A liderança tática na gestão de incidentes críticos

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Integrantes da ROTA, da PMESP, em operação (Acervo do autor).

Integrantes da ROTA, da PMESP, em operação (Acervo do autor).

As agências envolvidas na resposta a incidentes críticos devem aprimorar seus integrantes por meio de pré-planejamento, educação, treinamento e exercícios de simulação.


Introdução

Os órgãos de segurança pública veem-se constantemente impactados pelos chamados incidentes críticos[1], provocados por causa humana ou natural. Essas emergências incomuns são, como dizemos, “surpresas rudes”, repletas, portanto, de incertezas, pois acontecem quando menos se espera. Óbvio é que não queremos, com isso, dizer que elas poderiam – ou até deveriam – acontecer quando estamos preparados[2].

Aqui já surge um ponto importante: as surpresas nunca melhoram sozinhas e, dependendo de como são conduzidas, causam estragos e destroem a legitimidade das instituições públicas, pois, aí, o sistema está fora de ordem e o que se espera é que se tenha líderes que tracem caminhos para sair da crise.

Diante desse problema candente a exigir resposta à altura, estudamos a tese de mestrado apresentada por Travis Norton, policial californiano, na Escola Naval Americana. Nela, ele analisou os 15 principais incidentes críticos ocorridos, em solo americano, nos últimos anos. Como conclusão, Norton assevera que o principal problema constatado, em um incidente crítico, é a fragilidade da gestão dos eventos devido à falta de liderança.

Isso nos parece muito lógico, pois, numa situação de normalidade, o líder emprega um tipo de abordagem tradicional para solucionar a questão: o problema é definido, os critérios são identificados e sequenciados de acordo com a sua importância, as alternativas são avaliadas em relação às prioridades e, então, selecionadas de um modo apto a solucionar o problema em questão.

Ora, num incidente crítico estamos, como o próprio nome diz, numa situação muito diferente. Trata-se de um ambiente sensível ao tempo, no qual esse processo normal não pode ser sequer imaginável, pois não é possível aplicar aí a abordagem habitual de resolução de problemas. Por quê? Por uma razão muito clara: para que isso aconteça, precisamos de dados suficientes e estáveis que, via-de-regra, não são possíveis em um evento crítico da natureza que estamos abordando neste artigo.

Aqui, entra a insubstituível função do líder. Sim, pois se ele falha ao fazer as escolhas certas, o risco de se viajar por um caminho errado, que leva ao fracasso, aumenta demasiadamente. Por isso, os líderes hão de tomar decisões – ainda que às escuras, compreendemos –, com base em informações incompletas, muito vagas e, às vezes, até mesmo contraditórias. Isso se dá pelo fato de essas decisões, geralmente, apresentarem restrições de tempo. Ora, uma decisão atrasada pode fazer a diferença entre a vida e a morte, o caos e a ordem, o colapso e a resiliência.

Outra questão importante que deve ser abordada refere-se às diversas agências[3] presentes nesse tipo de ocorrência e como, por conseguinte, seus líderes são preparados para um possível incidente crítico. O que nos surpreende – e muito – é que não existem padrões consistentes e o número de pessoas que recebem o treinamento apropriado é relativamente pequeno. Afinal, liderar um evento desses não é para todos. Oferecemos um exemplo: existem aqueles que podem ser excelentes em várias funções administrativas, mas são incapazes de agir a contento no ambiente de ritmo acelerado como é caso de um incidente crítico, até porque o pouco tempo que se tem para agir é precioso. Não há espaço para questões pessoais, como poderia existir em ações menos urgentes.

Percebe-se que, na realidade, as agências dependem, essencialmente, da esperança probabilística como estratégia. De que modo? Elas esperam que o líder certo esteja de plantão quando um grande incidente acontecer. Salvo isso, contam apenas com a convocação de especialistas para que cuidem do incidente. No entanto, a realidade deveria ser muito diferente, dado que os esforços e as ações do líder do incidente, no início do fato, servem para definir o tom, o ritmo e a direção dos empenhos de resposta. Não sem razão, os bons líderes de incidentes críticos reconhecem que gerenciar uma cena nos momentos iniciais é extremamente crucial para o sucesso de seu desfecho.

Eis, pois, ante essa triste constatação, a oportunidade deste artigo: pretende ajudar na orientação de líderes que agirão em incidentes críticos. Para tanto, percorre o seguinte roteiro: a conceituação desses incidentes; suas características; a importância da liderança em ato[4] e o estilo ideal de ação do líder; a importante analogia entre treinador ou jogador; os objetivos do líder numa gestão de incidentes críticos e como desenvolvê-los.

Conceituando o incidente crítico

Um incidente crítico deve ser aqui entendido como qualquer evento que coloque vidas em risco, cause danos graves ao patrimônio ou ao meio ambiente, trazendo impacto significativo na confiança da sociedade e, por conseguinte, na sensação de segurança. Por todas estas características, vê-se que tal incidente exige uma resposta célere e integrada de diversos órgãos e instituições através do emprego conjugado de meios e gestão estratégica para a sua resolução (cf. RACORTI, 2019).

Esses eventos, que colocam vidas, propriedades e o meio ambiente em risco, requerem, por isso, uma resposta célere e coordenada de diversos recursos e agências[5], são divididos em quatro tipos.

1°) Naturais: consiste em algum tipo de desastre causado pela própria natureza física tal como um tornado, um furacão, uma inundação, uma erupção, entre outros. Têm como premissa não existir, ao menos a priori, interferência humana, não podendo ser, portanto, em si mesmos, impedidos, mas apenas mitigados em seus efeitos, caso seja possível prever sua chegada;

2°) Mecânicos ou tecnológicos: são aqueles incidentes que envolvem algum tipo de ação humana, mas nos quais esta não é a única a agir na causa do incidente crítico em si. Tais ocorrências se dão em acidentes de avião, de ônibus ou de trens com a característica de fazer vítimas em massa, ou seja, mais de quatro pessoas;

3°) Incidentes químicos, biológicos, radiológicos, nucleares e com explosivos (QBRN[6]): são imprevistos altamente complexos nos quais a resposta há de ser coordenada de modo multidisciplinar;

4°) Incidentes de conflito ou policiais: São mais difíceis de ser solucionados porque há um ser racional (ainda que agindo de modo irracional por se achar, emocional ou mentalmente, perturbado[7]) do outro lado e que, por essa razão, tenta, de modo constante, frustrar a vontade do comandante de polícia chamado a restabelecer a ordem violada. Em outras palavras: agem aí vontades humanas opostas.

Características dos incidentes críticos

Uma vez conceituado o incidente crítico, passamos, fundamentados em Sid Heal, doutrinador norte-americano, em seu livro Field Command (2012), a elencar cinco características existentes em todos esses incidentes.

A primeira é a incerteza, pois sempre há uma falta de informação em torno do fato, e, via-de-regra, o que se tem disponível, em mãos, é incompleto, confuso, ambíguo e, por vezes, até conflitante. Embora essa característica esteja presente em todos os tipos de incidentes, é significativamente maior nos incidentes de conflito.

Os líderes serão, portanto, forçados a basear suas decisões em conhecimentos incertos ou mesmo conflitantes com outras informações. Da mesma forma, o elemento do acaso[8] é sempre um fator inerente ao conflito.

Isso ocorre porque a própria natureza do incidente de conflito impossibilita a certeza do que está, de fato, ocorrendo nos momentos iniciais. A interação dinâmica entre a vontade do suspeito e a vontade do gestor do restabelecimento da ordem violada torna esse tipo de conflito especialmente difícil e complexo. A incerteza se faz sempre presente e permeia estas situações, uma vez que há falta de conhecimento sobre o suspeito em ação, o terreno, o clima, as vítimas e até a respeito de outros agentes dos órgãos públicos e privados ali presentes.

Essa incerteza exige que os líderes tomem, nos momentos iniciais, atitudes baseadas em probabilidades para as quais, invariavelmente, faltam informações. Daí ser este momento descrito como o “momento do caos”.

Tal “momento” pode ser definido como o período em que ocorre a quebra da ordem pública de forma violenta e abrupta, com perspectiva real e iminente de resultados letais ou de danos graves, sendo que seus efeitos podem seguir adiante, até extrapolando a restrição espacial, devido às características do incidente. Destacam-se, assim, aí a forma confusa, desordenada e de poucas informações, bem como a escassez de recursos (cf. RACORTI, 2019).

A gestão apropriada do incidente, nos momentos iniciais, é essencial para um resultado positivo e caracteriza-se por um período de ação contínua e célere, momento em que as animosidades e as considerações pessoais podem e devem ser deixadas de lado. Faz-se necessário agir de forma coordenada. Todavia, isso só se consegue por meio de um rigoroso planejamento inicial.

A segunda característica dos incidentes é a de que eles são sensíveis ao tempo; tornam-se, assim, únicos e transitórios. São únicos, pois provêm de fatores que estão inseridos em um determinado lugar, numa circunstância precisa e num momento único. São temporários porque os resultados que ocorrem durante aquele episódio afetam o próximo conjunto de circunstâncias.

Como essas situações estão evoluindo, por definição, estão mudando continuamente. Ora, as decisões atrasadas tornam-se, pois, muitas vezes, ineficazes. Cada oponente busca explorar oportunidades e vantagens quando elas ocorrem e, nesta batalha, o mais rápido ganha uma vantagem. Às vezes, de forma decisiva.

Em um incidente crítico de conflito, o agressor, que pode explorar mais rapidamente as circunstâncias em seu benefício, ganha uma vantagem. Além disso, uma decisão e/ou ação atrasada se torna, muitas vezes, ineficaz porque a situação mudou antes de ela ser implementada, e, por isso, terá de ser imediatamente alterada.

Desse modo, cabe entender que todas as operações táticas são sensíveis ao tempo: quando um injusto agressor está nela envolvido, ele não se acha apenas sensível ao tempo, mas também competitivo contra esse mesmo tempo.

A terceira característica é o potencial de consequências graves como possível desfecho. Todos os incidentes críticos são – conforme vimos – definidos como uma mudança inerente, abrupta e decisiva. Por isso, não podemos atuar com uma resposta tímida e sem brilho, pois as contramedidas ou as reações devem ser proporcionais à ação. Elas hão de impedir que os eventos se potencializem e careçam de uma tomada de decisão eficaz.

Pois bem, é improvável que uma intervenção descoordenada, desorganizada ou fora de foco evite o agravamento do incidente. Por exemplo, considere-se uma situação em que determinada escola está sendo alvo de pichações e de outros vandalismos de adolescentes durante o horário de intervalo das aulas. A aplicação da lei, neste caso, pode reduzir a probabilidade de tais atos. De que modo? Mantendo uma alta visibilidade, interpelando pessoas suspeitas e aplicando, rigorosamente, as ações corretivas legais no ambiente escolar. Pode-se até pedir aos funcionários da escola que restrinjam as áreas de recreações dos alunos durante esses períodos. Isso até que o problema amenize ou mesmo cesse por completo.

Ainda: podem-se reduzir os danos e trabalhar incentivos contra o vandalismo empregando ações de redução, como, por exemplo, remover, imediatamente, o grafite e incentivar apoio da comunidade escolar por meio da participação de todos no processo. O mesmo acontece com as operações táticas. Sim, onde o risco nunca possa ser completamente eliminado, os comandantes são responsáveis por reduzi-los o máximo possível.

Um ponto importante, aqui, está no chamado risco intrínseco presente em todos os incidentes críticos. São alguns riscos diretamente ligados aos gestores. Isso ocorre principalmente quando o tomador de decisão está exposto a danos físicos ou emocionais ou, então, quando o fracasso pode resultar em dificuldades ou contratempos na sua carreira. O que deve se ter em mente, neste momento, é o seguinte: todos os incidentes implicam risco e não há decisões ou ações sem algum tipo de risco.

Existe também o chamado “risco para terceiros”. Isto se dá quando os esforços empregados no alcance de uma resolução bem-sucedida aumentam os perigos aos agentes que vão atuar diretamente na “área quente” do incidente.

Há, quase sempre, risco organizacional. Este pode envolver a perda de equipamentos, de ativos ou até de prestígio institucional. Os gestores tentam, pois, reduzir este risco buscando informações aprimoradas, mais oportunas e precisas. Não obstante, como isso quase nunca é totalmente possível, o mencionado risco se torna inevitável, principalmente no momento do caos, onde, infelizmente, as melhores informações ficam relegadas a um segundo momento.

O quinto fator identificado por Heal é a importante presença do fator humano. Este é um elemento imprescindível. De fato, sem um impacto sobre os seres humanos é impossível ocorrer um incidente crítico. Ao lado, está quem vai atuar na resposta – desenvolvendo esforços para a solução do incidente. Tal evento é moldado pela preparação de quem vai atuar, incluindo aí o treinamento, a educação e a experiência, além de fatores intrínsecos como maturidade, temperamento e personalidade.

Importância da liderança em incidentes críticos e qual o estilo ideal?

Antes de entrarmos neste item, é importante notar o seguinte: aquilo que funciona bem para um administrador de empresas nem sempre funciona para um líder de um incidente crítico.

Na dificuldade de uma situação entre a vida e a morte, o líder e suas equipes irão, certamente, responder de forma diferente de como realizariam uma questão política em uma gestão administrativa.


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Sistema de Gerenciamento de Incidentes e Crises

• Wanderley Mascarenhas de Souza, Márcio Santiago Higashi Couto, Valmor Saraiva Racorti e Paulo Augusto Aguilar (Autores)
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Existem aqueles que podem ser excelentes em várias funções administrativas e de comando, mas são incapazes de trabalhar no ambiente de ritmo altamente acelerado de um incidente crítico devido ao pouco tempo que têm para refletir, como já mencionado.

Nesse cenário caótico, as decisões devem, geralmente, ser tomadas e executadas em segundos, sendo que o erro ou a ação equivocada de um líder que não funciona bem sob estresse, bem como a sua indecisão ou desorganização serão, no balanço final, de responsabilidade da agência, de uma forma organizacional[9].

Para a correta execução dessa difícil tarefa, o bom gestor, em uma cena de emergência, deve assumir o “estilo autocrático”[10], principalmente nos momentos iniciais até a estabilização da situação, e não o estilo “democrático”[11], como seria desejável em outras circunstâncias amenas do dia a dia.

Durante anos, treinamos, em vão, na conhecida filosofia da liderança democrática, o empoderamento dos funcionários e a gestão participativa. Delegávamos, de modo constante, ordens e os gestores de incidentes tornaram-se, com isso, praticamente uma arte perdida.

De tudo isso, foi possível aprender uma importante lição: o líder, em cena, deve emitir ordens claras e especificas para que as equipes respondam. Pois bem, caberá, então, ao gestor comunicar o plano a ser executado e fazer com que a sua equipe o cumpra à risca. Para isso, será sempre imprescindível que o líder demonstre à equipe de resposta que ele está na liderança e tem um plano claro para limitar o crescimento do incidente. Desse modo, ele garante a segurança de todos os envolvidos, estabiliza e, em última análise, resolve o incidente em questão.

Quanto mais tempo um incidente tem para se desenvolver na fase emergencial, maiores serão as oportunidades para o líder conseguir estabilizá-lo. A liderança de incidente força, por certo, o líder a fazer escolhas difíceis, mas estas devem ser respeitadas pelas equipes envolvidas a fim de que, conforme planejado, tudo termine bem.

Outro fator importante: técnico ou jogador?

Para efeito de análise, usando uma analogia[12] do esporte, há de se ter em mente que o líder é o técnico. Ele, como gestor, deve ter uma visão global do incidente, enquanto os jogadores – os demais membros da equipe – não têm presente o quadro geral. Nesse cenário, quem está na liderança deve deixar de lado sua visão de jogadas específicas e desenvolver o seu plano para o jogo inteiro. Com isso feito, o sábio gestor dará, com maior segurança, os passos certeiros do jogo aos membros de sua equipe.

Finalizando este tópico, é possível dizer que, nessa modesta analogia, quanto maior a posição da autoridade em foco, mais distante da ação ela, enquanto “técnica”, geralmente se posiciona. Isso a fim de que tenha uma visão mais completa do campo do jogo para que surja nela uma consciência situacional ampla.

A experiência mostra que, nos mais críticos incidentes, não faltam jogadores, mas, não há, muitas vezes, um “treinador” apto no comando.

Quais são os objetivos do líder numa gestão de incidentes críticos?

Elencaremos, aqui, oito itens.

1°) Garantir a segurança de todos

A gestão de esforço inicial, em qualquer incidente crítico, será sempre a segurança de todos os envolvidos.

O líder deverá decidir entre a resolução e a estabilização do incidente, mas haverá de ter presente que nem sempre a busca pela resolução imediata do incidente seria a melhor solução. Caso esse líder analise uma ameaça real e iminente contra a vida, deve – aí sim – determinar a atuação imediata para a resolução do problema. Isso se dá, por exemplo, em incidentes de ataques ativos.

Importa, sem entrar no assunto em si, esclarecer que o ataque ativo – conforme, atualmente, definido pelo Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) – diz respeito a um indivíduo ativamente envolvido em matar ou tentar matar pessoas em uma área confinada e povoada. Na maioria dos casos, esse atacante ativo usa armas de fogo, mas pode se valer também de facas, explosivos, veículos etc. e tem, via-de-regra, uma ligação com o local atacado. Na escola, por exemplo, ele pode ser um aluno, ex-aluno, funcionário ou ex-funcionário (cf. RACORTI; LIMA, 2022, on-line).

2°) Pôr ordem no caos

De acordo com Mike Hillmann[13], os desafios enfrentados pelos líderes táticos nas fases iniciais de um incidente crítico são os seguintes:

  • O potencial de morte iminente ou de lesões corporais graves;
  • Problemas com Controle x Comando efetivo;
  • O potencial para se tornar “superado por eventos” (SPE) novos e a incapacidade de reagir;
  • Confusão;
  • Ambiguidade e informações conflitantes;
  • Problemas ambientais (ruídos, destruição, morte, caos, escuridão, umidade, incerteza etc.);
  • Questões competitivas de tempo e prioridade.

O líder deve trazer ordem ao caos instaurado. Entretanto, a confusão no início

do incidente pode prejudicar muito a sua capacidade de determinar exatamente o que ele está enfrentando e as agências que respondem pela ocorrência podem aumentar a confusão se o gestor não gerencia bem a sua resposta.

Saber o que está acontecendo, com avaliação rápida da emergência e dos riscos que ela representa, pode fazer toda diferença entre estabilizar e resolver uma cena ou, em contrário, permitir que ela saia do controle.

Portanto, o líder deve assumir o comando e estabelecer as prioridades. De que modo fará isso? Definindo bem as expectativas, mantendo a consciência situacional[14], compartilhando uma imagem operacional comum[15]. Feito isso, importa que esse líder esteja constantemente avaliando e ajustando a sua gestão a fim de que ela seja cada vez mais aprimorada.

Afinal, somente após compreender o que está acontecendo é que se aplica o procedimento para o problema apresentado; ou seja, o remédio apropriado. Isso porque o fator realmente determinante no sucesso final do incidente está nas medidas que o líder emprega para restaurar a ordem e a eficiência de como ele entende a respeito do que está ocorrendo no caos. Só assim lhe é possível determinar um curso eficaz de ação.

3°) Sobrecarga por eventos

Entende-se que o líder está “sobrecarregado por eventos” (SPE) quando ocorre incapacidade de reagir; confusão, informações ambíguas e conflitantes; problemas ambientais (como ruído, destruição, morte, caos, escuridão, umidade, incerteza); questões competitivas entre o tempo implacável e a prioridade na ação; a falta de um momento para o raciocínio etc.

Certo é que o caos e a confusão, vivenciados nos momentos iniciais de um incidente, trabalharão contra as tomadas de decisões, além do peso das consequências resultantes, do sucesso ou do fracasso da ação em foco. Por isso, temos de delegar algumas funções, ou seja, encarregar pessoas certas para tomarem as medidas certas no momento certo.

4°) Indecisão pessoal

Nem toda pessoa tem perfil para ser engenheiro ou médico, por exemplo. Disso se segue, por raciocínio lógico, que nem todo policial fará um bom serviço de investigador, como também nem todo policial, de alto escalão ou não, pode ser líder num incidente crítico. Afinal, os líderes devem possuir um traço que nunca pode ser ensinado ou adquirido: a coragem. Em certos momentos, além do preparo tático, requer-se também coragem.

5°) Cultura organizacional

Chefes e oficiais comandantes geralmente questionam como podem mudar a cultura de uma organização. A resposta mais comum é esta: “através do treinamento e da educação”.

Faz-se, pois, necessário entender que a imediata necessidade de estabilizar uma situação e salvar vidas transcende qualquer cadeia formal de comando e de Procedimento Operacional Padrão.

6°) Dificuldades de comunicação

Quem atua numa função de comando, por certo, já deu uma ordem ou direcionamento a um subordinado e, depois, esse indivíduo fez algo totalmente diferente. Neste caso, há dois principais motivos para isso ter ocorrido: ou o receptor entendeu mal a ordem dada ou ele fez exatamente o que nós mesmos deixamos de lhe comunicar. Esta é uma distinção clara, mas sutil.

Uma valiosa dica, portanto, é: se houver alguma dúvida se o seu subordinado recebeu, de modo claro e correto, a mensagem, peça que ele repita, em detalhes, a ordem dada.

7°) Ausência de autorregulação da emoção

Um líder deve manter a calma para conseguir se comunicar com o seu efetivo com confiança e ter, assim, o controle dos subordinados por meio de ações. O simples tom de voz no rádio pode, por exemplo, incitar ansiedade ou acalmar uma situação. Sim, a capacidade de minimizar a confusão e o pânico, nos minutos iniciais de um incidente crítico, é essencial para a sua estabilização.

O 5° Batalhão de Choque “CANIL” tem um ditado: “O cão transforma-se no condutor. Se o condutor estiver excitado, o cão fica excitado, se o condutor tiver uma atitude descontraída, o cão assumirá esse traço”. O líder, sempre, deve controlar as reações de adrenalina.

8°) Parcerias

Quando ocorre um incidente crítico, há a necessidade do envolvimento de diversos órgãos para a sua solução. O líder será encarregado de fazer com que diferentes grupos trabalhem juntos em direção a um objetivo comum.

Importa ressaltar, aqui, que, nos estágios iniciais de um incidente, a confiança entre os órgãos que irão atuar para ajudar a conter a confusão e o caos é imprescindível. Daí a importância dos treinamentos e simulações interagências para a construção de relacionamento entre os líderes de cada órgão envolvido. Esse entretenimento pré incidental ajudará cada agência envolvida a estabelecer vínculos e amizades. Ambos, por conseguinte, evitarão conflitos entre áreas de competência num momento em que vidas estão em risco.

Todavia, diz um provérbio de domínio popular que “Sob estresse não dá para trocar cartão de visita”. Eis porque se faz necessária a implantação de uma metodologia de trabalho com um sistema de gestão padronizado de incidentes, nos moldes do National Incident Management System – NIMS (Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes) – dos Estados Unidos, que, por mais de 50 anos está implementado, em solo americano, passando pelo experimento de centenas de incidentes críticos graves como, por exemplo, o ataque na maratona de Boston[16] e o furacão Katrina[17] ocorridos naquele país.

Como desenvolver o processo de liderança?

Em relação ao líder, diremos que ele será formado pelo treinamento, pela educação, pela consciência situacional e pela experiência. Vejamos, brevemente, cada um destes pontos.

1°) Treinamento e educação

Pouquíssimas agências treinam e educam os seus líderes em como agir no ambiente de incidente crítico, como entendê-lo ou como encerrá-lo. Neste caso, o primeiro passo, a nosso ver, deve ser o de entender e diferenciar o que é educação e o que é treinamento.

Onde há treinamento sério, ocorre, como consequência, um moldar do cérebro da pessoa treinada para que ela se torne apta a realizar uma tarefa específica de tal maneira que independa de influências externas. Já a educação permite que a pessoa pense por si mesma.


TABELA 1: Field Command, Heal, p. 13.

Vê-se, assim, que os líderes precisam de treinamento e educação para realizarem o seu trabalho de forma eficaz. Treinamos, portanto, para o esperado e educamos para o inesperado.

2°) Experiência

A experiência adquirida em atribuições anteriores indicaria habilidade e aptidão para lidar com a dinâmica de incidentes críticos. Logo, ela deve estar no topo da lista. A experiência é capaz de permitir que as pessoas tomem decisões mais rapidamente e com um conhecimento mais profundo.

Os administradores hão de ter cuidado para não confundir experiência com tempo de serviço ou posição. A verdadeira experiência proporcionará ao líder a capacidade de recorrer a conhecimentos e habilidades adquiridos por meio da participação pessoal em incidentes críticos variados. Esse tipo de conhecimento é retido por mais tempo e, por isso, mais facilmente adaptável às circunstâncias atuais.

Os experientes líderes de incidentes raramente chegam a avaliações situacionais por meio de um processo consciente explícito de deliberação, como os pesquisadores de muitas linhas e cores costumavam supor. Ao contrário, esses líderes profissionais desenvolveram um rico estoque de experiência e um repertório de táticas sobre o qual se baseiam – quase que por uma repetição automática – quando se confrontam com um desses incidentes.

A mente desses líderes de incidentes críticos funciona como um carrossel de deslizamento mental contendo como que flashes instantâneos de uma ampla variedade de contingências que eles já encontraram ou estudaram.

Quando eles se encontram numa nova situação, esta é imediatamente comparada com as experiências armazenadas na sua mente. Este carrossel de “slides mentais” gira rapidamente até encontrar uma correspondência adequada àquele caso atual.

Cada “slide” contém não apenas uma imagem da situação, mas também a receita para a ação mais adequada. Ora, a maneira mais eficaz de aguçar a mente é através da educação construída em cenários realistas que forçam o aluno a envolver-se, ativamente, no decurso do estudo. Em outras palavras, faz-se um estudo/treino ou um treino/estudo, conforme a metodologia empregada.

3°) Falta de consciência situacional

Boas habilidades de avaliação de problemas geram informações apropriadas e resultam, portanto, em boas decisões. Desse modo, após uma rápida avaliação da situação em questão, o líder deve decidir sobre o curso da ação para estabilizar a cena em foco.

Por mais básico que pareça lembrar disso, não é incomum que os supervisores de incidentes críticos estejam tão empenhados na coleta de informações que eles não conseguem tomar algumas decisões básicas muito importantes. Daí uma dica prática: “Você nunca pode obter todas as informações”. Temos, então, de tomar as decisões com base nas informações que temos no momento. Tomar as decisões com base no que sabemos, ainda que de modo incompleto.

Conclusão

A análise de centenas de incidentes críticos já mostrou que ante as dificuldades impostas, as soluções por nós discutidas neste artigo são obrigatórias para quem tem a função de liderança em tais incidentes.

Nosso trabalho como líderes de equipe é desenvolver solucionadores de problemas intuitivos e altamente capacitados que possam operacionalizar conceitos e táticas de tomada de decisão nos incidentes críticos, em tempo real, quando confrontados com uma emergência em rápida evolução.

As falhas em habilidades nessas áreas, quase certamente, terão um impacto negativo na sua capacidade de estabilizar e resolver o incidente na fase de crise. As agências devem, portanto, aprimorar seus integrantes por meio de pré-planejamento, educação, treinamento e exercícios de simulação contra os incidentes em referência.

Importa, por fim, notar, com ênfase, que o líder precisa saber como avaliar uma situação e escolher caminhos certeiros de ação. Além disso, uma vez envolvido no evento, o comandante há de ser capaz de reconhecer quando o incidente começa a mudar para um resultado não intencional ou indesejado. Neste caso, ele se valerá de um corpo de conhecimentos e princípios da ciência tática[18] existente, há centenas de anos[19], e que, se bem aproveitado, fornece recursos valiosos para as situações de incidentes graves.

Lembre-se sempre: Você é o fator mais controlável em sua cena.

Referências

BETTENCOURT, D. Estêvão. Curso de Filosofia. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.

BUCK, Dick A.; TRAINOR, Joseph E.; AGUIRRE, Benigno E. A Critical Evaluation of the Incident Command System and NIMS, Journal of Homeland Security and Emergency Management, Vol. 3, Issue 3, Artigo 1, 15. 2006.

REYNAUD, C. The Missing Piece of NIMS: Teaching Incident Commanders How to Function in the Edge of Chaos, 4.

CURE, Charles “Sid”. Field Command. Brooklyn, NY Lantern Books, 2012.

DE SEGUIER, Jayme. Dicionário prático ilustrado. Porto: Lello & irmãos, 1944.

HILLYARD, Michael J., Public crisis management. Lincoln, NE, Writers Club Press, 2000; 9.

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: JZE, 1999.

MIJARES, Tomas C. e MCCARTHY, Ronald M. The Management of Police Specialized Tactical Units, 2ª edição. Springfield, IL: Charles C. Thomas, 2008, 193.

MONDIM, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. São Paulo: Paulus, 2003.

MOODY, Theodore J. Filling the gap between NIMS/ICS and the law enforcement initial response in the age of the urban jihad. Tese de mestrado, Naval Postgraduate School, 2010, 9.

Wikipédia. Atentado à Maratona de Boston de 2013. https://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_%C3%A0_Maratona_de_Boston_de_2013.

Wikipédia. Furacão Katrina. https://pt.wikipedia.org/wiki/Furac%C3%A3o_Katrina.

Notas

[1] Um incidente crítico – tratado neste artigo, especialmente no próximo tópico –, deve ser aqui entendido como qualquer evento que coloque vidas em risco, cause danos graves ao patrimônio ou ao meio ambiente, trazendo impacto significativo na confiança da sociedade e, por conseguinte, na sensação de segurança. Por todas estas características, vê-se que tal incidente exige uma resposta célere e integrada de diversos órgãos e instituições através do emprego conjugado de meios e gestão estratégica para a sua resolução (cf. RACORTI, 2019).

[2] Trata-se, aqui, de um artifício de linguagem para dizer que um incidente crítico nunca é bem-vindo. Todavia, será sempre um mal menor se ocorrer onde e quando há meios – humanos e materiais – para enfrentá-lo e vencê-lo a contento naquela circunstância específica.

[3] Pensamos, aqui, nos órgãos contemplados no artigo 144 da Constituição Federal, que diz: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – Polícia federal;
II – Polícia rodoviária federal;
III – Polícia ferroviária federal;
IV – Polícias civis;
V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI – Polícias penais federal, estaduais e distrital (Redação dada pela Emenda Constitucional no 104, de 2019).

[4] Tomamos esta expressão de empréstimo da Filosofia aristotélica para realçar a importância da ação no momento da ocorrência (em ato), e não apenas em previsão da mesma (em potência).

[5] Cf. a nota 3 deste artigo.

[6] A sigla em inglês é CBRNE: Chemical, Biological, Radiological, Nuclear and Explosives Agents.

[7] O ser humano é definido como um animal racional, pois tem muitas características em comum com os animais irracionais ou infra-humanos, mas é capaz de superá-los, de longe, pelo seu aspecto racional ou pelo uso da razão. Todavia, o fato de ser racional não impede – por razões de ordem moral (perversão), psíquica (transtornos psiquiátricos graves) ou neurológica (malformação congênita ou acidente que afete, de modo grave, a cabeça) – o ser humano de, ao agir, ceder, com ou sem culpa, aos seus instintos e deixar de lado a razão (MONDIM, 2011).

[8] De modo assaz genérico, usamos acaso como sinônimo de imprevisível (cf. JAPIASSÚ; MARCONDES, 1999), ainda que reconheçamos ser este termo um tanto complexo. Sim, “o acaso é o cruzamento contingente, isto é, não necessário, nem previsto, de duas causas independentes uma da outra, das quais cada uma age em vista de um fim determinado. Assim, por exemplo, dois amigos se encontram por acaso numa cidade para onde cada um, sem saber do outro, fora a negócios. Vê-se, pois, que o acaso supõe sempre duas ou mais causas que agem com ordem e finalidade. Os fenômenos ditos casuais só são casuais para quem ignora as causas que os produziram; por isto, o acaso propriamente não existe como sujeito real (BETTENCOURT, 2014).

[9] Temos aqui um sofisma conhecido como enumeração insuficiente, isto é, porque se constatou que um policial errou, concluir-se-ia, de modo falacioso, que todo policial erra ao agir, mesmo os não presentes naquela ação específica em que a falha de vulto ocorreu (cf. BETTENCOURT, 2014).

[10] Autocracia (do grego: autos: por si mesmo; kratos: governo) trata-se de um poder ilimitado e absoluto; de um regime no qual o governante detém esse poder (DE SEGUIER, 1944). Ampliado a outras instâncias, incluindo a Polícia, pode-se denominar como uma certa “autocracia” a ação momentânea em que apenas uma pessoa assume, por extrema necessidade, o comando ou o controle em determinada situação caótica.

[11] A democracia (do grego, demos: povo e kratos: poder) “é um regime político no qual a soberania é exercida pelo povo, pertence a um conjunto dos cidadãos, que exercem o sufrágio universal” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1999, verbete correspondente). Isso, por analogia (cf. nota 12 deste artigo), pode ser estendido a todos os casos em que o líder ou gestor só age após acatar, ao máximo possível, as opiniões de seus subordinados ou comandados.

[12] Analogia consiste no paralelo entre coisas diferentes levando-se em conta o seu aspecto geral. “Raciocínio por analogia é uma inferência fundada na definição de características comuns. Assim, um corpo que sofre na água o chamado impulso de Arquimedes deve sofrer o mesmo impulso no ar, pois as características comuns à água (líquido) e ao ar (gás) definem o fluido. As descobertas científicas frequentemente consistem na percepção de uma analogia, ou seja, de uma identidade entre dois fenômenos sob a diversidade de suas aparências” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1999, verbete analogia).

[13] Mike Hillmann (vice-chefe de polícia aposentado do Departamento de Polícia de Los Angeles; xerife assistente aposentado do Departamento do Condado de Orange).

[14] Trata-se de um conceito que descreve as circunstâncias do conhecimento da pessoa, de sua compreensão dos arredores e sua influência em relação a uma situação que se desenrola.

[15] É um conhecimento compartilhado por indivíduos, equipes ou grupos.

[16] É a mais famosa e tradicional corrida de longa distância realizada anualmente em todo o mundo, disputada em 42,195 km entre as cidades de Hopkinton e Boston, no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. O atentado nela ocorrido foi em 2013. Trata-se de uma série de ataques e incidentes que começou no dia 15 de abril de 2013, quando duas bombas feitas com panelas de pressão explodiram durante o evento. Isso causou a morte de três pessoas e feriu outras 264. As bombas explodiram com uma diferença de cerca de 12 segundos e estavam a 190 metros de distância uma da outra, perto da linha de chegada, na Boylston Street. Os irmãos chechenos Dzhokhar Tsarnaev e Tamerlan Tsarnaev foram identificados pelo FBI como os responsáveis pelo atentado (cf. Wikipédia, online).

[17] O furacão Katrina causou, em 2005, aproximadamente 1.800 mortes, sendo o terceiro furacão mais mortífero e um dos mais destrutivos a atingir os Estados Unidos (idem).

[18] Em termos muito simples, ela pode ser entendida como o corpo sistematizado de conhecimento que cobre os princípios e as doutrinas associadas às operações táticas e às respostas de emergência. Ela reconcilia o conhecimento científico com fins práticos. Ao contrário das ciências “pesadas”, como a química, a física e a matemática, a ciência tática se assemelha mais às ciências “suaves”, como a economia, a sociologia e a antropologia. Isso ocorre porque as verdades científicas não podem ser determinadas com uma certeza absoluta, mas, em vez disso, são limitadas a uma gama de probabilidades prováveis (Cure, Charles “Sid”. Comando de campo. Brooklyn, NY, Lantern Books, 2012).

[19] Tenhamos presente, aqui, Sun Tzu e o seu A arte da guerra, os relatos bélicos envolvendo Napoleão Bonaparte etc.

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