Equilíbrio, serenidade e união no combate ao COVID-19

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Por Reis Friede*

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Foto: Noel Celis/AFP via Getty Images.

A pandemia do coronavírus COVID-19 vem causando diversas crises “colaterais”. Ao desconhecimento do vírus e a falta de uma vacina – que naturalmente leva um longo tempo para ser desenvolvida – e às dúvidas quanto aos medicamentos mais adequados para o tratamento, aliam-se a falta de insumos básicos (máscaras, luvas, etc.)., a paralização da economia decorrente de prolongadas quarentenas e efeitos sociais até então não experimentados. Tudo isso é temperado pelos rumores sobre a origem do vírus levando a outras tensões e especulações diversas. Nesta análise, o desembargador Reis Friede mostra que colaboração é fundamental no combate à pandemia.


I. Introdução

A atual pandemia de SARS-CoV-2 (também conhecida como COVID-19)1 pode ser considerada como o maior desafio que a humanidade já enfrentou, desde os desastres da peste negra no final do século XIV (um surto bacteriano transmitido por pulgas e ratos pretos que levou a óbito entre 75 a 200 milhões na Eurásia, incluindo um terço da população europeia) e, principalmente, das diversas pandemias virais de gripe que a humanidade testemunhou, com ênfase na chamada espanhola, entre 1918-20 (o primeiro surto de H1N1 registrado na história), que infectou (diretamente) 500 milhões de pessoas (mais de 25% da população mundial) e matou entre 50 e 100 milhões de pessoas.

“Cerca de 80% dos pacientes com COVID-19 internados na UTI morrem. Vivemos das pequenas alegrias; dos pacientes que se recuperam (…)

Há um estresse enorme no hospital, porque existe também uma pandemia de pânico (…)” (RONALDO DAMIÃO; Diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ, O Globo, 08/04/2020, p. 8)

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O SARS-CoV-2 é uma terceira modalidade de coronavírus da classe SARS (com capacidade de transmissão entre humanos) que desencadeia uma doença infecciosa (supostamente) respiratória (a exemplo do SARS-CoV-1 e do MERS) que pode causar no ser humano, – dependendo da carga viral contraída e da capacidade individual do sistema imunológico –, desde um simples resfriado até complicações extremamente gravosas, como pneumonia, insuficiência respiratória e um conjunto de complicações inflamatórias que, transcendendo aos pulmões, pode atingir todos os órgãos do ser humano, levando ao óbito.

“A COVID-19 pode afetar qualquer parte do corpo, com consequências devastadoras, e não apenas os pulmões. Ela ataca também os rins, fígado, coração, cérebro e intestinos.

A maioria dos pacientes, em estado grave, tem sido acometida por microtrombos que, na circulação pulmonar, impedem a chegada do sangue para remover o CO2 e levar oxigênio aos demais órgãos, formando coágulos sanguíneos que podem conduzir à embolia pulmonar, AVC, etc. (…).

Os pulmões costumam ser atacadas primeiro. Neles, o coronavírus mata as células dos alvéolos e faz com que eles se rompam. O pulmão fica inflamado e a circulação dos vasos do sistema respiratório é afetada o que, por si só, pode conduzir à morte do infectado.

Mas os rins também são severamente atingidos, e entre 40% e 60% dos pacientes internados em UTI precisam de diálise. Os microtrombos afetam tão intensamente a circulação que seus efeitos são visíveis, em alguns casos, em necrose das mãos e dos pés (…).

A COVID-19 é, nesse sentido, uma doença extremamente grave e complexa (…).” (HARLAN KRUMHOLZ; Universidade de Yale, O Globo, 22/04/2020, p. 11)

“É importante lembrar que o agravamento dos casos de COVID-19 se deve justamente à possibilidade de ocorrência de uma ‘tempestade imunológica’, uma inflamação generalizada causada pela resposta descontrolada do organismo” (NELSON SPECTOR; Hematologista – UFRJ, O Globo, 07/04/2020, p.9)

Trata-se, portanto, de um vírus extremamente perigoso, e considerado “inteligente”, pela sua elevada capacidade de sobrevivência, em decorrência de seu (surpreendentemente) elevado coeficiente de incidência (número de casos novos / população), – que o faz capaz de, a cada vetor humano, infectar outros três (o vírus H1N1, por exemplo, contaminava em média apenas entre 1,2 e 1,3 pessoa) –, associado a um baixo coeficiente de letalidade (capacidade do patógeno de conduzir à morte), permitindo, desta feita, a sobrevida de seu hospedeiro (inclusive assintomático) e, consequentemente, a sua própria (posto que o mesmo é incapaz de se manter vivo por mais de 72 horas em superfícies “mortas”), preservando, por consequência, um alto (e indesejável) coeficiente de virulência (capacidade do germe de agredir e de ser letal ao outro organismo).

“O H1N1 passava em média para 1,2 ou 1,3 pessoa e tinha um contágio mais vagaroso. Com isso, levou quase um ano e meio para que a doença rodasse o mundo infectando pessoas por diferentes países. Já a COVID-19 é capaz de ser transmitida para até 3 pessoas” (ÁTILA IAMARINO; O Globo, 07/04/2020, p.6)

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Neste sentido, o patógeno que teve origem na China, na cidade de Wuhan, província de Hubei, em meados de novembro de 20192, espalhou-se de forma exponencial, fazendo com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarasse, em 30 de janeiro de 2020, que o novo coronavírus se constituía em uma emergência de saúde pública de importância internacional, obrigando o Brasil, em 4 de fevereiro de 2020 (data anterior ao Carnaval no país, que ocorreu entre 22 e 26 de fevereiro), a declarar estado de emergência de saúde pública para prevenir a chegada e, posteriormente, combater a doença no Brasil.

Em 11 de março de 2020, em face do agravamento da situação, a OMS decretou que a chamada COVID-19 se havia convertido em uma pandemia, significando que a doença estava sendo transmitida de forma sustentada (e disseminada exponencialmente) em todos os continentes.

Especula-se que se acaso a OMS não tivesse negligenciado de sua principal função de “alerta internacional” (e a decretação da pandemia houvesse ocorrido logo no início da doença, em meados de fevereiro, quando já havia atingido mais de 100 países), a suspensão das festividades de Carnaval no Brasil teria, por si só, impedido o surto (em sua atual dimensão) em nosso país.

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II. O Combate à Pandemia de COVID-19

É de amplo conhecimento que baixar a febre do paciente, embora seja um procedimento fundamental, não cura a doença. De igual modo, cuidados paliativos são importantes, mas também não eliminam a enfermidade.

O emprego dessa analogia inicial tem um objetivo simples: provocar uma reflexão (verdadeiramente desapaixonada e isenta de ideologias políticas) sobre determinadas medidas e posturas já adotadas (e a serem implementadas) em relação à pandemia de SARS-CoV-2 (vírus), também conhecida como COVID-19 (síndrome).

“O SARS-CoV-2 é um vírus extremamente transmissível que, em média, infecta até três indivíduos. Isso ocorre particularmente pela forma do vírus. Ele é uma coroa de espinhos. E os utiliza para entrar, dominar a célula e usar o material genético dela para se multiplicar aceleradamente. A pessoa infectada vira uma fábrica de vírus antes que os sintomas apareçam. Isso faz com que passe de uma pessoa para outra com grande eficiência, dificultando o fim da pandemia. (…) A COVID-19 desencadeia um processo inflamatório significativo, com elevada taxa de letalidade em função da idade: 42% dos pacientes entre 80 e 89 anos irão a óbito; 32% entre 70 e 79; e 8% entre 60 a 69 anos. Abaixo de 60 anos, a letalidade cai significativamente. Nos casos graves, os pulmões ficam inflamados, podendo ficar mais rígidos e não responder aos procedimentos usuais, como altos níveis de pressão expiratória final. Além disso, estamos vendo que os pacientes apresentam embolia pulmonar. (…)” (PATRÍCIA ROCCO, Chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar da UFRJ; O Globo, 24/03/2020, p. 5)

Muito embora seja importante, neste momento crítico, reconhecermos que pouco sabemos sobre como superar esse incrível desafio, é fato que o pouco saber não significa nada saber.

“(…) O vírus da COVID-19 é muito mais transmissível e letal do que a gripe comum. E é imprevisível. (…) Ele não causa uma pneumonia clássica. (…) A pneumonia da COVID-19 é muito diferente da comum. Ela se caracteriza por ser intersticial e evolui com fibrose pulmonar, muitas vezes precoce. As tomografias dos pulmões mostram marcas que se parecem com fibroses antigas (algo inédito na literatura médica). (…) O processo inflamatório é muito grande. A COVID-19 causa uma imensa inflamação. Ela começa pelos pulmões, mas depois de espalha pelo corpo. (…) A maioria dos casos começa como uma gripe comum e evolui rapidamente para insuficiência respiratória aguda decorrente de uma pneumonia. Mas a inflamação é tão grande que leva à sépsis, ou inflamação generalizada. Todo o corpo começa a falhar. Na terceira fase vemos o paciente sofrer de síndrome de angústia respiratória (Sara), necessitando de ventiladores. E o tempo que os pacientes graves precisam de ventilação é chocante e um dos fatores que ameaçam de colapso os sistemas de saúdo (do mundo inteiro). Mesmo na gripe H1N1, que causou uma pandemia em 2009 e ainda mata muita gente no Brasil e no mundo, ele não é tão grande. Na gripe H1N1, por exemplo, o tempo de ventilação artificial é de, em média, sete dias. Na COVID-19, de 20 dias, às vezes até mais. (…)” (MARGARETH DALCOLMO, da Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP, da Fiocruz, O Globo, 27/03/2020, p. 5)

Portanto, a questão central do problema reside em como usar (com racionalidade e sem passionalidade) o pouco do que sabemos em prol do combate ao (novo) vírus que ameaça a saúde pública mundial, o que perpassa, necessariamente, por três elementos de ação basilares: equilíbrio, serenidade e união3.

“O que aprendemos sobre o patógeno (COVID-19): sua imensa capacidade de transmissão, seu polimorfismo de manifestações clínicas, sua distribuição epidemiológica, com a grande maioria de casos leves e autolimitados, sua alta letalidade em grupos etários mais idosos e portadores de condições de risco. Aprendemos, com os que nos antecederam na epidemia, que nem é necessário ser inimigo para entrar na mesma guerra, como se vê com os países europeus, e em nosso caso, que podíamos nos preparar melhor para receber a primeira onda da epidemia.

Aprendemos, sobretudo, a olhar números com o cuidado de especialistas, a ouvir cientistas e autoridades sanitárias com um misto de perplexidade e confiança, que não há tratamento medicamentoso efetivo até o momento, que os melhores cuidados de terapia intensiva de suporte são ainda a salvação possível para os casos graves. E que, mais que respiradores em CTIs, o isolamento social (pelo menos por ora) é a arma mais poderosa para conter a disseminação. Considerando o tempo necessário para atingir a proteção imunológica e de uma vacina, estamos em busca de um tratamento eficaz, comprovado cientificamente pelas melhores práticas de pesquisa, e que se mostre efetivo, no mundo real, para ser aplicado.” (MARGARETH DALCOLMO; O Globo, 07/04/2020, p. 9)

II.1. O Combate à Proliferação da Pandemia de COVID-19

Sob esta ótica, é cediço admitir que o clássico procedimento de quarentena apresenta-se, apenas e tão somente, como medida (restritivamente) genérica e (de natureza) emergencial e que, por este motivo, deve ser considerada (e mesmo executada) apenas em um primeiro momento, sobretudo com a nítida intenção de propiciar valioso lapso temporal para que se possa desenvolver uma estratégia (realmente efetiva) de combate à pandemia4, conforme demonstram inúmeros exemplos históricos e mesmo atuais, que podem ser extraídos de vários países atingidos, no presente momento, pela COVID-195,6.

“A quarentena é horrível, mas necessária: a COVID-19 é uma doença contagiosa e toda a população está vulnerável, já que não existe uma vacina ou um antiviral licenciado para este fim. Por isso há um grande potencial de que muitas pessoas adoeçam ao mesmo tempo.” (EDIMILSON MIGOWSKI; Infectologista da UFRJ, O Globo, 07/04/2020, p. 6)

Trata-se, destarte, de uma forma de combate à proliferação da pandemia e não propriamente de um modo (efetivo) de resolver (em definitivo) o problema.

É preciso achar uma alternativa à quarentena total, porque ela levará à ‘morte da economia’ (…) o desligamento econômico por algumas semanas é necessário, pois ajudará a salvar muitas vidas, mas é preciso ter melhores opções, já que a economia não poderá ficar fechada por um ano, um ano e meio. A solução é expandir maciçamente a capacidade de testagem da COVID-19, para que seja possível examinar parte importante da população a cada uma ou duas semanas. Seria a única maneira de permitir a retomada segura da economia, sem uma explosão de casos.” (ALAN GARBER; Reitor da Universidade Harvard, O Globo, 29/03/2020, p. 30)

Ainda que seja obrigatório reconhecer a existência de uma unanimidade (entre os especialistas) quanto à necessidade do emprego de medidas de segregação populacional mais amplas que o distanciamento social7, a questão, também, – e por força de seus inerentes efeitos decorrentes –, está longe da simplicidade com que normalmente é tratada, mormente pelas várias modalidades de isolamento existentes8 e, consequentemente, pelas vantagens e desvantagens do emprego que cada tipo de quarentena apresenta e que, por esta razão, devem ser consideradas (com inteligência científica e sensibilidade política) para que se possa realizar, em cada momento (em face da própria dinâmica epidemiológica), com necessária sabedoria, a melhor opção.

“Os resultados indicam que o isolamento daqueles que podem ficar em casa tem ajudado a atenuar o crescimento da curva de contaminação.” (PAULO MOLL, Presidente da Rede D’Or; O Globo, 02/04/2020, p. 8)

Nunca é por demais lembrar que nenhum tipo de quarentena, – nem mesmo a mais radical de todas, que consiste no completo isolamento social (de toda a população) –, possui (efetivamente) o poder de curar a doença, até mesmo porque, independentemente da duração dessa medida, não há garantia (real e absoluta) de que o vírus não voltará a circular. E exatamente por esta razão que a forma de quarentena (ou mesmo uma combinação de diferentes tipos) e a duração da medida devem ser sopesadas, em um contexto de real enfrentamento da realidade (incluída a sua correspondente dialética), com impositivo equilíbrio, serenidade e indispensável cooperação.

“o isolacionismo de longo prazo levará ao colapso econômico sem oferecer proteção real contra doenças infecciosas. Portanto, o verdadeiro antídoto para a epidemia não é a segregação, mas a cooperação.” (YUVAL NOAH HARARI; Lições para uma Pandemia, O Globo, 24/03/2020, Segundo Caderno, ps. 1/2)

Com a mesma postura de ponderação e sensatez, – e um indispensável clima de solidariedade –, também resta fundamental admitir que, em um determinado momento, precisaremos encontrar uma inafastável alternativa para a quarentena, sobretudo se a modalidade introduzida no seio social tiver sido a denominada total ou, ainda que parcial, a opção inicial escolhida tiver sido a horizontal (em relação ao público confinado) ou passiva (em relação à população sadia), considerando que todas estas possuem o reconhecido poder de danificar seriamente (ou até mesmo destruir, no caso específico da modalidade mais radical) a economia nacional, ocasionando, por outras vias, os mesmos males (incluindo os indesejáveis óbitos) que se deseja evitar por meio do isolamento da população.

“Ninguém é obrigado a decidir morrer de fome ou de doença. Todas as lideranças já compreenderam o recado: sem cooperação, (união) e solidariedade não há saída.” (ANDRÉA PACHÁ; Urgente é a Vida, O Globo, 04/04/2020, p. 3)

Vale advertir que qualquer que seja o caminho a ser adotado (e efetivamente trilhado), interessante lembrar que o fim precípuo de toda política pública deve ser, sempre e em primeiro lugar, a coletividade humana.

“Nada, absolutamente nada, é mais importante do que a vida humana, posto que quando o CRIADOR concebeu tudo e todas as coisas, criou, na qualidade de artista do universo, a sua obra prima, ou seja, o gênero humano.

Portanto, não há (qualquer) espaço para discussões (verdadeiramente serenas) a respeito da primazia da vida sobre quaisquer outros elementos existenciais.” (REIS FRIEDE; Fragmento de Palestra Proferida na Aula Magna da Universidade Santa Úrsula em 25/04/2019)

II.2. O Combate aos Efeitos da Pandemia de COVID-19

Por outro lado, apesar de ser inegável que uma forte injeção de recursos públicos na economia constitua uma medida absolutamente relevante para manter empresas e empregos, importa observar que, tal como cuidados paliativos (que em dado momento são vitais), tal expediente também não resolverá em definitivo o problema, tratando-se, apenas, de uma forma (ainda que inadiável) de combater os efeitos da pandemia.

“Epidemia da Fome: há milhões de brasileiros que trabalham hoje para garantir o pão de amanhã e que, de uma hora para outra, viram sua renda despencar ou zerar devido à pandemia de coronavírus.” (O Globo, 02/04/2020, p. 12)

Vale consignar que tal processo (extraordinário) não significa, – como já apressadamente anunciado por alguns economistas menos atentos à realidade efetiva –, a eventual falência do sistema econômico neoliberal que apregoa a menor interferência do Estado na economia (o tradicional ideário do Estado mínimo), mas, ao reverso, uma extraordinária oportunidade de “repensar”, a médio e longo prazos, uma (nova) concepção de Estado inteligente, permitindo um novo “salto qualitativo” no contexto da própria dinâmica do sistema econômico capitalista.

“MARIANA MAZZUCATO, Professora da UCL de Londres, no International Media Call virtual do Fórum Econômico Mundial, falou sobre o novo papel do Estado, que ela espera ver surgir da crise mundial pós-COVID-19. Rebatendo a ideia de que a crise de saúde, com suas consequências econômicas, mostrou a necessidade de um Estado forte, ela diz que o que procura não é o Estado mínimo ou máximo, mas o Estado inteligente (…)

MARIANA acredita que os Estados podem se reorganizar, com as empresas privadas trabalhando com os organismos estatais para que o país obtenha um resultado mais inteligente de seus setores. O Estado tem que atuar ativamente para coparticipar da criação do mercado, e não esperar que os problemas aconteçam, e só então intervir.” (MERVAL PEREIRA; Estado Inteligente, O Globo, 04/04/2020, p. 2)

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III. O Combate Efetivo à Pandemia: o “esmagamento” da curva de disseminação viral

Destarte, seja pela experiência exitosa de outras nações (Coreia do Sul, Suécia, Singapura e Nova Zelândia, por exemplo), seja pelo conhecimento disponível, a melhor solução para combater (direta e objetivamente) pandemias, – especialmente com as características do COVID-19 –, como bem adverte PAUL ROMER, Prêmio Nobel de Economia, é a testagem (e retestagem) em massa da população, viabilizando isolar apenas (e exclusivamente) as pessoas contaminadas, através do que convencionalmente denomina-se por quarentena inteligente (ou seja, a quarentena ativa, também nominada de isolamento de supressão), permitindo, por consequência, que pessoas sadias (por não terem tido contato com o vírus ou porque já adquiriram imunidade) continuem trabalhando e gerando as riquezas necessárias para evitar o colapso econômico do país e, consequentemente, a própria impossibilidade (presente e futura) de prestar o necessário socorro à população infectada.

“A única maneira segura de permitir que as pessoas voltem ao trabalho é promover testes em escala maciça e fornecer equipamentos de proteção em grandes quantidades à população. Se fizermos isso, não enfrentaremos a escolha terrível que enfrentamos agora, que é ou matar pessoas ou matar a economia. (…) Há um consenso de que podemos sobreviver a um desligamento econômico por algumas semanas e que isso ajudará a salvar muitas vidas. Então, essa é a coisa certa a se fazer por enquanto. Mas precisamos ter melhores opções dentro de um mês, porque não podemos manter a economia fechada por um ano, um ano e meio.” (PAUL ROMER; O Globo, 29/03/2020, p. 30)

Afinal, o objetivo último do conjunto de medidas de combate ao COVID-19 é a derrota final do patógeno com o “esmagamento” da curva de disseminação da doença, erradicando-a.

“Nosso objetivo não deve ser achatar a curva; precisamos esmagá-la. Temos de identificar o inimigo, rastrear os seus movimentos e reconhecer as suas vulnerabilidades. Dessa forma, ao salvar vidas, a economia poderá ser reorganizada.” (DANIEL TABAK; O Globo, 07/04/2020, p. 6)

Não obstante a indispensabilidade (e o eventual acerto) de diversas medidas tomadas até o momento para a contenção, sobretudo, da velocidade de disseminação do vírus (através de providências que objetivam o denominado “achatamento” da curva de propagação viral) e, paralelamente, para o evitamento do colapso da economia, – em essência posturas básicas (e indispensáveis) de “resfriamento do estado febril” e “cuidados paliativos emergenciais” –, somente a criação de uma verdadeira “barreira fronteiriça” entre o vírus e seus hospedeiros humanos, através da testagem em massa da população (criando cinturões de isolamento ativo, através, em um primeiro momento, da transição gradual da quarentena horizontal para a vertical e, posteriormente, apenas para a população infectada), – apesar de ser uma solução extremamente dispendiosa sob todos os aspectos –, constitui uma estratégia que realmente ostenta o real poder de exterminar com a doença9, criando, gradativamente, a possibilidade (real) de decretação de “zonas livres da pandemia”.

“Não há qualquer dúvida de que somente a testagem massiva com o correspondente isolamento da população infectada (quarentena ativa) é capaz de permitir a necessária contenção da disseminação de doenças infecciosas. Este é o preceito primário (decisivo) da Guerra Biológica.” (REIS FRIEDE; Fragmento de Palestra Proferida no Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército (CPEAEx) da Escola de Comando e Estado-Maior de Exército – ECEME em 07/11/2019)

Para conter o vírus, você precisa testar as pessoas com frequência e, em seguida, isolar aquelas contaminadas por algumas semanas. Mas isso significa que você só precisa isolar as pessoas que dão positivo. O restante das pessoas poderá trabalhar, seguir suas vidas.” (PAUL ROMER; O Globo, 29/03/2020, p. 30)

“Especialistas dizem que exames em massa e isolamento (ativo ou de supressão) são cruciais para reduzir o impacto da COVID-19 nos próximos meses.” (O Globo, 07/04/2020, p. 8)

Isso poderá exigir que expressa parte da capacidade industrial brasileira seja adaptada (temporária e emergencialmente) para a fabricação de testes e equipamentos, além de um esforço (em paralelo) de importação (em regime de “competição selvagem”) de itens equivalentes.

“Para a derrota definitiva da COVID-19 são necessários alguns passos; os principais são:

      1. oferecer milhões de testes diagnósticos (…), sem estes não é possível rastrear o vírus e efetuar uma triagem populacional;
      2. fornecer aos profissionais de saúde proteção e equipamentos adequados: ‘soldados não seguem para a batalha sem armamento adequado’;
      3. separar a população em cinco diferentes grupos: a) os que estão efetivamente infectados; b) os que estão presumivelmente infectados; c) os que foram expostos ao vírus (e podem estar ou não infectados); d) os que não foram expostos ou infectados; e) os que foram infectados, se recuperaram e estão imunes” (HARVEY FINEBERG; Presidente da Academia Nacional de Medicina dos EUA, O Globo, 07/04/2020, p. 6)

Nesse sentido, cabe ao Estado brasileiro analisar e direcionar a atividade industrial para as urgentes demandas da população brasileira. Uma espécie de economia de “guerra”, que poderá até mesmo (em parte) compensar a acentuada queda observada em outros setores da economia.

III.1. Estratégias de Combate à Pandemia de COVID-19

O Secretário de Defesa dos EUA, durante os governos GERALD FORD – 1975/77 e GEORGE W. BUSH – 2001/06, DONALD RUMSFELD, afirmou, durante a Campanha do Iraque, que “você (sempre) vai para a guerra com o exército (e as armas) que você dispõe, e não com o exército (e as armas) que você almeja ter”.

A peremptória afirmação se tornou, mais do que nunca, atual, em face da verdadeira guerra global que a humanidade trava contra a COVID-19.

Não há qualquer dúvida (e, portanto, nenhuma divergência entre os especialistas) de que somente com a descoberta de uma vacina (comprovadamente eficaz), – a exemplo de outras epidemias e pandemias –, será possível resolver, em definitivo, o angustiante problema que vem desafiando as mentes dos mais brilhantes cientistas de todos os países.

“A solução derradeira contra a COVID-19 só virá com o advento de uma vacina.” (NELSON SPECTOR; Hematologista – UFRJ, O Globo, 07/04/2020, p. 9)

Não obstante a assertiva, a realidade que se apresenta, até o presente momento, é a de que nenhuma nação (apesar dos incríveis esforços) logrou desenvolver uma preparação biológica que forneça (inconteste) imunidade adquirida ativa para o SARS-CoV-2.

Por efeito consequente, estratégias alternativas de combate à pandemia de COVID-19 precisam ser (imediatamente) consideradas para, no mínimo, reduzir o elevadíssimo número de óbitos que são anunciados diariamente.

Tal como na Segunda Guerra Mundial (1939-45) quando –, na ausência de soro fisiológico para os soldados –, foi utilizado, improvisadamente, água de coco de forma intravenosa em efetivos britânicos no Sri Lanka e japoneses em Sumatra (procedimento que somente obteve comprovação científica em 1954, através dos estudos, em paralelo, dos médicos EISMAN, LOZANO e HAGER), não há tempo útil para que se completem (com todo o rigor e as cautelas convencionais) as diversas pesquisas em andamento em todo o mundo, aguardando-se (pacientemente) as suas correspondentes (e esperadas) comprovações científicas.

“Em um cenário restrito, imposto pelas necessidades básicas de sobrevivência, não sobra espaço para divagações acadêmicas.” (GEN. MAYNARD M. DE SANTA ROSA, DEFESANET, 09/04/2020)

Em situações emergenciais, medidas extremas, – ainda que necessariamente fundamentadas em evidências10 (situações em que a esperada eficácia e a baixa toxidade são testadas em pequenos grupos, com relativo êxito) –, podem (e devem), a critério médico, ouvido o paciente, em regime de corresponsabilidade, ser implementados, como, por exemplo, a infusão de plasma dos pacientes convalescentes (buscando criar a chamada imunidade adquirida passiva).

“A infusão de plasma dos pacientes convalescentes de COVID-19 nos doentes graves faz parte do pacote de medidas desesperadas para os tempos extremos em que vivemos. (…)

A estratégia foi usada já no século XIX contra a difteria, mas a forma de refiná-la traz novidades. Uma frente é a busca de um superanticorpo específico contra o novo coronavírus, que possa ser usado como remédio eficaz. (…)

O plasma dos convalescentes é uma medida extrema para uma situação extrema. (…)” (NELSON SPECTOR; Hematologista – UFRJ, O Globo, 07/04/2020, p. 9)

Porém, há outras linhas (paralelas) de ação que, igualmente, devem ser avaliadas, considerando a opinião de diversos médicos que se encontram diretamente na “linha de frente” da guerra contra o coronavírus.11

“No combate à Aids, ficou mais ou menos evidente que nenhum remédio em si era uma espécie de ‘bala de prata’ contra o vírus. Os remédios eram combinados num coquetel.” (FERNANDO GABEIRA; Cloroquina sem Paixão, O Globo, 13/04/2020, p. 2)

Esta é, a propósito, a ponderada opinião, dentre outros profissionais da área de saúde, dos médicos especialistas NISE YAMAGUCHI e LUCIANO DIAS AZEVEDO, que defendem o uso precoce (inclusive como alternativa para evitar a superlotação hospitalar), – ainda no ambiente domiciliar –, da hidroxicloroquina (uma droga de combate à malária e ao lúpus e que demonstrou capacidade antiviral em 2003)12, combinada com o antibiótico azitromicina (e eventualmente zinco), de forma preliminar, já no segundo dia de infecção, além de outros fármacos e formas de tratamento,13,14,15 em um contexto não (como equivocadamente propalado) de medicina alternativa, mas, – dito de forma mais correta –, de medicina integrativa.

“Nenhuma terapia se mostrou efetiva contra a COVID-19 até agora. (…) A AMA (Associação Médica Americana) lista muitas iniciativas já fracassadas e algumas que deixam cientistas ainda intrigados, sem esconder a frustração com a falta de evidências para as drogas usadas.

Publicado no ‘Jama’, periódico acadêmico da associação, esse trabalho varreu a literatura médica publicada até 25 de março de 2020, quando 109 testes para tratar a COVID-19 em adultos já estavam registrados. (…)

Entre os fracassos mais evidentes está, por exemplo, o Tamiflu (oseltamivir). Efetivo contra gripe, o remédio chegou a ser usado inadvertidamente, em janeiro, em pacientes com o novo coronavírus que não tinham recebido diagnóstico adequado. Em uma avaliação posterior, médicos constataram que a droga não funcionava.

Em meio ao cenário de incertezas, um dos medicamentos que ainda nutrem certa esperança é o antiviral remdesivir, criado originalmente para combater o ebola, mas a evidência de eficácia ainda é insuficiente.

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O remdesivir é um dos quatro tratamentos escolhidos para o programa Solidarity, da OMS (Organização Mundial da Saúde), um teste em grupos maiores em vários países. As outras drogas no projeto são o anti-HIV Kaletra (combinação de lopinavir e ritonavir); o interferon-beta, para artrite reumatoide; e a hidroxicloroquina, usada contra malária. (…)

A cloroquina não entusiasmou os autores da revisão do ‘Jama’, liderados pelo farmacólogo JAMES SANDERS. Testes com resultados positivos na França foram feitos em grupos pequenos e não contabilizaram voluntários excluídos por não se adaptar à terapia. Um teste similar na China, também pequeno, mas com parâmetros de comparação melhores, não observou benefício evidente.

O kaletra, visto como promissor no início da epidemia, também teve desempenhos ambíguos. Resultados de um teste com 199 pacientes na China, publicados ainda em março no ‘New England Journal of Medicine’, não relatam nenhum benefício da droga. Cientistas acreditam que, talvez, os efeitos só sejam perceptíveis em pacientes graves.

Neste cenário, há um fio de esperança maior para drogas como o arbidol, aprovado na Rússia e na China para tratamento de gripe. Ele reduziu um pouco a taxa de mortalidade num teste com 67 chineses. O mesilato de camostat, droga japonesa para pancreatite, mostrou boa eficácia em testes de tudo de ensaio contra a COVID-19, grau de evidência que é preliminar, mas que poucas das outras substâncias atualmente em avaliação possuem.

PAOLO ZANOTTO, virologista do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, considerou o estudo incompleto, apontando nomes de fármacos com potencial promissor que já estão emergindo e não aparecem ainda no trabalho, como a ivermectina e a heparina, defendendo a hidroxicloroquina apesar das evidências inconclusivas, afirmando, no caso específico deste fármaco, que resultados mais robustos estão por vir.” (Nenhuma Droga para a COVID-19 tem Efeito Comprovado, O Globo, 15/04/2020, p. 8)

Vale frisar, em oportuna adição elucidativa, que existe uma nítida (e extremamente relevante quanto à questão do emprego de fármacos e terapias ainda não chancelados pela comunidade científica) diferença entre os vocábulos eficácia, eficiência e efetividade16, sendo necessário destacar que, em tempos de guerra, não se busca (por impossibilidade lógica) a solução ideal da plena efetividade (de qualquer protocolo médico) e, consequentemente, sua correspondente eficiência e, sim, uma eficácia mínima (ainda que temporária em sua validade) objetivando estabelecer tempo hábil para se prover (no futuro e por meio de pesquisas correspondentes e testes clínicos perfeitamente “randomizados”) uma resposta definitiva e derradeira com real, plena e completamente comprovada capacidade de erradicar o vírus e/ou curar a doença.

“Em meados do século XVIII, um médico da Marinha britânica chamado JAMES LIND conduziu o que pode ser considerado o primeiro teste clínico medicamentoso. Naquela época, o escorbuto – que hoje sabemos ser causado por falta de vitamina C – matava mais marinheiros do que as batalhas navais. Decidido a encontrar a cura, LIND pesquisou diários de bordo antigos e percebeu que navios que transportavam frutas cítricas tinham menos doentes (estabelecendo uma evidência inicial).

LIND conduziu, então, um experimento com 12 marinheiros bem doentes. Eles foram divididos aleatoriamente (‘randomizados’) em seis duplas, e cada par teve a mesma dieta, ficou alojado no mesmo local e recebeu os mesmos cuidados. A única diferença era o ‘remédio’ diário: por exemplo, uma dupla recebeu um copo de cidra, outra frutas cítricas e assim por diante.

Em dois dias, os marinheiros que receberam frutas já estavam curados. O que LIND fez foi um esboço de teste clínico randomizado.” (NATALIA PASTERNAK; O Globo, 20/04/2020, p. 7)

Por fim, igualmente digno de menção, são as (ainda) persistentes dúvidas quanto à influência da temperatura ambiental na disseminação do vírus17 e em relação à natureza (precípua) da COVID-19, existindo fortes indicações de se tratar de um vírus que desenvolve (no ser humano) uma doença hematológica18 (pneumonite química), – motivo pelo qual já se cogita da interferência do tipo sanguíneo na maior ou menor debilidade do paciente (cf. https://guiadafarmacia.com.br/estudo-sugere-relacao-de-tipo-sanguineo-com-vulnerabilidade-ao-coronavirus/ e https://veja.abril.com.br/saude/estudo-busca-relacionar-tipo-de-sangue-ao-risco-de-contrair-covid-19/, acesso em 24/04/2020) –, e não propriamente uma enfermidade pulmonar (pneumonia viral), razão do elevado índice de óbitos entre os diabéticos e pessoas idosas.

IV. Da Necessária União (e Cooperação) no Combate à COVID-19

Por outro prisma, não obstante as inúmeras dificuldades (de todos os tipos) a serem superadas, a atual crise pandêmica, indiscutivelmente, também representa uma extraordinária oportunidade de repensar nosso modo de ser, principalmente, como gestor público (e, mais aprofundadamente, como seres humanos coletivos).

De fato, as palavras equilíbrio e serenidade, – a esta altura –, devem ser somadas ao vocábulo união19, – bem como ao termo cooperação –, algo absolutamente fundamental para que possamos reunir inteligências e esforços em prol do combate ao inimigo comum de toda a humanidade. Afinal, disputas e vaidades (sejam no âmbito pessoal, seja na esfera de lideranças globais) são sempre inúteis, principalmente em momentos de crise.

“É fundamental a união de cientistas de diferentes áreas na tentativa de entender o mecanismo de ação desse novo coronavírus, desenvolver vacinas, bem como novas terapias para redução da letalidade.” (PATRÍCIA ROCCO; Chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas – UFRJ, O Globo, 10/04/2020, p. 7)

IV.1. Cooperação (União) e Liderança

Resta fundamental admitir que cooperação, em todos os níveis e, particularmente, no âmbito internacional, historicamente, revelou-se (consideradas as diferentes fases evolutivas do homo sapiens) como a resposta (derradeira) viabilizadora, em última análise, da sobrevivência humana em face das diversas pandemias que assolaram o planeta desde os seus primórdios.

Nesse sentido, não há qualquer dúvida de que foi (justamente) a informação compartilhada, – e não, como apregoam alguns, o isolamento comunitário global –, o fator primordial que permitiu à “expertise” humana (reunida) vencer os inúmeros desafios que lhe foram impostos ao longo de sua milenar existência.

“Epidemias mataram milhões de pessoas muito antes da atual era da globalização. No século XIV, não existiam aviões nem cruzeiros, e ainda assim a Peste Negra se espalhou do Leste da Ásia para a Europa Ocidental em pouco mais de uma década. Ela matou entre 75 e 200 milhões de pessoas. Na Inglaterra, quatro a cada dez pessoas morreram. Florença perdeu 50 mil de seus 100 mil habitantes.

Em março de 1520, um único portador de varíola, FRANCISCO DE EGUIA, chegou ao México. À época, a América Central não tinha trens, ônibus, nem sequer burros. Isso não impediu que, em dezembro, a varíola tivesse devastado toda a América Central, tendo matado, segundo estimativas, até um terço de sua população.

Em 1918, uma cepa de gripe (particularmente virulenta) conseguiu se espalhar em poucos meses para os cantos mais remotos do mundo. Ela infectou meio bilhão de pessoas – mais de um quarto da espécie humana. Estima-se que a gripe tenha matado 5% da população da Índia. Na ilha do Taiti, 14% morreram. Em Samoa, 20%. No total, a pandemia matou dezenas de milhões de pessoas, – talvez até 100 milhões –, em menos de um ano. Mais do que a Primeira Guerra Mundial matou em quatro anos de batalhas brutais. (…)

No entanto, a incidência e o impacto das epidemias diminuíram drasticamente. Apesar de surtos horrendos, como Aids e Ebola, no século XXI as epidemias matam uma proporção muito menor de humanos do que em qualquer outro período desde a Idade da Pedra. Isso ocorre porque a melhor defesa que os seres humanos têm contra patógenos não é o isolamento, é a informação. A humanidade tem vencido a guerra contra epidemias porque, na corrida armamentista entre doenças e médicos, os patógenos dependem de mutações cegas, enquanto os médicos dependem da análise científica da informação.

Uma vez que os cientistas entenderam o que causa as epidemias, ficou muito mais fácil lutar contra elas. Vacinas, antibióticos, higiene aprimorada e uma infraestrutura médica muito melhor permitiram que a humanidade ganhasse vantagem sobre seus predadores invisíveis. Em 1967, a varíola ainda infectou 15 milhões de pessoas e matou 2 milhões delas. Mas, na década seguinte, uma campanha global de vacinação contra a varíola foi tão bem-sucedida que, em 1979, a Organização Mundial da Saúde declarou que a humanidade havia vencido e que a doença havia sido completamente erradicada. Em 2019, nenhuma pessoa foi infectada ou morta por varíola.” (YUVAL NOAH HARARI; Lições para uma Pandemia, O Globo, 24/03/2020, Segundo Caderno, ps. 1/2)

Apesar de a humanidade ter se tornado, com o passar do tempo, mais vulnerável a epidemias, – em função, sobretudo, do desenfreado crescimento populacional e do consequente aumento da densidade demográfica (razão definidora da origem asiática e, em particular, chinesa da maioria das pandemias) –, a história demonstrou (claramente) que a união dos seres humanos foi ainda mais forte do que todos os demais fatores, praticamente “jogando por terra” as previsões mais sombrias e permitindo, por consequência, um futuro existencial (relativamente positivo) da raça humana.

“No século que passou desde 1918, a humanidade se tornou cada vez mais vulnerável a epidemias, por uma combinação de crescimento populacional (descontrolado) e melhorias nos serviços de transporte. Um vírus pode sair de Paris e chegar a Tóquio e à Cidade do México em menos de 24 horas.” (YUVAL NOAH HARARI; Lições para uma Pandemia, O Globo, 24/03/2020, Segundo Caderno, ps. 1/2)

Porém, não pode haver efetiva união e verdadeira cooperação desprovidas de uma indispensável coordenação, o que implica dizer que a existência (real) de uma liderança legítima (que possa inspirar organizar e financiar uma resposta única e contundente) resta absolutamente indispensável para o enfrentamento de qualquer crise global, incluindo pandemias de todas as naturezas.

“Os países precisam levar a sério a realidade e não apenas uma mera possibilidade – de que pandemias ainda piores do que a SARS-CoV-2 estão pela frente. As gerações futuras precisam estar mais bem equipadas, com instrumentos de coordenação das respostas que sejam rápidos, automáticos e eficazes. Precisamos agir, sem rodeios e quase por reflexo, já nos primeiros momentos das pandemias.” (ROBERTO AZEVEDO; Diretor-Geral da OMC, O Globo, 17/04/2020, p. 16)

O gradual vazio de poder global deixado pelos Estados Unidos (evidenciado pela sua renúncia tácita em relação à liderança mundial), – conforme já advertia HARRY TRUMAN em 1947 (em relação à sua importância) –, literalmente deixou o mundo à deriva nos últimos anos, gerando, em grande parte, os catastróficos efeitos da atual crise no combate à COVID-19.

“Os povos livres do mundo esperam de nós que os apoiemos (…). Se nossa liderança falhar, podemos pôr em perigo a paz no mundo e, com toda a certeza, o bem estar desta nação.” (HARRY TRUMAN; Discurso Proferido em 12/03/1947 no Congresso Nacional – EUA)

É curioso observar que o tão criticado Presidente GEORGE W. BUSH (2000-09), – extremamente preocupado (à época) com a crise do primeiro coronavírus, SARS-CoV-1, entre 2002 e 2004, e, igualmente, apreensivo com a possibilidade de uma guerra biológica com os adversários dos EUA (apelidados na época de integrantes do “eixo do mal”, incluindo também a China20) –, estudou a fundo a pandemia de gripe espanhola (e seus consequentes resultados), determinando a seus assessores de segurança interna que elaborassem um ousado plano, orçado (inicialmente) em sete bilhões de dólares, para preparar e proteger os Estados Unidos de uma ameaça semelhante à que o mundo enfrenta nesse exato momento, considerando (acima de tudo) que sem estas providências, o mundo (e os EUA, em particular) continuariam a combater pandemias de forma primitiva, por meio da estratégia do chamado “rebanho imunizante”21.

“O Presidente GEORGE W. BUSH, em 2005, obcecado com ‘A Grande Gripe’, do historiador JOHN M. BARRY, ordenou a criação do mais ambicioso e abrangente plano nacional de prevenção e combate a pandemias de que se tem notícia. Seus assessores de segurança interna tiveram de elaborar diagramas globais, criar sistemas de alerta precoce de um novo vírus, garantir o abastecimento federal em equipamentos hospitalares e financiar o desenvolvimento de uma vacina segura em velocidade máxima.

Em palestra para especialistas e pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde naquele ano, BUSH descreveu com presciência como uma pandemia se alastraria no país. E alertou: ‘Se esperarmos até o surgimento da pandemia, será tarde demais para nos prepararmos. Muitas vidas serão perdidas sem necessidade apenas porque falhamos em agir hoje’ (…)

O projeto, entretanto, foi engavetado em delongas burocráticas e alternâncias políticas. Outras prioridades surgiram e foram sugando os US$7 bilhões que haviam sido alocados ao plano da época; uma ninharia se comparada à injeção de US$2 trilhões iniciais já liberados em 2020 para fazer frente aos estragos econômicos da COVID-19.” (DORRIT HARAZIM; Julgamento da História, O Globo, 12/04/2020, p. 3)

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A própria Organização Mundial de Saúde – OMS, um organismo multinacional, que também deveria servir como entidade de coordenação no combate à atual pandemia do novo coronavírus, também demonstrou claramente a sua completa ineficiência, fruto de um visível processo de politização daquela entidade, fato que, inclusive, acabou por conduzir o Presidente DONALD TRUMP ao cancelamento de suas contribuições financeiras que representavam cerca de 20% do orçamento total daquela agência internacional.

“A OMS que deveria servir de bússola mundial para o combate à pandemia de COVID-19 deixou-se engambelar tolamente pela China no início da crise ao afirmar que ‘investigação preliminar das autoridades chinesas atesta não haver provas de transmissão pessoa a pessoa do novo vírus’, quando o fato da transmissão já era de conhecimento de Pequim desde o mês anterior. A OMS também elogiou a ‘transparência’ do país asiático na divulgação de dados sabidamente inconfiáveis e cedeu à pressão de Pequim para condenar restrições a viajantes saídos da China.” (DORRIT HARAZIM; Julgamento da História, O Globo, 12/04/2020, p. 3)

“O novo coronavírus se tornou oficialmente uma pandemia na quarta-feira, dia 11 de março de 2020, após um anúncio da Organização Mundial da Saúde – OMS.

Naquele dia, o vírus já estava presente em 114 países com mais de 115 mil pessoas infectadas e mais de 4 mil mortes registradas (a OMS simplesmente falhou em sua principal missão) (…)” (BBC News; 16/03/2020)

V. Principais Conclusões

Por efeito conclusivo, é cediço reconhecer que a atual crise desencadeada pela pandemia de SARS-CoV-2, – muito além de sua própria natureza e de sua extrema periculosidade intrínseca –, é também resultado político das ostensivas ambições chinesas de hegemonia e dominância global, associada à decisão (unilateral) norte-americana de recuar de seu histórico papel de liderança (e articulação) mundial, o que certamente conduzirá (forçosamente) a um novo mundo pós COVID-19.

“Estamos enfrentando a atual crise mundial de COVID-19 desprovidos de líderes que podem inspirar, organizar e financiar uma resposta global coordenada.

Durante a epidemia de ebola de 2014, os Estados Unidos serviram como esse tipo de líder. O país cumpriu um papel semelhante também durante a crise financeira de 2008, quando reuniu países suficientes para impedir o colapso econômico global. Mas, nos últimos anos, os EUA renunciaram ao seu papel de líder global. (…)

O vazio deixado pelos EUA não foi preenchido por mais ninguém (retomando a situação caótica do início do século XX)” (YUVAL NOAH HARARI; Lições para uma Pandemia, O Globo, 24/03/2020, Segundo Caderno, ps. 1/2)

“Os Estados Unidos não mais serão vistos como líder mundial, no mundo pós pandemia, pois falharam no teste de liderança.

Como resultado do fracasso norte-americano, é forçoso reconhecer que a China ganhou a guerra da COVID-19, apesar do ocultamento (doloso) inicial da epidemia, por parte de Pequim, e da fabricação de estatísticas chinesas altamente suspeitas” (KORI SCHAKE; Foreign Policy, 20/03/2020).

Notas Complementares:

1. SARS-COV-2 e COVID-19

Ainda existe muita desinformação sobre o SARS-COV-2 (que é a designação de um vírus) e sobre a COVID-19 (que alguns, equivocadamente, entendem ser a tradução de uma doença, mas que tecnicamente é a denominação de uma síndrome).

Doença (enfermidade ou moléstia) é, em síntese, uma alteração biológica do estado de saúde de um ser vivo, manifestada por um conjunto de sintomas (perceptíveis ou não). Já uma síndrome é, em linhas gerais, um conjunto de sinais e sintomas observados em vários processos patológicos (diferentes) e sem uma causa precisamente estabelecida.

De qualquer forma, o novo coronavírus (do gênero retrovírus e da espécie oriunda do morcego e de suas subespécies), é uma das mais de 30 castas identificadas desde 1968, e o sétimo da linhagem SARS, além do terceiro tipo (depois do SARS-COV-1 e do MERS) provido de capacidade de produzir uma zoonose (doença oriunda da interação do homem com um animal) capaz de ser transmitida entre humanos, e não, – como de regra, a exemplo da gripe aviária –, restritamente entre o animal hospedeiro e o homem que teve contato com o mesmo.

Uma das várias peculiaridades deste novo vírus é, – o de além de contar com um capsídeo (proteína que protege o material genético) –, também possuir um invólucro ou envelope (pré-capsídeo) revestido de proteína S (spikolas) que possui uma capacidade extremamente considerável de penetrar na célula do hospedeiro. Além disso, o SARS-CoV-2 revela-se extremamente simples (o que o torna potencialmente perigoso), uma vez que não possui no seu núcleo propriamente um DNA, e sim uma fita simples de RNA, com elevada capacidade de mutação e, consequentemente, extraordinária competência de adaptação.

A sua elevada transmissibilidade (dotada de uma razão geométrica próximo a q=3), – muito superior, portanto, a outros vírus assemelhados –, e sua forma de contágio singular em quatro diferentes vias: gotículas, aerosol (pelo ar, de maneira ampla), óleo fecal e também por contatos em superfície (o que denota uma extraordinária habilidade de sobrevivência de aproximadamente 72 horas fora de seu hospedeiro, notadamente em superfícies úmidas, escuras ou distantes da irradiação solar e em temperaturas médias entre 8 e 10 graus Celsius), também tornam, particularmente, este novo vírus muito mais perigoso e agressivo, inobstante o seu reconhecido baixo coeficiente de letalidade (próximo de 0,66%).

Dentre os sintomas mais comuns, acarretados pelos que desenvolvem a doença (uma vez que há um elevadíssimo percentual de assintomáticos), se encontram a hiposmia (perda parcial da percepção olfativa), a hipogeusia (redução patológica da sensação relacionada ao paladar) e a perda de apetite, além dos dois elementos naturais curativos humanos: a inflamação e a febre (que busca desenvolver as chaperonas, proteínas HSP de choque térmico, que objetivam estimular o sistema imune) que, entretanto, podem ser eventualmente mortais quando desencadeadas de forma descontrolada (hiperinflamação e estado febril prolongado e excessivamente elevado).

Não por outra razão, – no combate ao novo coronavírus –, o hábito saudável da sauna seca, que permite através da sudorese e da ingestão concomitante (ou posterior) de líquidos, a saudável troca da água (hidratação de higienização intrínseca) contida no corpo humano.

2. O Histórico da Disseminação da COVID-19

Em dezembro de 2019, o Dr. LI WENLIANG, um oftalmologista do Hospital Central de Wuhan, estranhou o número anormal de doentes diagnosticados com problemas pulmonares graves e decidiu, – por iniciativa própria –, realizar algumas pesquisas e análises tangentes ao fato; ele chegou à conclusão de que a condição se tratava de algum novo vírus, semelhante àquele denominado como Síndrome Respiratória Aguda Grave (mais conhecido por sua sigla em inglês, SARS), que, em 2003 (também na China), causou quase 800 mortes. O Dr. LI também notou que todos os casos mais graves eram de indivíduos que laboravam no mercado de peixes de Wuhan e, com base nestas constatações, no dia 30 de dezembro de 2019, o médico enviou uma mensagem para um grupo privado de colegas de profissão compartilhando com os mesmos suas descobertas e pedindo orientações.

Seguindo esse raciocínio, quatro dias após o Dr. LI ter enviado as ditas mensagens, homens fardados adentraram em seu consultório e o levaram para o escritório de segurança pública do Partido Comunista, onde ele permaneceu por 18 horas, – em uma sala sem janelas –, sendo interrogado por autoridades chinesas sobre o conteúdo daquela mensagem. Ao final da sessão, para ser liberado, o médico foi obrigado a assinar um documento que o acusava de divulgar informações falsas e de perturbar seriamente a ordem social.

No dia 10 de janeiro de 2020, o Dr. LI WENLIANG começou a apresentar sintomas da doença sobre a qual havia alertado em dezembro e, em fevereiro, já com o teste positivo para COVID-19, realizou mais algumas publicações online, questionando o porquê de o governo chinês continuar afirmando que nenhum médico tinha sido ainda infectado pela doença. No dia 14 de janeiro de 2020, o governo da China, – em uma nota para a Organização Mundial da Saúde – OMS –, declarou que estudos realizados mostravam que provavelmente este novo vírus não era transmissível entre humanos, e que, por este motivo, não havia nenhum motivo para alarde.

Nessa toada, contrariando o comunicado do governo chinês, também em 14 de janeiro, o Dr. LI e milhares de outros chineses já estavam internados, infectados pelo novo vírus por meio do contato com outros doentes. Ao final de janeiro, o novo vírus já era notório na China, com o governo fazendo todos os esforços para impedir que a real dimensão da tragédia fosse verificada pelo mundo e pela sua própria população; tais medidas do governo resultaram no desaparecimento de mais de uma dezena de jornalistas, como foi o caso de CHEN QIUSHI, que em janeiro filmou hospitais e diversos centros de triagem, – exibindo cenas espantosas e pessoas gravemente doentes –, expondo claramente que, já naquela época, apesar de o governo chinês afirmar para o mundo que o vírus não era assim tão perigoso, milhares de cidadãos já estavam sofrendo e perecendo em razão da doença causada pelo vírus em questão.

O jornalista CHEN QIUSHI desapareceu misteriosamente no início de fevereiro; e no dia 26 do mesmo mês, o também jornalista LI ZEHUA, – que desde o final de janeiro estava em Wuhan cobrindo as informações sobre o novo vírus (atividade que já tinha resultado em várias detenções e avisos oficiais do Partido Comunista) –, estava voltando de uma visita que havia realizado ao Centro de Virologia de Wuhan quando ligou sua câmera e começou a transmitir uma perseguição. LI conseguiu retornar ao seu apartamento, porém com a câmera ainda ligada e transmitindo as imagens online: dois homens trajando preto adentraram em seu domicílio, a câmera foi desligada e, desde então, LI ZEHUA nunca mais foi visto.

Assim como essas, há mais de uma dezena de histórias semelhantes envolvendo jornalistas chineses que, cobrindo a terrível crise causada pelo COVID-19, simplesmente desapareceram sem deixar rastros. Casos como o do Dr. LI WENLIANG, que foi obrigado a se calar após ter feito uma descoberta que em qualquer democracia liberal pelo mundo seria muito bem recebida pelas autoridades, e do desaparecimento de jornalistas que tentavam alertar a sociedade chinesa e o mundo para a gravidade de uma doença que, na época, a China insistia em afirmar que não era tão letal e que estava controlada, parecem indicar, – como essas fontes relatam –, que o Partido comunista tentou impedir que o mundo soubesse dos riscos iminentes deste novo vírus; revelando uma imagem mais suave de uma crise que aparentemente já era notoriamente grave.

Em síntese, essa demora em compartilhar informações, como o Dr. LI WENLIANG intentou fazer, e também anúncios como o do dia 14 de janeiro de 2020 à Organização Mundial da Saúde, podem ter feito a sociedade como um todo perder dias e semanas importantes para a ativação de mecanismo de defesa; um tempo perdido que potencialmente poderia ter poupado a vida de milhares de pessoas. Para piorar ainda mais a situação, recentemente políticos chineses, como os Ministros dos Negócios Estrangeiros, estão afirmando, categoricamente, que a pandemia não começou na China, com discursos insinuando que o COVID-19 é uma espécie de arma biológica estrategicamente plantada em Wuhan pelos Estados Unidos.

Para agravar ainda mais toda essa situação, em Wuhan funciona o centro chinês de pesquisa de armas biológicas, uma das últimas publicações do Dr. LI antes de perecer em razão da doença resume bem o que acontece na China: “uma sociedade, para ser saudável, não pode ter apenas uma só voz”.

3. União e Cooperação

Uma das explicações para os índices moderados de infecção do COVID-19, – além da evidente questão das subnotificações –, é, segundo AUGUSTO PAULO SILVA, coordenador para a África do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, é a existência do Centro para a Prevenção e Controle de Doenças (CDC), vinculado à União Africana e criado durante a epidemia de Ebola, além de outros mecanismos regionais, que tem se demonstrado essenciais no combate ao COVID-19.

A experiência com pandemias, como Aids; com epidemias, como Ebola; e com endemias, como malária e tuberculose, vem ajudando diversos países a se prepararem para dar respostas rápidas. Uma das atividades mais importantes do CDC é preparação para emergências. E organizações regionais de saúde, na África Ocidental, Central e Austral, implementaram políticas públicas e funcionam em rede.

ALEXANDRE DOS SANTOS, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, destaca ainda as medidas rápidas tomadas. Nações com laços mais estreitos com a China, como Quênia, Tanzânia e Etiópia, e com a Europa, como Argélia e Marrocos, fizeram a triagem inicial dos turistas.

— Mesmo em países mais pobres, a população e os governos sabem como agir em casos de epidemia. Por isso, grande parte das nações africanas tomou medidas antes de países como Itália, EUA ou o Brasil – explica, destacando, no entanto, que os testes começaram a ser distribuídos mais tarde.

Mais de 20 países fecharam as fronteiras e 15 decretaram quarentena obrigatória. Quase todos fecharam escolas, igrejas, mesquitas e bares. A África do Sul, marcada pela negligência para combater a disseminação do HIV, vem sendo um dos países mais elogiados, com medidas que incluem o bloqueio inicial de 21 dias.

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4. O Clássico Procedimento de Quarentena (Isolamento)

Historicamente, o procedimento padrão (e emergencial) para a contenção temporal da disseminação pandêmica viral é a quarentena, através do chamado isolamento ou, no mínimo, o denominado distanciamento social.

Um dos maiores problemas das pandemias é a ausência de sua correspondente (e imediata) percepção, em face de sua escalada “silenciosa”.

“No início, ninguém notou a chegada da chamada Gripe Espanhola. Mergulhados em problemas de abastecimento e notícias da Primeira Guerra Mundial (1914-18), adoecer parecia normal a milhares de cidadãos. (…)

Confundiam-na com outras doenças, como cólera, dengue e tifo; só no final de junho de 1918 obteve-se a informação de que se tratava de gripe. Em oito meses, ela deu a volta ao mundo, matando entre 50 e 100 milhões de pessoas. (…)

Rapidamente, com a velocidade das mortes, a pandemia desembarcou no Rio de Janeiro. A cidade parou. Comércio, escolas, igrejas, tudo fechado. Ela ceifava tão rápido que não havia tempo de enterrar os cadáveres. Contou NELSON RODRIGUES que, tossindo, as pessoas caíam na calçada, com a cara enfiada no bueiro. Que passava o caminhão de limpeza recolhendo os corpos. Que de dentro das casas se ouvia: ‘Aqui tem um! Aqui tem um!’ Famintos aproveitavam para atacar armazéns. A classe média tremia entre a doença e o caos social. Que fazer?

Os médicos coçavam a cabeça, afinal, a gripe não tinha causa específica. Foi definida como ‘microbiana, endêmica e mundial’. E pior: não havia profilaxia eficaz a ser feita nos espaços públicos. Os cuidados tinham que ser individuais. (…) Em poucos meses, a Espanhola matou algo em torno de 15 mil pessoal no Rio, levando para o leito seiscentos mil cariocas – ou dois terços da população local.” (‘A Espanhola’: Crônica de uma Epidemia, O Globo, 30/03/2020, p. 1)

Portanto, em um primeiro momento, o grande problema é as pessoas se infectarem ao mesmo tempo (ou em um período muito curto de tempo) colapsando, consequentemente, o sistema de saúde nacional.

Entre 1603 e 1613, surtos periódicos de peste bubônica mataram quase um décimo da população de Londres. Quando os óbitos passavam de 30 por semana, as autoridades baixavam quarentena. Bordéis e teatros eram fechados, e os doentes, trancafiados por 28 dias em suas casas, sob a vigília de guardas que pintavam uma cruz vermelha na porta. Nesse período, todos os teatros da capital inglesa estiveram parados 60% do tempo.

Sócio de um deles, o Globe Theatre, WILLIAM SHAKESPEARE (1564-1616) passou as quarentenas escrevendo. A doença, que dava febre e dores tão terríveis que doentes se jogavam das janelas, costumava matar a partir do décimo dia. (…)” (O Globo, 24/03/2020, p. 5)

5. As Razões para a Rápida Disseminação da COVID-19 no Norte da Itália

Há muitas razões para explicar a rápida disseminação da COVID-19 no norte da Itália. Este país abriga a segunda população mais idosa do mundo (após o Japão), é o berço da Igreja Católica (com suas tradições de elevada proximidade física em rituais religiosos e de cultura social de modo geral), além do clima frio no período de início do contágio (janeiro de 2020).

Porém, pouco difundida é a existência de cerca de 200 mil chineses trabalhando nas confecções de roupas no norte da Itália (em estado precário), justamente onde ocorreu o maior número de vítimas.

Por volta de 2010, segundo relatos, companhias chinesas adquiriram marcas italianas e optaram por enviar chineses para a Lombardia e a Toscana (Milão e Florença), preservando, desta feita, o “made in Italy” tão “caro” à classe média chinesa, consumidora de roupas de grife.

Este fluxo migratório teve, inclusive, o amplo apoio do Partido Comunista Italiano através do slogan: “abrace um chinês” (disponível em https://noticias.r7.com/prisma/augusto-nunes/a-irresponsabilidade-assassina-18032020, acesso em: 30/03/2020 e https://www.dw.com/pt-br/a-triste-realidade-da-pequena-china-italiana/a-18841625, acesso em 30/03/2020), sendo certo que a sede da indústria fashion chinesa fica exatamente em Wuhan, epicentro da doença, local onde diversos chineses, erradicados na Itália, retornaram para festejar o Ano Novo Chinês, voltando, posteriormente, à Itália (possivelmente infectados).

6. Os Motivos para a Acelerada Disseminação do COVID-19 na Espanha

Segundo reportagem de ALLESSANDRO SOLER (O Globo, 31/03/2020, p. 10), “a razão da maior emergência sanitária que a Espanha enfrentou em mais de um século tem múltiplas causas.

Políticos conservadores, por exemplo, têm repetido que a realização das marchas de 8 de março pelo Dia Internacional da Mulher foi determinante para a disparada no número de contágios. Tema caro à coalizão progressista que governa o país, a defesa dos direitos das mulheres se sobrepôs aos crescentes alertas que chegavam da China, naquele momento, sobre a necessidade de evitar multidões.

Menos mencionados são outros eventos ocorridos naqueles dias. Partidas da Liga Espanhola de futebol por todo o país, um show com grande afluência de público com a estrela da música ISABEL PANTOJA em Madri, e até mesmo a convenção do partido de extrema direita Vox num megaginásio esportivo lotado na capital espanhola tiveram lugar livremente. Alguns dias antes, milhares de espanhóis viajaram sem qualquer alerta ou restrição a Milão, epicentro da epidemia na Itália, para assistir ao jogo Atalanta x Valencia pela Champions.

Com o bom tempo do fim do inverno, as famosas terrazas presentes nas principais cidades espanholas estiveram cheias de pessoas bebendo cerveja e confraternizando por vários fins de semanas seguidos, entre fevereiro – quando China e Itália já viviam uma escalada de contágios – e a decretação do estado de emergência e do confinamento pelo premier PEDRO SÁNCHEZ, em 13 de março de 2020.”

7. Das Diferenças entre Isolamento Social (Quarentena) e Distanciamento Social

Existem importantes diferenças entre isolamento (quarentena) e distanciamento sociais.

Isolar significa ilhar, apartar, segregar, insular, excluir, discriminar, enclausurar, encarcerar, encasular, encastelar; ou seja, em última análise, separar (de forma estanque) dois diferentes grupos populacionais.

Já distanciar, de forma menos incisiva, se traduz pelo ato de afastar, – alongando e/ou alargando os limites de contato –, dispersando (e, portanto, desaproximando) duas diferentes comunidades sociais.

Em ambos os casos, entretanto, o objetivo é o mesmo, – ou seja, o de proteger a população do eventual contágio em relação, por exemplo, a uma pandemia –, ainda que a execução da medida protetiva visada seja realizada de maneira diversa.

De modo geral, o isolamento (ainda que consideradas as suas diferentes gradações) é, por definição, um procedimento muito mais severo (em relação ao distanciamento social), implicando, por efeito, em consequências socioeconômicas muito mais duras e impactantes, motivo pelo qual, em linhas gerais, todas as formas de isolamento, com o passar do tempo, precisam necessariamente evoluir para formas mais brandas, até se chegar ao simples distanciamento social, que pode ser, inclusive, executado com a utilização de máscaras (ou outros equipamentos) que reduzam (embora não eliminem) o contato humano.

8. Das Diversas Modalidades de Quarentena

Existem diversas modalidades de quarentena, cada qual com diferentes efeitos psicológicos, sociais e, sobretudo, sobre a economia.

“Pandemias assolam a humanidade há séculos. Ficaram famosas a peste negra, no século XIV, e a gripe espanhola, no século XX. Milhões morreram, por falta de meios para frear essas catástrofes sanitárias. Hoje tudo mudou. A ciência se tornou um recurso essencial para a vida humana, e orienta as mais eficazes iniciativas de contenção e mitigação das epidemias. Ficou comprovado que um dos meios de reduzir a velocidade de transmissão de vírus letais como o coronavírus é o isolamento social. Mal menor, porque ele também traz problemas, principalmente sobre a saúde mental. É preciso estudar esse aspecto, para encontrar os meios de controlá-lo. (…)

O isolamento social é indispensável, mas não inócuo: tem um custo psicológico, além dos prejuízos sociais e econômicos. Não há outra saída para retardar e frear o avanço da doença, mas é preciso dosar bem a duração do isolamento para obter resultados sem prejuízos psicossociais graves. Esse é o desafio que temos pela frente.” (ROBERTO LENT; Neurocientista – UFRJ, O Globo, 09/04/2020, p. 8)

A chamada quarentena total, – a que alguns autores confundem com a chamada quarentena horizontal –, é de todas a mais radical, e a única com real capacidade de conduzir à chamada “morte da economia” após um determinado tempo de vigência (que é, por razões óbvias, muito difícil de precisar, em função de inúmeras variáveis envolvidas).

Ainda assim, é consenso que qualquer forma de quarentena conduz, necessariamente, a efeitos perversos sobre a vida das pessoas e a economia em especial, em forma de diferentes curvas crescentes em relação ao respectivo tempo de duração.

Nenhuma sociedade está pronta para um isolamento como agora é exigido. (…) A crise pode ser esquecida assim que for superada, mas o trauma (humano) permanecerá (…) Já nos encontramos em uma espécie de ‘depressão coletiva’” (ANDREW SOLOMON; Professor de Biologia Humana e Autor da Obra “O Demônio do Meio-Dia”, O Globo, 2º Caderno, 02/04/2020, p. 1)

Não por outra razão, a preferível escolha por modalidades parciais (ou seletivas) de isolamento [ex vi: quarentena vertical ou horizontal, em relação à abrangência do público alvo; quarentena ativa (isolamento de supressão) ou passiva (isolamento de mitigação), em relação à escolha por isolar os contagiados para não espalhar o vírus ou os sadios para não serem infectados; quarentena severa ou branda, em relação ao grau de restrição do isolamento; etc.], exceto em situações-limite em que se impõe, por circunstâncias emergenciais e na completa ausência de outras opções, a quarentena total, ainda que (sempre) pelo menor tempo possível, evitando, desta feita, que este tipo de expediente possa causar mais danos (inclusive óbitos) do que efetivamente evitá-los.

“Somos todos favoráveis ao isolamento como estratégia (provisória) de contenção da COVID-19. Mas é necessário haver uma transição. É fundamental o início de estudos sérios e simulações para ofertar à população uma saída responsável e organizada do isolamento” (LUDHMILA HAJJAR; O Globo, 16/4/2020, p.5)

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9. Isolamento Ativo

Não é possível combater o inimigo (o vírus) se você não sabe onde ele está.

Somente, portanto, com a testagem em massa (considerando que cerca de 50% dos infectados não apresenta sintomatologia evidenciada) é possível realizar o isolamento ativo (ou isolamento de supressão), a única forma verdadeiramente inteligente (e eficaz) de combater a pandemia.

Foi o que a Coreia do Sul e Singapura fizeram e, em menor escala, o Japão –, mesmo possuindo a maior população idosa (ou seja, o maior grupo de risco) do mundo –, e, em parte, também a Alemanha, razão pela qual, dentre os países com grande índice de infectados apresenta uma das menores taxas de óbito (1%), comparativamente com a Itália (10%) ou com a China (4%), ainda que esta última nação, por estar submetida a um regime não-democrático, ostente estatísticas, no mínimo, duvidosas.

“O Japão do COVID-19 continua sendo um mistério para os cientistas. Vizinho da China, registrou seu primeiro caso ainda em janeiro. No mês seguinte, escolas foram fechadas e eventos foram proibidos. Mas a catástrofe esperada para o país com maior percentual da população idosa não aconteceu, e os casos confirmados da doença, até início de abril de 2020, somam pouco mais de 2 mil, com apenas 60 mortes (apesar das críticas à demora da decretação do estado de emergência).” (O Globo, 04/04/2020, p. 12)

10. As Importantes Distinções entre Indício (Indicação), Evidência e Comprovação Científica

É muito importante estabelecer as nítidas diferenças entre indício, evidência e comprovação científica.

Indício, é um vocábulo que objetiva traduzir uma probabilidade plausível quanto a existência da eficácia de um procedimento ou tratamento médico, permitindo a sua eventual indicação em caráter provisório e, na maioria dos casos, com natureza emergencial.

Evidência, por seu turno, é um termo técnico que outorga a qualidade ou o caráter de um procedimento ou tratamento médico que já foi amplamente testado, ainda que sem uma conclusão definitiva em relação a sua plena e total eficácia.

Finalmente, comprovação científica é uma expressão que se exprime pela chancela (inclusive jurídica) de um procedimento ou tratamento em que a comunidade médica, praticamente de forma unânime, fundamentada em inúmeros trabalhos científicos comprobatórios, assegura a sua desejada eficácia e seu correspondente “uso seguro e efetivo”.

11. A Luta contra o Desconhecido

A guerra contra a COVID-19 é uma luta contra o desconhecido.

Segundo ensinamentos de SUN TZU (cf. A Arte da Guerra), “se conhecemos o inimigo, não precisamos temer o resultado da batalha”. Porém, este não é o caso, posto que muito pouco sabemos sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2. Nesta hipótese, nada mais sábio que ouvir (atentamente e desprovido de vaidades inúteis) os soldados na frente de combate, e não, – como em outras situações em que se conhece muito bem o adversário –, os generais atrás de suas escrivaninhas e distante do teatro de operações.

Por esta sorte de considerações, nada mais sensato que permitir, – ainda que através de um protocolo de informação detalhada ao paciente (termo de consentimento informado) –, em caráter excepcional, que o médico possa ter plena e total autonomia para decidir (em conjunto com o infectado) quais os medicamentos e tratamentos que deve ofertar (e efetivamente proveder) em relação aos seus doentes.

Lembrando, por oportuno, que a medicina não é (e jamais será) uma ciência exata, e mesmo em situações em que a ciência médica ostenta (desejada) comprovação científica, a mesma, em decorrência da própria dialética evolutiva, pode mais tarde verificar os seus próprios equívocos.

Foi o caso da heroína (cloridrato de diamorfina) e da aspirina (ácido acetilsalicílico), medicamentos sintetizados, respectivamente, em 1898 e 1899, por FÉLIX HOFFMANN, da Bayer, em que o primeiro fármaco ostentou, inicialmente, a correspondente comprovação científica como sedativo da tosse em crianças (e também antidiarreico), tendo sido amplamente prescrito e utilizado entre 1898 e 1910 e, posteriormente, proibido a partir da década de 1920 (somente o Reino Unido ainda admite o seu uso como analgésico hospitalar); ao passo que o segundo medicamento inicialmente foi usado com muitas cautelas (em decorrência de sua incipiente comprovação de eficácia), apenas obtendo a devida comprovação científica entre 1960 e 70, com os estudos de JOHN VALE, passando a ser admitida oficialmente como importante anticoagulante (JEFFREYS DIARMUID; Aspirin: the remarkable story of a Wonder drugs, CHF, 2008).

“A história ajuda a evitar a tentação de decidir pela opinião de políticos se a hidroxicloroquina deve ser ministrada a todos os pacientes portadores do novo coronavírus. O encontro da química com o organismo humano tem mistérios. Em uma mesma semana em 1897, na Alemanha, o químico alemão FELIX HOFFMANN criou duas drogas que fariam história por razões diversas: a aspirina e a heroína. A Bayer, onde HOFFMANN trabalhava, encantou-se com a eficiência da heroína na supressão da tosse e no alívio das dores. Em pouco tempo, a heroína era um evento estrondoso, sendo receitada livremente até para bebês. Enquanto isso, a aspirina, sob suspeita de fazer mal ao coração, enfrentava resistência no meio médico. Mais tarde, entretanto, a aspirina firmou-se como um analgésico bastante seguro, tomada sem receita médica, enquanto a heroína, por ser tóxica e viciar seus usuários, teve sua venda banida a partir de 1920 na maioria dos países, sendo hoje restrita ao narcotráfico.” (EURÍPEDES ALCÂNTARA; Chega de Opiniões, O Globo, 11/04/2020, p. 3)

12. Cloroquina e Hidroxicloroquina

A cloroquina é um medicamento usado no tratamento da malária em regiões do globo em que esta doença é endêmica.

O fármaco foi descoberto em 1934 por HANS ANDERSAG, da Bayer, e faz parte da lista de medicamentos essenciais da OMS.

Apesar de sua constatada eficácia e indicação para o tratamento da malária, a droga, a exemplo de qualquer outro medicamento, também possui algumas restrições de uso, em função de alguns efeitos adversos já verificados, tais como: taquicardia, problemas associados à visão, diarreia, danos musculares e, eventualmente, até mesmo crises epilépticas.

Ainda assim, em decorrência de uma equação custo-benefício favorável ao seu emprego, o fármaco é amplamente indicado e utilizado com chancela da comunidade médica internacional (The American Society of Health-System Pharmacists, 2015).

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Já a hidroxicloroquina é um derivado da cloroquina, com o acréscimo de uma molécula de OH em sua formulação, viabilizando uma sensível redução da toxicidade original (cerca de 40%), permitindo, desta feita, a sua utilização, de forma prolongada (e mesmo em uso contínuo) em doenças autoimunes, tais como lúpus, artrite reumatoide, febre Q, dentre outras enfermidades.

A hidroxicloroquina é um derivado químico da cloroquina, sintetizado a partir da inclusão de um grupo OH (um átomo de hidrogênio e um de oxigênio), formando uma molécula de ação farmacológica semelhante, mas 40% menos tóxica para dosagens similares. A cloroquina é usada primariamente no tratamento da malária, e a hidroxicloroquina é usada também contra doenças autoimunes, como o lúpus.” (O Globo; 09/04/2020, p. 6)

De forma menos gravosa que a cloroquina, a hidroxicloroquina também apresenta efeitos colaterais importantes, particularmente de natureza cardiológica, além de problemas no trato gastrointestinal, nos sistemas hematológicos, neurológicos, neuromuscular e dermatológico, e ainda na mácula retiniana.

A droga foi sintetizada em 1946 por SURREY e HAMMER e, subsequentemente, aprovada para uso médico nos Estados Unidos em 1955 (DAVID BROWNING; Hydroxychloroquine and Chloroquine Retionopathy, NYC, 2014).

A substância consta como um dos medicamentos mais eficazes, seguros e fundamentais para um sistema de saúde (para os distúrbios a que ela se propõe a tratar) segundo a OMS (World Health Organization Model List of Essential Medicines, 2019).

Apesar de (ainda) não haver (a devida e ansiada) comprovação científica, a droga se mostrou, – através de diversas evidências empíricas (sobretudo por relatos dos médicos que estão diretamente na “linha de frente” no combate da atual pandemia do novo coronavírus) –, eficaz no tratamento do SARS-CoV-2 (COVID-19), – aparentemente replicando, no caso do coronavírus, sua reconhecida capacidade de impedir o ingresso do protozoário, causador da malária, na célula –, razão pela qual, – na ausência de uma droga específica –, estar sendo amplamente utilizada como o principal fármaco (dentro de uma combinação de medicamentos) na luta entre a vida e a morte contra um dos mais perigosos e agressivos micróbios que surgiu na face da Terra.

“O SARS-CoV-2 é único em relação a outros patógenos. (…) Ele já surgiu muito bem adaptado para humanos, e a gama variada de quadros clínicos que produz – de assintomáticos a severos – faz com que se espalhe muito e mate muita gente, habilidades raramente presentes no mesmo microrganismo.

Esse vírus é, portanto, muito diferente da maior parte dos vírus respiratórios porque os portadores assintomáticos transmitem a infecção tão bem quanto os sintomáticos. Isso se torna muito mais problemático quando combinado ao número de doentes graves que surgem em proporção ao número de infectados e o tempo que esses pacientes requerem de hospitalização.” (LUCIANA COSTA, Professora do Departamento de Microbiologia da UFRJ, O Globo, 12/04/2020, p. 11)

A ideia central (do uso desta medicação) é, principalmente, a de impedir a disseminação da doença (o que conduziria ao colapso do sistema de saúde) e, acima de tudo, reduzir o elevadíssimo número de óbitos.

“O principal objetivo (do uso da hidroxicloroquina) é evitar que o paciente tenha que ser hospitalizado por piora da COVID-19. Se reduzirmos as internações, reduziremos o uso da UTI, a entubação e o número de óbitos.” (ÁLVARO AVEZUM; A Meta é Verificar se Hidroxicloroquina Reduz as Internações, O Globo, 09/04/2020, p. 6)

Vale advertir que a COVID-19 é muito mais mortal (em função de sua extraordinária taxa de disseminação, ainda que sua letalidade seja reconhecidamente inferior a de outros patógenos) em comparação a outras doenças pandêmicas anteriores, motivo central da urgência do emprego de todos os meios de contenção, ainda que não completamente comprovados em relação à sua plena eficácia e total segurança.

“O novo coronavírus é dez vezes mais letal do que o H1N1. É sabido que a COVID-19 se espalha rapidamente e também que é letal: (no mínimo) dez vezes mais do que o vírus responsável pela pandemia de gripe em 2009.” (TEDROS ADHANOM GHEBREYESUS, Diretor-Geral da OMS, O Globo, 14/04/2020, p. 10)

Em necessária adição, resta fundamental entendermos que nenhum tipo de quarentena per si assegura, em definitivo, uma real proteção contra qualquer pandemia e, em especial, contra o novo coronavírus. O único isolamento eficaz é aquele que se estabelece entre o mundo humano e a esfera do vírus, o que somente é possível através de uma imunidade (natural ou artificialmente concebida por meio de vacinas) ou pela destruição da doença por meio medicamentoso.

“O que essa história nos ensina para a atual epidemia do COVID-19?

Primeiro, que você não pode se proteger fechando permanentemente suas fronteiras. Mesmo se você reduzir suas conexões globais ao nível da Inglaterra em 1348, isso ainda não seria suficiente. (…)

Em segundo lugar, a história indica que a proteção real vem do compartilhamento de informações científicas confiáveis e da solidariedade global. (…)

A cooperação internacional é necessária também para medidas efetivas de quarentena (…).

Na luta contra os vírus, a humanidade precisa proteger estritamente as fronteiras. Mas não as fronteiras entre os países. Pelo contrário, precisa proteger a fronteira entre o mundo humano e a esfera do vírus. (…)” (YUVAL NOAH HARARI; Lições para uma Pandemia, O Globo, 24/03/2020, Segundo Caderno, ps. 1/2)

Oportuno, mais uma vez, esclarecer que a utilização da hidroxicloroquina (e associações) somente está sendo recomendada (pela maioria dos médicos socorristas) em decorrência da efetiva inexistência de uma droga que tenha demonstrado, com a devida comprovação científica, sua plena eficácia (e correspondente segurança de emprego) contra o novo coronavírus, a exemplo do TAMIFLU (OSELTAMIVIR) que, igualmente, foi empregado contra a pandemia de influenza H1N1 em 2009, com diversas ressalvas.

“Em relação ao tratamento, até o momento, não há disponível um medicamento que tenha demonstrado plena eficácia e completa segurança no tratamento de pacientes com infecção por SARS-CoV-2. Estudos estão em andamento e quaisquer medicamentos utilizados com o objetivo de tratamento devem ser administrados sob protocolo clínico mediante aplicação do ‘termo de consentimento livre e esclarecido’.

Deve-se ter cautela ao usar hidroxicloroquina em associação com azitromicina, pois pode aumentar o risco de complicações cardíacas, provavelmente pelo efeito sinérgico de prolongar o intervalo QT.” (GRUPO FORÇA COLABORATIVA COVID-19 BRASIL; Orientações sobre Diagnóstico, Tratamento e Isolamento de Pacientes, 13/04/2020)

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Também, em necessário esclarecimento elucidativo, resta consignar que outras substâncias estão sendo analisadas, – seja em conjunto com a própria hidroxicloroquina, seja de forma singular –, com o objetivo último de se criar um protocolo médico de sinérgica ação contra a atual pandemia.

“Além da hidroxicloroquina, em combinação com o antibiótico azitromicina, outras substâncias estão sendo analisadas. Entre elas: lopinavir e ritonavir, usadas contra o HIV; esses mesmos dois remédios, em conjunto com a substância interferon beta-1b, usada no tratamento de esclerose múltipla; e o antiviral remdesivir, para o ebola.” (O Globo, 08/04/2020, p. 7)

Os detratores do emprego da hidroxicloroquina, por outro lado, argumentam, com alguma propriedade, que o atual uso do fármaco não se encontra apoiado em achados científicos averiguadamente robustos e devidamente publicados nas melhores revistas científicas mundiais, esquecendo, todavia, que enquanto a almejada “robustez” não é encontrada, amontoam-se o número de cadáveres no mundo inteiro.

“O uso amplo de cloroquina e hidroxicloroquina como profilaxia e tratamento da COVID-19 foi desaconselhado oficialmente pelas duas mais importantes entidades de médicos e cientistas do Brasil no dia 13/04/2020. Em nota conjunta, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) alertam que o uso indiscriminado da CQ e HCQ, não está apoiado em achados científicos robustos e devidamente publicados nas melhores revistas científicas mundiais.” (O Globo, 14/04/2020, p. 10)

Também, uma crítica válida em relação aos que não admitem o uso (emergencial) da hidroxicloroquina, é a de que os mesmos não são médicos (em sua maioria) que estão diretamente em contato com os seus pacientes (e sim administradores e/ou detentores de cargos políticos que se encontram afastados da “clínica médica” diária), além de não oferecerem qualquer alternativa viável ao tratamento (experimental) proposto (com eficácia evidenciada, ainda que não comprovada), sendo certo que os indícios de que o medicamento é inócuo ou perigoso está umbilicalmente associado a um protocolo equivocado de utilização do mesmo, haja vista que as evidências conhecidas até o momento indicam que apenas o uso precoce (a partir do segundo dia da infecção) e em dosagens não superiores a 400 mg / dia se mostraram realmente eficazes e relativamente seguras no combate à COVID-19.

13. Protocolos de Aumento da Imunidade Humana

Não existe (propriamente) nenhum protocolo, com a devida comprovação científica, para o aumento da imunidade humana, particularmente no combate à COVID-19.

É de amplo conhecimento, entretanto, que, de um modo geral, a manutenção do bom funcionamento do intestino sobressai como medida fundamental para a manutenção da imunidade, uma vez que é neste órgão que se concentram os principais instrumentos imunizantes do ser humano.

“A melhor forma de fortalecer o sistema imunológico é a hidratação. O intestino é o órgão com o maior número de células de defesa.” (O Globo, 07/04/2020, p. 15)

Também, a medicina possui fortes indícios (e algumas evidências) de que o zinco (um mineral que atua no corpo humano, diferenciando os leucócitos que percebem o invasor em células que o atacam, eliminando-o) é um elemento extremamente importante para a ampliação da imunidade, além do aminoácido L-Glutamina (PHILIPS BILL; Sport Supplement Review, 3rd issue, Golden, 1997).

“A deficiência de zinco está associada a maior susceptibilidade às infecções virais, uma vez que ele interfere na síntese das hemoglobinas e na manutenção funcional do sistema imune” (GILMAR DE SOUZA; GZH, 21/03/2011)

Porém, de todos os oligoelementos, vitaminas e hormônios, – como medida profilática –, se sobressai a Vitamina D-3 (em essência um hormônio e não propriamente uma vitamina em seu sentido bioquímico), particularmente no que concerne à proteção antiviral, conforme trabalhos científicos desenvolvidos recentemente na Itália que objetivaram explicar porque o novo coronavírus se desenvolveu de forma extremamente acentuada naquele país.

“Pesquisadores da Universidade de Turim, na Itália, divulgaram, em março de 2020, estudo apontando a vitamina D-3 como importante na modulação do sistema imunológico e forte aliada no combate ao novo coronavírus. De acordo com o nutrólogo e especialista em medicina preventiva, HUMBERTO ARRUDA, mais de 95% das pessoas têm deficiência de vitamina D-3, o hormônio mais benéfico às defesas do organismo, sendo interessante a suplementação principalmente de forma injetável. (…)

Os primeiros dados preliminares coletados pela pesquisa com a vitamina D-3 em Turim indicam que muitos pacientes hospitalizados por COVID-19 apresentaram falta no organismo, sobretudo os idosos mais frágeis. No estudo, os autores sugeriram garantir níveis adequados na população.” (Disponível em https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/vida-fit/2020/03/5604216-coronavírus–entenda-como-a-vitamina-d3-atua-na-prevencao-da-COVID-19.html, acesso em 05/04/2020).

Não por outra razão, a importância de que todas as pessoas (e, sobretudo, os idosos) se exponham ao sol, diariamente, por pelo menos 15 a 20 minutos, possibilitando a sintetização da Vitamina D-3 (a famosa helioterapia já preconizada desde 1903 por AUGUST ROLLIER e pelo prêmio Nobel de medicina NIELS R. FINSEN).

“Os vírus da gripe podem ser neutralizados pela luz solar, desinfetantes e detergentes” (SUAREZ, SPACKMAN, SENNE, BULAGA, WELCH e FROBERG; The Effect of Various Disinfectants on Detection of Avian Influenza Virus by Real time, RT-PCR, PMID 14575118)

14. O Emprego Profilático da Mefloquina na Rússia e a Larga Utilização da Hidroxicloroquina na Malásia

Mesmo sem comprovação científica, mas com fortes evidências médicas, a Rússia tem utilizado, desde o início da pandemia, de forma profilática, e em grande escala, a mefloquina (um medicamento desenvolvido na década de 1970, como um análogo sintético do quinino, que, de forma diversa da hidroxicloroquina, é utilizado de forma preventiva contra a malária) e, ao que tudo indica, com bons resultados, posto que mesmo tendo atravessado, no início da pandemia, um inverno rigoroso, o número de infectados e, igualmente, de óbitos verificados naquele país tem sido extremamente baixo em comparação com outras nações europeias.

“A Agência Federal de Medicina Biológica da Rússia (FMBA) revelou que está trabalhando ‘em um esquema eficaz e seguro para prevenir a infecção por coronavírus à base de mefloquina, que não apenas excederá o pico de incidência, mas também o controlará efetivamente no futuro’.

A mefloquina (também conhecida como cloridrato de mefloquina) é um medicamento antimalárico de caráter profilático (de forma diversa da hidroxicloroquina) (…)

A droga, que existe desde a década de 1970, ‘bloqueia o efeito degenerativo que o COVID-19 tem nas células e não permite que o vírus se replique mais’, sendo certo que ‘o efeito imunossupressor da mefloquina impede a resposta inflamatória causada pela doença’. (…)” (Disponível em https://www.infobae.com/america/mundo/2020/03/28/rusia-asegura-que-otra-droga-es-efectiva-contra-el-coronavírus/, acesso em 05/04/2020).

Portugal (inobstante possuir a exclusividade fronteiriça com um dos países mais afetados pela pandemia; ou seja, a Espanha) e Congo também vem trilhando, em alguma medida, por caminho análogo, aparentemente com relativo sucesso.

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De igual forma, chama atenção de todo mundo o caso da Malásia, – um país subdesenvolvido, que testou muito pouco a sua população (de forma diversa de outras nações que também obtiveram êxito no combate à COVID-19) e que, além de tudo, possui um sistema de saúde extremamente precário –, e que, ainda assim, ostenta um baixíssimo número de infectados e um dos menores índices de óbitos de todo o globo.

O segredo, segundo alguns pesquisadores, foi a utilização massiva da hidroxicloroquina, associada com antibióticos e antivirais, de forma extremamente precoce, logo no início da pandemia, aproximando-se de sua larga experiência no combate à malária.

15. Dos Estudos do Grupo Força Colaborativa COVID-19 Brasil

Segundo análises preliminares do Grupo Força Colaborativa COVID-19 Brasil (Versão 1: 13/04/2020), “o SARS-COV-2 apresenta proteínas virais em sua superfície externa que facilitam a ligação às células hospedeiras através da enzima de conversão da angiotensina 2 (ACE2). O SARS-CoV-2 é um coronavírus com fita simples de RNA que se replica através do recrutamento de proteínas não estruturais, como protease do tipo 3-quimotripsina, protease do tipo papaína, helicase e RNA polimerase dependente do RNA (Li, G. & De Clercq, E. Therapeutic options for the 2019 novel coronavírus (2019-nCoV). Nature reviews. Drug discovery 19, 149–150 (2020)). Devido a semelhança estrutural com outros vírus diversas terapias antivirais têm sido testadas.

Análogos de nucleosídeos disponíveis para HIV e vírus respiratórios podem ter um papel terapêutico no bloqueio da síntese de RNA, visando a RNA polimerase dependente de RNA encontrada na SARS-CoV-2. Além disso, os inibidores de protease de HIV atualmente disponíveis exibiram alguma atividade in vitro contra a protease semelhante à 3-quimotripsina encontrada na SARS (Tan, E. L. C. et al. Inhibition of SARS coronavírus infection in vitro with clinically approved antiviral drugs. Emerg. Infect. Dis. 10, 581–586 (2004). Jordan, P. C., Stevens, S. K. & Deval, J. Nucleosides for the treatment of respiratory RNA virus infections. Antivir. Chem. Chemother. 26, 2040206618764483 (2018)).

Outras proteínas não estruturais ou acessórias têm um papel em possíveis alvos terapêuticos em desenvolvimento (Dong, L., Hu, S. & Gao, J. Discovering drugs to treat coronavírus disease 2019 (COVID-19). Drug Discov. Ther. 14, 58–60 (2020)). Ao contrário de direcionar diretamente para replicação viral, outras abordagens terapêuticas têm como objetivo modular o sistema imunológico inato para atacar o vírus ou inibir citocinas que são reguladas positivamente durante a replicação viral para atenuar a resposta fisiológica à doença (Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Dong, L., Hu, S. & Gao, J. Discovering drugs to treat coronavírus disease 2019 (COVID-19). Drug Discov. Ther. 14, 58–60 (2020). Li, G. & De Clercq, E. Therapeutic options for the 2019 novel coronavírus (2019-nCoV). Nature reviews. Drug discovery 19, 149–150 (2020))” (Grupo Força Colaborativa COVID-19 Brasil; Versão 1, 13/04/2020).

De acordo com esta análise, o GFC-COVID-19 Brasil analisou as seguintes classes terapêuticas para o combate à pandemia do novo coronavírus:

15.1. Antivirais

15.1.1 Ribavirina (Análogos do Nucleosídeo)

Ribavirina é um análogo de nucleosídeo de purina que provoca seu efeito antiviral através da inibição da síntese de RNA viral. O RNA é onipresente em muitos vírus, razão pela qual a ribavirina foi estudada em diversas de doenças virais, incluindo hepatite B, C e vírus sincicial respiratório (Tan, E. L. C. et al. Inhibition of SARS coronavírus infection in vitro with clinically approved antiviral drugs. Emerg. Infect. Dis. 10, 581–586 (2004)). Devido à falta de dados, e a importante toxicidade e efeitos colaterais da medicação, seu uso deve ser considerado com precaução. Dados in vivo sugerem que as concentrações séricas de ribavirina necessárias para reduzir efetivamente a replicação viral são maiores do que as que são seguramente alcançáveis em seres humanos, e muitos estudos questionam a eficácia (Li, G. & De Clercq, E. Therapeutic options for the 2019 novel coronavírus (2019-nCoV). Nature reviews. Drug discovery 19, 149–150 (2020). Tan, E. L. C. et al. Inhibition of SARS coronavírus infection in vitro with clinically approved antiviral drugs. Emerg. Infect. Dis. 10, 581–586 (2004)).

15.1.2. Favipiravir (Análogos do Nucleosídeo)

O favipiravir, um medicamento licenciado no Japão para tratamento da gripe, é outro agente potencial devido à sua atividade contra um amplo espectro de vírus RNA, incluindo coronavírus. Vários estudos estão em andamento para avaliar o favipiravir para o tratamento do COVID-19 (Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Jordan, P. C., Stevens, S. K. & Deval, J. Nucleosides for the treatment of respiratory RNA virus infections. Antivir. Chem. Chemother. 26, 2040206618764483 (2018). Borba, M. et al. Chloroquine diphosphate in two different dosages as adjunctive therapy of hospitalized patients with severe respiratory syndrome in the context of coronavírus (SARS-CoV-2) infection: Preliminary safety results of a randomized, double-blinded, phase IIb cl. medRxiv 2020.04.07.20056424 (2020). doi:10.1101/2020.04.07.20056424).

15.1.3. Oseltamivir (Inibidores de Neuraminidase)

É improvável que o oseltamivir seja ativo contra o SARS-CoV-2 com base em estudos anteriores com SARS-CoV-1. Até o momento, não há trabalhos que sustentam eficácia para SARS-Cov-2 (Barlow, A. Et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Zhu, N. et al. A novel coronavírus from patients with pneumonia in China, 2019. N. Engl. J. Med. (2020). doi:10.1056/NEJMoa2001017).

15.1.4. Lopinavir/Ritonavir (Inibidores de Protease)

Lopinavir é um inibidor de protease do ácido aspártico desenvolvido para o tratamento do HIV. A lógica da terapêutica do lopinavir com ritonavir (LPV/r) para COVID-19 surge de estudos in vitro que demonstram inibição da protease semelhante à 3-quimotripsina encontrada em novos coronavírus. No entanto, o LPV foi projetado especificamente para corresponder à estrutura do local catalítico C2 na protease do ácido aspártico do HIV. A protease SARS-CoV-2 é uma família de protease de cisteína e é estruturalmente diferente, pois não possui um local catalítico em C2 (Jordan, P. C., Stevens, S. K. & Deval, J. Nucleosides for the treatment of respiratory RNA virus infections. Antivir. Chem. Chemother. 26, 2040206618764483 (2018). Deng, L. et al. Arbidol combined with LPV/r versus LPV/r alone against Corona Virus Disease 2019: A retrospective cohort study. J. Infect. (2020). Doi:10.1016/j.jinf.2020.03.002. Cao, B. et al. A Trial of Lopinavir-Ritonavir in Adults Hospitalized with Severe Covid-19. N. Engl. J. Med. (2020). doi:10.1056/NEJMoa2001282. Stockman, L. J., Bellamy, R. & Garner, P. SARS: systematic review of treatment effects. PLoS Med. 3, e343 (2006). Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398). A literatura disponível até o momento para LPV/r no tratamento de COVID-19 decorre de uma série de casos descritivos de cinco pacientes em Singapura que receberam LPV / r 200-100 mg duas vezes diariamente por 14 dias. Três pacientes apresentaram reduções nos requisitos de ventilação nos três dias seguintes ao início do tratamento, enquanto dois apresentaram insuficiência respiratória progressiva. Um estudo chinês de corte retrospectiva avaliou o uso de LPV/r e arbidol, mostrando melhora do clareamento viral e quadro clínico com terapia combinada (Deng, L. et al. Arbidol combined with LPV/r versus LPV/r alone against Corona Virus Disease 2019: A retrospective cohort study. J. Infect. (2020). doi:10.1016/j.jinf.2020.03.002). Em um recente ensaio clínico randomizado, controlado e aberto, incluindo pacientes hospitalizados com infecção por SARS-CoV-2, doentes que receberam LPV/r 400 a 100 mg duas vezes ao dia por 14 dias versus grupo controle sem droga antiviral, não demonstrou benefício do uso de LPV/r, nem mesmo diferença em carga viral16. Existem vários estudos em andamento que avaliam a utilidade clínica do LPV/r como monoterapia e em combinação com outras terapias como arbidol, ribavirina e o interferon (IFN) (Deng, L. et al. Arbidol combined with LPV/r versus LPV/r alone against Corona Virus Disease 2019: A retrospective cohort study. J. Infect. (2020). doi:10.1016/j.jinf.2020.03.002. The Efficacy of Lopinavir Plus Ritonavir and Arbidol Against Novel coronavírus Infection – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04252885. (Accessed: 13th April 2020). Huang, C. et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavírus in Wuhan, China. Lancet (London, England) 395, 497–506 (2020). Cao, B. et al. A Trial of Lopinavir-Ritonavir in Adults Hospitalized with Severe Covid-19. N. Engl. J. Med. (2020). doi:10.1056/NEJMoa2001282).

15.1.5. Remdesivir (Análogo da Adenosina)

Remdesivir é um análogo da adenosina, inicialmente utilizado para o Ebola, que tem sido considerado um antiviral promissor contra uma grande variedade de vírus de RNA, incluindo SARS-CoV-2, ao ter demonstrado diminuição da replicação viral. Estudos in vitro em culturas de células epiteliais das vias aéreas humanas como modelo pulmonar encontraram atividade contra os coronavírus (Sheahan, T. P. et al. Broad-spectrum antiviral GS-5734 inhibits both epidemic and zoonotic coronaviruses. Sci. Transl. Med. 9, (2017)). Os estudos que avaliaram a potência do remdesivir foram eficazes para diminuir coronavírus nas células epiteliais das vias aéreas humanas (Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Sheahan, T. P. et al. Broad-spectrum antiviral GS-5734 inhibits both epidemic and zoonotic coronaviruses. Sci. Transl. Med. 9, (2017). Gordon, C. J., Tchesnokov, E. P., Feng, J. Y., Porter, D. P. & Gotte, M. The antiviral compound remdesivir potently inhibits RNA-dependent RNA polymerase from Middle East respiratory syndrome coronavírus. J. Biol. Chem. 295, 4773–4779 (2020)). Recentemente foi publicada uma coorte de pacientes graves hospitalizados por COVID-19, tratados com remdesivir em uso compassivo, ocorrendo melhora clínica em 36 dos 53 pacientes (68%) (Grein, J. et al. Compassionate Use of Remdesivir for Patients with Severe Covid-19. N. Engl. J. Med. (2020). doi:10.1056/NEJMoa2007016). Certamente, a comprovação da eficácia ainda aguarda dados de estudos randomizados, controlados por placebo (Severe 2019-nCoV Remdesivir RCT – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04257656. (Accessed: 13th April 2020). Mild/Moderate 2019-nCoV Remdesivir RCT – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04252664. (Accessed: 13th April 2020)).

15.2. Imunomoduladores

15.2.1. Corticosteróides

Dados clínicos até o momento não demonstraram benefício dos corticosteróides no tratamento da SARS, MERS ou COVID-19, mas apontaram evidências de aumento do risco de danos, incluindo ventilação mecânica prolongada, necrose avascular, depuração viral atrasada e infecções secundárias (Stockman, L. J., Bellamy, R. & Garner, P. SARS: systematic review of treatment effects. PLoS Med. 3, e343 (2006). Russell, C. D., Millar, J. E. & Baillie, J. K. Clinical evidence does not support corticosteroid treatment for 2019-nCoV lung injury. Lancet (London, England) 395, 473–475 (2020)). A falta de benefício de sobrevivência foi ainda mais apoiada por uma revisão sistemática de corticosteróides em pacientes com SARS, onde demostrou um risco aumentado de psicose, necrose avascular, viremia prolongada e hiperglicemia com tratamento com corticosteróides. No momento, está indicado em quadros graves com nível de evidência fraco (Sheahan, T. P. Et al. Broad-spectrum antiviral GS-5734 inhibits both epidemic and zoonotic coronaviruses. Sci. Transl. Med. 9, (2017). Arabi, Y. M. et al. Corticosteroid Therapy for Critically Ill Patients with Middle East Respiratory Syndrome. Am. J. Respir. Crit. Care Med. 197, 757–767 (2018). Russell, C. D., Millar, J. E. & Baillie, J. K. Clinical evidence does not support corticosteroid treatment for 2019-nCoV lung injury. Lancet (London, England) 395, 473–475 (2020). Alhazzani, W. et al. Surviving Sepsis Campaign: guidelines on the management of critically ill adults with coronavírus Disease 2019 (COVID-19). Intensive Care Med. (2020). doi:10.1007/s00134-020-06022-5. Efficacy and Safety of Corticosteroids in COVID-19 – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04273321. (Accessed: 13th April 2020)).

15.2.2. Interferon

Interferon (INF) são proteínas endógenas de sinalização liberadas pelas células hospedeiras durante a resposta a infecções ou inflamação. A regulação positiva dos IFNs estimula o sistema imunológico a atenuar a replicação viral e erradicar patógenos agressores. Existem dois IFNs que mediam as respostas imunes do hospedeiro, alfa e beta. O IFN alfa provoca uma potente resposta celular imune mediada pelo hospedeiro que gerou interesse no tratamento de doenças virais como hepatite B e C. O IFN beta tem sido usado principalmente no tratamento da esclerose múltipla (Zhang, L. & Liu, Y. Potential interventions for novel coronavírus in China: A systematic review. J. Med. Virol. 92, 479–490 (2020). Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398). Estudos in vitro demostraram uma redução na replicação viral do SARS e MERS-CoV com Interferon alfa e beta. Pacientes com MERS-CoV que foram tratados com uma associação ribavirina e alfa-INF tiveram melhor sobrevida, porém não há evidência ainda para sustentar o uso para infecção por SARS-COV-2 (Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Haagmans, B. L. et al. Pegylated interferon-alpha protects type 1 pneumocytes against SARS coronavírus infection in macaques. Nat. Med. 10, 290–293 (2004)). Isso não diminuiu a aplicação potencial dessa terapia e os pesquisadores aguardam os resultados de estudos em andamento que avaliam a eficácia do IFN alfa 2b como parte da terapia combinada com ribavirina para COVID-19, a fim de elucidar ainda mais qualquer benefício do tratamento com IFN (Efficacy and Safety of IFN-α2β in the Treatment of Novel coronavírus Patients – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/ show/NCT04293887. (Accessed: 13th April 2020). Lopinavir/ Ritonavir, Ribavirin and IFN-beta Combination for nCoV Treatment – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04276688. (Accessed: 13th April 2020)).

15.2.3. Imunoglobulina Humana Intravenosa

Não há evidências de que a IGIV tenha algum benefício no tratamento da infecção pelo novo coronavírus.

15.3. Anticorpos Monoclonais

15.3.1. Soro de convalescentes

O mecanismo proposto de benefício do plasma humano convalescente derivado de sobreviventes do coronavírus é a transferência de imunidade passiva em um esforço para restaurar o sistema imunológico durante doenças críticas e neutralizar o vírus para suprimir a viremia. Em uma revisão retrospectiva de 40 pacientes com SARS que falharam no tratamento com metilprednisolona e ribavirina em três dias, 74% dos pacientes que receberam plasma convalescente receberam alta no dia 22 em comparação com apenas 19% dos pacientes que receberam altas doses corticosteróides (p <0,001). Para o maior benefício do tratamento com plasma convalescente, o estudo sugere empregar no início do curso da doença (antes do dia 16) (Barlow, A. Et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Soo, Y. O. Y. et al. Retrospective comparison of convalescent plasma with continuing high-dose methylprednisolone treatment in SARS patients. Clin. Microbiol. Infect. 10, 676–678 (2004)). Dados preliminares da terapia com plasma convalescente no surto de COVID-19 sugerem melhora nos sintomas clínicos sem sinal de efeitos adversos. Duas séries de casos, uma com cinco pacientes e outra com quatro pacientes, mostraram melhora clínica evidente e saída da ventilação mecânica (três pacientes) após a transfusão (Zhang, B. et al. Treatment with convalescent plasma for critically ill patients with SARS-CoV-2 infection. Chest (2020). Doi:10.1016/j.chest.2020.03.039). Testado em cinco pacientes, com melhora clínica evidente e saída da ventilação mecânica (três pacientes) após 12 dias da transfusão (Shen, C. Et al. Treatment of 5 Critically Ill Patients With COVID-19 With Convalescent Plasma. JAMA (2020). doi:10.1001/jama.2020.4783. Anti-SARS-CoV-2 Inactivated Convalescent Plasma in the Treatment of COVID-19 – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04292340. (Accessed: 13th April 2020)).

15.3.2. Tocilizumabe

Tocilizumabe um anticorpo monoclonal com aprovação para síndrome de liberação de citocinas induzida por células T (CRS), arterite de células gigantes, artrite reumatoide e artrite idiopática juvenil poliarticular ou sistêmica. Publicações sugerem que pacientes com COVID-19 grave sofrem lesão pulmonar significativa secundária a um aumento de citocinas inflamatórias, resultando em uma tempestade de citocinas. A replicação viral ativa o sistema imunológico inato para secretar várias proteínas de sinalização, tais como interleucinas (ILs), que resultam em hiperinflamação e mais danos nos pulmões. A IL-6 é uma proteína inflamatória essencial envolvida nessa via. O tocilizumabe se liga aos receptores da IL-6, diminuindo assim a sinalização celular e efetivamente regulando a resposta inflamatória em excesso (Mehta, P. et al. COVID-19: consider cytokine storm syndromes and immunosuppression. Lancet (London, England) 395, 1033–1034 (2020)). Os dados de Wuhan em pacientes críticos com COVID-19 também encontraram níveis aumentados de citocinas, incluindo IL-6 e fator estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF). A IL-6 pode ser um fator-chave da robusta resposta inflamatória nos pulmões de pacientes de UTI com COVID-19. Dados recentemente publicados de Wuhan indicam que o tocilizumabe adicionado ao lopinavir, metilprednisolona e oxigenoterapia em 20 pacientes com COVID-19 grave resultou em reduções rápidas da febre em todos os pacientes, melhora na oxigenação em 75% e alta hospitalar em 95 % de pacientes (Barlow, A. et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). Doi:10.1002/phar.2398. Ruan, Q., Yang, K., Wang, W., Jiang, L. & Song, J. Clinical predictors of mortality due to COVID-19 based on an analysis of data of 150 patients from Wuhan, China. Intensive care medicine (2020). Doi:10.1007/s00134-020-06028-z. Ruan, Q., Yang, K., Wang, W., Jiang, L. & Song, J. Correction to: Clinical predictors of mortality due to COVID-19 based on an analysis of data of 150 patients from Wuhan, China. Intensive care medicine (2020). Doi:10.1007/s00134-020-06028-z). Ensaios clínicos estão testando o medicamento para COVID-19 (Favipiravir Combined With Tocilizumab in the Treatment of Corona Virus Disease 2019 – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04310228. (Accessed: 13th April 2020). Tocilizumab vs CRRT in Management of Cytokine Release Syndrome (CRS) in COVID-19 – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04306705. (Accessed: 13th April 2020)).

15.4. Outros fármacos

15.4.1. Cloroquina e Hidroxicloroquina

O potencial efeito antiviral da cloroquina é conhecido para uma grande variedade de vírus incluindo o SARS-CoV-1. Os análogos da cloroquina são bases fracas que, em sua forma não protonada, penetram e concentram-se em organelas intracelulares ácidas, como endossomos e lisossomos. Uma vez presentes intracelularmente, os análogos da cloroquina tornam-se protonados e aumentam o pH intra-vesicular. Alterações do pH mediadas por cloroquina podem resultar em inibição precoce da replicação viral por interferência com entrada viral mediada por endossomas ou transporte tardio do vírus envolvido (Borba, M. et al. Chloroquine diphosphate in two different dosages as adjunctive therapy of hospitalized patients with severe respiratory syndrome in the context of coronavírus (SARS-CoV-2) infection: Preliminary safety results of a randomized, double-blinded, phase IIb cl. medRxiv2020.04.07.20056424 (2020). doi:10.1101/2020.04.07.20056424. Huang, M. et al. Treating COVID-19 with Chloroquine. J. Mol. Cell Biol. (2020). doi:10.1093/jmcb/mjaa014). Este mecanismo se traduz no papel potencial dos análogos da cloroquina no tratamento de COVID-19, e também parece interferir na glicosilação terminal da expressão do receptor ACE2, o que impede a ligação ao receptor do SARS-CoV-2 e a subsequente disseminação da infecção. Há evidências de que a cloroquina tem efeito in vitro contra o COVID-19. Estudos clínicos e séries de casos demonstraram que a hidroxicloroquina tem um efeito semelhante, diminuindo a carga viral; alguns estudos sugerem benefício quando utilizada associada a outros medicamentos, como à azitromicina (Chen, Z. et al. Efficacy of hydroxychloroquine in patients with COVID-19: results of a randomized clinical trial. medRxiv 2020.03.22.20040758 (2020). doi:10.1101/2020.03.22.20040758). Estudos clínicos estão avaliando hidroxicloroquina como medicamento seguro e eficaz para COVID-19 (Efficacy and Safety of Hydroxychloroquine for Treatment of COVID-19 – Full Text View – ClinicalTrials.gov. Available at: https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04261517. (Accessed: 13th April 2020)).

15.4.2. Nitazoxanida

Nitazoxanida é uma 2- (acetiloxi) -N- (5-nitro-2-tiazolil) benzamida com uma indicação antiprotozoária. A nitazoxanida é metabolizada em seu metabolito ativo tizoxanida, que bloqueia seletivamente a maturação e o movimento intracelular da hemaglutinina viral pós-traducional da influenza, além de bloquear a implantação de proteínas na membrana plasmática. A nitazoxanida pode potencializar a produção de IFNs do tipo 1 produzidos pela célula hospedeira, que pode potencializar a atividade antiviral através da inibição da hemaglutinina. Estudos in vitro de coronavírus canino descobriram que o uso de nitazoxanida inibiu a replicação viral. Com base nesses dados de animais in vitro, acredita-se que a nitazoxanida possa ter atividade contra SARS-CoV-2. Os dados haff260 em pacientes com síndrome respiratória, a análise de subgrupos mostrou cinco pacientes positivos ao coronavírus, porém esses não apresentaram diferença no desfecho primário de dias de hospitalização. Outros estudos estão sendo aguardados com o fármaco para avaliar sua eficácia no tratamento de COVID-19 (Haffizulla, J. et al. Effect of nitazoxanide in adults and adolescents with acute uncomplicated influenza: a double-blind, randomized, placebo-controlled, phase 2b/3 trial. Lancet. Infect. Dis. 14, 609–618 (2014). Gamino-Arroyo, A. E. et al. Efficacy and Safety of Nitazoxanide in Addition to Standard of Care for the Treatment of Severe Acute Respiratory Illness. Clin. Infect. Dis. 69, 1903–1911 (2019)).

15.4.3. Arbidol

Arbidol, um medicamento usado para profilaxia e tratamento de influenza e infecções virais respiratórias, funciona bloqueando a fusão viral para atingir a membrana celular. Tem demonstrado atividade contra vários vírus, incluindo o SARS, e está atualmente sendo avaliado para o tratamento de COVID-19 em vários estudos na China (Barlow, A. Et al. Review of Emerging Pharmacotherapy for the Treatment of coronavírus Disease 2019. Pharmacotherapy (2020). doi:10.1002/phar.2398. Blaising, J., Polyak, S. J. & Pecheur, E.-I. Arbidol as a broad-spectrum antiviral: an update. Antiviral Res. 107, 84–94 (2014)).

15.4.4. Heparina

A coagulopatia na infecção por SARS-Cov-2 está associada à alta mortalidade, sendo a elevação do D-dímero considerado um importante marcador deste estado de hipercoagulabilidade. Inflamação pulmonar grave e dificuldade de troca gasosa na COVID-19 tem sido sugerido de se relacionar com a superregulação de citocinas pró-inflamatórias, sendo a elevação do D-dímero um reflexo da inflamação intensa, estimulando a fibrinólise intrínseca nos pulmões (Xiong, T.-Y., Redwood, S., Prendergast, B. & Chen, M. coronaviruses and the cardiovascular system: acute and long-term implications. Eur. Heart J. (2020). doi:10.1093/eurheartj/ehaa231).

Baseado no modelo de relação imunotrombótica, o bloqueio da trombina pela heparina pode reduzir a resposta inflamatória. Assim, uma das propriedades da heparina é sua função anti-inflamatória por meio da ligação às citocinas, inibição da quimiotaxia dos neutrófilos e migração leucocitária, neutralização do fator complemento C5a e sequestro de proteínas na fase aguda. A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) é uma das complicações mais comuns na COVID-19, com elevadas concentrações plasmáticas do fator tissular e inibidor de ativador do plasminogênio-1 (PAI-1), o que contribui para a coagulopatia pulmonar por meio da produção de trombina mediada pelo fator tissular e diminuição da fibrinólise mediada pelo ativador de plasminogênio broncoalveolar, através do aumento PAI-1. Tratamento com heparina pode auxiliar na mitigação da coagulopatia pulmonar. Outra propriedade da heparina está na ação antagonista às histonas, liberadas a partir da disfunção endotelial provocada pela invasão do microrganismo patogênico, com redução do edema e lesão vascular pulmonar secundário à injuria produzida por lipopolissacarídeos. A heparina pode ter impacto na disfunção da microcirculação e reduzir danos ao órgãos-alvo, demonstrando redução da inflamação miocárdica e depósito de colágeno em modelo animal de miocardite (Tang, N., Li, D., Wang, X. & Sun, Z. Abnormal coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavírus pneumonia. J. Thromb. Haemost. 18, 844–847 (2020)).

Este efeito da heparina está sob investigação em pacientes COVID-19. Outro conceito é a propriedade antiviral da heparina, estudada em modelos experimentais, através da sua natureza polianiônica, ligando-se a várias proteínas e inibindo a adesão viral.

Estudo in vitro tem demonstrado que o receptor de ligação à proteína S-1 do SARS-Cov-2 interage com a heparina; porém o benefício clínico está por ser determinado. Assim, vários são os mecanismos pelos quais a heparina pode ser benéfica para o tratamento COVID-19, a depender ainda de resultados de novos estudos clínicos, incluindo definição de dose correta da heparina de baixo peso molecular (HBPM), para as quais doses profiláticas podem ser adequadas para muitos pacientes, embora inapropriadas para pacientes com elevado IMC. Estudo retrospectivo com 449 pacientes COVID-19 graves, dos quais 99 (22%) receberam heparina, observou-se menor mortalidade em 28 dias nos pacientes com escore de sepse SIC ≥4, e 20% menor mortalidade se D-dímero >3,0 ug/ml (Tang, N. et al. Anticoagulant treatment is associated with decreased mortality in severe coronavírus disease 2019 patients with coagulopathy. J. Thromb. Haemost. (2020). doi:10.1111/jth.14817). Ainda, estudo experimental com objetivo de avaliar efeito de nebulização com anti-trombina (AT) associada ou não à heparina, em um modelo animal de lesão pulmonar, mostrou redução da lesão pulmonar mediada por fatores de coagulação (Camprubi-Rimblas, M. et al. Effects of nebulized antithrombin and heparin on inflammatory and coagulation alterations in an acute lung injury model in rats. J. Thromb. Haemost. 18, 571–583 (2020)).” (Grupo Força Colaborativa COVID-19 Brasil, Versão 1: 13/04/2020).

16. Das Nítidas Diferenças entre Eficácia, Eficiência e Efetividade

Todo medicamento precisa comprovar a sua eficácia e a sua correspondente segurança.

Porém, existem nítidas diferenças entre eficácia, eficiência (ambos com concepções de natureza objetiva) e efetividade (provida de natureza subjetiva) do fármaco, assim como dos procedimentos médicos de modo geral.

Eficácia é um conceito de simples verificação quanto à inconteste existência de um resultado (previsto ou planejado) em relação ao emprego de um medicamento.

Por sua vez, eficiência é a quantificação deste mesmo resultado, em relação aos riscos (e à própria segurança) de emprego do mesmo, incluindo também a questão (social) da acessibilidade econômica.

Finalmente, efetividade é a percepção da comunidade médica (e, também, dos próprios pacientes) em relação à obtenção de resultados verificáveis do emprego de um novo fármaco ou de um procedimento médico inovador.

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17. A Temperatura Ambiental como Fator de Disseminação Viral

Como qualquer vírus de natureza respiratória (ainda que continuem a existir algumas dúvidas sobre a verdadeira categorização deste microrganismo), o SARS-CoV-2 se dissemina com mais facilidade em temperaturas entre 3º C e 20º C (ainda que estes parâmetros não estejam completamente estabelecidos pela comunidade científica), o que (supostamente) explicaria o menor número de infectados (e de óbitos) no hemisfério sul (quando do início da pandemia em janeiro de 2020) e em países de clima quente, notadamente na África.

“O novo coronavírus parece se espalhar mais lentamente em países onde a temperatura é elevada, segundo estudos do Massachusetts Institute of Technology – MIT/EUA” (Social Science Research Network, 13/04/2020)

Apesar da “explosão” de casos no Ceará (e, em particular, na capital Fortaleza), em Manaus/AM e em Recife/PE e, em menor escala, em Salvador/BA (regiões de elevada temperatura durante todo o ano), resta considerar que, coincidentemente, são as localidades brasileiras (além do Rio de Janeiro e de São Paulo) que mais receberam turistas estrangeiros no início de 2020, notadamente em função das festividades do Carnaval.

18. Da Natureza Hematológica da COVID-19

Segundo alguns pesquisadores, “acredita-se que na fase de replicação viral, após entrar no organismo de uma pessoa, o RNA do novo coronavírus (SARS-CoV-2) codifica a produção de proteínas estruturais (para a base do vírus) e outras não-estruturais. Uma dessas proteínas não-estruturais invade as hemoglobinas, retira o átomo de ferro e se liga no sítio impedindo o carreamento de O2. Esta seria a explicação do quadro de hipóxia de evolução rápida. A lesão do parênquima pulmonar (vidro fosco) seria, portanto, consequência da hipóxia / necrose e não propriamente um efeito direto do processo inflamatório provocado pelo vírus como se imaginava.

Por isso pessoas com comorbidades, principalmente diabetes, descompensam rapidamente, devido à hipóxia, mesmo com oferta de oxigênio suplementar, uma vez que possuem poucos sítios de ligação nas hemoglobinas.

Em pessoas sem comorbidades, apenas a carga viral inicial vai determinar a gravidade do quadro, pois quanto maior a carga viral, mais hemoglobinas comprometidas.

A alteração na estrutura das hemácias, desta feita, explicaria a lesão de vasos e a coagulação intravascular disseminada.

Ou seja, há fortes indicações (ainda que não propriamente evidências ou mesmo comprovação científica) de que a COVID-19 é uma doença hematológica com complicações pulmonares, e é exatamente por esta razão que alguns médicos estão sugerindo hemo-transfusão em pacientes graves com hipoxemia refratária.”

“Acredito que o COVID-19 não cause pneumonia viral grave ou SDRA como se pensava inicialmente. Toda a mecânica pulmonar está intacta e a complacência pulmonar no ventilador parece normal. O COVID-19 é um vírus muito específico que causa um efeito único, pois afeta as moléculas de hemoglobina no sangue e é por isso que a hipoxemia grave e a falência de múltiplos órgãos se desenvolvem devido a uma diminuição severa na capacidade de carga da Hb causada por ligação e inibição da molécula de hemoglobina. E é assim que a hidroxicloroquina e o flaviprivir funcionam, inibindo a ligação da proteína de revestimento do vírus à molécula do anel de porfirina.

Os protocolos de ventilação mecânica e SDRA podem induzir lesão pulmonar induzida por ventilador, em vez de tratar a condição. O ‘achado’ na radiografia e na tomografia computadorizada é causado pelo estresse oxidativo do acúmulo do heme extraído pelo vírus nos alvéolos que causa pneumonite química, não pneumonia viral. O vírus depende da porfirina, razão pela qual é mais grave nos homens e cresce mais rapidamente com a Hb glicosilada, e por isso que é extremamente perigosa em diabéticos e pacientes idosos. Quanto mais altas as Hb F e A2, melhor, uma vez que não há cadeias de betaglobina para se ligar, e é exatamente por esta razão pouco letal em crianças.” (HANY MAHFOUZ)

Por este motivo, o “desafio” da SAMEL, em Manaus/AM, que passou a defender o amplo emprego, no tratamento da COVID-19, de uma “cápsula de ventilação” em lugar da “ventilação mecânica forçada”, em contraposição às indicações da OMS.

“Com zero óbito e elevada taxa de cura do novo coronavírus, durante toda a crise da COVID-19 em Manaus, até abril de 2020, a SAMEL, maior rede privada de hospitais da capital, vem desafiando a ciência e as autoridades de saúde do mundo todo. (…)

A instituição aponta o eventual erro da comunidade internacional (ventilação mecânica forçada), com base no resultado de uma terapia de respiração que os hospitais do grupo SAMEL passaram a administrar em pacientes com a doença desde o fim de março de 2020.

O procedimento rompe com padrão adotado até aqui em todos os continentes por recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Trata-se de uma cápsula de ventilação que evita que o paciente seja submetido a procedimentos invasivos, como a entubação precoce, que tem sido responsável por péssimos resultados.” (LUÍS ALBERTO NICOLAU, SAMEL / AM)

Também neste contexto, o emprego de corticoides combinados com azitromicina tem sido enfaticamente defendido, considerando que ataca o problema central da doença (que é a inflamação), em uma nova abordagem que considera que o próprio sistema imune (do paciente) é capaz de debelar o vírus (mas não suas consequências inflamatórias mortais), afastando a anterior crença de que o uso de corticoides (como o ibuprofeno) agravaria a enfermidade em face da redução da resposta imunológica de cada indivíduo.

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19. Da Necessária União entre os Poderes da República

Os esforços para o combate (coordenado) da COVID-19 também implicam em necessária e imprescindível união entre os Poderes da República.

Não é possível vencer uma guerra, dessa magnitude, sem que exista, – respeitadas e asseguradas as correspondentes competências e prerrogativas constitucionais –, um completo entendimento entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

“Está na ordem do dia a virtude passiva dos juízes e a humildade judicial de reconhecer, em muitos casos, a ausência de expertise em relação à COVID-19. É tudo novo para a Ciência, quiçá para o Judiciário.

Nesse contexto, impõe-se aos juízes atenção para as consequências das suas decisões, recomendando-se prudência redobrada em cenários nos quais os impactos da intervenção judicial são complexos, incalculáveis ou imprevisíveis. (…)

Positivamente, não é hora do impulso imoderado, mas do raciocínio prudente, racional e consequencialista, sob pena de a Justiça, cujo o desígnio é dar a cada um o que é seu, transformar-se num paciente infectado por uma enfermidade que adoece a alma e a razão, ferindo de morte, a um só tempo, a vida dos que sofrem e a esperança dos que intentam viver.” (LUIZ FUX, Justiça Infectada? A Hora da Prudência, O Globo, 30/03/2020, p. 3)

20. Da Responsabilidade Chinesa pela Disseminação do SARS-CoV-2

Existe uma incômoda coincidência entre o fato de o novo coronavírus ter surgido na cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, exatamente onde funciona um laboratório, – inclusive de pesquisas de armas biológicas –, de biossegurança nível 4 (o mais elevado existente), habilitado a funcionar com microrganismos altamente infecciosos.

O epigrafado instituto de pesquisas biológicas teve seu projeto construtivo iniciado, com ajuda do governo francês, em 2004 e, – segundo JOSH ROGIN, analista político do Washington Post –, foi visitado em 2018, quando de sua inauguração, por diplomatas americanos que relataram, à época, sérias preocupações com a falta de segurança de suas barreiras contensivas (O Globo; 20/04/2020, p. 11), levantando suspeitas de que o novo coronavírus teria escapado, possivelmente por acidente, daquelas instalações.

“Embora cientistas tenham (inicialmente) descartado que o SARS-CoV-2 tenha sido criado em laboratório, nos últimos dias ganhou força a especulação de que poderia ter havido uma transmissão acidental para cientistas que pesquisavam coronavírus em morcegos no Instituto de Virologia de Wuhan, laboratório de segurança máxima. Segundo artigo de JOSH ROGIN no jornal Washington Post, autoridades americanas visitaram o laboratório em 2018 e relataram preocupações com a segurança do lugar em dois telegramas ao Departamento de Estado. Em entrevistas posteriores, DONALD TRUMP e autoridades do seu governo alimentaram suspeitas sobre uma ‘fuga’ do vírus. A especulação é reforçada pelo fato de Pequim ter mantido as pesquisas sobre a origem do vírus sob o filtro (e a censura) de canais oficiais.” (O Globo, 18/04/2020, p. 16)

As suspeitas aumentaram ainda mais quando o prêmio Nobel de medicina de 2008, o médico francês LUC MONTAGNIER, juntamente com um grupo de pesquisadores indianos e o matemático JEAN-CLAUDE PERREZ, decifrou o genoma completo do novo coronavírus, descobrindo possuir sequências do vírus HIV, em uma suposta tentativa chinesa de criar (apressadamente, com o intuito de se destacar no mundo científico) uma vacina contra AIDS.

Considerando, ainda, que o mapeamento genético do novo coronavírus não aponta nenhuma ligação com o mercado de animais de Wuhan (conforme versão oficial chinesa) e que não foi transmitido por uma espécie intermediária do morcego, chamado pangolim (uma vez que o genoma do SARS-CoV-2 não coincide com nenhum dos coronavírus de morcego já estudados), as indicações da origem parecem cada vez mais distantes das versões (oficiais) de Pequim.

“Não há muitas brechas na muralha erguida pelo governo chinês para controlar as informações que circulam no país, e a crise do coronavírus elevou a vigilância dos censores para coibir quem questiona a linha oficial. A imprensa do país é dominada pelos veículos estatais, que seguem as diretrizes do Partido Comunista. (…)” (O Globo, 18/04/2020, p. 16)

Vale consignar que o laboratório foi concluído em 2015 e inaugurado em 2018 abrigando um centro de cultivo de vírus, – o maior da Ásia –, onde são preservadas mais de 1.500 variedades, dentre os quais o ebola e praticamente todos os vírus mortais existentes (e conhecidos) no planeta.

Por fim, também oportuno destacar que, de forma diversa do senso comum, os vírus concebidos pela natureza não desaparecem após uma epidemia, mas apenas “adormecem” em face do estabelecimento de uma imunidade natural massiva dos seres humanos (seus hospedeiros), razão pela qual podem retornar, em novos surtos, após enfraquecida (ou mesmo suprimida) a imunidade adquirida com o passar dos anos e o advento de novas gerações (como foi o caso da gripe espanhola de 1918-20 que retornou através de uma nova pandemia de H1N1 em 2009).

Portanto, somente é possível (em tese) novas pandemias por meio do retorno de vírus pré-existentes ou através de interações (inéditas) entre os homo sapiens com animais (como foi o caso do SARS-CoV-1, oriundo do contato humano com morcegos), sendo, também por esta razão, de se estranhar a existência (natural) de uma nova linhagem de coronavírus com idêntica origem e com uma taxa de infecção (disseminação) extremamente alta, como é o caso do SARS-CoV-2 (COVID-19).

21. Do Rebanho Imunizante

Todas as pandemias que o mundo atravessou foram contidas, fundamentalmente, em sua grande maioria, – não propriamente pela ciência –, mas pela concepção do chamado “rebanho imunizante”.

A ideia central deste conceito é a de que, no momento em que a maior parte da população foi contagiada, parcela dos sobreviventes adquirem uma imunidade natural, que impede o contágio exponencial, reduzindo gradualmente a capacidade do vírus de se multiplicar, de acordo com a famosa curva de GAUSS.

Não por outra razão, a noção de que a melhor forma de conter qualquer pandemia de origem viral, em que ainda não existem vacinas (imunização artificial) ou medicamentos (capacidade curativa) disponíveis, é isolar de forma ativa (ou seja apenas a população infectada), permitindo que seus integrantes, de forma segregada, adquiram (através de tratamentos alternativos disponíveis, e/ou exclusivamente por força de suas próprias defesas naturais), após o período de incubação do vírus, imunidade suficiente capaz de impedir a disseminação viral para a população não infectada, “esmagando”, e não propriamente apenas “achatando” a curva de contágio.

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O Reino Unido foi o primeiro país a tentar a aplicação prática dessa teoria, porém sem êxito, em função de não ter conseguido isolar a população contaminada (aplicando a chamada quarentena ativa ou de supressão).

“A tese da chamada ‘imunização de rebanho’, em que a maior parte da população fica exposta ao contágio com o objetivo de desenvolver anticorpos, foi criticada dentro da comunidade científica do Reino Unido, onde o governo foi um dos poucos a adotar a estratégia em nível nacional. Após uma escalada de casos, JOHNSON mudou de posição e passou a adotar o isolamento social como política nacional.” (GULNAR AZEVEDO; Presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO, O Globo, 07/04/2020, p. 6)

Ainda que alguns países não tenham trilhado diretamente pela estratégia do rebanho imunizante, muitos acabaram o fazendo de forma indireta, como foi, dentre outros, o caso da Coreia do Sul, da Suécia, da Nova Zelândia, dentre outros.

“A Coreia do Sul, na luta contra a COVID-19, adotou um sistema sem quarentena horizontal, baseado em testes rápidos e disponíveis em larga escala, considerado um dos mais bem organizados programas de contenção do mundo. Medidas extensivas foram tomadas para rastrear e isolar a população infectada, assim como quem teve contato com ela (quarentena ativa). A rápida detecção foi considerada crucial para impedir a propagação do vírus.

De forma semelhante, na Suécia, o governo aconselhou escolas e universidades a fechar e proibiu encontros de mais de 500 pessoas. Não houve quarentena horizontal em vigência, mas formas eficazes de isolamento ativo e algumas formas brandas de distanciamento social.” (BBC News)

“Sem lockout, casa de shows na Suécia segue a pleno vapor com bandas e fãs. (…) No país, onde não há medidas severas de isolamento social como nos outros países europeus, a casa noturna Plan B recebe no máximo 40 pessoas – de uma capacidade de 350 – por apresentação, mas mantém a programação.” (O Globo; 2º Caderno, 21/04/2020, p. 1 e 3)

Finalmente, merece ser destacado que, a exemplo de outras pandemias, foi exatamente o denominado “rebanho imunizante” que impediu, – após o primeiro surto de influenza H1N1 entre 1918-20 (Gripe Espanhola) –, sua repetição (na ausência de uma imunização artificial por meio de vacinas ou barreira medicamentosa), durante o transcurso temporal de 90 anos, fazendo com que a mesma cepa viral somente gerasse uma nova epidemia em 2009 (segundo surto de H1N1), contida, contudo, sem a mesma devastação anterior em face do advento da vacinação em massa e da descoberta da eficácia do antiviral Tamiflu (Oseltamivir).

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*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Pode ser contactado através do e-mail: reisfriede@hotmail.com.


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2 comentários

  1. Excelente artigo. Diria quase um livro pequeno, mas essencial
    Merece adendos e atualizações conforme o desenrolar deste truste.
    Triste momento da história da humanidade.

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