
A disputa sobre a data do fim da Segunda Guerra na Europa (8 ou 9 de maio) simboliza a divisão entre Ocidente e União Soviética durante a Guerra Fria, ilustrando como a história é moldada por diferentes perspectivas políticas.
A Segunda Guerra Mundial foi um conflito marcado por batalhas épicas, decisões políticas de impacto global e, claro, disputas narrativas que se estendem até hoje. Um dos debates mais curiosos é quando exatamente a guerra terminou na Europa. Para os países ocidentais, a data oficial é 8 de maio de 1945; para os russos e outras nações do antigo bloco soviético, o 9 de maio marca o Dia da Vitória. Mas por que existe essa diferença?
Vamos procurar esclarecer esse dilema narrativo neste ensaio.
Um documento, dois atos
A rendição alemã foi assinada duas vezes. Em 7 de maio de 1945, o general Alfred Jodl, que era o Chefe de Operações do Alto-Comando da Wehrmacht, assinou a rendição em Reims, França, perante as forças aliadas ocidentais. Esse documento estabelecia que todas as forças alemãs cessariam as hostilidades às 23h01 CET (Central Europe Time, Horário da Europa Central) do dia 8 de maio.
Mas a União Soviética não estava satisfeita. Stalin queria uma assinatura em Berlim, centro do Reich derrotado, reforçando seu papel na guerra. Assim, no dia 8 de maio, o general Wilhelm Keitel, autoridade máxima da Wehrmacht abaixo de Hitler e Dönitz, assinou o segundo documento de rendição, desta vez sob a liderança da maior autoridade militar soviética, o general Zhukov.
Mas os termos de rendição foram exatamente iguais, e a data de rendição ficou a mesma: 23h01 CET (Horário da Europa Central) do dia 8 de maio.
Os termos do Ato de Rendição Militar
Ato de Rendição Militar
1. Nós, os abaixo assinados, atuando sob autoridade do Alto Comando Alemão, rendemos incondicionalmente todas as forças terrestres, navais e aéreas que, nesta data, estão sob controle alemão ao Comandante Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas e, simultaneamente, ao Alto Comando Soviético.
2. O Alto Comando Alemão deverá, imediatamente, emitir ordens para todas as autoridades militares, navais e aéreas alemãs, bem como para todas as forças sob controle alemão, para cessarem operações ativas às 23h01 (Horário da Europa Central) do dia 8 de maio de 1945 e permanecerem nas posições ocupadas naquele momento. Nenhum navio, embarcação ou aeronave deverá ser deliberadamente afundado, nem se causar qualquer dano à sua estrutura, maquinário ou equipamentos.
3. O Alto Comando Alemão deverá, imediatamente, transmitir as ordens apropriadas aos comandantes correspondentes e garantir o cumprimento de quaisquer novas instruções emitidas pelo Comandante Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas e pelo Alto Comando Soviético.
4. Este ato de rendição militar não prejudica e será substituído por qualquer instrumento geral de rendição imposto pela, ou em nome das, Nações Unidas [1] e aplicável à Alemanha e às forças armadas alemãs como um todo.
5. Caso o Alto Comando Alemão ou qualquer uma das forças sob seu controle não cumpram as disposições deste Ato de Rendição, o Comandante Supremo das Forças Expedicionárias Aliadas e o Alto Comando Soviético tomarão as medidas punitivas ou outras ações que julgarem apropriadas.
A diferença estava apenas em detalhe: o documento assinado no dia 7 em Reims diz no cabeçalho que “somente esse texto em inglês é autoritativo”.
Já o documento assinado em Berlim possui um item 6., que estabelecia que: “6. Este ato foi elaborado em Inglês, Russo e Alemão. Os textos em inglês e russos são os único autênticos.”
Essas eram as únicas diferenças.
[1] Não confundir com a “Organização das Nações Unidas” (ONU). Os aliados se autodenominavam “Nações Unidas”. A ONU como instituição só seria fundada em 24 de outubro de 1945.

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A Guerra Fria e a disputa da memória
Embora os termos de rendição fossem idênticos, a disputa pela narrativa continuou ao longo das décadas. Os países ocidentais passaram a celebrar 8 de maio como o Dia da Vitória na Europa, dando destaque à rendição de Reims. Já a União Soviética, que considerava sua participação militar decisiva, estabeleceu o 9 de maio como o Dia da Vitória, reforçando sua versão da história.
Essa diferença de um dia, foi causada simplesmente pelo fuso horário, mas que acabou se transformando em um símbolo político. Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados enfatizavam sua estratégia no Ocidente, enquanto a União Soviética promovia sua vitória esmagadora nas frentes orientais. O que começou como um detalhe técnico virou uma afirmação política e cultural.
O legado histórico
Hoje, a disputa sobre a data da vitória continua. Para os russos, 9 de maio é um feriado nacional repleto de celebrações militares e patriotismo. Nos EUA e na Europa Ocidental, 8 de maio marca o fim oficial do conflito na Europa, enquanto o Japão só se renderia meses depois, em setembro de 1945.
A disputa pela memória histórica, influenciando nossa percepção sobre os vencedores e derrotados, seria mais uma guerra de narrativas?
No fim das contas, a guerra não terminou duas vezes – mas sua memória sim. Afinal, quem controla a narrativa histórica muitas vezes define os vencedores do presente.
A disputa entre 8 de maio e 9 de maio não é apenas um detalhe técnico de fuso horário, mas sim uma afirmação sobre quem desempenhou o papel central na derrota do nazismo. A União Soviética buscou destacar sua versão da história, promovendo sua vitória como fundamental para o fim da guerra, enquanto os países ocidentais enfatizaram seus próprios esforços militares e diplomáticos.
Essa disputa continua até hoje, influenciando não apenas a forma como a Segunda Guerra Mundial é lembrada, mas também como os países constroem suas identidades nacionais. Quem controla a narrativa do passado muitas vezes influencia as alianças, ideologias e até justificativas políticas do presente.
O passado já está escrito, mas será que a maneira como o interpretamos continua sendo moldada por quem detém o poder hoje?
Essa guerra de narrativas realmente terminou?
O passado sempre pode nos ensinar muito sobre o presente!




Comento que sempre acho irônico encontrar a assinatura de um representante francês. Sempre lembro que o acessório mais comum, para um francês , seria um lenço branco. A caneta, provavelmente, foi emprestado por um norte emericano ….
Comentário sem graça, mas não resisti.
:-))