As atividades (estratégicas) chinesas no Ártico

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Pesquisadores chineses no Ártico (Foto: AP/Xinhua/Yuan Man).

Os chineses vêm realizando expedições ao Ártico desde 1999 e teriam construído sua primeira base de pesquisa na ilha de Svalbard em 2004. Suas atividades árticas mais conhecidas são principalmente econômicas, especialmente uma cooperação energética com a Rússia, parte do esforço de Pequim para eliminar sua dependência de carvão para geração de energia e reforçar, de modo geral, a segurança de sua matriz energética.


Faz muito tempo que a China considera o Ártico como uma área geográfica de importância vital para seus objetivos estratégicos, particularmente de natureza econômica e militar. O país procura desenvolver, – a exemplo da construção das ilhas artificiais no Mar da China Meridional –, uma narrativa que (e de acordo com sua interpretação dos tratados legais internacionais em vigor) lhe permita legitimar a livre fruição de prerrogativas sobre a região, alicerçadas sobre pretensas pesquisas científicas, além de direitos de liberdade de navegação, sobrevoo e pesca no alto-mar do Ártico.

Nesse sentido, é cediço reconhecer que, – mesmo antes da atual política chinesa para o Ártico ser revelada –, Pequim já vinha expandindo gradualmente sua presença na região. Não é surpresa, portanto, que os chineses estejam realizando inúmeras expedições ao Ártico desde 1999, e que até mesmo já teriam construído sua primeira base de pesquisa na ilha de Svalbard em 2004.

As atividades árticas mais conhecidas (e ostensivas) realizadas pela China são principalmente econômicas, especialmente uma pública cooperação energética com a Rússia, como parte do esforço de Pequim para eliminar sua dependência de carvão para geração de energia e reforçar, de modo geral, a segurança energética. Não por acaso, em dezembro de 2019, os chineses inauguraram o gasoduto Power of Siberia, com 3.000 km de extensão, ligando os rincões siberianos da Rússia ao nordeste da China.

Empresas chinesas também desempenham papéis importantes no Ártico: estão desenvolvendo naquela região o segundo maior projeto de gás natural do mundo. Além da energia, há, ainda, a colaboração da China com a Rússia no estabelecimento de um corredor de transporte global pela rota do Mar do Norte que, surpreendentemente, nos últimos tempos, não tem chamado muito a atenção. Ainda assim, especialistas acreditam que esta rota seria cerca de 40% mais rápida que a mesma jornada pelo Canal de Suez (controlado, em parte, pelo Ocidente), assim reduzindo significativamente os custos com combustível e ampliando a segurança chinesa, de modo geral.

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Um discurso proferido pelo Secretário de Estado dos EUA, MIKE POMPEO, na reunião do Conselho do Ártico, em maio de 2019, alertou para os perigos do investimento chinês na região do Ártico: “os EUA têm feito expedições para adicionar informações novas e atualizadas referentes ao crescente banco de dados de conhecimento da China sobre as condições climáticas e meteorológicas, geomagnética e ambientais na região”.

Desde 2014, a Academia Chinesa de Ciências trabalha em um programa de pesquisa acústica (inclusive para a detecção de submarinos estratégicos SSBN’s) na região gelada (que foi incluído nas inúmeras expedições à região) e envolveu a colocação de sensores para observação oceânica a longo prazo. É preciso observar que a China possui um certo interesse em criar uma rede de observação oceânica em escala global. Estas atividades de vigilância oceânica, – supostamente de caráter civil, segundo a própria China –, provocaram, inevitavelmente, preocupações: autoridades dinamarquesas de inteligência de defesa alertaram, em novembro de 2019, que a China está cada vez mais utilizando pesquisas científicas como meio de ingresso (militar) no Ártico, descrevendo estas atividades não apenas como uma questão puramente científica, e sim com um objetivo duplo.

Por meio do Relatório Anual do Departamento de Defesa de 2019, os EUA afirmaram que a “pesquisa científica da China” poderia servir para apoiar uma forte presença militar chinesa no Oceano Ártico, e que também poderia incluir a implantação de uma força de submarinos nucleares na região, inclusive com capacidade de transportar mísseis balísticos (SLBM’s). Vale destacar que assim como BARACK OBAMA (2009-17) foi ludibriado com as falsas motivações exclusivamente civis para a construção das ilhas artificiais no Mar do Sul da China, Pequim parece também desejar ocultar suas verdadeiras intenções com seus persistentes pedidos para evitar a militarização (internacional) da região.

A insistência da China em realizar suas expedições no Ártico, ainda que com relativa cautela, – pois o país reconhece a dificuldade de realizar atividades militares sem receber alguma reação adversa dos líderes mundiais e da Comunidade Internacional, especialmente no que tange à construção de bases militares na região –, parece indicar, todavia, as reais intenções chinesas de médio e longo prazos no que concerne ao domínio do continente ártico.

Dessa feita, é forçoso admitir que as atividades de pesquisa científica (com dupla finalidade) pela China provavelmente continuarão acontecendo à revelia das crescentes críticas e desconfianças internacionais. O próximo passo do país seria o uso de sua Guarda Costeira; isto incluiria os chineses na participação do Fórum da Guarda Costeira do Ártico como uma forma de aumentar a voz de Pequim e seu papel na Administração do Continente. Ao que parece, o país vem se preparando para esse acontecimento, uma vez que no final de abril de 2020, a Guarda Costeira chinesa realizou um exercício para (supostamente) proteger cabos submarinos de internet, além de outras atividades correlatas.


*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. E-mail: reisfriede@hotmail.com.


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9 comentários

  1. Não vejo com maus olhos as ações chinesa , com desconfiança sim.
    bem devemos lutar pelo crescimento da nossa nação.
    poderiam fazer um texto reflexivo sobre as possíveis consequências para o Brasil da diminuição da população nacional até 2100 e da explosição populacional nas nações africanas até 2100, e como grandes estados que pretendem durar séculos buscam “sempre ” se planejarem século a século claro que se atualizado diariamente e como nações que são governadas por líderes imediatistas dificilmente tem uma estabilidade interna e muitas vezes externa.
    Gostei muito do texto bem se a China está violando tratados internacionais ela deve sofrer as devidas consequências , o mesmo vale quando ela rasga um acordo, além de que será mais difícil Pequim assinar outro acordo . pode-se comparar a China atual com o Japão da era meiji (no devido contexto de cada um e suas particularidades) no qual ambos fizeram acordos com o ocidente enquanto se desenvolviam militar e econômicamente para posteriormente “rasgar” tais acordos quando não era mais nessesario para estes?.
    Gosto muito dos artigos do velho general .
    Já contaram os porque o ártico é importante para a China e a Rússia, falta falar a importância para as nações européias e os EUA. Esse aumento da importância estratégica do ártico não transformaria a América do Sul em uma região ainda mais periférica em relação às nações desenvolvidas junto ao crescimento econômico da Ásia e o possível crescimento econômico da África junto com o seu crescimento populacional.

    1. Rafael, boas sugestões! É preciso pesquisar os temas, vamos analisar e verificar a possibilidade, aos poucos procuramos atender todos os temas. Muito obrigado por nos acompanhar, forte abraço!

  2. China é, por natureza histórica, imperialista. Com a maior população mundial, com necessidades de toda ordem (energia, matéria prima, know-how, capital, mercado…) E a incrível incapacidade e apatia do ocidente, vai ocupando espaços e exercitando a sua musculatura.
    Falta determinação, liderança e atitude do ocidente.
    Exatamente o que faltou na década de 1930 à Inglaterra e França frente à Adolf Hitler.

  3. Comandante , se ainda não conhece esse site de mídia, acesse. Notícias sobre política e militares verdadeiras , acompanhando de fato o que ocorre no mundo e principalmente China.
    https://tfipost.com/

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