Capacetes militares: história e evolução

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Imagem gerada por inteligência artificial.

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Os capacetes militares evoluíram das legiões romanas aos modelos modernos, salvando milhares de vidas com avanços em materiais, projeto e proteção contra impactos.


Das Legiões Romanas aos Hussardos Alados Poloneses. Dos Samurais ao contingente de diversas nacionalidades que desembarcou (ou saltou) em território francês em junho de 1944. Dos militares da Força Delta operando em Mogadíscio ao DEVGRU (Naval Special Warfare Development Group, mais conhecido como SEAL Team 6) na Operação Lança de Netuno, onde o principal alvo era o terrorista Osama bin Laden aos policiais de unidades de ações táticas e operações especiais (como o GATE, Grupo de Ações Táticas Especiais e o COE, Comandos e Operações Especiais, ambos da Polícia Militar paulista) há um item em comum (além da coragem), que chama a atenção de qualquer observador e possui a finalidade de proteger o operador que se expõem a circunstâncias e missões onde o risco à sua integridade física é iminente: os capacetes.

Mais que apenas identificar a força que o operador integra ou possuir caráter estético, os capacetes militares e policiais são um equipamento de proteção individual (EPI) que evoluíram com o decorrer do tempo e salvaram a vida de milhares de operadores. Somente o modelo M1, produzido nos Estados Unidos (também distribuído e adotado por outras nações), conforme relatório produzido no final da Segunda Guerra Mundial teria sido responsável pela redução de aproximadamente 8% das baixas em combate (algo em torno de 76.000 vidas preservadas).

Conforme dados compilados pelo Army’s Operations Research Office (Escritório de Pesquisa Operacional do Exército dos EUA), o capacete M1 conseguiu reter 54% dos impactos que recebeu e, de cada 100 homens que o utilizaram na Segunda Guerra Mundial, 9,6 receberam lesões na cabeça (sem seu uso, essa proporção aumentaria para 11,4 homens feridos). Não é qualquer exagero mencionar que milhares de soldados devem sua vida a ele. Diversas versões foram produzidas e adaptadas conforme a missão (como, por exemplo, as 392.000 unidades que foram adequadas para o uso em tropas paraquedistas).

De qualquer forma, o capacete M1 não estava disponível para os EUA quando a guerra eclodiu na Europa. Contavam com outro modelo, oriundo do conflito mundial que, pouco mais de duas décadas antes, se encerrara deixando um saldo de milhões de mortos. Conforme dados do Congresso americano, o total estimado de militares mortos na 1ª Guerra Mundial teria sido 7.781.806, entre todos os beligerantes (bem como o assombroso número de 18.681.257 militares feridos).

O número de civis mortos é igualmente impressionante, porém há grande variação entre os dados disponibilizados. O Defense Casualty Analysis System, que coleta e mantêm informações sobre baixas de combatentes americanos falecidos em conflitos globais ou regionais envolvendo os EUA e é mantido pelo Centro de Dados de Recursos Humanos da Defesa, menciona em torno de cinco milhões de vítimas civis, havendo outras fontes com números que sobem para os seis milhões ou mais.


IMAGEM 01: Durante treinamento, em 1942, militar norte-americano fez uso do capacete modelo M1917 (Brodie). Com origem na Primeira Guerra Mundial, ainda se encontrava disponível aos milhões nas Forças Armadas dos EUA. O icônico modelo M1, que provia melhor proteção, conforto e estabilidade durante o uso, começou a ser produzido em meados de 1941 (o modelo M1917A ainda chegou a ser fabricado no início do conflito, sendo que 904.020 unidades foram  encomendadas no primeiro semestre de 1941).  Na imagem central, militar com ferimentos de batalha exibe um fragmento que, apesar de danificar seu capacete, não produziu lesão grave (cumprindo, assim, o capacete sua principal função, que é a proteção contra estilhaços).  O M1 eventualmente era chamado de “pote de aço” e podia ser usado para outras finalidades, conforme a necessidade se apresentava. À direita, servindo como tina para um militar que tomava seu banho improvisado, em agosto de 1944, durante o avanço em território francês (Warfare History Network).

Os capacetes militares mostraram-se itens fundamentais para os combatentes na Primeira Guerra Mundial. A maior parte dos ferimentos não tinha como origem o disparo direto de armas de porte ou portáteis (essa era a segunda maior causa de baixas), mas, pelos fragmentos oriundos dos disparos de artilharia. Assim, nas trincheiras (principalmente) ou avançando pela “terra de ninguém”, os capacetes eram projetados (até pelos materiais e tecnologia disponível na época) para a proteção contra fragmentos que acabassem direcionados para a região da cabeça (quando da guerra em trincheiras, houve um aumento acentuado de ferimentos nessa parte do corpo, sendo que 88% destes eram fatais).

Na Segunda Guerra Mundial, o princípio manteve-se relativamente o mesmo (até pelas lições aprendidas anteriormente), pelo menos no início. Um modelo comumente visto no início da Segunda Guerra era o Brodie. Oriundo da Inglaterra (e levando o nome de seu inventor, John Leopold Brodie), foi desenhado nos idos de 1915, sendo utilizado também pelos EUA (onde foi denominado M1917).

Tendo como característica principal a aparência de uma bacia com abas largas (de fato, entre vários outros apelidos, era chamado de bacia ou tigela de salada), era confeccionado com aço manganês (o chamado aço Hadfield, que entre outras características positivas em relação à resistência, também interferia menos nas bússolas) pesando em torno de 950 g (havia variação conforme os tamanhos disponibilizados). Tanto os ingleses, cujo modelo era designado Mark I, como os norte-americanos (com sua versão) utilizaram esse modelo na Segunda Guerra Mundial. Tinham forro confeccionado por camadas de feltro e acolchoamento de algodão, recoberto por lona encerada.

Com o passar do tempo e versões elaboradas por outros fabricantes, houve modificações na parte interna, chegando a receber um anel de borracha para melhor acomodação e conforto. A espessura era em torno de 0,9 mm e, normalmente, era pintado na cor verde-oliva. Sua fixação na cabeça ocorria por meio de uma tira de couro (a jugular) dotada de uma fivela que era presa ao capacete por meio de duas pequenas alças metálicas (que eram rebitadas em sua base, que consistia em uma pequena chapa igualmente metálica no modelo inglês).

Com o tempo, a confecção dessa tira passou a ser feita de lona, bem como foi melhorado o forro (modelo M1917A1). Mas, no início de 1940, já se verificava que esse capacete, mais focado na proteção de soldados que combatiam em trincheiras (protegendo-os de fragmentos de projéteis), um tanto desajeitado quando da necessidade de deslocamento rápido e/ou combate, precisava dar lugar a algo compatível com a guerra mais dinâmica que se apresentava, com ameaças surgindo de todas as direções.

Os estudos prosseguiam e a evolução desse EPI fez surgir o icônico capacete M1, modelo com  22.363.045 unidades produzidas, até o dia da vitória sobre o Japão. É preciso mencionar que a rendição “oficial” japonesa ocorreu em 2 de setembro de 1945, com a assinatura formal do documento a bordo do encouraçado USS Missouri, porém o anúncio da rendição ocorreu no dia 15 de agosto de 1945 (adequado recordar, também, que o fim das hostilidades na Europa, com a queda do III Reich, havia ocorrido meses antes, em 8 de maio de 1945). 90% de todos esses capacetes foram fabricados pela empresa McCord Radiator Manufacturing Company, sediada em Detroit. Os outros 10% foram pela Schlueter Manufacturing, de St. Louis (que deixava um “S” marcado nos cascos que produzia). Assim, esse número impressionante de capacetes foi produzido por apenas duas empresas, até setembro de 1945.

O capacete M1 também era confeccionado de aço manganês Hadfield e pesava em torno de 1.350 g. De qualquer forma, possuía, inicialmente, uma espécie de “subcapacete” interno, sobre o qual era colocado o casco de aço, feito de papelão compactado e recoberto de tecido, o que se mostrou extremamente inadequado em relação à resistência em ambientes úmidos, sendo então substituído por um confeccionado de resina e plástico – a aparência literal, portanto, era de um capacete recobrindo outro).

Seu sistema de suspensão (chamado Riddell) era já utilizado em capacetes esportivos, deixando-o, portanto, mais estável e confortável no usuário que era obrigado a se movimentar rapidamente. Apesar de seu formato propiciar maior proteção em relação ao que existia anteriormente, contou também positivamente o fato dele não incomodar quando o militar precisava fazer pontaria com um fuzil.

Havia variantes como, por exemplo, o modelo M-3, destinado a tripulantes de bombardeiros, que além de proteção adicional por abas laterais e previsão do uso de fones de ouvido/equipamento de comunicação, recebeu uma pintura especial antiestática, com tinta “flocada” pela adição de lã, considerando a questão do frio na altitude de operação dos bombardeiros não pressurizados que operavam na Europa, particularmente. Com uma produção de 213.543 unidades para a USAAF (Forças Aéreas do Exército dos EUA, sendo adequado esclarecer que a USAF, Força Aérea dos EUA, somente foi criada como força independente em 1947) e posteriormente o M-4 e suas variações (com cobertura de lona sobre o capacete).

Enquanto era desenvolvido o M-3, o M-2, destinado a tropas aerotransportadas, também era aprimorado, sendo produzidas aproximadamente 148.000 unidades. De qualquer forma, o M2 foi posteriormente substituído pelo M1C, que permaneceu em uso bom tempo após a Segunda Guerra. As principais diferenças destes em relação ao M1 “padrão” eram o forro, bem como as tiras de fixação.

No pós-guerra, o Japão chegou a fabricar sob licença o M1, recebendo a designação de Tipo 66. O Irã os utilizou, tendo-os adquirido da então Alemanha Ocidental, sendo designados como M62, da mesma forma que uma grande quantidade de nações os receberam durante a guerra e posteriormente, particularmente as alinhadas com o bloco ocidental no período da Guerra Fria. Várias unidades policiais, inclusive, fizeram uso do mesmo, sendo uma delas o COE da Polícia Militar do Estado de São Paulo, entre outras.

Existiam necessidades específicas, portanto, a serem atendidas. O M1 não poderia ser utilizado em todas as funções exigidas pelos militares. A Marinha dos EUA, por exemplo, utilizava um sistema de comunicação a bordo de suas belonaves. Apesar de um estoque considerável de capacetes M1917 (e de sua versão aprimorada, o M1917A1) bem como terem recebido os capacetes M1 para substituí-los, havia a necessidade de que alguns tripulantes utilizassem fones de ouvido relativamente volumosos. Assim, foram iniciados estudos e a McCord Radiator Manufacturing Company, por meio do escultor Beaver Edwards (que contou com a ajuda de sua esposa), desenvolveu o capacete USN (US Navy, Marinha dos EUA) Mark II, também chamado de talker ou telephone talker.

Assim, o fone de ouvido MI-5424-B poderia ser operado de forma adequada com o uso desse modelo, cuja produção atingiu aproximadamente 400.000 unidades (no pós-guerra, vários foram distribuídos para outras nações, sendo que os receberam em maior quantidade a Alemanha, Bélgica, Espanha, Holanda e França). Ele foi substituído décadas depois, com o advento de materiais mais eficientes e modernos, pelo capacete Talker Mark IV, compatível com o uso de fones H200/U. O USN Mark II era feito de aço manganês Hadfield e pesava aproximadamente 1.895 g. Seu formato peculiar serviu de inspiração, também, para a indumentária das Tropas da Aliança Rebelde (Star Wars). Os primeiros exemplares utilizados nas filmagens foram produzidos, inclusive, a partir de capacetes talker excedentes.


IMAGEM 02: Da vida real para os filmes. Um capacete com formato particularmente singular era o talker helmet, projetado para equipes de convés da Marinha dos EUA e Guarda Costeira. Seu formato permitia o uso de equipamento de comunicação de forma eficaz (que o capacete M1, visto na imagem da esquerda, em primeiro plano, não possibilitava). Projetado em 1942, continuou em uso por muito tempo (praticamente quatro décadas), sendo substituído pelo Mark IV (visto na terceira imagem), em 1981. Sua forma peculiar inspirou o capacete utilizado pelas Tropas da Aliança Rebelde (Star Wars). Os primeiros exemplares utilizados no filme foram produzidos a partir de capacetes excedentes (US Navy/starwars.fandom).

Há outro modelo imediatamente reconhecível por seu formato: o capacete alemão Stahlhelm M35. Era um equipamento que proporcionava uma proteção superior, quando comparado a outros modelos de época, e chegou a inspirar modelos lançados décadas depois. De qualquer forma, mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, surgiram algumas versões dele, com modificações no formato do casco, proporção das bordas, entre outras. Em tradução livre, Stahlhelm significa simplesmente “capacete de aço” (era confeccionado de aço molibdênio) e o modelo citado ampliava a proteção para a região do pescoço e lateral da cabeça. Sua história começa ainda no primeiro conflito mundial, nos idos de 1916, sendo continuamente aperfeiçoado.

Durante a guerra, o M35 sofreu algumas alterações, particularmente na dobra de suas bordas, bem como em relação aos furos de ventilação. A escassez de materiais também obrigou que outros tipos de aço acabassem sendo utilizados. Houve a designação M40 e M42 do modelo padrão, com as adequações de produção ocorrendo durante o conflito, tornando a fabricação mais rápida, econômica e promovendo algumas melhorias, conforme as lições aprendidas.

Capacetes com formato similar, com algumas alterações, foram confeccionados para outros serviços: por exemplo, havia um órgão voluntário criado em 1932 chamado Deutscher Luftschutzverband, para fornecer proteção civil à população das cidades, na eventualidade de ataques aéreos, órgão este reestruturado no decorrer da guerra que utilizava o M38 Luftschutz, que em tradução livre, significa proteção contra ataques aéreos. Alguns modelos utilizados pelos bombeiros podiam ser confeccionados de alumínio (ao invés do aço, que também foi utilizado em alguns lotes).

Um modelo particularmente interessante era o M38, utilizado pelos paraquedistas (Fallschirmjäger) alemães que, por sinal, pertenciam à Força Aérea (Luftwaffe). Não possuía a característica aba traseira (que, apesar de prover maior proteção, também causava maior resistência ao ar quando dos saltos e acabavam por ocasionar lesões na região cervical quando os militares tocavam o solo).


IMAGEM 03: Paraquedistas da Luftwaffe com capacetes M38. Ao centro, jovens utilizando o M38 Luftschutz. À direita, integrantes da Feuerschutzpolizei (Polícia de Proteção Contra Incêndio) com capacetes M34 (Militaria Zone/Gettysburg Museum of History/Feuerloeschpolizei).

O capacete norte-americano utilizado no PASGT (sigla para Personnel Armor System for Ground Troops, sistema composto por colete e capacete), desenvolvido na década de 1980 pelo US Army Soldier System Center (complexo de pesquisa sediado em Massachusetts) e já colocado para uso em combate durante a invasão de Granada (Operação Urgent Fury, 1983) possui um formato que é comumente chamado de “casco Fritz”, em clara alusão ao modelo alemão.

Engana-se quem acredita que os integrantes de forças militares, defesa civil, bombeiros e policiais da Europa, somente, foram usuários do Stahlhelm. Da mesma forma que o M1, ele foi utilizado em vários cantões do globo, da Ásia (a exemplo da China) à América do Sul. Chile, Argentina, Bolívia, Colômbia e República Dominicana são exemplos de países onde o modelo alemão foi adotado.


IMAGEM 04: O Stahlhelm na América do Sul: da esquerda para a direita, soldados chilenos em 2009 fazendo uso do M35; soldados argentinos em meados da década de 1940 (modelo M38); militares bolivianos (com capacetes M35 e mísseis HN-5, de fabricação chinesa) no início dos anos 2000; militares colombianos nas ruas de Bogotá (no período de 1948-1949); e soldados da República Dominicana no final da década de 1950 (capacetes M53 e fuzis de assalto FN FAL). Se o modelo norte-americano M1 era amplamente utilizado por diversas nações, o Stahlhelm alemão também o foi (Second World War After Second World War).

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, muitos Stahlhelm continuaram em serviço (na Alemanha e outros países), bem como alguns, após uma simples “reciclagem” em oficinas, encontraram outro destino: serviram como panelas nos lares destruídos de uma nação que começava a ser reconstruída.


IMAGEM 05: Da mesma forma que as armas portadas pela infantaria, carros de combate, veículos blindados e uma infinidade de equipamentos militares usados tanto pelos Aliados como pelo Eixo, havia uma variedade considerável de capacetes militares entre as nações (e, entre eles, variações do mesmo modelo, bem como pintura e inserção de brasões/símbolos). O tema “capacetes”, por si só, facilmente gera mais de um livro (isso, em se tratando apenas dos utilizados no segundo conflito mundial). O fato é que, mesmo finda a Segunda Guerra Mundial há décadas, alguns modelos ainda inspiram novos EPI, bem como o formato de alguns se consagrou por sua eficiência. Como exemplo, apesar do uso de diferentes materiais em sua feitura, bem como os acessórios, vale notar o capacete utilizado por bombeiros alemães em caráter mais contemporâneo na imagem de 2021, em reportagem sobre bombeiros de Tutzing. Dos campos de batalha para os combatentes do fogo (History Interpreted/Vor-Ort News).

O Exército Vermelho, nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, não estava adequadamente equipado (e também, de certa forma, quando do início do conflito). Nem todo seu contingente possuía capacetes à disposição e o modelo disponível não era exatamente eficiente em vários aspectos: era incômodo, impedia parcialmente a visão quando o combatente era obrigado a ir ao solo (e efetuar disparos deitado), entre outros pontos.

A pesquisa por modelo eficiente para dotar o Exército começou na metade da década de 1920, o que levou a criação do Modelo 29 (que possuía uma espessura de 1,28 mm). Pesado, de fabricação complexa e baseado em modelo mais antigo, foi produzido em pequenas quantidades.

O general Mikhail Nikolayevich Tukhachevisky determinou que um modelo de capacete “totalmente soviético” fosse desenvolvido. Em 1936, o Escritório de Desenvolvimento de Materiais apresentou o Ssh 36. A designação M, de modelo, foi abandonada, passando a ser adotada Ssh (tratando-se da conversão do cirílico para a escrita latina, stalnoy shlyem, significa “capacete de aço”, designação idêntica, portanto, a alemã para esse tipo de EPI). A sigla foi utilizada até o Ssh 68, capacete que permaneceu em uso até os idos de 2000.

A produção do Ssh 36 foi confiada à fábrica Lysva, nos Urais. A projeção inicial de 500.000 unidades a serem disponibilizadas em um ano não se concretizou. Além de problemas em relação à laminação e estampagem do aço, o próprio Exército Vermelho não ficou satisfeito com o produto entregue: o capacete não era tão adequado para o uso operacional, persistindo a dificuldade de o militar visualizar o que ocorria ao seu redor quando deitado e o sistema de retenção interno foi considerado frágil.

A partir dos estudos em um instituto em Leningrado, foi desenvolvido novo tipo de aço (carbono-silício-manganês-níquel). Um novo formato também foi alvo de estudo, surgindo o Ssh 37 (que fez reduzir a parte da viseira do casco, facilitando o tiro e o uso de instrumentos para observação). Ele foi produzido, também, em pequenas quantidades. A fábrica Lysva produziu então protótipos do que viria a se tornar o Ssh 38 (havendo o encurtamento da viseira e da aba do casco). Continuaram as críticas em relação ao acabamento interno. Capacetes italianos (M33) foram adquiridos pela Diretoria de Inteligência e serviram como base de estudos e aperfeiçoamento. Surge o Ssh 39, que foi produzido também pela fábrica “Outubro Vermelho” em Stalingrado (atualmente Volgogrado).


IMAGEM 06: O Exército Vermelho, que não possuía uma quantidade adequada de capacetes para atender a todos os militares no início da guerra, também teve um modelo que, com o passar do tempo, sofreu modificações. O Ssh sofreu modificações e aperfeiçoamentos no decorrer do conflito. Do modelo Ssh 36, inicialmente utilizado e que não se mostrou satisfatório, chegou-se ao Ssh39, visto nas imagens acima. Foi usado durante todo o conflito, sendo também modificado para o padrão Ssh 40 (inclusive com o uso de cascos já existentes). Foi utilizado até a década de 1970 (World War Helmets).

O modelo Ssh 39 evoluiu e fez surgiu o Ssh 40. Curiosamente, para a produção do aço destinado ao casco, era utilizada a proporção de 5% de cal, 45% de sucata de ferro e 50% de ferro fundido (para a resistência adequada, eram adicionados diversos outros elementos, normalmente em uma proporção inferior a 1%). Da produção de capacetes, 51% foram feitos no tamanho 56 (que se traduz nos centímetros da circunferência da cabeça do usuário). Eram pintados na cor verde (com tinta que promovia resistência à corrosão), sendo fixados na cabeça por meio de uma “cinta” metálica inspirada no capacete italiano M33, que recebia forração, acolchoamento e uma espécie de touca ajustável (sistema cuja composição recebeu inúmeras variações na guerra). Por sinal, há poucas diferenças em relação ao Ssh 40 (particularmente em relação aos forros de fixação na cabeça e rebites para estes). O que é fato: foi um modelo muito eficiente.

No decorrer da guerra, milhares de capacetes do Exército Vermelho foram apreendidos pelos alemães, particularmente nos primeiros (e brutais) combates e acabaram por ser destinados às equipes Luftschutz (repintados de azul fosco, tonalidade “meia-noite”, recebendo adesivagem daquela organização).

De qualquer forma, o Ssh 39 e seu característico formato de casco foi utilizado continuamente por quase três décadas, sendo típico do Exército Soviético até a década de 1970 (a Coréia do Norte ainda utiliza capacetes que são cópias deste).

Com o passar do tempo, unidades policiais especializadas passaram a adotar uma variedade de capacetes cada vez mais condizentes com a realidade operacional e às ameaças que se apresentavam.


IMAGEM 07: Operador nos primórdios do GSG9 e seu característico capacete (hoje um item de coleção relativamente raro). Apesar de parecido com o utilizado pela SEK (Spezialeinsatzkommando, em tradução livre Força Tarefa Especial, contingente extremamente especializado das forças policiais estaduais alemãs), diferem em pequenos detalhes. Seu casco era semelhante ao modelo M38, utilizado pelos paraquedistas alemães na Segunda Guerra Mundial (o interior corresponde aos capacetes de paraquedistas da Bundeswehr, as Forças Armadas alemãs do pós-guerra, M1A1LL). Uma borda de aço inoxidável foi soldada e o anel que a circunda é feito de material plástico na cor preta. Como característica específica dos capacetes da década de 1970 do GSG9, que os diferenciavam dos demais (como os utilizados pela SEK) temos a alça para a tira do queixo com fivela grande, uma criação específica para tropas especiais, e parafusos com furos. A cor da pintura, uma espécie de preto esverdeado, é chamada RAL6012 (War Relics).

Impossível deixar de falar, quanto citamos unidades policiais, a respeito do GSG-9. Anteriormente Grenzschutzgruppe 9 (Grupo de Proteção de Fronteiras 9), trata-se de unidade policial extremamente capacitada e experimentada. Era integrante da Bundesgrenzschutz, BGS (Proteção Federal de Fronteiras), cuja missão principal, como o próprio nome diz, era a proteção de fronteiras da então Alemanha Ocidental (ou República Federal da Alemanha). Com a reunificação alemã e as reestruturações que ocorreram no decorrer do tempo, a Proteção Federal de Fronteiras foi redesignada como Bundespolizei (Polícia Federal), mantendo o GSG-9 sua designação (GSG 9 der Bundespolizei).

Considerando suas missões complexas, é exigido treinamento nas mais diversas áreas para esses operadores policiais especializados, bem como equipamento dedicado. Do antigo capacete da década de 1970, que pouco diferia daqueles utilizados na Segunda Guerra Mundial, passando ao PSH-77 (utilizado de 1978 a 1999 pelos alemães e, também, por unidades soviéticas, com principal destaque para unidades Alpha e Vympel, do KGB, Comitê de Segurança do Estado em tradução livre, sendo posteriormente produzida cópia local aprimorada), o GSG9 tornou icônico o modelo AM95, fabricado pela Ulbrichts Protection (Áustria), que passou a incorporar a capacidade ter integrado protetores de ouvido e sistema de comunicação para o operador, tendência que se mantêm atualmente (alguns dos modelos PSH-77 possuíam conexão para radiocomunicação incorporada na parte posterior do casco). Os capacetes disponibilizados são fabricados com material híbrido de titânio (Polytanium), sendo seu fabricante um dos primeiros a oferecer proteção com relativo baixo peso contra ameaças como disparos de fuzis Kalashnikov.


IMAGEM 08: Integrantes da eficiente unidade policial alemã, o GSG9, com seus capacetes PSH-77. Outros modelos mais capazes foram destinados a estes policiais com o decorrer do tempo, como o Modelo AM95 (as duas imagens ao centro) e, à direita, modelo Zenturio. Este último, que provê proteção em relação à disparos de munição 7.62X39, além de diversos acessórios que podem ser incorporados, possui uma versão com núcleo de aço (Combat Operators/Ulbrichts).

Surge a “era das siglas”: PASGT, LWH, FAST, ACH, ACH/MICH, ACH Cut, ACH High Cut e ECH


IMAGEM 09: Se o formato de casco PASGT era utilizado por unidades de operações especiais/ações táticas especiais (a exemplo do COE e do GATE da PMESP), com o tempo o modelo ACH passou também a ser adotado (complementando ou paulatinamente substituindo o primeiro). De qualquer forma o PASGT é extremamente comum entre as unidades policiais brasileiras, incluindo, com suas adaptações, as unidades com atuação antimotim (Comunicação Social da SSP/SP e Comando de Policiamento de Choque).

Se o modelo de capacete PASGT é relativamente comum ainda hoje entre as forças policiais brasileiras (recordando que Personnel Armor System for Ground Troops, em tradução livre Sistema de Blindagem Pessoal para Tropas Terrestres, é um sistema composto por capacete e colete), tendo sido equipamento padrão do Exército dos EUA por considerável período de tempo, o caminho da evolução é contínuo. Como tudo pode (e deve) melhorar, novas opções de capacetes surgiram. Alguns mais leves, que seriam mais adequados para missões específicas, bem como outros com a possibilidade de integração de vários sistemas (como os de comunicação). Cada tipo possui vantagens e, de certa forma, desvantagens.

A escolha vai depender de pontos básicos, porém fundamentais: quem vai utilizá-los (tipo de equipe), em que missão e qual ameaça que potencialmente se apresentará. Parece algo óbvio, mas não é. Capacetes utilizados em unidades de ações táticas/operações especiais não necessariamente vão propiciar o que é preciso para um policial que opere em uma unidade antimotim. Quem atua em uma missão de contenção de multidão, em um evento pacífico, permanecendo em pé por longo período de tempo (onde cada grama de equipamento cobra um preço alto no decorrer das horas) não necessita, na maioria das vezes, que seu capacete disponha da capacidade de proteção balística. Migrar de um cenário operacional para outro é o que ajuda a definir que tipo de EPI será utilizado, bem como as missões distintas, de equipes distintas (por vezes no mesmo cenário).

Algumas unidades possuem como necessidade fundamental a inserção de sistemas de comunicação para cada integrante. Por sinal, os abafadores de som eletrônicos atuais (como muitas vezes os vistos com praticantes do salutar esporte de tiro) não somente propiciam a proteção auditiva quando dos disparos/explosões como também potencializam a audição da voz humana próxima, o que se reveste em especial quesito de segurança.

Dessa forma, não impedem (aliás, pelo contrário) que o operador possa ouvir a conversa de outros componentes do contingente policial próximo e demais pessoas no local do evento em que estão operando. Podem, conforme o modelo, receber a comunicação via rádio, bem como agregar microfone. Daí temos a sigla MICH – Modular Integrated Communications Helmet (em tradução livre, Capacete Modular de Comunicações Integradas). Diversos tipos de trilhos/encaixes permitem que outros sistemas possam ser acoplados ao capacete, como os de iluminação, optrônicos de visão noturna, contrapeso, viseira etc.

Voltando ao M1 da Segunda Guerra Mundial, era fato que em determinado momento ele teria que ser substituído por outro capacete mais moderno, eficiente, feito de material mais atual e que ampliasse proteção, conforto, fosse mais estável durante o uso e condizente com as ameaças mais contemporâneas. Também, mais do que fragmentos, pudesse realmente suportar o impacto de munições de armas de porte/portáteis no campo de batalha.

Conforme expôs a National Library of Medicine (Biblioteca Nacional de Medicina, mantida pelo governo dos EUA e considerada a maior biblioteca médica do mundo), em artigo, a respeito da revisão de protocolos de testes para capacetes (do Departamento de Defesa), evidencia-se que, por décadas inteiras, o M1 esteve em uso, porém os anos que se seguiram a partir da adoção do modelo PASGT apresentaram uma incrível evolução desse EPI.

O aço cedeu lugar à aramida, fibra sintética de alta resistência. Mas, se era desejável que a proteção corporal melhorasse, por outro lado o peso carregado pelos combatentes começou a chegar a um patamar inaceitável. O colete PASGT, por exemplo, começou a agregar mais itens para potencializar a proteção, o que também se traduzia em mais peso (a adição de painéis ISAPO, Interim Small Arms Protective Over Vest, ou seja, porta placas de proteção interna para armas de pequeno porte agregava quase 7,4 kg de peso ao colete já utilizado).

Por motivos óbvios, não era exatamente popular entre os soldados de infantaria. Não somente o desempenho em combate poderia se deteriorar mas, a própria saúde do militar, com tanto peso a ser carregado (isso sem contar o armamento, munição, equipamento de comunicação e outros de missão). Equalizar a proteção com a mobilidade e peso sempre foi (e deve continuar a ser) o fator a ser ponderado. Nesse aspecto, não somente os coletes, mas os capacetes em si, continuaram a evoluir.

O Exército dos EUA começou a procurar uma alternativa mais leve e confortável. Se na US Navy e Fuzileiros Navais (US Marine Corps) o capacete PASGT começou a ser substituído pelo LWH, Lightweight Helmet ou ainda Lightweight Marine Helmet (capacete leve ou capacete leve dos fuzileiros navais) que, como o próprio nome diz, trata-se de equipamento mais leve (tendo uma vida útil estimada da ordem de 15 anos, sendo adotado a partir de 2003, pesando em torno de 1,45 kg, dispondo de bom ajuste e adição de almofadas internas), o exército passou a adotar o ACH, Advanced Combat Helmet.


IMAGEM 10: Evolução dos capacetes: formato, composição, proteção e adequação à realidade operacional (Review of Department of Defense Test Protocols for Combat Helmets – National Research Council of The National Academies).

Conforme podemos verificar no site oficial do PEO Soldier (Program Executive Office Soldier), o Advanced Combat Helmet, ACH foi disponibilizado para uso desde 2002 (substituindo o capacete PASGT), sendo mais leve. Ele fornece uma proteção aprimorada contra fragmentos, disparos e impactos, dispondo de orifício para suporte de NVD, Night Vision Device (dispositivo de visão noturna). Possui almofadas modulares resistentes a chamas e umidade, que atuam como sistema de suspensão, fornecendo proteção contra impactos na cabeça. Inclui, ainda, o Improved Retention System (IRS) que melhora o ajuste e estabilidade durante o uso. Em operação, dispõe de “almofada de nuca” balística que se conecta ao sistema de retenção na parte traseira.

O desenvolvimento de capacetes prosseguiu. Em 2012, o Exército melhorou o ACH, reduzindo o peso em 8%, mantendo o mesmo desempenho balístico e não balístico (ACH leve/LW ACH). A evolução ocorreu por meio do ECH, Enhanced Combat Helmet (Capacete de Combate Aprimorado), havendo a substituição da aramida pelo UHMWPE (Polietileno de Ultra Alto Peso Molecular), o que aumentou o grau de proteção, mantendo-se um peso similar ao do ACH. Dispõe, também, de almofadas e, como o ACH, o IRS pode contar com acessórios e permite a inserção de dispositivos para visão noturna.

Mesmo com tais inovações, ainda surgem continuamente novas siglas. Para equipes de operações especiais (incluindo as policiais), veio o capacete FAST, Future Assault Shell Technology, com seu típico formato em concha. Foi desenvolvido a partir da colaboração entre o Army Research Laboratory (Laboratório de Pesquisa do Exército, Comando de Desenvolvimento de Capacidades de Combate do Exército dos EUA), o PEO Soldier (que otimiza o desenvolvimento e rápido envio de equipamentos a soldados) e o Combat Capabilities Development Command Soldier Center (CCDC SC), um complexo de pesquisa militar.

Em resumo: muitas pessoas, vontade, conhecimento técnico, pesquisa e investimento para que um capacete adequado fosse ofertado. Não bastam discursos e recomendações. É preciso investimento, participação efetiva de técnicos e profissionais conhecedores das reais prioridades, com soluções a serem entregues em lapso de tempo razoável para o usuário.


IMAGEM 11: Militar da US Navy com capacete LWH (Lightweight Helmet). Na imagem central, o capacete ACH (Advanced Combat Helmet) e, à direita, o também disponível ECH (Enhanced Combat Helmet, Capacete de Combate Aprimorado). É possível a consulta pública ao site oficial PEO Soldier e constata-se a preocupação com a disponibilização de equipamentos de ponta, para suprir a necessidade dos combatentes do Exército dos EUA (US Navy/PEO Soldier).

Ressalta-se que, além dos formatos, se anteriormente o aço era o principal componente da fabricação de um capacete, hoje ele dá lugar a materiais como a aramida, o polietileno de ultra alto peso molecular (UHMWPE) e a fibra de carbono, havendo ainda empresas que utilizam titânio e seus híbridos, e eventualmente núcleos de aço especial. Além da alta resistência e proteção balística, há a preocupação com o usuário que fará uso do equipamento durante operações prolongadas. Conta o conforto (com a consequente redução da fadiga), mantendo os usuários mais focados no decorrer das missões, bem como a estabilidade do equipamento no corpo (sistemas de fixação e acolchoamento). Proporcionar a proteção é tão importante quanto manter a agilidade, a atenção/percepção de ameaças e mitigar a degradação física e mental durante as operações.

Existe a possibilidade da customização dos modelos disponíveis, não somente pela inserção de acessórios, como também por cascos com maior ou menor proteção lateral. Assim, existem capacetes ACH que possuem abas laterais mais baixas (ACH Regular Cut), outros com a aba lateral menor (ACH Mid Cut) e ainda aqueles com a mesma extremamente curta, praticamente suprimida (ACH High Cut). A escolha do modelo deve ser pautada pelo tipo de missão, ambiente operacional, ameaças que se apresentem, acessórios necessários etc. São vários pontos a observar para verificar se, ao invés de viseira e protetor de mandíbula, o conforto térmico e equipamentos de comunicação são mais importantes.


IMAGEM 12: Siglas alusivas aos formatos dos capacetes (MSS Defence).

O tema “capacetes militares” rende facilmente vários livros, sendo as linhas deste singelo artigo uma mera visão geral. Para encerrar, já que falamos em livros, a menção a capacete pode ser encontrada naquele que é o mais distribuído (e traduzido em mais idiomas no mundo), a Bíblia. Nela, o “capacete é uma peça da armadura espiritual que simboliza a proteção da mente e do coração dos cristãos”. Lemos em Efésios  (6: 10-17):

(…) Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes (…) Tomai também o capacete da salvação.

Assim, rogamos a quem passa a utilizar profissionalmente um capacete (como os policiais, nas mais diversas e perigosas missões que assumem), que possa contar com todo o apoio, tanto da sociedade à qual servem (e pela qual tantos morrem), seja tendo seu suporte e mesmo orações, bem como por aqueles que se empenham em desenvolver melhores equipamentos (não se esquecendo dos atores estatais que devem priorizar ao máximo a aquisição destes itens para os funcionários públicos, na acepção da palavra, cuja vida se resume a servir e proteger a todos os demais).

Como complemento, sugerimos a leitura do artigo Proteção corporal: uma breve história dos coletes.

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