A influência geográfica nos conflitos Árabe-Israelenses

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Fronteira Israel-Egito, com vista para a península do Sinai (Foto: Jewish News).

As características geográficas do entorno de Israel, o fato de estar cercado por inimigos reais e potenciais, além de não possuir aliados na região, fizeram com que o país adotasse uma estratégia de uso de “zonas de amortecimento” ou “zonas-tampão”, a exemplo do que ocorre com a Rússia e suas preocupações com o crescimento da OTAN.


As características geográficas de Israel têm, desde sua fundação em 1948, papel fundamental na estratégia de defesa daquele país. Sua análise é importante para o entendimento dos conflitos árabe-israelenses e das políticas de defesa adotadas pelos israelenses desde então. Isso fica mais evidente ao analisarmos a postura adotada por Israel na Guerra dos Seis Dias e seus desdobramentos na Guerra do Yom Kippur, foco deste artigo.

O território israelense é de pouco mais de 21.056 km2, menor do que o Sergipe, o menor estado brasileiro, e não possui riquezas naturais que despertem cobiça estrangeira, a não ser algumas fontes de recursos hídricos, escassos naquela região desértica. Todo o seu desenvolvimento econômico e tecnológico, superior ao dos vizinhos, foi construído através de pesados investimentos em tecnologia, sendo, a meu ver, um dos mais bem-sucedidos projetos de construção de uma nação.

O relevo de Israel é composto por planícies a oeste, no litoral do Mediterrâneo, subindo para a região do planalto central e descendo para a depressão do Vale do rio Jordão, que separa Israel da Jordânia, a leste. Ao norte localizam-se as Colinas de Golan, separando Israel da Síria e do Líbano, e a sudoeste está o deserto do Sinai, pertencente ao Egito.

Israel está cercado por inimigos reais e potenciais e não possui aliados na região. E, mesmo dentro de suas fronteiras, a população árabe é muito grande, o que representa um grande desafio à segurança. As características geográficas impõem uma série de problemas defensivos a Israel, e toda a sua estratégia de defesa teve como objetivo ameniza-las. Isso pode ser observado na história dos dois conflitos em questão. A inexistência de aliados na região limita o recebimento de ajuda externa; essa ajuda vem de aliados distantes, em especial dos Estados Unidos, ocasionando demora no recebimento, que só pode ser feito por via aérea ou pelo Mediterrâneo.

Mas o fator de maior influência é o pequeno tamanho do território, o que faz com que o tempo de resposta a ataques, principalmente aéreos, seja extremamente reduzido; expõe todo o país a ataques de artilharia; e impede a aplicação de um dispositivo de defesa elástica no qual, frente a um exército mais numeroso, cede-se terreno, levando o inimigo a uma maior área de atrito para que seja enfraquecido ou aniquilado e, após isso, retoma-se o terreno cedido em um movimento de contra ataque.


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A Guerra dos Seis Dias representa uma mudança estratégica de Israel no sentido de contornar essas dificuldades em sua defesa, diante da impossibilidade de obter uma paz duradoura.

A mudança mais marcante foi a adoção de uma postura proativa, bombardeando as bases aéreas do Egito, Jordânia e Síria, após o fechamento do Estreito de Tiran para navios israelenses ou de qualquer nacionalidade que transportassem material estratégico para Israel, pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, que estava decidido em se tornar líder dos países árabes unindo-os em torno da causa comum da destruição de Israel. Esses bombardeios causaram uma grande destruição nas forças aéreas desses países e garantiram, ainda nas primeiras horas, a vitória nessa campanha para Israel, mesmo com inferioridade numérica material e humana, deixando as tropas árabes sem cobertura aérea e a mercê dos ataques da força aérea israelense. Desde então essa postura proativa tem sido marca registrada das Forças de Defesa de Israel, procurando neutralizar qualquer possível ameaça antes de se tornar real, a exemplo do bombardeio das instalações nucleares iraquianas de Osirak em 1981.

Outra medida adotada foi a ocupação de posições geográficas estratégicas nas três frentes principais nas fronteiras com o Egito, a Jordânia e a Síria, cada uma com utilidade militar específica de acordo com o terreno.

Ao norte, na fronteira com a Síria e o Líbano, Israel conquistou as Colinas de Golan, que dominam toda a região. Sua dominação pelos sírios representaria uma exposição total do território israelense a ataques de artilharia, algo inadmissível para Israel, motivo pelo qual as mantém sob controle. Defensivamente, o terreno acidentado das colinas traz duas vantagens importantes aos israelenses, pois restringe a movimentação de grandes forças blindadas e fornece uma vantajosa posição elevada de tiro. Ou seja, qualquer avanço sírio será lento e custoso em termos de recursos materiais e humanos.

No leste, Israel conquistou a totalidade da cidade sagrada de Jerusalém e estabeleceu uma linha de fronteira no vale do rio Jordão. Dessa forma, a partir das posições elevadas do planalto central, pode alvejar quaisquer formações jordanianas que atravessem a fronteira entrando no vale, impondo as mesmas desvantagens dos sírios ao norte aos jordanianos no leste.



No sudoeste, na fronteira com o Egito, as condições são completamente diferentes. As planícies do deserto do Sinai representam um amplo campo para o avanço rápido e realização de manobras por um grande exército mecanizado. Por isso, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel conquistou todo o Sinai estabelecendo como fronteira o Canal de Suez, e criou uma série de fortificações e postos avançados conhecidos como Linha Bar-Lev. O objetivo era a criação de uma zona de amortecimento para o caso de um grande ataque mecanizado por parte dos egípcios, utilizando uma estratégia de defesa elástica.

Após a humilhante derrota imposta aos árabes na Guerra dos Seis Dias e da diminuição das desvantagens geográficas defensivas com a conquista dos territórios citados, Israel passou a sentir-se confiante em suas capacidades a ponto de subestimar as de seus inimigos, atitude pela qual pagaria caro na Guerra do Yom Kippur, de 1973.

A derrota árabe também significou uma derrota dos equipamentos militares soviéticos frente ao material ocidental, o que, no contexto da Guerra Fria que reinava na época, era inadmissível para a União Soviética, que via no apoio militar aos árabes o caminho para anular a influência norte-americana na região. Por isso, passou a equipar os árabes com os mais modernos equipamentos militares disponíveis, alguns tão novos que mal haviam começado a ser empregados pelos próprios soviéticos, como os mísseis antiaéreos SA-6 “Gainful” (2K12 Kub); e enviou instrutores para ensinar os árabes a utilizá-los conforme a doutrina militar soviética.


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Armados, treinados e motivados, os árabes partem para o ataque em 6 de outubro de 1973, numa investida coordenada em três frentes contra Israel, que foi pego de surpresa com suas tropas desmobilizadas em virtude do feriado religioso do Yom Kippur. A surpresa foi ainda maior quando os sistemas de mísseis antiaéreos e antitanque soviéticos começaram a impor pesadas baixas aos israelenses.

O norte, como os sírios conquistaram a maior parte das colinas de Golan e eram considerados o inimigo mais fraco, foi o foco inicial dos contra-ataques israelenses, que conseguiram avançar pelo território sírio até colocar a capital Damasco sob alcance da artilharia. E lá ficaram.

Mas a sudoeste a situação era mais delicada. O Egito rapidamente rompeu a linha Bar-Lev em diversos pontos e avançou impondo pesadas baixas aos israelenses, que utilizaram o Sinai para ganhar tempo enquanto a Síria era vencida e a ajuda norte-americana, na forma do envio de armas “inteligentes” e aviões, não chegava. Com o front norte estabilizado e equipados com armas mais modernas, os israelenses enfim conseguiram contra-atacar e vencer os egípcios. Como a Jordânia também tinha relações com os EUA e com a Inglaterra, sua participação no conflito foi apenas simbólica.

Por fim, podemos perceber que a estratégia israelense de conquista de áreas críticas como as colinas de Golan e a formação de uma zona de segurança no deserto do Sinai foram bem-sucedidas. A tomada das colinas pelos sírios foi mérito deles, baseada na utilização do elemento surpresa e em uma ação de choque para anular a vantagem israelense. Mas a dificuldade de locomoção no terreno foi um fator que causou lentidão tanto no ataque sírio como no contra-ataque israelense.

Já o deserto do Sinai funcionou exatamente como planejado, dando aos israelenses o tempo necessário para se recuperar do golpe surpresa, mobilizar suas tropas e vencer no norte, enquanto o ataque egípcio era “amortecido” pelas tropas e pela vastidão do deserto. Por fim, com o acordo de Camp David em 1979, no qual o Egito reconheceu a existência de Israel e selou a paz entre os dois países, o Sinai perdeu sua função e foi devolvido ao Egito em 1982.

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8 comentários

  1. O Velho (e bom) General, sempre nos brindando com artigos de tirar o fôlego.
    EXCELENTE o artigo. Está de parabéns o autor.
    Fico extasiado com a qualidade, riqueza de detalhes e informações e o primor de redação.
    Velho General sempre se superando.
    Muito obrigado por me proporcionar a leitura de um assunto e texto tão rico.
    Abraços.

  2. Só um adendo a população de origem judaica é maior que a população de origem árabe.

    1. Olá Rafael. Você está correto. Esse ensaio foi escrito no início da minha pós graduação e com prazo curto para entrega. E quando escrevi não levei em conta a época da fonte. E a afirmação levava em conta também os territórios ocupados controlados por Israel. Mas, sim, essa afirmação está desatualizada atualmente. Minhas desculpas e agradecimentos.

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