
O Irã é uma potência regional, mas que possui ambições globais. Qual é o seu papel na nova arquitetura do século XXI?
Poucos países concentram em seu território tantas camadas de tensão geopolítica quanto o Irã. Entre o Golfo Pérsico, o Cáucaso e a Ásia Central, o país sustenta uma presença que incomoda aliados dos Estados Unidos, desafia vizinhos regionais e se mantém como ator de primeira ordem em múltiplas frentes de disputa.
Sua história marcada pela resistência a potências externas, somada a uma geografia privilegiada e a uma doutrina de sobrevivência sob sanções, moldou uma República Islâmica que joga no tabuleiro internacional com independência estratégica e vocação disruptiva.
Muito além do confronto com Israel ou da retórica antiamericana, o Irã representa uma peça-chave no xadrez da Ásia Central, pois é ali onde as ambições de Rússia, China e Estados Unidos se entrelaçam silenciosamente.
Neste ensaio, exploro quatro dimensões dessa centralidade: a geoestratégia do território iraniano, sua atuação como força regional disruptiva, o papel na disputa pela Ásia Central e os possíveis efeitos de uma mudança de regime sobre o equilíbrio do Oriente Médio.
A Âncora Geoestratégica do Irã
Ao longo dos séculos, desde os tempos da Pérsia até o Irã moderno, o país conseguiu sempre se manter com um elevado grau de centralidade geopolítica no tabuleiro global. Situado no coração da antiga Rota da Seda, o país permanece como verdadeira “esquina estratégica” entre três regiões de alta volatilidade: o Oriente Médio, o Cáucaso e a Ásia Central. Ao sul, domina o Estreito de Ormuz, por onde transita cerca de um quinto do petróleo global. A leste, compartilha fronteiras porosas com o Afeganistão e o Paquistão – regiões marcadas por instabilidade crônica e interesses cruzados. Ao norte, projeta influência sobre o Mar Cáspio e observa a Ásia Central como zona de oportunidades e fricções.
Essa localização privilegiada faz do Irã um palco de disputas imperiais desde a Antiguidade. E um ator nos jogos geopolíticos regionais e globais. Tendo herdando o legado do Império Persa, o país desenvolveu uma identidade de autonomia política e civilizacional que atravessa os séculos.
Mesmo na modernidade, seguiu resistindo à ingerência externa, ainda que por vezes se alinhasse pragmaticamente com grandes potências. Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, apesar de oficialmente neutro, o país foi invadido por britânicos e soviéticos em 1941, interessados em garantir a Linha Persa como rota segura de suprimentos para a URSS e evitar uma possível aproximação iraniana com o Eixo. O episódio reforça um padrão histórico: o Irã tende a ser envolvido, e às vezes violado, quando se torna demasiadamente estratégico para ser ignorado.
Durante o regime do Xá Mohammad Reza Pahlavi, o Irã chegou a estabelecer relações discretas, porém cooperativas, com Israel. Unidos por interesses convergentes, como a contenção do nacionalismo árabe e da influência soviética, Teerã e Tel Aviv mantinham intercâmbio de inteligência, apoio técnico e entendimento político, dentro da lógica do “perímetro externo” israelense.
Essa realidade, inimaginável nos dias de hoje, evidencia que o antagonismo atual entre as duas potências não é inevitável, mas construído a partir de realinhamentos ideológicos e mudanças de regime. A Revolução Islâmica de 1979 rompeu esse eixo, reconfigurando o Irã como um polo anti-Israel com projeção sobre atores como o Hezbollah e o Hamas.
Desde então, mesmo sob sanções severas e isolamento diplomático, o regime em Teerã sobreviveu e até se consolidou. A economia de resistência transformou restrições em incentivo à autossuficiência. A retórica antiocidental passou a ser pilar da narrativa de soberania. E a geografia permaneceu como trunfo incontornável. O Irã não apenas ocupa um espaço privilegiado: aprendeu a usá-lo como instrumento de pressão, sobrevivência e projeção de poder.
Mais do que uma peça no tabuleiro, o Irã é terreno e jogador. Sua geografia o torna um ator inevitável nos desdobramentos geopolíticos, ainda mais em tempos de transformação da ordem hegemônica; sua história o tornou resiliente; sua estratégia o tornou temido. Desconsiderar essa combinação é ignorar a gramática da geopolítica.
O Irã como Força Disruptiva no Oriente Médio
Desde os anos 1980, o programa nuclear iraniano tornou-se o símbolo máximo da doutrina de autonomia estratégica da República Islâmica, e o epicentro das tensões com o Ocidente.
Iniciado ainda na era do Xá com apoio americano, ganhou contornos ideológicos e defensivos após a Revolução de 1979. Para Teerã, desenvolver suas capacidades nucleares, mesmo sob a retórica de fins pacíficos, representa uma resposta à insegurança externa, à ameaça existencial percebida e à necessidade de dissuasão assimétrica.
Embora o Irã seja signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) desde 1970, e afirme reiteradamente que seu programa tem fins exclusivamente pacíficos, a desconfiança internacional persiste. Diversas tentativas de acomodação foram feitas ao longo das décadas. Em 2010, Brasil e Turquia mediaram um acordo com Teerã que previa a troca de 1.200 kg de urânio de baixo enriquecimento por combustível nuclear para uso médico, a ser fornecido por potências ocidentais. Apesar de inicialmente inspirado por uma proposta da própria Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), o acordo foi rejeitado pelas grandes potências, que alegaram falta de garantias e transparência por parte do Irã, mas na verdade, existe a suspeita de que tal acordo não foi apoiado pelas grandes potências devido ao que foi considerado peso excessivo da diplomacia brasileira e turca no acordo.
Cinco anos depois, em 2015, foi firmado o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), entre o Irã e o grupo P5+1, com a participação da União Europeia. O pacto impunha limites rigorosos ao enriquecimento de urânio, reduzia o número de centrífugas e estabelecia inspeções intrusivas da AIEA, em troca da suspensão gradual das sanções econômicas. O acordo foi considerado um marco diplomático, mas sofreu forte oposição de Israel e de setores conservadores nos EUA. Em 2018, o então presidente Donald Trump retirou unilateralmente os EUA do JCPOA, reimpondo sanções e provocando uma escalada de tensões que persiste até hoje.
A relação do Irã com a AIEA, embora formalmente mantida, tornou-se cada vez mais tensa. A agência denuncia falta de cooperação técnica, acesso restrito a instalações e ausência de respostas críveis sobre vestígios de urânio em locais não declarados. Em junho de 2025, a AIEA aprovou uma resolução inédita condenando o Irã por descumprimento de suas obrigações de salvaguardas, o que levou Teerã a ameaçar suspender a cooperação com a agência e até mesmo abandonar o TNP.
Esse protagonismo nuclear se soma à estratégia iraniana de guerra por procuração, que projeta poder indireto em múltiplos teatros do Oriente Médio. Apoiado por uma teia de milícias aliadas, Teerã sustenta o Hezbollah no Líbano, o Hamas na Palestina e os Houthis no Iêmen, formando o chamado “eixo da resistência”. Esses grupos operam como vetores de pressão sobre Israel, Arábia Saudita e os interesses ocidentais na região, ao custo de conflitos prolongados, instabilidade crônica e crescente polarização sectária.
Os Estados Unidos, por sua vez, mantêm presença militar ostensiva no Golfo, com bases no Bahrein, Catar, Kuwait e presença naval permanente. Essa postura visa conter o Irã, mas também reforça a percepção de cerco entre os aiatolás. A reação iraniana se dá pela tentativa de construção de um “arco xiita” que conecta Teerã a Bagdá, Damasco e Beirute, consolidando uma zona de influência ideológica, logística e militar que preocupa Tel Aviv e Washington.
Além da geopolítica convencional, o Irã se vale de narrativas religiosas e civilizacionais como ferramentas de mobilização. A defesa dos xiitas, a retórica anti-imperialista e o discurso de resistência cultural operam como cola simbólica e diplomática, permitindo ao regime alcançar corações e mentes muito além de suas fronteiras. É uma diplomacia assimétrica, mas potente, especialmente quando combinada com ações encobertas, campanhas de desinformação e alianças táticas.
A atuação do Irã como força disruptiva não reside apenas em sua capacidade material, mas em sua disposição para tensionar normas, redesenhar fronteiras simbólicas e desafiar o equilíbrio regional tal como desejado pelas potências ocidentais. É um ator que joga fora do manual, e por isso, pode mudar eventualmente as regras do jogo.
A escalada mais recente entre Irã e Israel, iniciada em junho de 2025, consolidou a transição de uma guerra por procuração para um confronto direto entre os dois polos estratégicos do Oriente Médio. Após anos de hostilidade indireta, Tel Aviv lançou a Operação Rising Lion, executando uma ação de decapitação de lideranças militares e a elite científica nuclear iraniana.
A resposta de Teerã veio em forma de mísseis e drones contra alvos israelenses, rompendo o padrão de contenção mútua que vigorava desde 1979. O envolvimento direto dos Estados Unidos, com a Operação Midnight Hammer, elevou o conflito a um novo patamar, com ataques aéreos devastadores contra o programa nuclear iraniano e declarações públicas que flertam com a ideia de mudança de regime. Esse novo ciclo de hostilidade não apenas amplia o risco de uma guerra regional em larga escala, como reforça a percepção de que o Irã, ao desafiar abertamente a arquitetura de segurança desejada por Israel e Washington, tornou-se o epicentro de uma disputa que já não se limita ao Oriente Médio.
A Disputa Invisível pela Ásia Central e suas Aspirações Globais
O colapso da União Soviética, no início da década de 1990, abriu um imenso vácuo geoestratégico na Ásia Central, uma região marcada por fronteiras artificiais, etnias fragmentadas e reservas energéticas de primeira grandeza. Para o Irã, essa transformação criou um campo de oportunidades e contradições: por um lado, novas repúblicas muçulmanas e culturalmente próximas emergiram em sua fronteira norte; por outro, a presença crescente de potências rivais transformou a região em terreno altamente congestionado.
O Irã, embora não tenha exercido influência decisiva sobre as ex-repúblicas soviéticas, viu emergir ao norte de suas fronteiras uma zona sensível – e cheia de potencial. Com vínculos culturais e linguísticos com países como o Tajiquistão e o Turcomenistão, e uma posição geográfica privilegiada entre o Golfo Pérsico e o Mar Cáspio, o Irã percebe essa região não apenas como retaguarda de segurança, mas como corredor estratégico.
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Mesmo sob sanções, buscou alternativas logísticas para romper o isolamento, como o Corredor Internacional Norte-Sul (INSTC), que conecta o país à Rússia e à Índia por via terrestre e marítima. Mais recentemente, deu um passo audacioso na integração euroasiática com a inauguração, em maio de 2025, da ferrovia que o liga diretamente à China. A nova linha, que atravessa Cazaquistão e Turcomenistão até o porto seco de Aprin, nos arredores de Teerã, reduziu drasticamente o tempo de transporte de mercadorias entre Leste Asiático e Oriente Médio. Trata-se de uma vitória dupla: fortalece a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, Belt and Road Initiative) e transforma o Irã num elo logístico vital da conectividade continental.
Esse movimento reflete uma leitura precisa da estratégia de contenção mútua entre as grandes potências. Ao revisitar o pensamento de Zbigniew Brzezinski, especialmente sua caracterização da Ásia Central como “pivô geopolítico da Eurásia”, percebe-se que o Irã ocupa um ponto de fricção entre os interesses de Rússia, China e EUA.
Moscou encara a região como quintal estratégico; Pequim, como eixo de expansão terrestre e energética; Washington, embora mais ausente desde a retirada do Afeganistão, tenta bloquear qualquer integração que exclua sua influência e seu poder de contenção, tanto da Rússia, quanto da China.
A entrada plena do Irã na Organização para Cooperação de Xangai (SCO), em 2023, e os acordos de investimento com Pequim consolidam um novo arranjo no qual Teerã deixa de ser mero espectador e passa a influenciar sutilmente a geometria de poder regional. Ainda que não disponha da mesma força financeira ou militar dos demais atores, o Irã se movimenta com astúcia: age como conector, amortecedor ou sabotador, conforme seu interesse.
Mais do que uma presença regional, o Irã começa a desenhar sua própria narrativa como potência sistêmica do Sul Global. A entrada plena na Organização para Cooperação de Xangai (SCO), a parceria estratégica com a China – materializada na nova ferrovia que o conecta a Leste Asiático fora do alcance do cerco marítimo ocidental – e a crescente articulação com Rússia e Índia pelo Corredor Internacional Norte–Sul (INSTC) revelam uma diplomacia que busca sair do isolamento não pela conciliação com o Ocidente, mas pela criação de uma ordem alternativa.
O Irã tornou-se oficialmente membro dos BRICS em 1º de janeiro de 2024, após o convite formal feito durante a cúpula de Joanesburgo em agosto de 2023. Essa adesão foi celebrada por Teerã como um marco diplomático, especialmente por representar uma alternativa à ordem internacional dominada pelo Ocidente. Ao lado de países como Rússia, China, África do Sul e agora também Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos, o Irã passa a integrar um bloco que busca maior autonomia frente ao dólar, ao FMI e às instituições multilaterais tradicionais.
A cúpula de julho no Brasil (Rio de Janeiro), portanto, será a primeira em que o Irã participará como membro pleno, e em um momento em que o país busca romper o isolamento imposto por sanções e reforçar sua legitimidade internacional. O fato de o encontro ocorrer em solo brasileiro, país que já teve papel relevante na mediação nuclear em 2010, pode oferecer a Teerã uma oportunidade simbólica de retomar pontes com o Sul Global. Além disso, muitos dos atuais membros e parceiros dos BRICS têm posições críticas à política externa dos EUA e demonstram simpatia, ou ao menos neutralidade, em relação à postura iraniana no conflito com Israel.
Nesse contexto, a adesão do Irã aos BRICS em 2024 adiciona uma nova camada à sua estratégia de inserção internacional. A cúpula de julho de 2025, no Brasil, será a primeira com Teerã como membro pleno – e promete ser palco para a projeção de sua narrativa geopolítica diante de um público que vai do Sahel ao Sudeste Asiático. Ao lado de parceiros que compartilham ceticismo quanto à hegemonia ocidental e, em alguns casos, apoiam abertamente sua posição frente aos EUA e Israel, o Irã pode transformar o evento em uma vitrine para suas aspirações globais – não apenas como potência disruptiva, mas como voz legítima de um novo arranjo multipolar.
Neste tabuleiro congestionado, o Irã joga com cautela, mas com ambição. Sabe que não lidera, mas também sabe que, se ignorado, pode até sabotá-lo, como no caso de um fechamento do Estreito de Ormuz.
E é exatamente nessa ambivalência que reside sua força. E neste tabuleiro que vai da Ásia Central ao Rio de Janeiro, o Irã não quer mais apenas resistir: quer ser ouvido. E está encontrando plateias dispostas a escutá-lo.
Apesar desses avanços diplomáticos e logísticos, o Irã permanece sob a mira das potências ocidentais, e especialmente dos Estados Unidos. Os ataques aéreos norte-americanos em solo iraniano revelam intenções profundas: desarticular definitivamente o programa nuclear, enfraquecer os pilares estratégicos do regime e, se possível, criar as condições para uma mudança política em Teerã.
À medida em que o Irã busca consolidar sua inserção no Sul Global e ampliar suas conexões euroasiáticas, os vetores de contenção militar e econômica se intensificam. Nesse tabuleiro, Teerã não avança sem pagar o preço – e esse preço, cada vez mais, envolve o risco de um confronto direto com seus antagonistas históricos.
O Complexo Xadrez para um “Regime Change” Iraniano
Os ataques coordenados de junho de 2025 – iniciados por Israel com a Operação Rising Lion e aprofundados pelos Estados Unidos com a Midnight Hammer – não apenas romperam o equilíbrio precário que vigorava no Oriente Médio, mas reforçaram a percepção de que a estratégia ocidental não se limita mais à contenção: caminha deliberadamente rumo à erosão do regime iraniano. Ao mirar a elite militar e científica da República Islâmica, a operação teve um claro caráter desestruturante, sinalizando que a mudança de regime deixou de ser tabu e voltou ao centro da arquitetura estratégica de Washington e Tel Aviv.
Essa virada coloca o Irã em um limiar perigoso, onde a contenção cede lugar à confrontação direta e as margens para a diplomacia se estreitam. Para o Ocidente, desmontar o regime significaria desarticular o eixo geopolítico que conecta Teerã a Moscou, Pequim e Beirute – além de reconfigurar a balança energética, militar e simbólica da região. Para o Irã, sobreviver a essa pressão tornou-se mais do que uma questão de prestígio: é uma luta existencial. E a transição, se ocorrer, dificilmente será ordenada.
Se há um tema sensível e explosivo na geopolítica contemporânea, é a possibilidade de uma mudança de regime no Irã. Não se trata apenas de uma especulação sobre o destino doméstico de um país contestado. Trata-se de um movimento tectônico com impacto potencial sobre o equilíbrio de poder no Oriente Médio e na Ásia Central, com ressonância em todo o sistema internacional.
Do ponto de vista norte-americano, um Irã alinhado com o Ocidente, ou ao menos neutro, seria uma peça-chave para completar o cerco sobre Rússia e China no coração da Eurásia. O controle indireto sobre aquele espaço ampliaria a capacidade dos EUA de influenciar fluxos energéticos, conter o expansionismo russo no Cáucaso e amortecer a presença chinesa nos corredores da BRI. Além disso, enfraqueceria o eixo anti-hegemônico que Teerã alimenta ao lado de Moscou e Pequim – não apenas militarmente, mas narrativamente, com seu discurso de resistência ao imperialismo ocidental.
No entanto, uma mudança de regime no Irã não é garantia de estabilidade. Ao contrário, as fraturas internas, étnicas, religiosas, sociais e institucionais, podem transformar a transição num processo caótico. A fragmentação do Estado, a disputa entre facções armadas e a intervenção de potências externas poderiam levar o país a um cenário de “sírianização”, isto é, uma fragmentação estatal acompanhada de uma guerra civil prolongada com proliferação de grupos armados e fortalecimento de redes transnacionais de radicalismo, como o ISIL.
Um colapso político em Teerã teria efeitos imediatos sobre o Golfo, o Iraque, o Líbano e o Afeganistão, redesenhando alianças, ameaçando a segurança energética e provocando ondas migratórias.
Por outro lado, setores reformistas dentro e fora do Irã enxergam uma transição política como oportunidade histórica. Uma eventual abertura do regime, com garantias para a modernização econômica e maior participação política da sociedade civil, poderia reintegrar o país às cadeias globais de valor, diminuir as tensões militares e inaugurar uma nova era de diplomacia regional.
Para o Brasil e outros países do Sul Global, um cenário de transição no Irã exigiria pragmatismo. A médio prazo, poderia abrir espaço para acordos comerciais mais amplos, cooperação energética e reconfiguração das alianças nos fóruns multilaterais. A curto prazo, contudo, exigiria cautela estratégica, especialmente diante de pressões dos EUA, fluxos migratórios imprevisíveis e riscos à estabilidade das cadeias logísticas que cruzam o Oriente Médio.
O futuro do Irã, sob a égide da continuidade ou da ruptura, será, inevitavelmente, um dos grandes eixos de tensão do sistema internacional nas próximas décadas. E ignorar esse tabuleiro é abdicar de entender onde se movimentam os verdadeiros vetores da transformação global.
Considerações Finais
O Irã não é apenas um ponto de tensão: é um vetor ativo na reconfiguração da ordem internacional. Ancorado em sua geografia estratégica e moldado por uma história de resistência à ingerência externa, o país transformou isolamento em doutrina e adversidade em ferramenta de influência. Seja nas disputas no tabuleiro do Oriente Médio, na conectividade euroasiática ou na tentativa de inserção nos BRICS, Teerã atua como potência disruptiva por vocação e necessidade.
A escalada de 2025, com um confronto direto com Israel e com os Estados Unidos, mostrou que o conflito deixou de ser apenas retórico ou indireto: tornou-se estruturante. O futuro do regime iraniano, e suas possíveis mutações, terá implicações que atravessam desertos e oceanos, tocando segurança energética, alianças militares, fluxos migratórios e narrativas identitárias.
Para jogar esse jogo, o Irã precisa entender que não está jogando um xadrez comum: ele precisa operar em múltiplos tabuleiros, cada um com regras próprias, o que vai requerer paciência estratégica e um olhar atento de quem sabe que, às vezes, permanecer no jogo é mais decisivo do que vencê-lo. Ignorar esse movimento seria deixar de ver onde, de fato, está sendo desenhado o mapa geopolítico do século XXI.