
O apoio ocidental é extremamente importante para a Ucrânia, portanto, é essencial que a Ucrânia “permaneça nas manchetes”, especialmente antes de Trump chegar ao poder.
O Exército ucraniano vem tentando avançar na região russa de Kursk, mas está sob crescente pressão. Especialistas concordam: Kiev está enviando uma mensagem a Donald Trump.
Poucos dias após a ofensiva surpresa do Exército ucraniano em Kursk, ainda há muita coisa que não está clara. Kiev permanece em silêncio, semelhante ao início de agosto de 2024, quando a Ucrânia invadiu o país pela primeira vez.
O Ministério da Defesa russo em Moscou anunciou na segunda-feira que havia impedido uma “tentativa de avanço” das forças armadas ucranianas em direção a Bolshoye Soldierskoye, uma cidade cerca de 80 quilômetros a sudoeste da capital regional, Kursk. Quatro tanques, dois veículos blindados de transporte de pessoal, 16 veículos blindados de combate e um veículo de remoção de minas foram destruídos, disse Moscou (esta informação não pôde ser verificada).
Notícias de um novo avanço ucraniano na região de Kursk chegaram na manhã de domingo, 5 de dezembro. Blogueiros de guerra russos relataram sobre “colunas” ucranianas e compartilharam vídeos aparentemente feitos com drones que pareciam mostrar alguns veículos blindados de transporte de pessoal ucranianos em campos e estradas nevados. Alguns mencionaram o uso de mísseis de precisão ocidentais. Isso também não foi confirmado.
Menos aquecido
O clima na segunda-feira, 6, foi menos acalorado: a mídia russa parecia mais confiante e o lado ucraniano estava contido com os relatos de sucesso. Todo mundo está esperando para ver o que pode acontecer a seguir.
Os próximos dias esclarecerão as coisas. O que podemos fazer agora é nos perguntar qual pode ser o propósito desta operação ucraniana, seja ela grande ou pequena. De acordo com o Ministério da Defesa russo, desde 6 de agosto de 2024, as tropas ucranianas perderam 45.220 homens (mortos e feridos) na região de Kursk. Como já foi dito, declarações de ambos os lados devem ser vistas com muita cautela.
É verdade, porém, que o ataque direto ao território russo foi caro para os ucranianos, em termos de homens e recursos.
Um número significativo, dado que, como escreve o Washington Post, em 2024 os distritos militares ucranianos conseguiram mobilizar “apenas” 200.000 homens, em comparação com os 500.000 planejados. Além disso, para atacar a região de Kursk em agosto passado, o comandante-em-chefe Alexander Syrsky utilizou as tropas mais bem treinadas e os meios mais modernos. Uma escolha estratégica que não ficou isenta de consequências: em Donbass, os russos começaram a encontrar uma resistência menos efetiva e avançaram em um ritmo mais intenso.
Pressionando para impressionar Trump?
O ataque ucraniano não foi totalmente surpreendente. Há especulações sobre isso há semanas. O historiador militar austríaco, coronel Markus Reisner, previu esse cenário em uma entrevista à Deutsche Welle (DW) em meados de dezembro. Em sua opinião, a Ucrânia tentará provar mais uma vez “imediatamente antes de Donald Trump assumir o cargo de presidente dos EUA” que faz sentido apoiá-los, diz Reisner. Aparentemente, é exatamente isso o que vemos agora.
No Ocidente, há especulações sobre os anúncios do novo presidente. Trump anunciou repetidamente que quer acabar rapidamente com a guerra da Rússia contra a Ucrânia. Durante a campanha eleitoral nos EUA, ele também questionou o aumento do apoio à Ucrânia. O que Trump realmente está planejando ficará claro quando ele assumir o cargo em 20 de janeiro.
Para muitos comentaristas, ainda é muito cedo para falar sobre uma “ofensiva real” da Ucrânia perto de Kursk: “A ofensiva significaria que grandes unidades das forças armadas realizariam um ataque generalizado para atingir alvos de nível operacional.” Por enquanto isso não se vê. “O que estamos vendo é um contra-ataque envolvendo até três brigadas ou partes delas”, dizem eles.
O objetivo exato ainda não está claro, e pode haver vários. O Exército ucraniano está sob pressão crescente na região de Kursk e já perdeu cerca de metade do território que ocupava há cinco meses. A área de cerca de 500 quilômetros quadrados atualmente controlada pela Ucrânia está exposta a ataques russos de três lados. O impulso atual pode ser uma tentativa de “sair desta bolha”.
Shashank Joshi, editor militar da revista britânica The Economist, também sugere outras possíveis razões. “O objetivo pode ser colocar as tropas russas na defensiva para impedi-las de desenvolver suas ofensivas em andamento”, diz Joshi.
Outro objetivo poderia ser terras adicionais como moeda de troca antes das negociações diplomáticas depois que Trump assumir o cargo. Mas também pode ser um truque para atacar em outro lugar.
Várias pessoas pensam o mesmo e torcem por uma continuação. “Acho que ainda veremos algumas surpresas antes de 20 de janeiro”, diz um especialista militar. “Se olharmos para o nordeste da Ucrânia, a frente não está totalmente protegida pelo lado russo. Há algumas áreas que se prestam a mais avanços para atingir o sucesso máximo antes de possíveis negociações.”
De acordo com declarações recentes do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, as posições ucranianas em Kursk são “importantes” porque desempenharão um papel nas negociações futuras, disse ele durante sua visita a Seul.
Quão arriscado é o avanço ucraniano?
Assim como na ofensiva ucraniana em Kursk em agosto, surge novamente a questão se vale a pena para Kiev enviar tropas para território russo. Isto é particularmente importante agora que o Exército ucraniano está recuando para o leste e perdendo cada vez mais território.
Mantendo seu objetivo em ritmo constante, vemos que aproveitando o contra-ataque ucraniano, os russos libertam Ruskoye Porechnoye (07/01) e entram em Malaya Loknya (07/01) em Kursk.
Rússia avança em Donetsk
Tropas russas tomaram o controle da cidade de Kurakhovo, na região de Donetsk, na Ucrânia, informou o Ministério da Defesa de Moscou, conforme relatado pela Ria Novosti.
“Unidades do Grupo de Tropas do Sul libertaram completamente a cidade de Kurakhovo, o maior assentamento na parte sudoeste de Donbass”, disse o comunicado oficial, usando o nome russo para a cidade, que em ucraniano é Kurakhove. Este objetivo é o nó logístico de todo o sul de Donetsk, provavelmente também devido à queda de Velika Novosibirsk.
Em particular, a importante cidade militar de Pokrovsk, no oeste da região de Donetsk, tem sido foco de combates há meses. A nova medida da Ucrânia é arriscada, mas os benefícios políticos superam os riscos, dizem especialistas.
“Se a Rússia tomar Pokrovsk, ela avançará para o oeste”, diz Shashank Joshi. “Isso é ruim, mas não faz necessariamente uma diferença qualitativa no equilíbrio de poder e nas negociações diplomáticas.” Se a Ucrânia conseguisse controlar partes da região de Kursk, isso teria “importância significativa”. Este é um “risco calculado”.
Como vemos, é importante que a Ucrânia “permaneça nas manchetes”, especialmente antes de Trump chegar ao poder.
O apoio ocidental é extremamente importante para a Ucrânia. É por isso que esta medida, “mesmo que desigual”, é importante para manter este apoio.
Resta saber o quanto a Ucrânia conseguirá manter na região de Kursk e, mais importante, por quanto tempo. Embora ambos os lados estejam “enfraquecidos em termos de força”, se a pressão de Trump não resultar em um congelamento do conflito, o “drama da guerra de atrito” pode reaparecer fortemente. A Rússia poderia então concentrar suas forças e lentamente empurrar para trás o Exército ucraniano.
Enquanto isso, declarações de Zelensky
Zelensky concordaria em abrir mão de territórios ocupados pela Rússia se o resto da Ucrânia se juntasse à OTAN, de acordo com a Europa Press. O presidente ucraniano fez essas declarações em uma entrevista ao jornalista americano de origem ucraniana Lex Fridman, na qual este lhe perguntou se a OTAN aceitaria a integração da Ucrânia sem Lugansk, Donetsk, Zaporizhia, Kherson e a Crimeia. “Tenho certeza que sim. Sim. Não é um grande sucesso para nós, mas se houver uma maneira diplomática de acabar com a guerra, essa é a primeira coisa”, disse Zelensky.
Ele então acrescentou que essa opção só seria possível se houvesse um “pacote de armamento” planejado. “Não posso dizer publicamente o que, mas não é segredo para o presidente Trump. Depende principalmente da vontade dos Estados Unidos. A UE nos daria uma parte e os Estados Unidos a outra. É preciso haver unidade para este pacote”, disse ele.
Ele também defendeu a necessidade de impor novas sanções à Rússia quando Trump assumir o cargo, a fim de impedir que a Rússia venda seus hidrocarbonetos, algo que também beneficiaria Washington.
De qualquer forma, o presidente ucraniano acredita que o primeiro passo é se reunir com Trump. “Temos que chegar a um acordo com ele sobre como parar a guerra e (Vladimir) Putin. É muito importante para nós que a Europa, da qual fazemos parte, também tenha sua palavra”, disse ele.
Além disso, o encontro com Trump teria como objetivo finalizar as garantias de segurança para a Ucrânia. “Não vamos sentar diretamente à mesa de negociações”, argumentou.
Sobre esse ponto, em nossas análises sobre um possível cessar-fogo, sempre acreditamos que um dos três atores políticos de uma negociação deve sair de cena. Obviamente não será Trump quem sairá.
Publicado no La Prensa.