As negociações em Istambul colocam em foco o futuro da guerra na Ucrânia: em meio a uma guerra de atrito que está em seu quarto ano, a paz está realmente próxima?
Já dissemos diversas vezes que uma guerra deve ser analisada com base em quatro níveis:
a) A estratégia nacional, onde todos os fatores do poder nacional são utilizados na guerra.
b) A estratégia militar (na guerra), os fatores políticos, econômicos e diplomáticos apoiam o fator militar para impor a vontade ao inimigo.
c) O nível estratégico operacional, que articula operações aéreas, terrestres, navais, especiais, de informação, cibernéticas e humanitárias dentro do Teatro de Operações para criar as condições no nível tático. Em estratégia não há tiros ou tiros de canhão, há apenas uma luta de vontades.
d) O nível tático. Seus fatores são tempo, espaço e poder de combate, com o objetivo de lutar as batalhas e combates.
Em estratégia não há tiroteios ou disparos de canhões, há apenas uma luta de vontades.
A guerra na Ucrânia deve ser sempre considerada nos níveis estratégico, operacional e tático. E de acordo com a observação e monitoramento do conflito, vemos que essas coisas muitas vezes se confundem. Hoje, em nível estratégico, a questão é como a guerra terminará no médio e longo prazo. Por isso, a atenção está voltada para as negociações em Istambul, capital da Turquia.
Após muitos adiamentos, a questão da cúpula de Istambul foi finalmente resolvida: Putin evitou comparecer, apesar da insistência de Zelensky em um encontro presencial, mas enviou uma delegação liderada por Vladimir Medinsky, que também havia sido chefe da delegação russa durante as primeiras negociações, entre abril e início de maio de 2022, e foram interrompidas pelo Ocidente na época da assinatura, quando o inefável Boris Johnson matou a paz na Ucrânia. Já dissemos isso muitas vezes nesta coluna. A Pérfida Albion…
Com o passar das horas e dos dias, ficou claro que esse seria o caso, já que um encontro presencial entre Putin e Zelensky, antes mesmo do início das negociações russo-ucranianas, não teria resultado em nada. Na verdade, o que aconteceu na Casa Branca, quando o presidente ucraniano irritou Trump deliberadamente para mostrar ao mundo sua concordância com os desejos russos, provavelmente teria se repetido.
Só que Trump é o presidente dos Estados Unidos e Zelensky foi forçado a ser mais moderado, enquanto com Putin a história teria sido diferente. A ideia da narrativa, que acabou sendo anunciada, era mostrar ao mundo que o presidente Putin não queria a paz e demonstrar que era capaz de enfrentá-lo.
Segundo fontes confiáveis, as intenções do presidente ucraniano eram ainda mais nefastas. De fato, ele havia declarado que se Putin se recusasse a se encontrar com ele em Istambul, como era óbvio, a menos que houvesse mudanças repentinas, tudo entraria em colapso, tendo dito que não via “nenhuma razão” para enviar uma delegação. Foi uma tentativa de sabotar a cúpula que poderia abrir caminho para negociações reais, dada a presença de mediadores americanos de alto nível, como o enviado de Trump, Steve Witkoff, e o secretário de Estado Marco Rubio.
Como escreveu o Washington Post (reproduzido pela Strana), os apoiadores ocidentais de Zelensky, principalmente os Estados Unidos, o convenceram a não cancelar a reunião entre as partes (até o momento em que este texto foi escrito, ele só havia falado com Erdogan).
Um encontro entre Putin e Zelensky, se acontecer, só ocorrerá no momento de uma assinatura importante, uma trégua ou um acordo final, quando todos os detalhes do possível acordo estiverem claros, como acontece em qualquer negociação que se preze, que prioriza a sabedoria diplomática em vez do exibicionismo.
Por outro lado, Zelensky sempre colocou o último antes do primeiro, como destacou Alex Vershinin (tenente-coronel aposentado com 10 anos de experiência na linha de frente na Coreia, Iraque e Afeganistão) no Responsible Statecraft em um artigo muito bem documentado no qual ele explica como o presidente ucraniano enviou seus soldados para o massacre (Kursk) ou defendeu cidades indefensáveis até o último suspiro (Bakhmut), apenas por razões de propaganda, causando baixas desnecessárias ao seu Exército, que agora está reduzido à exaustão e em risco de colapso.
Isso ocorre porque a guerra na Ucrânia, após a fase inicial, tornou-se uma guerra de atrito, com os russos dizimando o Exército ucraniano graças ao seu poder de fogo e recursos humanos, além de uma força de trabalho muito maior e muito mais bem treinada.
Sobre este último ponto, Vershinin ressalta que enquanto os recrutas russos vão para a frente de batalha após um treinamento rigoroso, Kiev envia recrutas capturados nas ruas e que mal sabem manusear um rifle. Isso, combinado com a capacidade melhorada dos russos de gerenciar unidades.
Essa diferença na preparação e organização, combinada com o maior poder de fogo e recursos que Moscou podia convocar (não apenas na esfera militar), transformou os soldados ucranianos em vítimas sacrificiais, tanto que, como observou o ex-fuzileiro naval americano Troy Offenbecker, que lutou ao lado dos ucranianos, “a expectativa de vida média de um soldado ucraniano caiu para cerca de quatro horas”.
Agora, até mesmo os arsenais dos países da OTAN estão esgotados, acrescenta Vershinin, incluindo os mísseis de longo alcance com os quais Kiev esperava mudar o rumo do conflito, pressionando Moscou a se render (a analogia com os foguetes V2 alemães é clara). Apenas o Taurus alemão permanece, mas é improvável que tenha o impacto esperado.
Como explica Vershinin, em uma guerra de atrito como essa a conquista de território é muito menos importante. Os combates geralmente se concentram no mesmo território, com pouca movimentação, até que um dos lados não consegue mais sustentar o conflito.
A Guerra Civil Espanhola e a Primeira Guerra Mundial são exemplos marcantes disso. Essas guerras permaneceram praticamente estagnadas até o último momento, quando um lado capitulou. A guerra na Ucrânia segue a mesma trajetória.
Daí a necessidade de Kiev estabelecer um cessar-fogo que lhe permita respirar. Esta é a motivação para as demandas incessantes de Zelensky e seus apoiadores ocidentais. Mas a Rússia não quer uma trégua que leve à retomada do conflito, como aconteceu na primeira guerra de Donbass.
Há um tópico de discussão e uma questão a ser confirmada. Para alguns analistas, a eleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mudou a política de Washington em relação à Ucrânia de “o tempo que for preciso” para a busca de um acordo de paz negociado. Essas negociações serão baseadas na realidade do campo de batalha. A parte com a maior vantagem ditará os termos. Isso se torna mais complicado se um cessar-fogo não for estabelecido durante as negociações e o campo de batalha permanecer dinâmico. As partes em conflito podem conduzir operações ofensivas enquanto as negociações progridem para melhorar sua posição de barganha. Historicamente, em muitos conflitos, as negociações de paz podem durar anos, mesmo enquanto a guerra se arrasta, como nas Guerras da Coreia e do Vietnã. Portanto, o equilíbrio de poder, medido em recursos, perdas e qualidade da liderança estratégica, é crucial para o resultado das negociações.
Mas também podemos seguir a opinião do coronel Fernando Duran: “A primeira questão estratégica é a retirada dos Estados Unidos das negociações de paz e a criação de um ‘fundo para a reconstrução da Ucrânia’”.
Ambas as questões são previsíveis, já que Trump nem sequer defende os interesses americanos, mas sim os interesses do grupo tecnofeudal de megamilionários.
Mas o coronel americano Douglas MacGregor também diz:
“O presidente Putin está aberto a negociações de paz sem quaisquer pré-condições. E é isso que ele vem propondo nas últimas semanas. Ele continua dizendo que estamos prontos para negociações. Para negociações diretas. Mas negociações diretas são diferentes de estar muito perto de um acordo. Como disse o presidente Trump: Vocês estavam perto de um acordo? Sim. Bem, o acordo com a Ucrânia é algo muito complicado. Não é tão simples quanto assinar uma folha A4 e declarar que é um acordo. Um processo de acordo é cheio de pequenos detalhes, e cada um desses detalhes é de vital importância para o futuro da Rússia e da Ucrânia.”
Como dissemos no início, existem níveis de guerra, e nesses dias houve outra notícia importante em estratégia militar e operacional. Isso vem da Estratégia Nacional.
Andrey Mordvichev foi nomeado o novo comandante-chefe das Forças Terrestres Russas. O general Mordvichev liderou o cerco de Mariupol, a batalha de Avdeevka e a ofensiva em andamento em Pokrovsk. Ele recebeu o título de Herói da Federação Russa em 2024.
Esta é uma mensagem estratégica para a OTAN e também confirma que o principal foco operacional está em Pokrovsk e Kostiantynivka, após os sucessos na rodovia que liga essas cidades e os recentes avanços em Chasov Yar, Toretsk e na fronteira com Dnipropetrovsk.
Ao tomar conhecimento da notícia sobre o general Mordvichev, não podemos deixar de expor os arquitetos da Névoa da Guerra 2.0. Eles mentem e mentem para confundir.
Um veículo de comunicação local noticiou em 19 de março de 2022: “A Ucrânia anunciou a morte de um quinto general russo. As Forças Armadas de Kiev mataram Andriy Mordvichev. Segundo um assessor do Ministério do Interior, nem mesmo durante a Segunda Guerra Mundial a União Soviética perdeu tantos oficiais militares de alto escalão em apenas três semanas.”
Leitores, me perdoem: Ele ressuscitou?
Retornando às negociações
Todos nós, pessoas bem-intencionadas, esperamos uma paz duradoura, algo que Zelensky, obedecendo mais aos líderes europeus do que aos EUA, não quer, porque a guerra até o último ucraniano deve continuar a manter a Rússia envolvida nessa situação crítica. Essa é a lógica da guerra sem fim que o presidente ucraniano tem travado em detrimento de sua nação, destinada a desaparecer se Zelensky persistir nessa posição.
Até agora, as exigências da Rússia são claras, sendo as mais importantes manter o controle dos territórios conquistados, impedir que Kiev se junte à OTAN e limitar a militarização da Ucrânia. Se Kiev não aceitar, a guerra continuará. O encontro entre autoridades ucranianas e russas na sexta-feira, 16 de maio, o primeiro engajamento direto desse tipo em cerca de três anos, terminou, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Turquia, e durou pouco menos de duas horas.
Como descreveu o Wall Street Journal: “As negociações, no Palácio Dolmabahçe, em Istambul, foram resultado da pressão do presidente Trump, até então aplicada principalmente ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, para encontrar um fim para a guerra. Assim que as negociações começaram, a Rússia atacou perto da cidade ucraniana de Dnipro com uma série de mísseis balísticos, de acordo com autoridades locais. A Reuters não relata nenhum sinal aparente de progresso até o momento na redução da distância entre os lados.”
Por fim, podemos acrescentar: da Ucrânia ao Oriente Médio, passando pela guerra tarifária com a China, as iniciativas diplomáticas, militares e econômicas do governo Trump até agora renderam poucos frutos.
Os esforços de negociação de Washington na frente ucraniana, em Gaza e na questão nuclear iraniana alcançaram resultados que vão do provável fracasso à continuação de negociações precárias e até agora inconclusivas.
A guerra na Europa continua.
Publicado no Voces del Periodista.