwaitiano para Khamis Mushayt, na Arábia Saudita.

Com a chegada da equipe de Noziglia, os A-4KU foram transferidos de Khamis Mushayt para Dhahran, também na Arábia Saudita. Como nenhum outro país operava os A-4KU, a equipe de Noziglia criou novos manuais a partir de informações obtidas nos Estados Unidos. As aeronaves ficaram estacionadas longe do Iraque para evitar possíveis ataques aéreos antes que as Nações Unidas emitissem o ultimato para o Iraque deixar o Kuwait.


Noziglia e um piloto kuwaitiano não identificado (Foto: Acervo pessoal Cmdr. Robert Noziglia).

A Força Aérea do Kuwait foi integrada à Força Aérea Real Saudita sob comando único. Os pilotos do Kuwait eram impedidos de voar com armamento real, pois os sauditas temiam que um kuwaitiano ansioso por vingança pudesse iniciar hostilidades prematuramente.

À imprensa, o agora oficial de operações do destacamento do Kuwait, tenente-coronel Abdulla, afirmou que os pilotos kuwaitianos estavam comprometidos em cumprir as decisões das forças da coalizão antes de lançar qualquer ataque. No entanto, os sauditas só permitiram que eles portassem armas reais ao término de um período de treinamento e início de patrulhas aéreas regulares. Segundo um porta-voz da Força Aérea Real Saudita em comunicado à imprensa, “No momento da ação você os verá armados, totalmente armados”.

Noziglia atribuiu à Força Aérea do Kuwait um papel importante na libertação de seu país. Os A-4KU voavam de 18 a 24 surtidas por dia e apenas um deles foi perdido por fogo de artilharia antiaérea durante a guerra. O piloto abatido foi feito prisioneiro. Ele lembra que, num determinado dia, ao voltar de um ataque aéreo, “um piloto A-4KU do Kuwait ficou muito feliz quando acertou uma bomba de 500 libras bem na porta da frente do quartel-general – até se dar conta de que era seu antigo escritório”.


LIVRO RECOMENDADO

Free Kuwait: My adventures with the Kuwaiti Air Force in Operation Desert Storm and the last combat missions of the A-4 Skyhawk

  • Robert E. Noziglia Jr. e Cassidy Folden (Autores)
  • Em Inglês
  • Kindle ou Capa comum

Depois da guerra, Noziglia trabalhou na operação “Recuperação do Deserto”. Os iraquianos haviam levado quase todo o equipamento militar do Kuwait para o Iraque, incluindo os sistemas de mísseis terra-ar Hawk. Centenas de pilotos kuwaitianos tinham sido capturados e acreditava-se que eles teriam passado os procedimentos de voo do A-4KU aos iraquianos. No entanto, quando as equipes de Noziglia começaram a trabalhar nas aeronaves encontradas no Iraque, constatou-se que estavam paradas há meses. Seis delas foram levadas de volta ao Kuwait.

Noziglia ainda permaneceu no país para a integração dos Hornet FA-18C/D que substituíram os A-4KU e os Mirage F1. Por sua atuação na Operação Tempestade no Deserto, ele foi condecorado com uma Joint Service Commendation (Comenda do Serviço Conjunto), uma Bronze Star (Estrela de Bronze) e recebeu Cartas de Recomendação do embaixador Genhm e do major-general Jaber Khaled Al-Sabah, Subchefe do Estado-Maior da Força Aérea do Kuwait. É o único americano a possuir as Asas de Piloto da Força Aérea do Kuwait.

Noziglia narrou sua história no excelente livro Free Kuwait: My adventures with the Kuwaiti Air Force in Operation Desert Storm and the last combat missions of the A-4 Skyhawk, lançado em 2019.

O nosso parceiro Canal Arte da Guerra, do comandante Robinson Farinazzo, publicou vídeos sobre este episódio e sobre a integração dos A-4 à Marinha do Brasil, assista.


Skyhawks na Marinha: o voo do falcão cinza!

Free Kuwait: a historia dos Skyhawks da Marinha do Brasil na Guerra do Golfo!

Referências

VASQUEZ, Vance. A unique role in Desert Storm. Naval Aviation News, July-August 1993 ed., p. 28.

MURPHY, Kim. Kuwaiti Air Force Ready to Be Armed, Join in Patrols: Military: Pilots recount hectic hours after the Iraqi invasion and say they are now eager to join the fray. Los Angeles Times, 11 de novembro de 1990. Disponível em: https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1990-11-11-mn-6249-story.html.

Kuwaiti air force to join armed patrols. Tampa Bay Times, 18 de outubro de 2005. Disponível em: https://www.tampabay.com/archive/1990/11/11/kuwaiti-air-force-to-join-armed-patrols/.

LEONE, Dario. This U.S. Naval Aviator helped reconstruct and train the Kuwait Air Force after invasion of Kuwait by Iraq. The Aviation Geek Club, 19 de maio de 2018. Disponível em: https://theaviationgeekclub.com/this-u-s-naval-aviator-helped-renconstruct-and-train-the-kuwait-air-force-after-invasion-of-kuwait-by-iraq.

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