Vamos trazê-los de volta ao navio

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Farinazzo-04.png Por Robinson Farinazzo*

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O HMS Antrim foi incumbido da primeira ação ofensiva britânica na guerra: a retomada das Geórgias do Sul (Foto: britishempire.co.uk).

A Força Tarefa Britânica que em meados de abril de 1982 rumava para o arquipélago das Falklands/Malvinas ainda não travara contato com os argentinos, mas já combatia um inimigo igualmente implacável: o calendário. Temendo a chegada do inverno austral, os ingleses sabiam da necessidade de encerrar a campanha o mais rapidamente possível, haja visto que as condições meteorológicas que estavam por vir inviabilizariam qualquer ofensiva militar, pois favoreciam os defensores.

Visando dar uma satisfação a opinião pública, conquistar uma base adequada a reparos e obter uma posição mais vantajosa nas pressões políticas e diplomáticas contra a Argentina, o alvo inicial escolhido por Londres no início da campanha foi a ilha Geórgia do Sul, situada setecentas milhas náuticas a sudeste das Falklands/Malvinas e, portando fora do raio de alcance das mortíferas aeronaves de ataque argentinas. Assim sendo, no dia 21 de abril o Grupo Tarefa 317.9, formado pelos navios HMS Antrim, Tidespring e Plymouth fundeou a cerca de 20 NM da Geórgia.

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Across an Angry Sea: The SAS in the Falklands War

  • Cedric Delves (Autor)
  • Em inglês
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Naquela mesma manhã, uma pequena esquadrilha, formada por dois helicópteros Wessex 5 (modelo de emprego geral, indicativo de chamada YA e YF) do HMS Tidespring e liderada por um Wessex 3 (de emprego antissubmarino, indicativo de chamada Humphrey), do Antrim rumaram para a Geleira da Fortuna, um platô isolado que servia de excelente base de operações para o ataque às posições argentinas na ilha. Levavam em seu bojo “passageiros” muito importantes: dezesseis militares do Serviço Aéreo Especial (SAS, Special Air Service), peritos em guerra de montanha e operações em latitudes polares. Estes comandos, além do intenso treinamento que tiveram em regiões geladas da Noruega, possuíam enorme experiência em combate contra a guerrilha do Exército Republicano Irlandês, o famoso IRA (Irish Republican Army), na Irlanda do Norte. Estavam seguramente entre as melhores unidades de Operações Especiais disponíveis no Ocidente.

O trajeto entre os navios e a Geleira da Fortuna foi todo conduzido através da baía Antártica, com extremo cuidado devido aos ventos catabáticos que margeavam as encostas e poderiam jogar as aeronaves no mar. A coordenação entre os helicópteros era muito difícil por causa da imposição de silêncio rádio, potencializando o perigo de colisão. A decisão de correr estes riscos é justificada pela necessidade tática de se infiltrar coberto pelas montanhas, evitando assim ser detectado por eventuais vigias argentinos.

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A Geórgia do Sul. No detalhe, a Geleira da Fortuna (Mapas: Paul Carroll & Mappery).

Não que os argies pudessem ver qualquer coisa, pois a visibilidade era próxima de zero. A esquadrilha só conseguiu achar a zona de pouso porque o Humphrey, pilotado pelo capitão-de-corveta Ian Stanley, possuía um sistema de navegação Doppler, e desviava das montanhas usando improvisadamente os ecos do seu radar antissubmarino. Os outros dois helicópteros o seguiam em formatura, e o desembarque, embora realizado sob condições enregelantes, transcorreu sem maiores novidades, bem como o retorno das aeronaves aos navios.

Naquela noite o tempo piorou muito, assim como o estado do mar. Stanley mal conseguia dormir a bordo do Antrim, que caturrava e balançava em todas as direções. Na Geleira da Fortuna as coisas estavam ainda piores, pois a temperatura caíra para menos 25o C e quase todas as barracas dos SAS já haviam sido varridas pelos ventos de 180 km/h. Com o clarear do dia, decidiu-se tira-los de lá, e a esquadrilha decolou novamente. Desta vez as coisas não seriam tão fáceis, pois, dos três helicópteros que adentraram a geleira naquela manhã, somente um regressaria.

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O teto das nuvens abaixou muito, e para piorar o quadro, uma intensa tempestade de neve não parava de assolar o voo. Com alguma visibilidade, ainda seria possível comparar o parco mapeamento do terreno delineado no display do radar com os mapas de bordo, mas, naquelas condições, não se enxergava um palmo diante do nariz.

Para piorar as coisas, a superfície da geleira era cheia de depressões e reentrâncias, as quais confundiam o RADALT (radar altímetro), impossibilitando totalmente o hover automático. Era um voo para lá de estressante, que exigia o máximo da pilotagem manual. Aqueles tripulantes usaram tudo o que sabiam para achar (e pousar) a zona de recolhimento dos SAS.

Famintos e muito próximos a hipotermia após 26 horas no gelo, a patrulha SAS ficou extremamente feliz ao ver os helicópteros, e acendeu o sinalizador para balizar o pouso.

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O “Humphrey”: um valente! (Imagens: Wings Palette & Pinterest).

Os homens rapidamente embarcaram, dividindo-se entre os dois Wessex 5. Aviadores com experiência em regiões próximas aos polos conhecem o fenômeno whiteout, em que a neve engole o horizonte. Pois bem, o que aconteceu com o Wessex YA foi um total whiteout, onde não era possível qualquer tipo de orientação. No momento em que este helicóptero decolou, entrou imediatamente em IMC e “cracheou” a seguir. Por sorte não houve baixas na queda, e todos os seus ocupantes foram redistribuídos entre o Humphrey e o YF. Ambas as aeronaves “dumparam” algum combustível para poder acomodar peso extra e re-decolaram em seguida.

Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas esta afirmação parece não ter validade para helicópteros na Geleira da Fortuna, pois o YF “cracheou” pouco a frente, o que para alguns membros do SAS significava passar por dois acidentes aeronáuticos seguidos no espaço de alguns minutos. Novamente, não houve mortos nem feridos.

O Humphrey prosseguiu sozinho, pousou no Antrim, descarregou os SAS que portava, aguardou o tempo melhorar e voltou a Geleira da Fortuna para retirar o pessoal do YF que ficara lá. A visibilidade ainda estava pior do que antes, mas por acaso eles encontraram um sucker’s gap (“buraco dos tolos”, intervalo entre as nuvens assim chamado porque à medida em que você entra, ele vai se fechando!) e furaram a camada.

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Neste ponto, há que se citar um dado ilustrativo: o Wessex 3 possui apenas 75% das dimensões dos SH-3B da Marinha do Brasil. Imagine-se então o que é embarcar em seu exíguo interior doze militares, fazendo-os dividir espaço com o Fiel do He, o Operador de Sonar e os consoles de radar/sonar. Desta vez, Stanley teria que usar toda a sua habilidade adquirida em anos voando Wessex HAS3, Whirlwind 9, Hiller HT2, Whirlwind 7, Gazelle, Wasp HAS1, Wessex 31B, Bell UH1B, Bell Jet Ranger, Wessex 5, e Sea King HAS2/5, pois com 600 kg de peso acima do PMax TO, ele teria que decolar “com o coletivo nas axilas”. Embora apreensivo porque todos os seus instrumentos de parâmetros de motor estavam quase na faixa vermelha, ele foi ajudado pela baixíssima temperatura e, enquadrando o vento com maestria, decolou em segurança.

Lá atrás todos estavam fumando, mas ninguém ligava para isto, pois sabiam que, se perdessem o único motor do Humphrey e caíssem no oceano, durariam menos de quatro minutos antes que a hipotermia os levasse. Podia ser o último cigarro do condenado…

Pousando “à inglesa”, Stanley conseguiu levar todos à salvo ao Antrim. Ele ganhou a DSO (Distinguished Service Order) por esta façanha. Dois dias depois, a mesma tripulação do Humphrey (LCMDR Stanley, LT Cris Parry, Sub Lieutenant Stewart Cooper e Petty Officer David Fitzgerald) atacou o submarino argentino ARA Santa Fé, colocando-o fora de combate.

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Única foto existente do desastre na Geleira da Fortuna e a folha corrida do Wessex (Imagens: sas1946.com).

Pode-se afirmar que houve riscos altíssimos e uma conduta que beirou a temeridade naqueles dois dias na Geleira da Fortuna, mas não se pode deixar de lembrar que também ocorreram comoventes manifestações de solidariedade e fraternidade, além de demonstrações extremas de coragem e perícia aeronáutica. Ao decolar com dezesseis tripulantes num helicóptero monomotor em meio a nevasca e com baixíssima visibilidade, a tripulação do Comandante Stanley fez muito mais do que deles se poderia pedir, pois atuaram sincronizados como um autêntico Band of Brothers.

Eles mostraram a todos os combatentes das demais armas, sejam eles comandos, fuzileiros ou marinheiros, que a Royal Navy jamais medirá esforços para trazê-los sãos e salvos de volta ao navio.

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*Robinson Farinazzo é capitão de fragata (FN) da reserva da Marinha do Brasil, expert em tecnologia aeronáutica e consultor de Defesa. Com mais de trinta e cinco anos de carreira militar, extensa experiência de campo e formação superior em Administração de Empresas, é editor do Canal Arte da Guerra no YouTube e articulista do Blog Velho General. E-mail: robinsonfarinazzo@gmail.com.


 

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3 comentários

  1. Impressionante como algo tão terrível como a guerra possa despertar o melhor do homem, como nestas situações em que, em detrimento de sua própria segurança, se lança numa missão que não tem certeza do sucesso para socorrer os companheiros.
    Um BZ para Cmdr. Stanley e sua tripulação e para seu Westland Wessex.

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