Heavy Metal: Uma comparação entre blindados russos e ocidentais

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Tanque russo T-90 (AFP/East News).

Por Kakaouskia*

Tanque russo T-90 (AFP/East News).

Um breve comparativo entre os designs de duas escolas muito diferentes de projeto e uso de blindados, a russa e a ocidental.


Neste artigo, apresento uma breve comparação entre blindados russos e ocidentais, abordando as duas principais escolas de design de tanques [1] e veículos blindados: a russa e a ocidental (alemã e americana como exemplos principais). Não vou entrar em muitos detalhes técnicos, pois a comparação da metalurgia, por si só, seria tema de uma tese. Tampouco vou comparar a família T-14 Armata, pois pouco sabemos sobre ela no momento [2].

O que é um MBT e o que é um IFV?

Simplificando, um MBT (Main Battle Tank, Tanque de Batalha Principal) e um IFV (Infantry Fighting Vehicle, Veículo de Combate de Infantaria) são sistemas de armas de moderados a bastante complicados. A razão pela qual eu uso o termo “sistema de armas” é porque é preciso um conjunto de componentes e pessoas trabalhando juntas para que sejam eficazes; geralmente em operações combinadas (em comparação com um rifle de assalto ou uma pistola).

O principal objetivo de um MBT é proporcionar poder de fogo pesado e apoio à infantaria em distâncias médias (~5 km) com fogo direto. O objetivo de um IFV é transferir a infantaria com segurança para locais perigosos e permanecer lá para ajudar no combate. Na verdade, um MBT NÃO deve entrar em cidades, a menos que seja absolutamente necessário e deve fazê-lo SEMPRE com apoio de infantaria – lembre-se do que aconteceu com as colunas blindadas russas em Grozny.

Filosofia no campo de batalha

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a formação da OTAN e do Pacto de Varsóvia, foram desenvolvidas duas filosofias distintas de combate blindado. Essas filosofias desempenharam papéis fundamentais na forma como os MBTs e IFVs foram projetados até o início dos anos 2000 e após a segunda guerra do Golfo.

A doutrina da OTAN era manter a linha contra forças numericamente superiores, portanto, a ênfase foi colocada na blindagem e na ergonomia. A doutrina da OTAN estipulava que MBTs e IFVs operariam sob cobertura pesada de força aérea e de artilharia com o provável uso de ogivas táticas para diminuir o número soviético. As reservas deveriam ser empregadas para preencher possíveis lacunas ou aproveitar possíveis aberturas para um contra-ataque.

Por outro lado, a filosofia soviética era “neutralizar ameaças no campo de batalha usando artilharia e então liberar centenas de peças blindadas nas planícies da Europa Oriental e não parar por motivo algum”, como foi colocado de forma eloquente por oficiais russos com quem conversei. A ideia era ultrapassar rapidamente as defesas da OTAN, anulando assim a capacidade de apoio aéreo devido à proximidade, e para isso as reservas deveriam ser utilizadas para reforçar as unidades que romperam e não as unidades que estagnaram (a doutrina militar russa aceita o fato de não há guerra sem vítimas).

Duas escolas de design de blindados

Os efeitos dessas duas filosofias são visíveis nos projetos daquela época: os tanques M-48, M-60 e M-1 são enormes, assim como os IFV M2/M3 (os IFVs devem corresponder aos MBTs, pois operam juntos e devem ser capazes de acompanhar um ao outro). Os alemães com os MBTs Leopard 1, Leopard 2 e IFV Marder estão mais ou menos no meio, dando um pouco mais de ênfase na mobilidade; ainda assim, são muito pesados.

As características gerais de todos os itens mencionados são peso pesado (devido à necessidade de melhor blindagem), canhão principal de 105 mm (em modelos anteriores) a 120 mm (nos modelos posteriores; 25mm-30mm para os IFVs) com metralhadoras de 12,7 mm e 7,62 mm como armamento secundário. Na verdade, o M-48 e especialmente o M-60 são tão altos que é difícil escondê-los atrás de colinas (portanto, o M1 é mais aerodinâmico). A tripulação padrão é de quatro nos MBTs (motorista, comandante, artilheiro e carregador) e três nos IFVs (motorista, comandante, artilheiro). O design da torre em tanques ocidentais evoluiu de uma bolha oval (M-48, M-60) para torres utilizando cantos afiados (M1, Leopard 2).

Os tanques russos, por outro lado, são menores em todas as dimensões devido ao requisito de mobilidade, além do fato de adotarem carregadores automáticos. Isso também reduz o número de tripulantes para três pessoas (motorista, comandante e artilheiro). Desde o T-64, o armamento dos tanques russos tem sido praticamente o mesmo: canhão primário de 125 mm, NSVT [3] de 12,7 mm e metralhadoras PKT de 7,62 mm; cada geração melhor do que a anterior. As torres evoluíram de um design circular (T-62) para um círculo com bordas íngremes (T-90) para cantos agudos (T-14).


IMAGEM 1: M1A2 comparado ao T-80U. Tanques russos podiam utilizar melhor o terreno devido ao tamanho.

FIGURA 2: T-90 vs. Leopard 2 vs. Abrams Observe a diferença na filosofia de design da torre (Traduzido pelo Velho General; Fonte da Imagem.


FIGURA 3: Comparação frontal de MBTs. O Leopard 2A5 em diante tem torre completamente redesenhada.

FIGURA 4: Especificações dos MBTs (Fonte da Imagem).


Ao contrário de suas contrapartes ocidentais, a série de IFVs BMP apresenta canhões de maior calibre como armamento primário (chegando a 100 mm no BMP3) com 7,62 mm e 30 mm como armamento secundário. Esse poder de fogo mais pesado é necessário porque os IFVs devem lutar ao lado da infantaria; de fato, o BMP3 é único neste aspecto porque seu complexo de armamentos pode disparar a uma elevação de +60 graus. A razão para isso é enfrentar o estranho homem de infantaria com um RPG aparecendo repentinamente em uma varanda acima de você. O lado negativo de ter armas grandes é que há necessidade de uma cadeia de abastecimento extra de munições.

Então qual é o melhor?

Há um ditado na escola de blindados: O melhor tanque é aquele com a melhor tripulação. Isso foi comprovado repetidamente em batalha; Convido os leitores a dar uma olhada rápida em Michael Wittmann e na batalha de Villers-Bocage [4] em 13 de junho de 1944. Este dia é conhecido pelos tanquistas como “O dia do Tigre”. A Rússia organiza todos os anos um biatlo de tanques, que é uma boa indicação do nível de treinamento em algumas áreas, como habilidades de direção, procedimentos de carregamento, etc., mas não em técnicas de reparo em campo pela tripulação. Além disso, pode demonstrar táticas diferentes para “problemas” comuns em tanques (por exemplo, atirar enquanto se está parado aumenta a precisão, mas faz de você um alvo, ao invés de atirar em movimento).

Geralmente, em termos de vulnerabilidade a traseira do veículo é a mais vulnerável, seguida da parte superior (daí a existência do A-10 e SU-25), laterais e por último a dianteira. Outro ditado da escola de blindados: não mostre sua bunda para o inimigo. Você vai ser fuzilado.

Os MBTs ocidentais têm uma proteção um pouco melhor e, até a introdução do visor térmico Catherine FC da Thales no T-90 (o T-80 pode ser atualizado com ele), os ocidentais desfrutavam de capacidades de combate noturno muito melhores. Por razões desconhecidas, até que a Rússia cooperou com a França na criação da série Catherine, era suicídio lutar à noite em um tanque russo.

Em termos de munições, ambos os lados são mais ou menos iguais com projéteis de primeira linha capazes de hard kills a cinco quilômetros. Os projéteis russos de 125 mm vêm em duas peças (propelente e projétil), enquanto os projéteis da OTAN de 120 mm são uma peça única, para que o carregador possa carregar mais rapidamente.

Os tanques russos têm uma pequena vantagem aqui, pois o carregador automático pode sustentar uma taxa de tiro constante, em oposição a um carregador humano que se cansará em algum momento. Os projetistas russos também criaram um novo design para seus cartuchos de balas de 7,62 mm e 12,7 mm. Como esses calibres são usados pela OTAN e pela Rússia, as metralhadoras russas podem usar munições da OTAN, enquanto, graças ao design especial dos projéteis, as metralhadoras da OTAN não podem usar munição russa, dando assim uma pequena vantagem logística aos blindados russos.


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As armas russas também podem disparar mísseis guiados, embora sua utilidade em campo de batalha ainda seja objeto de debate, pois o veículo de lançamento deve manter o alvo fixo (portanto, imóvel) até que o míssil atinja o alvo. Portanto, enquanto em teoria um BMP3 possa destruir um Leopard 2, na prática isso é muito difícil. Considere que o ATGM (Anti-Tank Guided Missile, Míssil Antitanque Guiado) mais avançado que o BMP3 pode disparar é o 9M117M1, que tem alcance máximo de 5,5 km. No entanto, a aquisição de alvos geralmente ocorre em torno de 5 km e para disparar um míssil guiado por laser (SACLOS, Semi-Automatic Command to Line of Sight, Comando Semi Automático para Linha de Visão) você precisa estar parado e ter uma linha de visão clara, o que significa que o inimigo pode vê-lo. Os ATGMs são velozes, mas mesmo os mais rápidos precisam de cerca de 10 segundos para percorrer a distância máxima.

Por outro lado, uma munição perfurante (APFSDS, Armor Piercing Fin-stabilized Discarding Sabot, Sapata de Descarte Estabilizada por Aleta Perfurante de Blindagem) disparada de L44 (arma usada nos M1 e Leopard 2) e L55 (arma modernizada para o Leopard 2) viaja a algo entre 1.500 e 2.000 m/s (dependendo da temperatura, vento, arma e muitas outras condições). Portanto, o artilheiro do tanque, se avistar o BMP3 com antecedência suficiente, pode adquirir o alvo (1,5 segundos) e disparar um tiro que precisará de apenas mais três segundos para atingir o alvo. E mesmo que os projéteis de energia cinética percam energia à distância, a blindagem do BMP3s não é poderosa o suficiente para parar um tiro de APFSDS moderno. E os mísseis SACLOS têm a desvantagem de errar o alvo se o bloqueio do laser desaparecer por um segundo (o mesmo se aplica a mísseis guiados por fio como MILAN e TOW; danifique ou corte o fio e eles já eram).

Por outro lado, os canhões de 25 mm e 30 mm dos Bradley e Marder não têm esperança de destruir um T-80 ou um T-90 e muito menos um T-14 Armata em ataque frontal, e é por isso que eles usam lançadores ATGM que estão sujeitos às mesmas limitações do BMP3. Normalmente, os canhões nesses IFVs são usados para atingir o complexo ótico do artilheiro como uma tentativa de cegar o tanque inimigo (sem ótica ele não pode disparar) durante sua fuga. Em teoria, uma barragem de 30 mm pode destruir um tanque se e somente se for disparada nas áreas mais vulneráveis (por exemplo, na traseira) a distâncias muito próximas (menos de um quilômetro). Isso é algo que nenhum comandante de IFV com alguma sanidade fará.

Como o BMP3 pode suportar munição de 30 mm apenas na frente, a Rússia reforçou o T-15 e o Kurganets-25 ao substituir o canhão de 100 mm por lançadores Kornet-EM, que têm um alcance relatado de oito quilômetros, dando-lhes uma chance de lutar contra tanques.

Ainda assim, um ATGM é uma arma potente nas mãos da infantaria, pois se apresenta como um alvo muito menor do que um veículo e pode se esconder muito mais facilmente. Combinado com treinamento adequado – principalmente quando atirar, em quê e onde mirar –, equipes ATGM podem ser devastadoras, como experimentado pelos Merkava IV no Líbano. Também há rumores de que os EUA perderam alguns M1 no Iraque para milícias com lançadores de RPG clássicos, mas equipados com foguetes AT avançados de fabricação chinesa. As milícias supostamente se aproximaram dos M1 aproveitando o terreno e dispararam de curta distância (<150 m) na retaguarda do Abrams para desabilitá-lo.

Agora, dentro da torre, os tanques da OTAN são geralmente mais ergonômicos e com mais eletrônicos do que os tanques russos. Na verdade, em comparação pode-se descrever a torre do T-80 como espartana. Uma vez que o sistema de controle de tiro é iniciado, o artilheiro de um T-80 pode operar a torre, carregar projéteis e disparar qualquer arma usando um total de duas alavancas e cinco botões.


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Como os russos sabiam que a OTAN não hesitaria em usar armas nucleares táticas na Europa Oriental, seus tanques são projetados para operar em um ambiente de alta radiação e interferência eletromagnética. Caracteristicamente, o sistema de navegação em um T-80 tem ZERO componentes eletrônicos. Outra diferença interna é o mecanismo de disparo. Os tanques ocidentais normalmente usam um sistema elétrico para disparar a arma principal (não tenho certeza para os M1Ax e Leopard 2s), enquanto os tanques russos utilizam um mecanismo de disparo elétrico e mecânico que oferece uma proteção contra falhas. Por experiência, leva um segundo para um artilheiro treinado mudar de disparo elétrico para mecânico.

Os russos também têm a capacidade de lançar os IFVs da família BMP por via aérea. Enquanto um Bradley pesa 27,6 toneladas e um Marder 1A5 37,4 toneladas, um BMP3 pesa apenas 18,7 toneladas. Isso permite a tática altamente arriscada (mas eficaz se feita corretamente) de lançar BMP3s com paraquedas com a infantaria no veículo. Além disso, todos os IFVs russos são projetados com a capacidade para operar em lagos e rios com pouca ou nenhuma preparação (o BMP3 emprega hidrojatos para isso).

Uma vantagem distintiva dos MBTs russos é o uso de sistemas de proteção ativa desde o T-80. O primeiro desses sistemas foi o Shtora e foi implantado no T-80. Inclui uma combinação de detectores, bloqueadores e granadas de fumaça especiais com a intenção de confundir e distrair os mísseis antitanque (como MILAN e TOW) ou forçar os artilheiros/operadores de mísseis a perder o tanque de vista por tempo suficiente para que ele escape. Este sistema requer treinamento suficiente para ser eficaz. Sistemas mais modernos desfrutam de um maior grau de automação e podem empregar opções hard kill até mesmo para projéteis antitanque recebidos. Embora os países ocidentais tenham desenvolvido tais sistemas, seu uso é quase inexistente nos tanques da OTAN.

Em termos de propulsão, a maioria dos tanques russos e da OTAN empregam motores a diesel e têm desempenho e alcance semelhantes. As únicas exceções são o T-80 e o M1, que usam turbinas a gás multicombustíveis (pequenos motores a jato). Na minha opinião, isso é um erro, já que esses motores têm manutenção mais complicada, pois os mecânicos são forçados a pensar em horas de operação versus quilometragem operacional. Além disso, os motores a jato têm mais sede quando ociosos e, no campo de batalha, o combustível Jet-A1 é muito mais difícil de encontrar do que o diesel.

Sim, os motores podem consumir qualquer coisa, mas a experiência com o T-80 mostrou que, se o combustível não for suficientemente limpo, surgem problemas. Assim, o T-90 e o Armata estão usando motores a diesel. Finalmente, como um MBT estará em serviço por 20 ou 30 anos, é razoável ocorram atualizações de blindagem ou outras que aumentem o peso. Portanto, o motor precisa ser capaz de crescer junto com o tanque para manter as características cinemáticas (embora mais peso = maior potência do motor = possivelmente nova caixa de câmbio, e se você chegar a esse ponto, é hora de projetar um tanque novo).


Publicado no The Saker.

*Kakaouskia foi oficial de carreira em unidades blindadas e possui experiência em sistemas de combate blindados ocidentais e russos.


Notas

[1] O Exército Brasileiro utiliza o termo “carro de combate”.

[2] Este artigo foi escrito originalmente em 2015.

[3] NSVT é a versão montada em veículos da metralhadora NSV-12,7 mm. É conhecida também como 6P17. O NSVT está equipado com um gatilho elétrico e a montagem especial em tanque tem um berço protegido, mecanismos de travessia e elevação e uma mira especial de colimação.

[4] A Batalha de Villers-Bocage ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial em 13 de junho de 1944, uma semana após o desembarque na Normandia. O Obersturmführer Michael Wittmann (1914-1944) foi um comandante de tanque alemão da Waffen-SS, conhecido por sua emboscada contra elementos da 7ª Divisão Blindada britânica durante a batalha. No comando de um tanque Tiger I, Wittmann teria destruído 14 tanques, 15 veículos de transporte de pessoal e dois canhões antitanque em 15 minutos antes da perda de seu próprio tanque.

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