Não há “Anjos nem Demônios”

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Por Luiz Eduardo Rocha Paiva*

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“A Queda dos Anjos Rebeldes”, de Pieter Brugel, óleo sobre carvalho, 1562 (Wikimedia Commons).

Os países não são sempre bons e justos ou maus e injustos. Nas relações internacionais o poder prevalece sobre o direito e será empregada a força das armas quando um ator não tiver um oponente que, por si só ou amparado por aliados poderosos, possa dissuadi-lo de combater por seus interesses.

Ao ator mais fraco resta ceder, perdendo auto estima e valor como nação, ou reagir assimetricamente, uma questão de honra, por meio da Guerra Híbrida. Nesse caso, haverá sempre o risco de as ações extrapolarem para o terrorismo indiscriminado, estratégia desumana de guerra.

É preciso analisar o conflito no Oriente Médio, pelo menos em seus desdobramentos desde o final da Grande Guerra de 1914-1918, quando o Império Otomano perdeu o domínio na região. Só assim teremos consciência de que nesse conflito não há anjos nem demônios e sim as imposições do perene jogo de xadrez geopolítico, onde o interesse vital é questão de vida ou morte.

O Reino Unido e a França, vitoriosos naquela guerra, descumpriram as promessas de conceder independência aos povos árabes, feitas para obter seu apoio contra a Turquia. Ao contrário, promoveram a divisão territorial da região entre si, sem respeitar raízes culturais, religiosas, étnicas, políticas e históricas das populações locais, mas sim para atender aos próprios interesses imperialistas. Separaram o que deveria ser unido e uniram o que deveria ser separado, motivando futuros contenciosos, hoje em ebulição. Aliás, repetiram o erro dos impérios europeus na África, no final século XIX.

Reino Unido e França, após a Segunda Guerra Mundial, foram substituídos por EUA e URSS e, hoje, Rússia e EUA, nos conflitos pela preeminência na região. Assim, as disputas no Oriente Médio, à revelia e com prejuízo da soberania dos países locais, continuam até hoje.

Em meados dos anos 1950, o governo iraniano, soberanamente, nacionalizou as empresas petrolíferas em atividade no país, prejudicando interesses, particularmente, do Reino Unido. Houve um golpe de estado provocado pelos EUA e seu aliado britânico.

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O governo foi deposto e substituído pela monarquia do Xá Reza Pahlevi, aliado àquelas potências. Foi-se a soberania do Irã. Anos depois, a Revolução Islâmica derrubou o Xá e implantou a ditadura dos aiatolás, radical, mas soberana e inimiga do Ocidente.

No inicio dos anos 1980, os EUA apoiaram militarmente o ditador iraquiano Saddam Hussein na guerra contra o Irã. Com a ascensão do Iraque e a possibilidade de se tornar potência superior na região, ameaçando a Arábia Saudita, ditadura aliada aos EUA, esses últimos invadiram o Iraque, em 2003, à revelia da ONU e com base em relatórios mentirosos.

O desastre geopolítico e humano causado por essa invasão ficou evidente e perdura até hoje. Mais tarde, os EUA tentaram o mesmo na Síria e o resultado aí está, sendo a Europa uma vítima da diáspora islâmica. Os EUA têm enorme responsabilidade pelos atuais conflitos e suas centenas de milhares de mortes.

Os países da região são vítimas das disputas entre as grandes potências. Coloquemo-nos no lugar de seus habitantes a sofrer imposições e humilhações e a ver soldados estrangeiros pisando a terra natal. Não lhes deixaram a opção de traçarem os próprios destinos e são potências contra as quais só há condições de reagir pela guerra assimétrica.

Não há que ser pró EUA e contra o Irã ou pró Irã e contra os EUA. Essa guerra não é nossa. Os EUA cometem repetidas violações à soberania alheia e ao direito internacional para garantir interesses geopolíticos, exceto quando enfrentam quem possa “feri-los gravemente”. O alvo principal nunca será o terror, mas sim interesses maiores.

Porém, as disputas chegaram ao nosso entorno e, para não sermos Iraque ou Síria amanhã, temos de ser uma potência com capacidade de dissuasão extra regional.

EUA, Irã e nenhum país é nosso amigo. O parceiro de hoje poderá ser o inimigo amanhã, se for seu interesse.

Chega de mi-mi-mi! Sem essa de alinhamento automático.

Em tempos de murici, cada um que cuide de si!*

*Provérbio português


*Luiz Eduardo Rocha Paiva é general-de-brigada , declarado aspirante a oficial pela AMAN em 1973 e promovido a general-de-brigada 2003. Entre seus muitos altos estudos, possui doutorado, mestrado e pós-graduação pela ECEME, ESAO e FGV. Estagiou na 101ª Air Assault Division, do Exército dos EUA, foi Observador Militar da ONU em El Salvador e fez o Curso de Estado-Maior na Escola Superior de Guerra do Exército Argentino. Comandou o 5º Batalhão de Infantaria Leve (Regimento Itororó), em Lorena/SP, quando cumpriu missão de pacificação em conflito entre o MST e fazendeiros no sul do Pará, em 1998. Foi Chefe da Assessoria Especial do Gabinete do Comandante do Exército, comandou a ECEME e foi Secretário-Geral do Exército. É Professor Emérito da ECEME, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e colaborador do Centro de Estudos Estratégicos do Exército. Recebeu diversas condecorações e medalhas nacionais e estrangeiras e publica artigos sobre temas políticos e estratégicos em jornais e revistas nacionais e estrangeiras.


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6 comentários

  1. A aldeia global e o multicultiralismo são ideias, enquanto os países são uma realidade concreta. Temos de lidar com a realidade concreta.

  2. Parabéns Senhor General. Execelente explanação sobre o Oriente médio e sua atual conjuntura geopolítica.

    1. Olá Rafael. Não conheço esse livro, mas parece interessante. Acredito que valha a pena. Sugestão: leia e compartilhe sua opinião com a gente. Grato por comentar, forte abraço!

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