A logística das Forças Armadas da Ucrânia: o que podemos aprender com isso?

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial.

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A guerra na Ucrânia destaca que a vitória depende da capacidade de manter tropas abastecidas e equipamentos operacionais; a logística militar é essencial para qualquer exército eficaz, garantindo manutenção operacional e sobrevivência estratégica.


Neste artigo, realizamos uma análise sobre o desenvolvimento das atividades logísticas nas Forças Armadas da Ucrânia (FAU) frente aos desafios que se apresentam na guerra. De posse dessa análise, podemos tirar conclusões sobre possíveis ensinamentos e lições aprendidas para a logística militar e para o fortalecimento da Base Industrial de Defesa.

Equipamentos

As Forças Armadas da Ucrânia (FAU) operam uma mistura de equipamentos e viaturas da era ocidental e soviética, e mesmo equipamentos russos capturados. Essa variedade de sistemas complica manutenção e padronização. Até o momento, as FAU tem sofrido perdas significativas de equipamentos, aparentemente deixando algumas unidades sem sua dotação de veículos mecanizados ou motorizados, e pior, sem capacidade para manutenir os existentes, diminuindo a disponibilidade de viaturas e outros equipamentos.

Hoje em dia, a Ucrânia já teria esgotado completamente seus suprimentos de armas, equipamentos e munições soviéticas e russas, tornando as FAU quase totalmente dependentes da assistência Ocidental, particularmente para sistemas de artilharia e munições.

Mesmo a República Tcheca, que vinha sendo a grande fornecedora desses suprimento da era soviética, já anunciou que seus estoques se esgotaram. Com isso, muitos milhares de viaturas blindadas ucranianas hoje se acham paradas por falta de peças.

Segundo o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, a Ucrânia produziria 40% dos equipamentos e armas de que necessita, enquanto os Estados Unidos e seus aliados europeus forneceriam os 60% restantes. Mas há indícios de que o percentual de necessidade de suprimentos ocidentais seja ainda maior.

A indústria de defesa ucraniana aumentou sua produção, mas continua incapaz de atender às demandas completas do país durante a guerra.

Parceiros internacionais buscam ajudar a Ucrânia a fortalecer sua capacidade industrial de defesa (inclusive por meio de acordos de produção conjunta com a empresas de defesa ocidentais), reduzindo assim sua dependência de importação. Mais de 110 modelos de veículos militares ucranianos e estrangeiros foram aprovados para uso nas Forças Armadas da Ucrânia desde março de 2022.

Além disso há problemas como os enfrentados pelas unidades que se utilizam dos carros de combate Abrams (dos EUA). Os tanques M1 Abrams utilizam um motor de turbina a gás AGT-1500, em que pese ser teoricamente multicombustível, somente tem funcionado adequadamente com querosene de aviação, criando um pesadelo para os encarregados do suprimento de Classe III (combustíveis e lubrificantes) da força terrestre ucraniana.

Na fase inicial da guerra, a provisão dos EUA e da Europa com sistemas defesa antiaérea e anticarro foram críticos para a resistência da Ucrânia à invasão russa.

Mas com o desenrolar dos três anos de guerra, os parceiros da Ucrânia ajustaram as prioridades para responder às mudanças decorrentes da evolução da situação tática, e hoje a prioridade passou a ser a mobilidade e poder de fogo, ou seja, o fornecimento de veículos blindados, carros de combate (tanques) e meios de artilharia de tubo, foguetes e mísseis táticos.

Hoje, menos de um quarto dos equipamentos das FAU são produzidos internamente na Ucrânia, enquanto o restante foi feito em mais de 20 países, incluindo EUA, Reino Unido, Alemanha, Suécia e Itália. Sessenta tipos de viaturas entraram em serviço apenas em 2024, em pleno auge dos combates, e a Ucrânia não possuía uma estrutura de manutenção preexistente.

Oficiais logísticos das FAU expressam preocupações particulares sobre sua dependência de suprimentos ocidentais de munições de artilharia.

Apesar das melhorias na defesa doméstica da indústria da Ucrânia e a crescente capacidade de produção europeia, as FAU continuam dependentes dos Estados Unidos para sistemas de armas como defesa aérea, munições de artilharia e sistemas de artilharia e de foguetes de longo alcance. A suspensão da assistência de segurança dos EUA está degradando as capacidades das FAU e forçando um racionamento de equipamentos e munições.

Enquanto as FAU procuram adotar princípios de comando ao estilo da OTAN, também continua a demonstrar traços da doutrina soviética (centralizada, top down).

Alguns observadores e oficiais das FAU criticaram a liderança militar ucraniana pela má comunicação com os escalões inferiores e por decisões errôneas sobre recompletamentos e emprego de reservas. As FAU também tem sido particularmente criticadas por sua estratégia de se recusar a se retirar de posições indefensáveis, mesmo sabendo que o modus operandi russo tem sido o de evitar ataques frontais e realizar operações de cerco.

Nessa conjuntura, as FAU continuam buscando equipamentos ocidentais para substituir suas perdas e obter melhores capacidades por meio de sistemas mais modernos. As autoridades ucranianas também observam a importância do fornecimento contínuo de munição, especialmente porque os combates continuam dominados pela artilharia e, cada vez mais, por drones FPV.

Além disso, as FAU demandam urgentemente equipamentos de logística (particularmente para salvamento de material em pane), desminagem, guerra eletrônica, tecnologia antidrones, inteligência e comunicações seguras. As perdas e o esgotamento continuam a degradar as capacidades das FAU, pois elas são cada vez mais exigidas a defender vários e distantes pontos na linha de frente. Muitas vezes, ao invés de lutar como formações coesas, seções de unidades são destacadas e enviadas para outras unidades para compensar as perdas.

As FAU enfrentam grave escassez de infantaria e buscam recrutar mais pessoal para repor as perdas e fazer o rodízio de unidades da linha de frente. A demanda de treinar novos recrutas para substituir e expandir unidades profissionais, bem como de formar oficiais para cargos de comando e estado-maior, continua sendo um objetivo fundamental. A capacidade das FAU de regenerar e manter a qualidade da força, sem dúvida, é um ponto fundamental para sua sobrevivência na guerra, mas isso parece cada vez mais difícil.

Em agosto de 2024, as FAU lançaram uma invasão surpresa na região russa de Kursk. A ofensiva de Kursk levantou questões de alguns observadores sobre como a liderança da Ucrânia aloca e prioriza os escassos recursos humanos e materiais. Em março de 2025, as forças russas lançaram uma série de contra-ataques que reverteram todas os ganhos ucranianos.

Formação e treinamento

O treinamento do pessoal de apoio logístico e dos operadores de sistemas no terreno, dos mais simples aos mais complexos, é uma questão central. Os Estados Unidos e outros aliados forneceram treinamento e conselhos às FAU desde muito antes da Invasão da Rússia em 2022. A maioria dos esforços de treinamento se concentra em empregar os meios em equipamentos e armamentos fornecidos, mas também no adestramento de tropas.

O Reino Unido (por meio da Operação Interflex), a União Europeia (Assistência Militar Da União Europeia Missão Ucrânia – EUMAM) e os Estados Unidos (com o Grupo Multinacional de Treinamento-Ucrânia) realizam uma variedade de programas de treinamento. De acordo com o Departamento de Defesa, desde 2017 os EUA e nações aliadas treinaram mais de 156.000 soldados das FAU, incluindo pessoal logístico.

No entanto, a formação de pessoal logístico vem crescendo em importância na medida em que as FAU vêm se utilizando de pessoal de retaguarda e logístico para suprir as faltas de pessoal de infantaria, de modo a substituir mais rapidamente suas perdas, à medida em que fica cada vez mais difícil recompletá-las com pessoal mobilizado.


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Logística de manutenção

Os militares ucranianos enfrentam desafios logísticos e de manutenção significativos em relação aos veículos blindados, principalmente devido ao intenso conflito e à dependência da ajuda ocidental. Os principais problemas incluem atrasos nos reparos devido a processos burocráticos e falta de peças de reposição, especialmente para equipamentos fornecidos pelo Ocidente. Enquanto a Ucrânia está aumentando a produção local de alguns componentes, o grande volume de equipamentos e suas diversas origens complicam as coisas.

Aqui está uma análise mais detalhada sobre a questão das deficiências na manutenção e no suprimento de peças e conjuntos de reparo:

1. Atrasos no reparo e manutenção

Burocracia e Logística: os reparos de equipamentos fornecidos pelo Ocidente às vezes são atrasados por meses devido a obstáculos burocráticos e logística complexa.

Escassez de peças de reposição: mesmo reparos aparentemente simples, como a substituição de tubos na artilharia, podem ser demorados devido à falta de peças de reposição prontamente disponíveis.

Falta de padronização da frota de viaturas, armamentos e equipamentos: os militares ucranianos operam uma mistura diversificada de veículos blindados da era soviética e fornecidos pelo Ocidente, o que complica os esforços de manutenção e reparo.

Ataques russos à infraestrutura: ataques direcionados à infraestrutura, incluindo fábricas e linhas de suprimentos, interrompem a produção e as cadeias de suprimentos.

2. Impacto da guerra na logística

Restrições ao Movimento: a guerra criou desafios para a movimentação de equipamentos e suprimentos, tanto internamente na Ucrânia quanto através das fronteiras. O emprego de enxames de drones sobre as linhas de suprimento nas estradas que conduzem às unidades vem criando interdições de área que a logística ucraniana não tem sido capaz de contornar, inviabilizando a defesa de posições sob ataque. Sem possibilidade de evacuação de feridos, as taxas de perdas só aumentam.

Interrupções na cadeia de suprimentos: bloqueios e outras interrupções também aumentaram os custos logísticos e os prazos de entrega de suprimentos.

Direcionamento de rotas de abastecimento: as forças russas têm priorizado como alvos a infraestrutura logística ucraniana, dificultando a movimentação de equipamentos e suprimentos também na zona do interior e na zona de administração.

Possíveis soluções

Para mitigar os desafios logísticos enfrentados pelas Forças Armadas Ucranianas, algumas medidas podem ser implementadas para aumentar a eficiência e reduzir a dependência externa. Em primeiro lugar, a padronização e racionalização dos equipamentos seriam fundamentais para facilitar o abastecimento e a manutenção.

Em que pese ser previsível e sabidamente indesejado, as necessidades prementes do campo de batalha levaram a criação de uma ampla diversidade de viaturas e sistemas operados pelas FAU, dificultando treinamentos, reposição de peças e reparos no campo de batalha.

A priorização de plataformas mais comuns poderia reduzir custos e melhorar a disponibilidade operacional. A formulação dos requisitos operacionais dos equipamentos deve fortalecer os requisitos de manutenção e suprimento para a escolha dos equipamentos a serem aprovados para aquisição.

Além disso, fortalecer a indústria de defesa nacional permitiria um abastecimento mais previsível e menos dependente das decisões de aliados. Parcerias com fabricantes ocidentais para produção local ajudariam a criar uma infraestrutura de suporte robusta e adaptada às necessidades do conflito.

Outra medida essencial seria a melhoria na gestão logística e na cadeia de suprimentos, garantindo um monitoramento mais eficiente dos recursos e facilitando o transporte de equipamentos e munições de maneira rápida e segura. Isso pode ser complementado pelo reforço na manutenção de veículos e armamentos, por meio da criação de polos avançados de reparo e equipes especializadas para evacuara ou restaurar sistemas críticos em pleno campo de batalha.

A diversificação de fornecedores e a estocagem estratégica também são fundamentais para evitar escassez repentina de suprimentos essenciais, permitindo que se reduza a vulnerabilidade a cortes e atrasos no fornecimento internacional.

Além dessas medidas, a otimização do transporte logístico e a proteção das rotas de suprimento precisam ser priorizadas, considerando que a infraestrutura ucraniana vem sendo alvo de ataques constantes.

As distâncias de segurança ficam cada vez mais longas, o que muitas vezes inviabiliza a escolha de um local seguro para desdobramento das instalações logísticas na retaguarda. Nesse sentido, investir na construção de telas antidrones ao longos das estradas mais vulneráveis (esta seria uma nova e importante missão para a engenharia de combate), na segurança dos comboios e no uso de rotas alternativas  e desdobrar a logística com o máximo de dispersão das instalações, podem ser decisivas para garantir um funcionamento mínimo da logística.

A capacitação dos militares envolvidos no apoio logístico e nos operadores também deve ser aprimorada, com treinamentos especializados que ampliem a eficiência na gestão dos recursos e na adaptação rápida às exigências do campo de batalha. Com essas ações, os exércitos poderiam fortalecer sua estrutura logística e melhorar significativamente sua capacidade de sustentar operações prolongadas, garantindo maior resiliência frente aos desafios impostos pelos conflitos.

Conclusão

A guerra na Ucrânia se tornou um teste extremo da capacidade de adaptação e resiliência logística. No campo de batalha, hoje e sempre, a vitória não depende apenas de poder de fogo, mas da habilidade de manter as tropas abastecidas, os equipamentos operacionais e as linhas de suprimento seguras.

A cada novo avanço ou revés, as Forças Armadas da Ucrânia precisam reinventar sua estrutura de apoio, aprendendo com os erros e explorando novas soluções. A logística militar se mostra essencial não apenas para a Ucrânia, mas para qualquer exército que almeja a eficácia em combate. Sem uma logística eficiente, qualquer força armada, por mais bem treinada e equipada que seja, está fadada ao desgaste e à derrota. Esse conflito nos ensina que a guerra não é apenas uma disputa territorial, mas também uma batalha pela manutenção operacional e pela sobrevivência estratégica.

Mas a guerra também mostrou que o armazenamento estático de munições e suprimentos os tornam vulneráveis a ataques que priorizam cada vez mais sua destruição, enfatizando a necessidade de sistemas logísticos móveis.

A grande dependência da Ucrânia de suprimentos estrangeiros criou um cenário de extrema vulnerabilidade logística. Sem uma base industrial capaz de suprir sua demanda bélica, as Forças Armadas da Ucrânia se veem à mercê das decisões e capacidades produtivas dos aliados ocidentais. O impacto direto desse modelo é sentido na reposição de equipamentos, onde atrasos nas entregas, burocracia internacional e limitações produtivas tornam a manutenção das unidades combatentes uma tarefa cada vez mais complexa. Além disso, com veículos e armamentos oriundos de mais de 20 países, a ausência de padronização dificulta o treinamento, o abastecimento e, principalmente, a manutenção. Cada viatura exige peças e conhecimentos específicos, tornando o reparo no campo de batalha lento e, muitas vezes, inviável.

A guerra na Ucrânia destacou a importância crítica de uma logística robusta para operações militares, incluindo a necessidade de cadeias de suprimentos eficientes, infraestrutura de manutenção capaz e adaptação flexível às novas circunstâncias.

O resultado prático desse caos logístico enfrentado pela Ucrânia é refletido diretamente na linha de frente. Com milhares de veículos parados por falta de componentes, a mobilidade e o poder de fogo das unidades são seriamente comprometidos. A incapacidade de garantir suprimentos regulares impacta o planejamento estratégico e limita operações ofensivas e defensivas. A guerra não é apenas uma questão de capacidade tática, mas uma batalha constante para manter os exércitos operando em ritmo 24/7 (24 horas por dia, sete dias por semana). No caso da Ucrânia, a fragmentação de seu inventário e a dependência de múltiplos fornecedores estrangeiros criaram um desafio imenso, que, caso não seja resolvido, pode comprometer sua resistência a longo prazo.

Esses resultados devem servir de lição para todos os exércitos, seja para o fortalecimento de sua estrutura logística, seja para o fortalecimento de sua base industrial de defesa.

Esses ensinamentos podem ser resumidos em uma frase: não basta possuir equipamentos modernos, se não houver uma infraestrutura logística capaz de sustentá-los em combate.

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