Demonstração de briefing

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Ilustração: coronel-aviador R1 Ivo Batalha.

Por José de Carvalho*

Ilustração: coronel-aviador R1 Ivo Batalha.

Uma perfeita demonstração de briefing… ou nem tanto?


O fato abaixo narrado é real e ocorreu na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica – EAOAR – em sua antiga sede na Base Aérea de São Paulo (Cumbica), durante o curso da Turma 1-54. Na época, havia dois cursos por ano, um, no primeiro, e outro, no segundo semestre. As turmas eram identificadas pelo numeral um ou dois seguido dos dois últimos numerais do ano.

O título da aula era “Briefing de Equipagem de Combate – Demonstração”.

Com o auditório lotado, inclusive com a presença de vários instrutores, foi iniciada a aula. Após a verificação de presença dos alunos, o instrutor, capitão Pereira Sobrinho, iniciou sua apresentação. Enfatizou que o briefing era um componente importante da missão, pois era nele que as equipagens tomavam conhecimento da missão e de seus detalhes. Informou que o briefing poderia ser completo ou sumário, dependendo da missão. No caso, seria apresentado um briefing completo. Após concluir sua aula, cheia de detalhes, apontou a presença de alguns militares no auditório, vestidos de macacão de voo, simulando uma equipagem de avião B-25. Informou que, em seguida, seria feita a apresentação de um briefing completo para uma missão de bombardeio, atribuída a um esquadrão de B-25.

Ao abrir a cortina do palco, lá estava um simulacro de uma sala de briefing com o mapa de situação, que abrangia todo o País Vermelho, onde se destacavam a linha de contato das forças terrestres do País Azul e do País Vermelho que estavam em guerra. Havia também um quadro com a escala das tripulações para a missão, o quadro horário e alguns oficiais instrutores, que simulavam as funções de oficial de operações, de informações, de material, de pessoal e de médico do esquadrão, identificados por um enorme crachá com as inscrições: A-3, A-2, A-4, A-1 e MÉDICO.

O oficial de operações fez a chamada das equipagens escaladas para a missão, inclusive a equipagem reserva, chamada essa que era respondida pelos membros vestidos de macacão. Em seguida, promoveu o acerto dos relógios, dizendo: “Faltam 20 segundos para as 9 horas …15…10…5, 4, 3, 2 ,1, são 9 horas.” Como por encanto, abriu-se uma porta que dava para o palco e, por ela, entrou o comandante do esquadrão. Imediatamente, o oficial de operações deu a clássica ordem: “Esquadrão, sentido!” Imediatamente, os pseudo membros da equipagem se levantaram, bem como a maioria dos oficiais-alunos, que nada tinham a ver com o esquadrão.

O comandante, após dizer “à vontade”, dissertou sobre a importância da missão, pois os alvos eram, todos, importantes entroncamentos ferroviários que, se destruídos ou pesadamente danificados, dificultariam, sobremodo, o transporte de tropas e de materiais do inimigo para a zona de combate. Pediu ao oficial de operações que conduzisse o briefing. Este passou a palavra ao oficial de informações, o qual transmitiu as últimas informações sobre o inimigo, informações essas que poderiam afetar o sucesso da missão. Mostrou a localização das bases, onde estavam sediadas as unidades de caça inimigas, tipo e quantidade de aviões em cada uma e táticas usadas pelos caças inimigos. Mostrou, no mapa, a localização das baterias antiaéreas inimigas e suas características de calibre, intensidade e de precisão. Deu instruções sobre como proceder em caso de o avião ser atingido e a tripulação ter de abandoná-lo em voo: saltar de paraquedas, ao chegar no solo, enterrá-lo, esconder-se durante o dia e só se locomover à noite. Citou cidades onde havia elementos de contato para auxiliar a fuga: numa delas era o sacristão, que morava atrás da igreja; em outra era uma dançarina de um cabaré, projetando as respectivas fotografias. Forneceu a senha para estabelecer o contato. Recomendou que, ao término do briefing, cada um deixasse no respectivo escaninho carteira de identidade, fotos, aliança, relógio ou qualquer objeto que pudesse fornecer informações úteis ao inimigo.


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O oficial de operações retomou a palavra e informou os horários de término do briefing, de guarnecer, de partida dos motores, de início do táxi e de decolagem. Mostrou, no mapa, a rota a ser seguida, o ponto de encontro com os aviões de caça que iriam escoltá-los; o rumo de aproximação para cada alvo (principal, secundário e de última instância), o rumo de ataque, as manobras a serem executadas após o lançamento das bombas, o ponto de reagrupamento e a rota de retorno à base.

O oficial de material informou a quantidade de combustível, a quantidade e os tipos de bombas carregadas nos aviões e a quantidade de munição para cada metralhadora. Recomendou aos pilotos poupar os freios durante o táxi, pois havia escassez de sobressalentes para eles.

O oficial de pessoal informou sobre o tipo de lanche existente a bordo; disse ainda que, no regresso, a correspondência já deveria ter chegado e que, à noite, haveria a projeção de um filme famoso.

O médico mostrou, no mapa, as áreas onde, segundo informações, havia surto de malária. Informou que, nos respectivos escaninhos, havia um vidro com comprimidos de Aralém, remédio preventivo contra a doença, que cada um deveria tomar um comprimido antes da decolagem e, em caso de abandono do avião, tomar três comprimidos por dia.

O comandante proferiu palavras de incentivo à tripulação, reiterando a importância da missão para o desfecho vitorioso da guerra. Desejou êxito e se despediu. Novamente, houve a ordem de “Esquadrão, sentido” e, novamente, levantaram-se os membros de equipagens e vários oficiais-alunos. Parece ser um impulso automático os milicos se levantarem ao ouvir a ordem de sentido.

O instrutor retomou a palavra e discorreu sobre o que havia sido demonstrado no briefing, chamando a atenção para alguns pontos importantes. Ao término de sua apresentação, fez a clássica pergunta: “Alguém tem alguma dúvida?”

Eis que levanta a mão um aluno, capitão intendente, já famoso na turma, por suas oportunas e constantes intervenções humorísticas. O instrutor então perguntou: “Qual é a sua dúvida?” Ele então respondeu: “Na verdade, eu não tenho dúvida; eu só não entendi por que o oficial de operações, no início do briefing, mandou todos acertarem os relógios e, depois, o oficial de informações disse para todos deixarem os relógios nos respectivos escaninhos!”

As gargalhadas tiveram a duração de cerca de três minutos.


Publicado na Revista Aeronáutica nº 249, de março/abril de 2005.


*José de Carvalho é coronel-aviador reformado da Força Aérea Brasileira.

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3 comentários

  1. Excelente, além de engraçado.
    Eu considero o briefing como 50% do trabalho a ser executado.

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