Se é para dominar o mundo, não pode haver paz

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Uma águia careca (“bald eagle”), símbolo dos EUA, prestes a levantar voo em Kachemak Bay, Alasca (Andy Morffew/Wikimedia Commons/CC BY 2.0).

Por Jean-Luc Baslé*

Uma águia careca (“bald eagle”), símbolo dos EUA, prestes a levantar voo em Kachemak Bay, Alasca (Andy Morffew/Wikimedia Commons/CC BY 2.0).

A visão hegemônica americana foi perfeitamente demonstrada na expressão usada por George W. Bush quando declarou: “ou você está conosco, ou você está com os terroristas”.


Se através da Ucrânia o objetivo dos Estados Unidos é dominar o mundo, não pode haver paz duradoura, livremente consentida por todas as nações.

Alguns meses após o colapso da União Soviética, em fevereiro de 1992, os Estados Unidos declararam sua intenção de não tolerar mais nenhum concorrente que se opusesse à sua visão de mundo em um documento com um título obscuro: “Diretrizes de Planejamento de Defesa”. A palavra não aparece no enunciado, mas trata-se de hegemonia. Os EUA pretendem ser os únicos senhores do mundo. É o destino deles.

Nesse esquema, a Rússia não tem lugar como potência soberana. Portanto, não devemos nos surpreender que, apesar das garantias que teriam sido dadas a Mikhail Gorbachev de que a OTAN não avançaria uma polegada para o leste, em troca de seu acordo sobre a reunificação da Alemanha, a OTAN agregou as antigas nações do Império Soviética, exceto a Bielorrússia, Geórgia e Ucrânia.

Esta última nação é a mosca na sopa. Os Estados Unidos querem integrá-la à OTAN para consolidar seu domínio sobre a Europa, enquanto a Rússia se opõe pelas mesmas razões de segurança, pelas mesmas razões que os EUA nunca teriam aceitado que o México ou o Canadá fizessem parte do Pacto de Varsóvia. Recordemos a reação americana à instalação de mísseis soviéticos em Cuba. Segue-se que a Rússia não pode aceitar a entrada da Ucrânia na OTAN. Vladimir Putin revelou isso aos ocidentais durante seu discurso em fevereiro de 2007 em Munique.

Os EUA não deram atenção a isso, como evidenciado pela Declaração de Bucareste de abril de 2008, que convida formalmente a Ucrânia e a Geórgia a ingressar na OTAN. Se algum dia fossem, os líderes russos poderiam declarar, parafraseando Winston Churchill, que “de Tallin, no mar Báltico, a Batumi, na Geórgia, uma cortina de ferro desceu sobre o continente”. Se a Ucrânia não é membro de jure da OTAN, é de facto desde a Revolução Maidan de fevereiro de 2014, que pôs fim à presidência de Viktor Yanukovych, eleito democraticamente em 7 de fevereiro de 2010 [1]. Esta revolução foi um golpe arquitetado pelos Estados Unidos. Victoria Nuland, Secretária de Estado Adjunta para a Europa, admitiu gastar US$ 5 bilhões para alcançar esse resultado durante um discurso no National Press Club em 25 de abril de 2014.


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Sabemos hoje, graças às revelações de Angela Merkel e François Hollande, que os Acordos de Minsk, supostamente para restaurar a calma no país após a revolução – acordos rubricados por Ucrânia, Rússia, Alemanha e França – foram apenas uma cortina de fumaça para dar tempo à Ucrânia de se preparar para guerra. E, de fato, de 2014 a 2022, a OTAN treinou as forças ucranianas. Também sabemos, após a invasão da Rússia, que Victoria Nuland expressou preocupação durante uma audiência no Senado sobre o destino dos laboratórios biológicos que os Estados Unidos haviam instalado na Ucrânia, temendo que os russos tivessem acesso aos segredos comerciais americanos.

Modelados no Império Britânico do qual se libertaram, os Estados Unidos se perceberam como um império desde o início. Em carta ao Marquês de Lafayette, George Washington descreve a nação da qual é presidente como um “mini império”. Benjamin Franklin compartilha desse ponto de vista. A Doutrina Monroe confirma essa visão que a nação tem de si mesma.

Esse “destino manifesto” é um nariz falso atrás do qual se escondem interesses políticos, econômicos e financeiros. A Guerra Mexicano-Americana de 1848 foi imperialista, assim como a expedição do comodoro Perry ao Japão, a conquista do Havaí ou a “libertação” das Filipinas que se transformou em colonização. A aspiração de dominar o mundo tomou forma no final da Segunda Guerra Mundial e se cristalizou após o colapso da União Soviética. De imperialista, a política americana tornou-se hegemônica. É uma miragem, como demonstrou John Mearsheimer [2].

Não pode haver paz duradoura na Ucrânia ou em qualquer outro lugar do mundo sem que os Estados Unidos renunciem à sua visão hegemônica – uma visão que George W. Bush expressou tão bem quando declarou urbi et orbi: “ou você está conosco, ou você está com os terroristas”, estando os terroristas destinados a desaparecer.

O presidente da nação mais poderosa do mundo raciocina como uma criança…


Publicado no Cf2R.


*Jean-Luc Baslé é ex-diretor do Citigroup New York e autor de “L’Euro survivra-t-il?” (2016) e de “The International Monetary System: Challenges and Perspectives” (1982).


Notas

[1] O resultado foi considerado “transparente e honesto” por observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

[2] “Bound to Fail: The Rise and Fall of the Liberal International Order”, International Security, Volume 43, Edição 4, abril de 2019.

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1 comentário

  1. E com essa narrativa de querer levar democracia ao mundo o que não passa de cortina de fumaça, para dominação hegemônica os (EUA) sempre se colocam no lugar do mocinho

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