O antigo Império Persa, Parte 1: Introdução

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Ciro, Rei da Pérsia, de Quatro Ilustres Governantes da Antiguidade (The Elisha Whittelsey Collection, Metropolitan Museum of Art).

Ciro, Rei da Pérsia, de Quatro Ilustres Governantes da Antiguidade (The Elisha Whittelsey Collection, Metropolitan Museum of Art).

Chegando a governar mais de 44% da população mundial da época em seu auge, o aquemênida foi o primeiro grande império da antiguidade, como se verá nesta primeira parte de uma série de quatro artigos sobre o antigo Império Persa.


A era de ouro da Dinastia Aquemênida

As ruínas de mais de 2.500 anos da antiga Persépolis oferecem vistas deslumbrantes de escadarias cerimoniais e colunas com grifos, touros e leões como as que se encontram a sudoeste, pelas colunas de uma grande sala de audiências. A antiga cidade foi construída sobre uma enorme plataforma artificial, com quase quatrocentos metros de comprimento em cada um dos quatros lados e, através da suntuosidade de sua arquitetura, reflete a pompa e grandiosidade que caracterizaram o primeiro grande império da antiguidade.

Segundo Mousavi (2005)[1], em 1930, durante a primeira escavação exploratória das ruínas de Persépolis, o arqueólogo alemão Ernst Herzfeld encontrou inscrições cuneiformes revelando que o rei aquemênida persa Dario I (522-486 a.C.) construiu a cidadela no início de seu reinado. Mas os estudiosos ainda não chegaram a um consenso sobre a razão pela qual Dario criou esta esplêndida “Cidade dos Persas”.


Ruínas de Persépolis, a antiga capital do Império Persa, no atual Irã (Madain Project, https://madainproject.com/persepolis).

Em 1952, o edifício foi completamente escavado por Ali Sami, que encontrou inscrições nas bases das colunas identificando a estrutura como um “palácio do rei Xerxes”. Situado em um grande jardim com piscina ornamental, este palácio parece ter sido uma das principais residências dos reis aquemênidas durante as visitas a Persépolis.

Mais perto da plataforma, Sami também descobriu os restos de um edifício com um hall central de quatro colunas. No final da década de 1960 e início dos anos 1970, Akbar Tadjvidi escavou sete outros complexos na planície sul, bem como uma parte da cidadela do recinto norte-sul cem metros a oeste da plataforma.

Depois de reorganizar e fortalecer o império após um período de turbulência política (Matthew Waters, Making (Up) History, pág. 12), Dario criou símbolos distintivos de poder em inscrições monumentais, em entalhes em relevo (nos quais ele é frequentemente associado ao grande deus Ahuramazda) e, talvez especialmente, em uma grande cidadela: Persépolis. O trabalho que Dario começou, tanto no fortalecimento da nova dinastia quanto na construção de Persépolis, foi completado por seu filho e herdeiro, Xerxes, e pelo filho e herdeiro deste, Artaxerxes. Pela mesma razão, Persépolis foi cada vez menos utilizada durante o período Aquemênida posterior, quando parece ter sido transformada em um retiro real privado. Todo rei aquemênida se esforçou para completar partes dessa cidade “cerimonial”, que ainda estava inacabada quando Alexandre a destruiu em 330 a.C. Talvez seja por isso que Persépolis permaneceu desconhecida para os gregos clássicos: os reis persas poderiam não querer revelar os tesouros de sua cidade real e cerimonial até que estivesse completa – o que nunca aconteceu. (MOUSAVI, 2005. p.35)[2]


Relevo nos murais de Persépolis da divindade persa Ahura Mazda (World History Encyclopedia, https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-15806/ahura-mazda/).

Graças ao empenho de boa parte da mídia ocidental, quando nos referimos à região que atualmente conhecemos por Irã, associamos imediatamente tais povos e culturas ao atraso, fanatismo e autoritarismo “típico dos povos médio orientais” como sempre retratados no imaginário ocidental ao longo de séculos. Porém, uma leitura mais complexa se faz necessária, pois, conforme nos aponta Said (1978, pág. 32):

A relação entre o Ocidente e o Oriente é uma relação de poder, de dominação, de graus variáveis de uma hegemonia complexa, (…). O Oriente não foi orientalizado só porque se descobriu que era “oriental” em todos aqueles aspectos considerados lugares-comuns por um europeu comum (…) mas também porque poderia ser – isto é, submeteu-se a ser transformado em oriental.

Entretanto, foi justamente na região que nós ocidentais denominamos de oriente médio, que se desenvolveu aquele que pode ser considerado o primeiro império global ainda na antiguidade: o império Aquemênida.

Segundo Touraj Daryaee e Khodadad Rezakhani, na obra Excavating an Empire: Achaemenid Persia in Longue Durée (2011)[3], o Império Aquemênida, c. 550-330 a.C., ou Primeiro Império Persa, foi fundado no século VI a.C., por Ciro, o Grande, nas regiões da Ásia Ocidental e Central. A dinastia deve seu nome à Achaemenes, que, de 705-675 a.C., governou a Pérsia, região delimitada a oeste pelo rio Tigre e ao sul pelo Golfo Pérsico.

O Império Aquemênida (539-333 a.C.) foi o primeiro grande império do mundo antigo. Desde seus primórdios como resultado das conquistas de Ciro II da Pérsia (mais tarde conhecido com o epônimo “o Grande”) e seu filho Cambises ao complicado poder administrativo e financeiro que se tornou sob o governo de Dario I (novamente “o Grande” e muito merecidamente) e Xerxes I, o Império Aquemênida foi um verdadeiro “império mundial” e uma unidade política que realmente merece ser estudada por seus efeitos na formação da história mundial. Em certo sentido, também se poderia dizer que o Império Aquemênida Império foi o culminar de cerca de 3.000 anos de civilização e cerca de 2.000 anos de exercício na construção de impérios no Oriente Próximo. Assim, pode-se afirmar que o Império Aquemênida era um recém-chegado à história do mundo, pois ninguém e nenhuma entidade poderia ter existido sem fortes laços com o que veio antes dele. No entanto, apesar de ser uma continuação dos sistemas imperiais anteriores, o Império Aquemênida também foi algo bastante novo, de fato, um inovador no esforço contínuo da humanidade em organizar seus negócios. (Daryaee and Rezakhani, 2011, p. 4)[4]

Por volta de 550 a.C., Ciro, o Grande (Ciro II) conquistou o Império Medo e iniciou a expansão do Império Aquemênida, assimilando os impérios vizinhos da Lídia e Babilônia.

Ciro foi sucedido por seu filho Cambises II em 530 a.C., posteriormente pelo usurpador Gaumata, figura tanto histórica como também envolta em uma aura mítica e, finalmente, por Dario, o Grande, em 522 a.C.

Na época de Dario, o Grande e seu filho, Xerxes, o Império Aquemênida havia se expandido para incluir a Mesopotâmia, o Egito, a Anatólia, o sul do Cáucaso, a Macedônia, a bacia do Indo ocidental, bem como partes da Ásia Central, norte da Arábia e norte da Líbia.


Estátua de Ciro, o Grande, exposta na cidade iraniana de Shiraz (Majid Sadegh/Pinterest, https://pin.it/2fN5Gx3).

Segundo Coggiola (2016)[5], em seu auge, por volta de 475 a.C., os Aquemênidas governaram mais de 44% da população mundial, o número mais alto de qualquer império na história. Conforme salienta ASHERI, em sua obra O Estado Persa,

O estado persa (…) é o primeiro dos reinos persas que se sucederam na área irânica antiga. Após o período selêucida, durante o qual a área foi incorporada no novo império universal por cerca de três quartos de século, seguiram o reino pártico dos Arsácidas (cerca de 250 a.C.-225 d.C.) e o reino dos Sassânidas (226-642 d.C.). Também estes dois reinos se constituíram no Irã ocidental, entre o Mar Cáspio e o Golfo Pérsico, mas, mesmo se se estenderam temporariamente e com sucesso variado para leste, em direção à Índia, e para sudoeste, até as fronteiras da Arábia, nunca conseguiram se elevar ao nível de “monarquia universal”, no significado que foi adotado em relação ao império aquemênida. (ASHERI, 2006, pág. 19)


Extensão territorial do império Persa em seu auge (Princeton University, https://commons.princeton.edu/mg/the-growth-of-the-persian-empire/).

O Império Achaemenida foi o primeiro estado-nação centralizado e, durante a expansão em aproximadamente 550-500 a.C., tornou-se o primeiro império global e, por fim, governou porções significativas do mundo antigo, sendo lembrado por ter sido o primeiro grande império que observou um tratamento digno aos povos vencidos. Conforme salientam André Aymard e Jeannine Auboyer, na obra História Geral das Civilizações: o Oriente e a Grécia Antiga:

“amei a justiça e odiei a mentira, afirma Dario; minha vontade foi não permitir injustiça alguma para com a viúva e o órfão; puni estritamente o mentiroso; mas aquele que trabalhava, mereceu minha recompensa.” Tudo isto está em perfeita concordância com a moral que religião persa pregava a todos os homens. Se é verdade que numerosos autores gregos viram no Aquemênida, inimigo nacional, o tipo de tirano brutal, acima de toda lei, nem por isto outros, e por vezes os mesmos, deixaram de realizar o complacente elogio desta ideologia. De resto, não se tratava sempre, neste caso, de simples frases. A Ciropedia de Xenofonte é o mais antigo dos romances históricos. Mas Dario I deixou merecida reputação de legislador excelente e ativo. (AYMARD e AUBOYER, 1977, pág. 204)

Ainda, de acordo com os mesmos autores, o tratamento digno aos povos subjugados se refletia, sobretudo, na inédita postura de tolerância religiosa do mundo antigo praticada pelos conquistadores persas:

O Oriente, até então, conhecera vencedores, nem todos tolerantes. Os assírios haviam transformado muitas guerras entre homens em guerras entre deuses, e o babilônio Nabucodonosor, deportando numerosos judeus para sua capital, assolara o Templo. É em virtude da comparação com tais práticas, aplicadas pelos seus predecessores imediatos, que o comportamento dos Aquemênidas adquire um valor especial. Logo à sua chegada a Babilônia, Ciro tinha “tomado as mãos de Bel-Marduc”, ao mesmo tempo que libertava e restaurava Israel. Seus sucessores jamais perseguiram, não implantaram em parte alguma os seus deuses pela força, preencheram em relação a todos os cultos do seu império os deveres tradicionais dos reis nacionais: em Jerusalém, era celebrado quotidianamente um sacrifício em nome do rei e às suas custas; no Egito e na Babilônia, os rigores reais só atingiram o clero na medida em que este animara rebeliões. Se, durante longo tempo depois disto, o mundo antigo não mais conheceu a não ser de maneira excepcional a intolerância religiosa, isso se deve ao exemplo dado pelos soberanos persas. (AYMARD e AUBOYER, 1977, págs. 208-209)

Tal postura geopolítica pode ser observada em artefatos que expressam manifestações desse ideário cosmopolita e pluricultural, como caracterizado nas imagens do ritual de oferendas no Palácio de Apadana, em Persépolis.

O multiculturalismo presente no Império Persa e refletido nos murais do Palácio de Apadana serão abordados na segunda parte dessa série de artigos dedicados a história do Antigo Império Persa, bem como dos seus grandes líderes: Ciro, o Grande e Dario, o Grande.

LEIA A SEGUNDA PARTE DESTE ARTIGO.



Notas

[1] MOUSAVI, Ali. Why Darius built Persepolis? Archaeology Odyssey 8:6, Novembro/Dezembro 2005. Págs. 22-35.

[2] Tradução livre da autora. After reorganizing and reinvigorating the empire after a period of political turmoil (Matthew Waters, “Making (Up) History”, p. 12), Darius created distinctive symbols of power in monumental inscriptions, in relief carvings (in which he is often associated with the great god Ahuramazda) and, perhaps especially, in a great citadel: Persepolis. The work that Darius began, both in strengthening the new dynasty and in building Persepolis, was completed by his son and heir, Xerxes, and by Xerxes’s son and heir, Artaxerxes. For the same reason, Persepolis was used less and less during the later Achaemenid period, when it seems to have been transformed into a private royal retreat. Every Achaemenid king endeavored to complete portions of this “ceremonial” city, which was still unfinished when Alexander destroyed it in 330 B.C. Perhaps that is why Persepolis remained unknown to the classical Greeks: The Persian kings may not have wanted to reveal treasures of their royal, ceremonial city until it was complete—which never happened.

[3] Daryaee, Touraj e Aliyar Mousavi. “Excavating an Empire: Achaemenid Persia in Longue Durée.” (2011).

[4] Tradução livre da autora conforme o original: The Achaemenid Empire (539-333 BCE) was the first great empire of the ancient world. From its beginnings as the result of conquests by Cyrus II of Persia (later known with the eponym “the Great”) and his son Cambyses to the complicated administrative and financial power that it became under the rule of Darius I (again “the Great” and quite deservedly so) and Xerxes I, the Achaemenid Empire was a true “world empire” and a political unit that truly deserves to be studied for its effects on the formation of world history. In a sense, one could also say that the Achaemenid Empire was the culmination of ca. 3000 years of civilization and about 2000 years of exercise in empire-building in the Near East. So, one could claim that the Achaemenid Empire was a newcomer into world history, as no one and no entity could have existed without strong ties to what came before it. However, despite being a continuation of the imperial systems before it, the Achaemenid Empire was also something quite new, indeed an innovator in humanity’s continuous effort in organizing its affairs.

[5] COGGIOLA, Osvaldo. A REVOLUÇÃO ÁRABE E O ISLÃ Entre Pan-arabismo, Pan-islamismo e Socialismo São Paulo 2016.

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