
Operações de influência, como guerra não cinética, buscam manipular a opinião pública e desestabilizar nações – a mente humana é um campo de batalha.
Define o Ministério da Defesa que ações cinéticas são aquelas desencadeadas no interior da área de operações (o espaço geográfico necessário à condução de operações militares), que envolvem movimentos (deslocamento de tropas, blindados, fogos etc.) e produzem resultados tangíveis, como destruição, captura e/ou conquista. Trata-se do aspecto mais visível de uma guerra. O próprio Ministério, também, define outro tipo de ação tão importante quanto, mas menos visível ou, mesmo, perceptível à maioria (particularmente quanto a sua intenção final). Trata-se das ações não cinéticas:
São aquelas desencadeadas no interior da Área de Operações, que não envolvem movimentos (ações de guerra eletrônica, operações psicológicas, ações de assuntos civis, ações no ciberespaço) e produzem resultados intangíveis (entre os quais, a percepção positiva da população sobre as forças amigas e suas operações), mas que contribuem para o sucesso da operação.
Um termo que deveria chamar mais a atenção (tanto de atores estatais quanto da sociedade civil) seriam as operações de influência. Muitas delas não possuem caráter exclusivamente militar ou finalidade de derrota de uma nação antagônica (ao menos em curto prazo), porém acabam por impactar diretamente nas mesmas. Manutenção de monopólios, aceitação passiva de interesses outros que não os nacionais (atingindo a soberania), solapamento interno, fragmentação da sociedade, alteração da ordem política, entre vários outros objetivos, possuem potencialmente como vetor inicial, uma operação de influência.
Resta esclarecido que uma operação deste tipo não necessariamente parte de um governo (embora este possa se beneficiar dos resultados), podendo o protagonista ser um grupo ou mesmo uma corporação. Foi alvo de estudo uma eficiente e contínua ação nesta modalidade, sendo seu perpetrador, o regime chinês. Não se atribui, portanto, tal operação a uma população, mas ao regime que a rege (ou, para alguns, submete).
O Instituto de Pesquisa Estratégica (IRSEM, Institut de Recherche Stratégique de l’École militaire), localizado no complexo da École Militaire e pertencente ao Ministério das Forças Armadas francesas, considerado um dos mais respeitáveis na área de política na Europa Ocidental, produziu, em 2021, o relatório Operações de Influência Chinesas: Um Momento Maquiavélico. Tendo como autores Paul Charon e Jean-Baptiste Jeangène Vilmer, o relatório produzido (que possui mais de 600 páginas), elucida a metodologia utilizada e as diversas frentes desse tipo de operação.
A mídia leiga, por vezes, alerta para a existência das operações de influência e seus objetivos, bem como de quem parte a iniciativa (corroborando o estudo). Por sinal, tanto Charon como Vilmer, após constatação feita (por intermédio de relatório do próprio IRSEM sobre manipulação de informações, de 2018), passaram a pesquisar de forma específica em relação ao regime chinês e descobriram, imediatamente, que era preciso ampliar o foco, do campo informacional para o da influência como um todo.
A questão principal a considerar é tratar-se (conforme preconiza o historiador Frank Dikötter) de um Estado (leninista) com partido único que tenta neutralizar indivíduos ou grupos que eventualmente sejam vistos como oponentes, quer seja em seu território como além de suas fronteiras, contando com enormes recursos econômicos, tecnológicos e militares para tal. Da mesma forma, é considerada prioritária a projeção de sua influência para o exterior, com uma imagem inicial preferencialmente agregadora e parceira, como (seguindo uma linha mais soviética) a ser temida e respeitada, caso necessário.
Um dos conceitos que são importantes para compreender as operações de influência chinesas inclui a chamada “Frente Unida”, tratando-se de uma política cujo objetivo é a neutralização de inimigos internos e externos e o controle de grupos que possam desafiar sua autoridade, a construção de uma coalização em torno do partido, atendendo seus interesses e projetando sua influência no exterior, bem como as chamadas “Três Praças de Guerra”. Esta última representa o núcleo da “guerra política”, uma forma não cinética de conflito (ou seja, a neutralização de oponentes ocorre sem luta armada), por meio da criação de um ambiente favorável ao regime. Um esforço que engloba a opinião pública, a guerra psicológica e o lawfare (guerra legal, ou o uso das leis como “arma”).
Outro conceito (soviético) também adequado para descrever, conforme elucidam os pesquisadores citados, é o de “medidas ativas” (e seu vasto arsenal disponível), cujas principais armas são a desinformação, operações de descrédito, desestabilização de governos, atos de manipulação com o objetivo de enfraquecer a coesão social, criação de organizações de fachada, operações de falsa bandeira e recrutamento de “idiotas úteis”, entre outros.
Este termo pejorativo (“idiotas úteis”) não é citado de forma inédita por meio do relatório do IRSEM, já tendo sido mencionado por Yuri A. Bezmenov em sua obra Subversão, sendo ele próprio um “apoiador”/informante da KGB (conforme traduzido do alfabeto cirílico, Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, ou Comitê de Segurança de Estado da URSS). O professor Renato Rodrigues Borges, expondo sobre o método de subversão denunciado por Bezmenov e sua implementação, explica que o mesmo consiste em quatro fases, sendo a primeira a de DESMORALIZAÇÃO, um processo de manipulação cultural e ideológica, cuja duração é de aproximadamente duas décadas (o lapso temporal para “educar” toda uma geração), com a infiltração de valores subversivos promovendo a corrosão das fundações morais de uma sociedade. Para tal, há penetração em áreas fundamentais, como a educação (que acaba sendo “contaminada” por ideologias que atacam valores tradicionais, sendo promovido o relativismo moral, do qual, como exemplo constatável, há o revisionismo histórico, com a reinterpretação de eventos importantes).
A segunda fase é a DESESTABILIZAÇÃO (lapso temporal de até cinco anos), com o enfraquecimento de instituições/áreas estratégicas, como as da Defesa (Forças Armadas), economia, diplomacia etc. A introdução de políticas populistas/polarizadoras acabam por solapar a coesão nacional (por exemplo, instabilidade econômica e decisões políticas direcionadas para potencializar a divisão de classes, polarização de debates, entre outros).
Findo o período de desestabilização, o próximo é de rápida instauração: trata-se da fase de CRISE. Se na segunda fase, os “idiotas úteis” foram incentivados a agir, neste momento passam a atuar como revolucionários, objetivando mudanças bruscas, no que não raramente se obtêm como resultado revoluções, guerras civis ou golpes de Estado. Para Bezmenov, eles (“idiotas úteis”) são indivíduos que, apesar de atuarem de forma determinada e intensa como propagandistas e defensores extremamente ativos de uma causa, não possuem uma compreensão plena dos objetivos desta, sendo facilmente manipuláveis por sua liderança.
Finda a crise, apresenta-se a fase (final) de NORMALIZAÇÃO, onde se busca a estabilidade pelo novo regime, quando muitos do que apoiaram sua instalação e possuíam influência, acabam por se tornar irrelevantes (como ativistas, artistas etc.). Eles serão sumariamente descartados (caso dos “idiotas úteis”). Uma breve pesquisa em ambiente virtual (com o título “Yuri Bezmenov – quem são os idiotas úteis”) propicia a visualização da entrevista concedida em 1983, elucidando de forma direta o que foi mencionado. Apesar deste jargão ter sido atribuído a Lênin, tal fato carece de comprovação. Há farta literatura sobre o assunto, e recomendamos a leitura de O Front Interno: As Desordens Públicas Como Armas De Guerra (obra na qual o autor, o capitão da PMESP Alexandre Antunes Ribeiro, elucida de forma ampla, porém direta, sobre o mencionado).
A respeito de opinião pública, deve prevalecer a narrativa (e, portanto a versão de determinado fato) que será favorável ao regime (conforme o relatório do IRSEM) no público-alvo, conquistando-o e, preferencialmente, a toda comunidade internacional também. Obviamente, diversas outras nações ou grupos acompanham essa premissa. De qualquer forma, na “guerra de opinião pública”, conforme o conceito chinês, há necessidade de realizar a orientação cognitiva das massas, exercitar suas emoções e restringir seu comportamento. Sugerimos, neste ponto, a leitura do artigo Um “Novo” Ambiente de Guerra: A Mente Humana, de nossa autoria.
O volume de meios disponíveis é amplo, diverso e de grande penetração: imprensa, rádio, televisão e redes sociais. Adequada uma observação: é sempre oportuno impor, o mais cedo possível uma versão de determinado fato, promovendo assim uma impressão mais marcante (muito mais que eventuais posicionamentos subsequentes). Vale recordar o viés de ancoragem (ou efeito de ancoragem), uma forma de viés cognitivo que leva as pessoas a confiarem de forma excessiva na primeira informação que recebem sobre determinado fato, interferindo dessa forma em suas decisões posteriores. Assim, na guerra da opinião pública, é primordial ser o primeiro a se manifestar e multiplicar, pelo maior número de fontes possíveis (e favoráveis) o posicionamento. Ocultar, também, a origem e o verdadeiro propósito (principalmente) da emissão da narrativa dos fatos, potencializando a amplitude da influência no público-alvo e, por conseguinte, seu comportamento.
Trata-se de um processo de longo prazo, contínuo e permanente (em relação a atores estatais, principalmente).
Retornando ao Ministério de Defesa brasileiro (e ao seu Glossário das Forças Armadas), este define INFLUÊNCIA PSICOLÓGICA como o processo de persuasão, por meio do qual um indivíduo (ou um grupo) modifica as crenças e atitudes de outras pessoas (ou grupos), direcionando-as para a consecução de um objetivo específico do persuasor. Nesse sentido, a ação psicológica é uma atividade, que entre outros objetivos, deve influenciar os públicos-alvo, gerando emoções, atitudes ou comportamentos favoráveis à consecução de objetivos específicos.
Considerando que dentro de objetivos ou de um conjunto destes, por exemplo, o enfraquecimento de uma nação, hipoteticamente promovendo circunstâncias que causem desestabilização (que pode afetar de diversas formas sua projeção de poder militar, por exemplo), algumas circunstâncias merecem, no mínimo, reflexão. Ressaltamos a palavra hipoteticamente.
Considero, portanto, apenas para reflexão, analisarmos uma conduta, um pensamento coletivo, com ato e consequência em curto lapso de tempo: a vinda de imigrantes/refugiados em larga escala com (em determinada época) forte apoio da opinião pública europeia (ou pelo menos parte dela). O ano é o de 2015.
No mês de setembro, inúmeras cidades europeias foram palco de protestos a favor da vinda de refugiados. Milhares de pessoas em, pelo menos, nove países, posicionavam-se a respeito da nobre preocupação em recepcionar vidas que se encontravam em risco, em terras distantes. Protestos foram assinalados em capitais como Berlim, Madri, Estocolmo, Helsinque, Atenas, Lisboa e várias outras cidades na Europa. Na França, o presidente François Hollande, pessoalmente, visitou um centro de abrigo de refugiados sírios perto de Paris, para conferir as condições nas quais se encontravam. Seu governo havia se comprometido em receber 24.000 imigrantes. Em Copenhague, 30.000 pessoas se reuniram em protesto, principalmente após o anúncio de políticas mais restritivas sobre imigração. A Reuters (maior agência de notícias do mundo, com sede em Londres), com perceptível menor ênfase, também informou sobre protestos (como os de Varsóvia) de grupos contrários à vinda de imigrantes em larga escala. Na verdade, em relação ao posicionamento contrário, eram divulgados pontos que subentendiam posturas extremistas (e, portanto, estas opiniões deveriam ser desconsideradas naquele momento). Foi dada relevância a cartazes, por exemplo, onde era citado que “o Islã é a morte da Europa” (sic). Outros grupos foram apontados por algumas fontes como propensos à xenofobia e de orientação totalitária.
Se 2015 foi conturbado, com diversas manifestações a favor da vinda e permanência de estrangeiros em território francês (e europeu, em geral), aproximadamente dois meses depois dos atos de 12 de setembro (um sábado), o dia 13 de novembro deste mesmo ano foi extremamente marcante. Paris (e sua região metropolitana, Saint-Denis) tornou-se palco de uma série de atentados. As ações simultâneas (que resultaram em 130 mortos e 352 feridos) tiveram início, em uma sexta-feira, por volta das 21h20, com explosões na área externa do Stade de France. Na sequência, clientes dos restaurantes Le Carrilon e Le Petit Cambodje tornaram-se alvos de disparos (o que também ocorreu na Brasserie Voltarie, na pizzaria Casa Nostra e no bar La Belle Équipe).
Menos de meia hora depois das explosões que ocorreram no estádio, o show da banda Eagles of Death Metal, que ocorria na casa de espetáculos Bataclan, foi interrompido por terroristas. Os quatro perpetradores acabaram por ser neutralizados pela força policial, mas não antes de deixar 89 mortos. No próprio sábado, o Estado Islâmico divulgava que era o autor dos atentados. Vale recordar que, no início de 2015 (7 de janeiro), dois terroristas armados (que possuiriam vínculo com a Al Qaeda) invadiram a redação do jornal Charlie Hebdo, publicação focada em sátiras, deixando um rastro de 12 mortos e 11 feridos (cinco com gravidade). Dois agentes da Polícia Nacional francesa se encontravam entre as baixas fatais.
No dia seguinte a esse atentado, um terrorista francês (vinculado ao Estado Islâmico) chamado Amedy Coulibaly assassinou uma policial e, no outro dia, invadiu um supermercado kosher em Paris, assassinando quatro pessoas. Ele acabou por ser neutralizado por integrantes do RAID (Recherche Assistance Intervention Dissuasion, Pesquisa Assistência Intervenção Dissuasão, tratando-se de uma equipe de elite da Polícia Nacional francesa).
Uma das primeiras manifestações sobre os eventos de 13 de novembro partiu da ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados. António Guterres, alto comissário da ONU (para refugiados), imediatamente disse ser completamente absurdo tentar culpar os refugiados pelos ataques terroristas, sendo que estes eram, na verdade, suas primeiras vítimas e não poderiam ser responsabilizados pelo que aconteceu em Paris (bem como em outros lugares), sendo que os mesmos estariam fugindo do próprio terrorismo, das guerras e das perseguições que sofriam.
De qualquer forma, é fato que Estados falidos, bem como guerras, perseguições religiosas, políticas e étnicas, motivam grande fluxo de pessoas que buscam preservar a própria vida, assim como melhores condições de sobrevivência. E, infelizmente, outros grupos se aproveitam do enorme contingente humano que atravessa fronteiras para penetrar em terras distantes com terceiras intenções (particularmente, se a nação receptora abre tal precedente de forma mais branda).
O próprio Tren de Aragua, organização criminosa transnacional, aproveita-se da enorme massa humana que parte da Venezuela (tecnicamente, conforme várias definições a respeito, um Estado falido) para expandir seus tentáculos por outras paragens (e se aproveitando da situação dos migrantes para atuar no tráfico de pessoas).
Em 2023, porém, um ponto ficou evidente. A imagem de centenas de refugiados que, percorrendo o território russo (lembremos que a Rússia, territorialmente, é o maior país do planeta, com 11 fusos horários), tentavam adentrar à Finlândia. Apesar de não vermos questionamentos publicados a respeito da própria Rússia não acolhê-los em seu vasto território, restou esclarecido pelo governo finlandês que tratava-se de um “ataque híbrido”, com o imenso contingente humano servindo para desestabilizar aquela nação. Ocorreram protestos, principalmente de grupos de direitos humanos e organizações não governamentais que consideraram uma violação não receber os refugiados (cujo contingente havia se tornado 30 vezes maior que o habitual em um rápido lapso de tempo), bem como uma das obrigações internacionais que a Finlândia deveria cumprir. Tais grupos não questionaram as “obrigações” russas.
A opinião pública (seria interessante refletir nos múltiplos protestos ocorrendo em sincronia em diversos locais, bem como eventualmente quem os influenciava), que fez motivar atos políticos, como os de 2015, continuando a ocorrer nos anos subsequentes, é uma importante arma. Em momento algum, durante muito tempo, foram mencionadas regras de convívio (pelo contrário, as nações recebedoras pautaram-se em temas como o acolhimento e tolerância, valores extremamente nobres) ou mesmo a opinião pública estava focada, ou melhor, direcionada, para isso. Foram pautadas obrigações de melhor compreender os hábitos e a cultura daqueles que buscavam ser recebidos e, portanto integrados (ao menos teoricamente) na sociedade anfitriã.
Em maio de 2025, na França, foi preparado um kit de imprensa, cujo tema possui um enfoque totalmente diferente do que era dito 10 anos antes. Seu título é Irmandade Muçulmana e Islamismo Político na França (Frères Musulmans et Islamisme Politique en France, que pode ser consultado de forma irrestrita acessando-se o sítio eletrônico oficial do Ministério do Interior francês: https://www.interieur.gouv.fr). Esse kit é acompanhado por um relatório (com 75 páginas), produzido a partir de 2024, por um grupo de alto nível, com a finalidade de documentar a realidade do islamismo político. Conforme as palavras do Ministério do Interior, o relatório Irmandade Muçulmana e Islamismo Político na França foi levado à atenção do público para explicar o que é o islamismo político e conscientizar sobre sua realidade, como vários países ao redor do mundo já o fizeram. Novamente, a opinião pública (e conscientização) é pautada.
Como principal alerta do kit (e do relatório) lemos:
Apresentado em julho de 2024 aos diversos patrocinadores, o relatório destaca uma grave ameaça, marcada por um discurso duplo que combina egoísmo, dissimulação e aparente respeito pelas regras com o objetivo de substituir a comunidade nacional por novas formas de lealdade que rompem com a tradição republicana.
Importante recordar as percepções de Vilma Gryzinski, publicadas em 2024 (mesmo ano do início dos estudos a respeito da Irmandade Muçulmana e um ano antes das publicações feitas pelo Ministério do Interior) que, o observado na França e outros países com grande imigração árabe e africana, transcendia a rejeição à ordem social, mas ao próprio país, seus cidadãos e, portanto, seus hábitos.
No caso específico da França, concluiu que descendentes de terceira geração de imigrantes, em geral de religião muçulmana, simplesmente não se sentiam franceses. Ao contrário, manifestavam ódio de seus compatriotas. A percepção de Gryzinski se deu no contexto de uma onda de protestos e depredações que ocorriam após a morte de Nahel Merzouk (que possuindo 12 anotações policiais ao ser morto, estava em um veículo irregular, desafiando dois policiais) e uma dissonância existente entre o discurso de autoridades de alto nível em relação ao que ocorria nas ruas.
É digno de nota que um opositor político do presidente francês, ao ver o rastro de destruição causado pelos protestos, bem como o recuo ordenado à polícia em sua ação antimotim, por temor que ocorressem mais mortes, citou que “estavam no prólogo de uma guerra civil, uma guerra étnica, uma guerra racial”. Mas havia também um fato: as leis somente são eficientes caso sejam aceitas, respeitadas e obedecidas, o que efetivamente não se tratava do nicho ao qual estava inserido Nahel Merzouk. A onda de protestos causou reflexos em outros países, como a Suíça. Em território francês estima-se que além dos saques e depredações, aproximadamente 5.000 veículos teriam sido incendiados.
Retornando ao mês de maio de 2025, com a divulgação do kit de imprensa e do Relatório, por parte do Ministério do Interior, se lê, com extrema preocupação, a respeito da penetração (da Irmandade Muçulmana) na máquina pública e nas esferas de decisão política. Um discurso feito em outubro de 2020 pelo presidente Emmanuel Macron é mencionado, no que em tradução livre, cita o “separatismo islâmico” como problema:
“O problema é o separatismo islâmico. Esse projeto político-religioso consciente, teorizado, que assume a forma de repetidos desvios dos valores da República, que muitas vezes resulta na criação de uma contrasociedade e cujas manifestações são a evasão escolar de crianças, o desenvolvimento de esportes, práticas culturais comunitarizadas que são pretexto para ensinar princípios que não estão em conformidade com as leis da República. Isso é doutrinação e, por meio dela, a negação de nossos princípios, a igualdade entre mulheres e homens e a dignidade humana. O problema é essa ideologia, que afirma que suas próprias leis são superiores às da República.” (tradução livre a partir do impresso em Dossier de Presse Rapport Frères Musulmans et Islamisme Politique en France, disponível no sítio eletrônico do Ministério do Interior francês).
A denúncia feita por Gabriel Attal, ex-primeiro-ministro, em uma entrevista concedida à BFM em 18 de abril de 2024, também é mencionada, onde cita grupos relativamente organizados tentando fazer uma penetração que defende “os preceitos da lei da Sharia, particularmente nas escolas”.
De qualquer forma e cientes do problema instaurado (e instabilidade), resta convencer a opinião pública. Perceba-se que, com países europeus enfrentando graves problemas internos, por sua vez, a própria OTAN fica enfraquecida. Neste momento, mostra-se interessante o que foi publicado pelo IRSEM poucos anos antes. O que vemos hoje, também, são notícias a respeito de protestos (porém, diferentes dos que ocorriam década atrás, são contra a imigração desenfreada).
Resta a guerra de opinião pública, os efeitos políticos e as consequências de longo prazo. É irreal e totalmente inadequado colocar todos sob a mesma régua. Não se trata de colocar no mesmo nível uma maioria ordeira, que respeita e cumpre as leis (independente de suas convicções como indivíduos) e uma minoria que organiza desordens ou delas se valem.
A questão é uma só: a exploração da opinião pública (por meio de operações de influência) e o direcionamento de massas, fazendo uso de métodos, havendo um objetivo para tal. Tão somente isso. Seria interessante, no caso do Brasil, imaginar o que diria Bezmenov ao perceber a narcocultura, “influenciadores” exaltando narcoterroristas e a quebra da ordem e da soberania.
Já que citamos “Brasil” e “influenciadores”, em uma pesquisa elementar em ambiente virtual, lemos que “influenciadores digitais, também conhecidos como digital influencers, são pessoas que usam plataformas online, como redes sociais, para criar conteúdo e influenciar o comportamento e opiniões dos seus seguidores”. Trata-se de uma atividade que atrai uma grande quantidade de pessoas: o número de influenciadores brasileiros que possuem mais de 10 mil seguidores em diversas redes sociais chega a superar o de engenheiros, arquitetos e dentistas em todo país.
Conforme a PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) elucida em seu sítio eletrônico, o objetivo, o propósito dos influenciadores é transformar opiniões e comportamentos (bem como, para alguns deles, induzir os seguidores em determinadas ações, como por exemplo, compras e a alteração de hábitos de consumo). Ao todo, no território nacional, contamos com mais de 500 mil profissionais que atuam nesse segmento (ou que, pelo menos, tentam se tornar profissionais).
A informação desses números impressionantes advém da Nielsen (The Nielsen Company US, líder global em percepções de audiência, dados e análises). Por sinal, ela própria, em seu portfólio de produtos, oferece medição de audiência, dados para otimização de planejamento com objetivo de maior eficácia em relação ao atendimento do público-alvo, entre outros. Não é incomum, portanto, que além empresas, eventualmente atores estatais façam uso de influenciadores digitais para validação e apoio popular de propostas. Resta por vezes saber qual é, no fundo, o real objetivo quando se faz uso de influenciadores e em benefício de quem ou de qual causa.
Outro exemplo, para reflexão, a respeito de (eventual) operação de influência: Taiwan. Considerando sua posição geográfica (e os eventos de Fukushima), mais de década atrás, sob a agenda de energia elétrica “limpa” e diminuição da emissão de CO2, ocorreram diversas medidas políticas.
Na década de 1980, aproximadamente 50% da energia elétrica da ilha era suprida por meio de usinas nucleares. Em 2013, mais de 200.000 pessoas foram às ruas pedir o fim destas (o que deveria ser feito paulatinamente). Ocorreram várias manifestações populares (com apoio de partidos políticos), no primeiro semestre. Poucos anos depois, em 2015, os que almejavam chegar ao governo tinham como pauta de campanha a eliminação das usinas. Entre 2018 e 2023, quatro reatores (de duas usinas) foram desligados de forma permanente.
Considerando a pauta energética (e sua clara importância estratégica), as manifestações que ocorreram e o aceno ao eleitorado, como se encontra hoje Taiwan? Mais vulnerável do que antes. Bem mais. Algumas fontes indicam que há uma dependência externa da ordem de 98% (incluindo combustíveis fósseis), o que é um grave problema de segurança nacional. A alta demanda de energia para suas indústrias, a lenta jornada para que fontes de energia limpa e renovável sejam realmente efetivadas em larga escala, bem como qualquer bloqueio que eventualmente sofra (interrompendo a tão necessária cadeia de suprimento), colocam Taiwan em uma posição de grande fragilidade.
De qualquer forma, quando foi tomada a decisão política para a área energética, as manifestações, pautas ambientalistas que ocorriam por todo globo (não somente em Taiwan), a extensa agenda verde, as conferências, entre diversos outros pontos, haveria algum outro objetivo nas sombras, mesmo que de longo prazo (excluindo neste o ambiental)?
Adequado lembrar, portanto, das “Três Praças de Guerra”, com especial destaque para a opinião pública (e as operações de influência como forma não cinética de conflito) e o exposto por Bezmenov, aproveitando para fazer uma última menção ao Glossário das Forças Armadas: AÇÃO SUBVERSIVA. Trata-se de atividade de caráter predominantemente clandestino, que busca conquistar as populações para um movimento político revolucionário pela destruição de bases fundamentais da comunidade que integram. É fato, portanto, que o termo “subversão”, por muitos até considerado ultrapassado, seja o foco de muitas operações de influência.
Influenciar mentes, a opinião pública e promover alterações de comportamento pode ser uma das formas mais brandas e menos custosas de ganhar uma guerra, mesmo que esta jamais seja declarada.
Referências
BEZMENOV, Yuri Aleksandrovich. Subversão: Teoria, Aplicação e Confissão de um Método. Rio de Janeiro: Audax Editora, 2021.
BORGES, Renato Rodrigues. Yuri Bezmenov: Subversão como Estratégia no Jornalismo e Educação. Professor Renato. Disponível em: https://professorrenato.com/yuri-bezmenov-subversao-como-estrategia-no-jornalismo-e-educacao/.
CHARON, Paul. VILMER, Jean-Baptiste Jeangène. Chinese Influence Operations: A Machiavellian Moment. Paris: Institute de Recherche Stratégique de l’École Militaire, 2021.
FABRI, Flávio César Montebello. Um “novo” ambiente de guerra: a mente humana. Velho General. Disponível em: https://velhogeneral.com.br/2023/09/12/um-novo-ambiente-de-guerra-a-mente-humana.
FOREST, James. Digital Influence Warfare in the Age of Social Media. Santa Barbara: ABC-Clio, LLC, 2021.
GRYZINSKI, Vilma. O maior perigo da França: rebelião da população de origem estrangeira. Veja. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/mundialista/o-maior-perigo-da-franca-rebeliao-da-populacao-de-origem-estrangeira.
MINISTÉRIO DA DEFESA. Glossário das Forças Armadas – MD35-G-01. 5ª Edição, 2015.
RASHEED, Adil. Influence Operations: The Sharp Power of Non-Kinetic Subversion. New Delhi: Manohar Parrikar Institute for Defence Studies and Analyses, 2024.
RIBEIRO, Alexandre Antunes. O Front Interno: As Desordens Públicas Como Armas de Guerra. São Paulo: SGDZ Books Editora, 2024.