Ucrânia: Depois de Bakhmut

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Artilheiros da 80ª brigada de assalto aerotransportada ucraniana disparam um lançador de foguetes múltiplo BM-21 Grad em direção a posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, 18 de abril (Anatolii Stepanov/AFP via Getty Images).

Por David H. Rundell e Michael Gfoeller*

Artilheiros da 80ª brigada de assalto aerotransportada ucraniana disparam um lançador de foguetes múltiplo BM-21 Grad em direção a posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, 18 de abril (Anatolii Stepanov/AFP via Getty Images).

Enquanto uma geração de homens ucranianos morre, a verdade é que a Ucrânia tem tantas chances de vencer uma guerra com a Rússia quanto o México teria de vencer uma guerra contra os Estados Unidos.


Não há nada de patriótico em um americano (na opinião do tradutor, o mesmo se aplica a um brasileiro) hasteando uma bandeira ucraniana. Também não há nada de traidor em um americano questionar o apoio ilimitado a uma nação estrangeira em uma guerra estrangeira. Reconhecer que a Ucrânia não derrotará a Rússia sem uma intervenção americana muito maior não é pró-russo, é pró-realidade.

Entre 2014 e 2022 houve uma violenta insurreição separatista no leste da Ucrânia. Para evitar a intervenção russa, o governo de Kiev construiu uma linha de cidades fortemente fortificadas e rotas de abastecimento ao longo de sua fronteira oriental. Bakhmut era um importante centro de transporte nessa rede.

Cinco meses atrás, quando escrevemos que Bakhmut acabaria caindo nas mãos dos russos, alguns leitores zombaram de nós. Não sabíamos que a Ucrânia estava ganhando a guerra? Bem, os ucranianos fizeram uma defesa notável no que se tornou a batalha mais sangrenta do século XXI, mas a maior parte de Bakhmut, incluindo as linhas ferroviárias vitais, caiu. Demorou mais do que esperávamos, mas essa derrota tornou ainda menos provável que a Ucrânia consiga restabelecer suas fronteiras de 2014 sem a intervenção direta das tropas da OTAN.

Quantas vezes ouvimos que tropas russas mal treinadas, mal lideradas e mal equipadas, muitas delas mercenários e ex-presidiários, sofreram perdas impressionantes e foram expulsas de territórios que inicialmente capturaram? Isso tudo pode ser verdade. Isso não muda o fato de que a Rússia agora está pronta para aproveitar ao máximo a queda de Bakhmut assim que o verão seco chegar.

Sete meses atrás, a Rússia mobilizou 300.000 reservistas e usou o tempo intermediário para treiná-los. Ela levou a produção de armamento a uma alta velocidade e acumulou quantidades significativas de equipamentos e munições. Centenas de milhares de tropas russas estão agora posicionadas no leste da Ucrânia, onde começaram a avançar em vários locais ao longo de uma frente de 725 quilômetros.

A Ucrânia, por outro lado, concentrou muitas de suas tropas mais bem equipadas e treinadas em Bakhmut, onde foram marteladas durante meses pela artilharia, mísseis e drones russos. Na batalha por Bakhmut, a Ucrânia perdeu milhares de soldados experientes que não podem ser substituídos por recrutas com algumas semanas de treinamento acelerado.

As armas ocidentais tornaram possível a defesa de Bakhmut. Repetidas vezes, o apoio da OTAN à Ucrânia aumentou, de mísseis Javelin e Stinger de curto alcance, para HIMARS de médio alcance e baterias de mísseis Patriot, para armas pesadas como tanques Abrams e veículos de combate Bradley. Enquanto a maré da batalha se voltava contra os ucranianos com poucos homens e armas, os defensores de Kiev no Ocidente não pararam para refletir sobre como poderiam acabar com essa tragédia. Em vez disso, pediram a entrega de caças e mísseis de longo alcance.

Essas entregas de armas alimentaram a raiva pública generalizada na Rússia e a crença de que agora eles estão em guerra com a OTAN. A entrega dos tanques alemães Leopard II resultou em manchetes em Moscou, como “Tanques alemães estão novamente em solo russo” e até mesmo editoriais afirmando “O Quarto Reich declarou guerra à Rússia”. Não é preciso ser um profeta para ver onde essa persistente escalada está levando ou por que ela precisa parar.


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Em última análise, não somos generais, mas entendemos de economia. Sempre pareceu extremamente improvável para nós que uma nação com PIB de US$ 200 bilhões em 2021 e população de 44 milhões pudesse derrotar uma nação com PIB de US$ 1,8 trilhão e população de 145 milhões. Isso pareceria particularmente verdadeiro se apenas a nação maior, ou seja, a Rússia, possuísse uma força aérea considerável, indústrias de defesa significativas e armas nucleares.

De acordo com estatísticas do Banco Mundial, a Ucrânia tinha uma população de 44 milhões quando a guerra começou, mas hoje apenas metade desse número ainda está em suas casas. Onze milhões de ucranianos fugiram para a Europa ou estão deslocados internamente. Vários milhões fugiram para a Rússia e outros milhões agora vivem em áreas sob controle russo.

No ano passado, a economia ucraniana encolheu 30%, enquanto o PIB russo caiu apenas 3%. O rublo está tão forte em relação ao dólar hoje quanto estava quando a guerra começou. O FMI prevê que em 2023 o crescimento do PIB da Rússia ultrapassará o da Grã-Bretanha e da Alemanha. Claramente, as sanções ocidentais não destruíram a economia russa.

Enquanto a Rússia permanece em grande parte autossuficiente em alimentos, energia e equipamento militar, grande parte da infraestrutura da Ucrânia está em ruínas. Embora a Ucrânia tenha se tornado fortemente dependente da OTAN para armamentos, tanto as próprias reservas da OTAN quanto os antigos estoques de munições da era soviética da Ucrânia de projéteis de artilharia e mísseis de defesa aérea estão se esgotando rapidamente. Nesta guerra de desgaste, o tempo não está do lado de Kiev.

Moscou considera qualquer presença da OTAN na Crimeia da mesma forma que Washington veria os mísseis russos em Cuba ou uma base naval chinesa na Nova Escócia. Nunca foi realista esperar que a Rússia entregasse a Crimeia sem sofrer uma derrota militar decisiva. Agora, porém, os termos de paz que Kiev pode esperar tornaram-se ainda menos favoráveis do que há sete meses.

Do ponto de vista de Moscou, os referendos realizados em setembro de 2022 transformaram as províncias de Lugansk, Donetsk, Zaporizhya e Kherson em partes da Federação Russa e, como resultado, Moscou agora buscará o controle total dessas regiões. Dentro de seis meses, a Rússia poderá impor condições ainda mais duras para a paz.

Os requisitos clássicos para uma guerra justa incluem uma possibilidade razoável de vitória. Enquanto uma geração de homens ucranianos está morrendo, a triste realidade é que a Ucrânia tem quase tantas chances de vencer uma guerra contra a Rússia quanto o México teria de vencer uma guerra com os Estados Unidos. Prolongar o conflito não mudará essa equação. Mais mortes ucranianas e destruição de infraestrutura apenas traumatizarão ainda mais essa sociedade. A menos que estejamos preparados para arriscar uma escalada significativa que poderia envolver as forças da OTAN lutando contra os russos, a melhor maneira de garantir a sobrevivência de um estado ucraniano independente e viável é negociar um acordo agora.


Publicado na Newsweek.


*David H. Rundell é ex-chefe de missão da Embaixada Americana na Arábia Saudita e autor de “Vision or Mirage: Saudi Arabia at the Crossroads”.

*Michael Gfoeller foi conselheiro político do Comando Central dos EUA e membro do Conselho de Relações Exteriores. Serviu por 15 anos na União Soviética, ex-União Soviética e Europa Oriental.

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6 comentários

  1. Excelente artigo! Muito lúcido e realista! Um choque de realidade necessário à mídia ocidental torcedora…

  2. Penso da mesmíssima forma. Para a Ucrânia já é questão de qual prejuízo é o menor. Para o mundo não se trata mais do q é melhor pra Ucrânia, mas sim só q é melhor para o mundo.

  3. Artigo objetivo e realista, será questão de tempo a Russia conquistar todos os seus objetivos, quando chegar o acordo de paz, será muito amargo para Kyiv e nos termos russos.Quanto mais demorar pior e amargo será

  4. Muito interessante o artigo. Bem escrito e realizado por autores conceituados.
    No entanto, discordo das premissas apresentadas para embasar a certeza da derrota ucraniana.
    A comparação do PIB ou ainda da capacidade industrial, nuclear e de força aérea já se repetiram na história. Vejamos o caso da Guerra da Coreia, Vietnã e Afeganistão.
    As duas primeiras derrotas de paises democráticos, e tem suas particularidades, pois sustentar guerras em uma democracia é muito difícil. Porém, no último, a derrota foi de um governo centralizado e autoritário.
    10 anos de conflito consomem os recursos de qualquer país.
    Ainda é cedo para fazer prognósticos, mas aparentemente a guerra durará muitos anos. Vamos aguardar para ver o lado mais resiliente.

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