A Estratégia de Segurança Nacional da Espanha

Compartilhe:
Capa


Por Ten Cel Exército Espanhol Jésus Padin*


Texto publicado originalmente na Revista PADECEME v. 10 n. 19 – 02/2017, republicado aqui sem alterações via licença Creative Commons atribuição BY-NC-SA 4.0A PADECEME é uma publicação semestral da Divisão de Doutrina da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), de natureza acadêmica, sem fins lucrativos, baseada na política de acesso livre à informação.


1. INTRODUÇÃO

À semelhança de outros países do entorno europeu, o Reino da Espanha possui uma Estratégia de Segurança Nacional (ESN) que promove a atuação dos órgãos da Administração e o emprego dos recursos da Nação para fazer face aos riscos e ameaças que se apresentam em um mundo cada vez mais globalizado e interconectado. A Estratégia de Segurança Nacional tem como subtítulo o lema “um projeto compartilhado”, que evidencia a vocação integral e integradora do documento. A ESN atualmente vigente foi aprovada pelo Conselho de Ministros e assinada pelo Presidente do Governo espanhol no ano de 2013 e é o resultando da revisão e atualização da Estratégia Espanhola de Segurança emitida em 2011 pelo Governo anterior1.

O presente trabalho tem por objeto divulgar entre os militares brasileiros as principais linhas da Estratégia de Segurança Nacional da Espanha, documento que constitui o marco político estratégico de referência da Política de Segurança Nacional desse país. O artigo desenvolve os sucessivos aspectos que aborda a ESN, como a análise do entorno estratégico, a identificação dos riscos e ameaças que afetam a segurança da Espanha, as linhas de ação estratégicas em diferentes âmbitos de atuação e o emprego dos recursos existentes. Na parte final do trabalho, sintetizam-se os principais conteúdos da Lei 35/2015, de Segurança Nacional, que fornece os instrumentos legais necessários para operacionalizar os enunciados políticos e estratégicos contidos na ESN.

2. ESTRATÉGIA DE SEGURANÇA NACIONAL ESPANHOLA

A Estratégia de Segurança Nacional ocupa o nível superior, de caráter interministerial, do modelo estratégico espanhol estabelecido na Estratégia Militar Espanhola de 2003, no qual as autoridades políticas nacionais definem os objetivos de Segurança e Defesa. Este trabalho apresenta os cinco capítulos em que se articula a ESN que, sucessivamente, abordam a concepção integral da Segurança Nacional, descrevem a visão da Segurança da Espanha no mundo, concretizam os riscos e ameaças que afetam a Segurança Nacional, definem as diferentes linhas de ação estratégicas que se deverão seguir e expõem o desenho de um novo Sistema de Segurança Nacional.

2.1 Uma visão integral da Segurança Nacional

A Estratégia de Segurança Nacional da Espanha assenta-se no princípio de que as nações que zelam pela sua segurança são sociedades mais livres, pois desta maneira garantem sua estabilidade e sua continuidade e, ao mesmo tempo, preservam a vida e o bem-estar dos seus cidadãos. O conceito de segurança não tem caráter estático, uma vez que o dinamismo do entorno exige um continuo esforço de atualização. Neste contexto, a aparição de novos centros de poder, a maior concorrência pelos recursos, o papel das novas tecnologias na sociedade do conhecimento ou a existência de novos riscos e ameaças de natureza essencialmente transnacional, que se somam aos tradicionais, são alguns dos fatores que configuram o atual entorno estratégico, que se retroalimentam e interagem, demandando, assim, uma constante atividade de adequação às novas realidades.

A ESN enxerga, portanto, um conceito de segurança nacional amplo, que cobre todos os âmbitos que afetam a segurança do Estado e dos cidadãos; e dinâmico, que se adapta às rápidas variações que vivencia o entorno estratégico. A resposta a estes desafios exige, por outra parte, o estabelecimento de uma estreita cooperação, nos níveis nacional e multilateral, pois as respostas isoladas, concebidas a partir de uma perspectiva unilateral, não são mais eficazes neste mundo globalizado. No quadro desta visão integral, a Estratégia define a Segurança Nacional como “a ação do Estado dirigida a proteger a liberdade e o bem-estar dos seus cidadãos, a garantir a defesa da Espanha e de seus princípios e valores constitucionais, bem como a contribuir juntamente com os nossos parceiros e aliados para a segurança internacional no cumprimento dos compromissos contraídos”.

A ESN considera a Segurança Nacional um serviço público, que implica o esforço leal e solidário de todos os níveis da administração; e um projeto compartilhado em que, sob a liderança do Presidente do Governo, todos devem estar comprometidos e atuar de forma coordenada e coesa, para o qual o Governo tentará obter o máximo apoio social e parlamentar. Para atingir estes fins, a Estratégia propõe a aplicação dos princípios de: 1) unidade de ação, imprescindível no quadro deste enfoque integral da segurança, que abrange todas suas dimensões; 2) antecipação e prevenção, orientadas a detectar e reconduzir aquelas situações passíveis de se tornar riscos ou ameaças para a segurança; 3) eficiência e sustentabilidade no uso dos recursos, priorizando e otimizando seu emprego; e 4) resiliência ou capacidade de resistência e recuperação para se sobrepor às situações de crise.

2.2 A Segurança da Espanha no Mundo

Um dos principais objetivos da Segurança Nacional é a defesa dos interesses vitais e estratégicos da Espanha, em um entorno internacional em constante mudança, marcado pela aparição de novas tendências, como a ascensão econômica e política de novas potências, a crescente importância estratégica da zona Ásia-Pacífico, as transformações no Mundo Árabe ou o cada vez mais importante papel dos grupos sociais e indivíduos, que interagem como se as fronteiras não existissem mais.

Neste novo cenário, a ESN considera que a Espanha deve se projetar para o exterior com um perfil próprio, como um Estado de primeira ordem, tão antigo como a sociedade internacional, situado entre a Europa e o Norte da África, entre o Mediterrâneo e o Atlântico, com território na Península Ibérica, os arquipélagos canário e baleárico e as cidades autônomas de Ceuta e Melila localizadas no norte da África. Esta privilegiada, e ao mesmo tempo complexa, posição geoestratégica faz com que a projeção regional e global da Espanha se oriente à busca da estabilidade, da paz e da segurança no contexto internacional. Nesta tarefa, a União Europeia, o Mediterrâneo e a América Latina são as grandes prioridades estratégicas da Espanha, enquanto a África e os desafios de segurança que envolvem esta região, também são uma área de atenção preferencial. Para garantir sua segurança neste contexto, a Espanha deve assumir os compromissos decorrentes da sua integração em organizações de segurança, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e outros foros multilaterais, mantendo ao mesmo tempo a capacidade para abordar as ameaças a que tiver que fazer face de forma autônoma.

A ESN estima que os interesses da Espanha estarão melhor protegidos em uma União Europeia (UE) forte, tanto internamente quanto em sua dimensão externa. Por isso, preconiza o completo desenvolvimento de uma Política Comum de Segurança e Defesa2, dotada de meios militares adequados e críveis, que permitirão otimizar a capacidade única da UE para combinar meios civis e militares na gestão de crises. Dentro do contexto europeu, o estreitamento da cooperação com os países vizinhos, Portugal e França, contribui para a segurança e a estabilidade da Espanha, do conjunto da Europa e das regiões limítrofes. A Estratégia de Segurança Nacional também se refere a Gibraltar, território sob domínio britânico, cuja situação colonial representa uma anomalia no atual contexto europeu e uma disfunção nas relações entre dois países parceiros e aliados.

A paz e a prosperidade do litoral meridional do Mediterrâneo também são prioritárias, uma vez que a instabilidade política e a ausência de perspectivas econômicas para amplos setores da população dos países desta região podem afetar a Espanha e a Europa. A Espanha pretende seguir colaborando com os países do norte da África, a fim de dar resposta a desafios comuns, como a estabilização do abastecimento de energia, a regulação dos fluxos migratórios e a luta contra o terrorismo e o narcotráfico.

Outra das áreas de grande importância estratégica para a Espanha é a América Latina, região com a qual mantém profundas e intensas relações políticas, econômicas, históricas e culturais. Dois dos grandes sócios estratégicos da Espanha nesta região, Brasil e México, consolidam-se como atores globais, enquanto a Aliança do Pacífico3, da qual Espanha é Estado Observador, projeta a fachada oeste latino-americana para a região da Ásia-Pacífico.

A estabilidade no espaço euro-atlântico é essencial para a segurança da Espanha. Neste contexto, a relação com os Estados Unidos é chave para a gestão deste espaço e para a gestão dos desafios e oportunidades que surgem em um mundo globalizado.

A África, por sua vez, apresenta problemas de estabilidade e conflitos, aos que se somam a pobreza extrema de algumas partes do continente e as consequências das mudanças climáticas. O Sahel4, o Chifre da África e o Golfo da Guiné são três das zonas vitais para os interesses nacionais na região, nas quais a Espanha trabalha com seus parceiros e aliados para fomentar a segurança5. O apoio aos países da região para reforçar suas forças armadas e para fortalecer as estruturas do Estado contribui para robustecer não só a segurança destas nações, mas também para a própria segurança da Espanha6.

O continente asiático, no qual se localizam países de elevado crescimento econômico como China e Índia, encontra-se no centro da reordenação geopolítica que antecipa o mundo que se aproxima. A Estratégia de Defesa Nacional declara que a Espanha deverá aumentar sua presença na região e aumentar a intensa colaboração já existente com as agências de segurança dos países estratégicos em matéria antiterrorista, de controle da imigração e de Defesa. A ESN considera que a Segurança e os interesses da Espanha estão melhor garantidos em uma comunidade internacional baseada na cooperação, na tomada coletiva de decisões e na ação multilateral, pois os desafios e as ameaças globais só podem ter soluções globais. A este respeito, a ONU continua sendo a organização mais relevante para a cooperação mundial e a paz e a segurança internacional. A OTAN, por sua vez, segue sendo determinante no espaço euro-atlântico, representa uma dimensão essencial da defesa da Espanha e deve continuar adaptando-se à realidade em mudança, na qual os riscos e as ameaças aumentam e se diversificam.

2.3 Os riscos e ameaças para a Segurança Nacional

No campo dos riscos e ameaças, a ESN identifica no cenário internacional outros fatores potencializadores, como a pobreza, a desigualdade, os desequilíbrios demográficos, os extremismos ideológicos, as mudanças climáticas e o uso nocivo das novas tecnologias, que podem gerar novos riscos e ameaças ou multiplicar e agravar seus efeitos. O documento menciona, a título de exemplo, as mudanças climáticas, um fenômeno que gera desastres naturais e alterações ambientais que podem aumentar as pressões migratórias e até mesmo causar a fragilidade de alguns Estados. A este respeito, a vulnerabilidade que representam os Estados Falidos tem graves consequências não só para suas próprias populações, mas também para a estabilidade mundial.

Embora as confrontações clássicas entre Estados sejam menos prováveis do que em outras épocas, a ESN considera que os conflitos armados seguem representando uma importante ameaça para a segurança, especialmente aqueles de caráter interno, como as lutas entre etnias ou os que acontecem em Estados Falidos, cujas consequências afetam a comunidade internacional e, às vezes, interesses vitais e estratégicos espanhóis. Além disso, deve-se levar em consideração que os conflitos armados criam uma espiral de instabilidade que pode potenciar outros riscos e ameaças para a comunidade internacional e para a Segurança Nacional espanhola, uma vez que propiciam o tráfico ilícito ou a dispersão descontrolada de armamento.

Neste panorama, é necessário estar ciente do caráter dos conflitos futuros, a fim de adaptar as capacidades, a organização e os processos de atuação das forças armadas às novas necessidades que deles decorram, destacando neste campo o ciberespaço e o espaço exterior, que se configuram como potenciais âmbitos de confrontação.

O emprego das forças armadas pode tornar-se essencial em eventuais conflitos, tanto dentro quanto fora das fronteiras nacionais. Neste sentido, o documento estabelece, por um lado, que a Espanha deve manter uma capacidade defensiva própria, credível e efetiva, dada a situação geográfica do país; e, por outro lado, também deve ter a capacidade de participar de crises ou conflitos na sua condição de parceiro solidário das organizações internacionais às quais pertence, bem como de operações de manutenção da paz, de proteção de civis e de outras que afetem os valores compartilhados ou decorram de compromissos adquiridos em organizações como a ONU7.

O terrorismo representa outro elemento de preocupação, pois ameaça a vida e a segurança dos cidadãos e põe em risco interesses vitais e estratégicos. Neste âmbito, a ESN tem como fim prioritário prevenir, impedir e derrotar o terrorismo, independentemente da sua origem. Como outros países vizinhos, a Espanha também é alvo do terrorismo jihadista, dado o forte envolvimento do país na luta contra o terrorismo, tanto dentro como além do território nacional, e sua relativa proximidade a regiões instáveis, como o Sahel. A resposta ao desafio terrorista deve estar baseada em um enfoque integral, que articule as atuações policiais, judiciárias e de Inteligência e que envolva na estratégia as diferentes administrações e a sociedade, contando com uma sólida estrutura de cooperação internacional.

O ciberespaço diluiu as fronteiras geográficas, circunstância que criou novas oportunidades, enquanto também originou ameaças cibernéticas, tanto para os indivíduos quanto para as instituições públicas e privadas. Caracterizado, igualmente, pela sua natureza transnacional, o crime organizado também cria riscos e ameaças, tais como a lavagem de dinheiro, que enfraquecem o Estado, são um obstáculo para o crescimento econômico e minam a democracia. Neste cenário globalizado, a espionagem aproveita as novas possibilidades tecnológicas para obter informações que permitam aos Estados, grupos e indivíduos alcançar vantagens estratégicas, políticas ou econômicas.

A ESN também considera outros fatores, como a instabilidade econômica e financeira, que reduz o bem-estar dos cidadãos, gera agitação política e social e reforça outros riscos existentes. Dentre os elementos que desequilibram o sistema econômico e financeiro, deve-se notar a existência de paraísos fiscais e sua atividade de lavagem de dinheiro. O quadro estratégico espanhol de segurança nacional identifica a disponibilidade de energia como um fator chave para o progresso econômico. Neste contexto, a vulnerabilidade energética que produz a excessiva dependência das regiões produtoras no exterior, em muitos casos instáveis geopoliticamente, bem como a crescente concorrência por recursos limitados, poderiam originar conflitos pelo controle de bens escassos.

A proliferação de armas de destruição em massa e de seus sistemas de lançamento supõe, à luz da ESN, outra grave ameaça para a paz e a segurança internacional com grande potencial desestabilizador, uma vez que os locais onde mais rapidamente se desenvolve são zonas de enorme tensão, o que aumenta o risco de que estas armas possam ser realmente utilizadas. Este risco adquire uma nova dimensão diante da possibilidade de que grupos terroristas ou agentes não estatais possam obter estas armas.

A Espanha e o conjunto da União Europeia são um destino atrativo para os fluxos irregulares de migrantes, que abandonam seus países de origem por causa de fatores como a pobreza, a desigualdade, os conflitos bélicos, os riscos meio-ambientais ou os regimes autoritários8. A sociedade espanhola, com seu caráter plural e aberto, tem dispensado uma acolhida positiva para os migrantes, embora devam ser levados em consideração os desafios que envolvem estes fluxos migratórios irregulares, como a vulnerabilidade dos imigrantes à exploração laboral, sua eventual inadaptação ou falta de identificação com a sociedade espanhola e a possibilidade de criação de guetos10. O espaço marítimo representa a principal via para o desenvolvimento do comércio internacional, mas é um meio vulnerável, em que os riscos e ameaças para a segurança podem se espalhar de maneira relativamente fácil e rápida. Junto com as habituais atividades ilícitas no mar, como o tráfico de drogas, a imigração ilegal ou a pirataria, grupos terroristas também exploram a liberdade de movimentos do mar para cometer seus atos criminosos11.

As emergências e catástrofes causam perdas de vidas e danos nas infraestruturas, com efeitos negativos sobre os mercados e os fluxos de abastecimento. Além dos desastres naturais recorrentes, a ESN identifica novos riscos como o uso insustentável dos recursos hídricos, a desertificação, a expansão a grande escala de doenças e o tráfico ilícito de animais. As infraestruturas críticas e os serviços essenciais, por sua vez, estão sujeitos aos riscos e ameaças de origem natural acima mencionados, mas também àqueles causados deliberadamente por agressões físicas ou ataques cibernéticos ou, em outros casos, induzidos por erros humanos ou falhas técnicas. Sua perturbação ou destruição poderiam impactar na Segurança Nacional e afetar a saúde pública, a estabilidade financeira, a segurança dos cidadãos e as funções sociais básicas.

2.4 Linhas de ação estratégicas

Como resultado da análise dos riscos e ameaças e as tendências globais, junto com a avaliação das capacidades de resposta disponíveis, a ESN estabelece doze âmbitos de atuação, para cada um dos quais define o objetivo a atingir e várias linhas de ação estratégicas a seguir que enquadram as respostas aos desafios existentes para a Segurança Nacional.

No campo da Defesa Nacional, a ESN propõe a disponibilização de capacidades militares que ofereçam um nível de dissuasão credível e que, se necessário, permitam reagir e neutralizar qualquer risco ou ameaça de natureza militar. A Estratégia de Segurança Nacional preconiza a conciliação da defesa dos interesses nacionais e a manutenção do compromisso da Espanha com o sistema de segurança coletiva, enxergando a possibilidade de compartilhar capacidades com os aliados sem afetar o cumprimento das missões atribuídas. O documento acrescenta que as forças armadas devem se adaptar, mediante um processo de transformação contínua, aos novos desafios decorrentes do atual panorama de realidades em mudança e ressalta, ainda, a necessidade de fomentar a consciência e a Cultura de Defesa, bem como a importância de fortalecer o tecido industrial espanhol da Defesa.

A ESN afirma que a luta contra o terrorismo é baseada nos pilares de prevenção, proteção, perseguição e preparação da resposta. As ações voltadas para a prevenção das atividades terroristas são realizadas nas áreas interna e externa e no ciberespaço, enquanto a perseguição das atividades terroristas é alcançada através da melhoria das capacidades de investigação e de Inteligência, bem como adequando os instrumentos à disposição dos poderes públicos.

Na área da segurança cibernética, o documento pretende garantir o uso seguro das redes mediante o incremento das capacidades de prevenção, detecção e resposta frente aos ataques cibernéticos e articulando um quadro jurídico operativo e eficaz.

A ESN também contém objetivos e linhas de ação estratégicas para confrontar os riscos e ameaças identificados nas restantes outras áreas de atuação: luta contra o crime organizado, segurança econômica e financeira, segurança energética, não proliferação de armas de destruição em massa, gestão dos fluxos migratórios, contra-inteligência, proteção diante de emergências e catástrofes, segurança marítima e proteção das infraestruturas críticas.

2.5 Um novo Sistema de Segurança Nacional

No seu último capítulo, a ESN apresenta as linhas gerais de um novo Sistema de Segurança Nacional baseado no estabelecimento de um tecido institucional forte e flexível, que responda de maneira efetiva, abrangente e completa frente aos riscos e ameaças. Este sistema assenta nos princípios de liderança, funcionamento integrado e coordenado, otimização dos recursos, modernização das estruturas, envolvimento da sociedade civil, colaboração público-privada, gestão da informação e transparência.

Encabeçando a estrutura do Sistema de Segurança Nacional encontra-se o Presidente do Governo, a quem cabe liderar e impulsionar a Política de Segurança Nacional, tarefa para a qual conta com o apoio do Conselho de Segurança Nacional, composto por vários Ministros e Secretários de Estado, o Diretor do Gabinete da Presidência do Governo e o Chefe de Estado-Maior da Defesa, bem como dos Comitês Especializados que forem precisos para coordenar a atuação de vários órgãos da Administração Pública e quando situações relacionadas com a gestão de crises assim o requeiram. Para dar coerência e continuidade às atividades desenvolvidas por esta estrutura, foi criado no seio do Gabinete da Presidência do Governo o Departamento de Segurança Nacional, como Secretaria Técnica e órgão de trabalho permanente do Conselho de Segurança Nacional12.

Uma das realizações mais importantes da ESN é, precisamente, a criação deste Conselho de Segurança Nacional, que se reúne regularmente e já gerou relevantes documentos, como os Relatórios Anuais de Segurança Nacional13 de 2013, 2014 e 2015, a Estratégia de Segurança Energética Nacional, a Estratégia de Segurança Marítima Nacional e a Estratégia de Segurança Cibernética Nacional. O resultado dos trabalhos deste órgão não se limita à produção de documentos estratégicos, mas também se traduz em atividades práticas, como o recente exercício “Cyber Europe 2016”, o mais importante realizado no campo da defesa cibernética na UE, no qual o Departamento de Segurança Nacional coordenou, no nível nacional, a participação de onze empresas dos setores financeiros e da segurança das tecnologias da informação e as telecomunicações, além do Comando Conjunto de Ciberdefesa das Forças Armadas, o Centro Nacional para a Proteção das Infraestruturas Críticas e a Equipe de Resposta a Incidentes de Segurança e Indústria14.

2.6 Aspectos essenciais da Lei 36/2015 de Segurança Nacional

Os objetivos e as linhas de ação definidos na ESN poderiam ter tido dificuldades para ultrapassar a fase documental, e transcender para o campo dos resultados práticos, se não tivessem sido acompanhados por um quadro legislativo adequado. Neste sentido, a Lei 36/2015 de Segurança Nacional (LSN) permite operacionalizar as diretrizes contidas na Estratégia, pois define os órgãos com responsabilidades nesta matéria e estabelece com precisão a organização e as funções do Sistema Nacional de Segurança Nacional, que integra os órgãos, agências, recursos e procedimentos que exercem suas funções neste campo.

Este dispositivo legislativo estabelece os princípios que regulam a gestão de crises, conceito que abrange as atividades que têm por finalidade detectar e avaliar os riscos e ameaças, facilitar o processo de tomada de decisões e garantir uma resposta ótima e coordenada. Dentro da gestão de crises, aborda-se a denominada “situação de interesse para a Segurança Nacional” que ocorre em circunstâncias que, pela gravidade dos seus efeitos e a dimensão, urgência e transversalidade das medidas que se requerem para sua resolução, exigem a coordenação reforçada das autoridades.


Figura 1
Figura 1 – Estrutura do Sistema de Segurança Nacional (Gráfico elaborado pelo Departamento de Segurança Nacional do Gabinete da Presidência do Governo)

A LSN distingue três componentes fundamentais no conceito de Segurança Nacional, nomeadamente a Defesa Nacional, a Segurança Pública e a Ação Exterior, e define ainda os seguintes âmbitos de interesse para a Segurança Nacional: a segurança cibernética, a segurança econômica e financeira, a segurança marítima, a segurança do espaço aéreo e ultraterrestre, a segurança energética, a segurança sanitária e a preservação do meio-ambiente.

A Lei regula também a contribuição de recursos humanos e materiais dos setores estratégicos para a Segurança Nacional, tanto públicos quanto privados, que se tornam parte do catálogo de recursos que podem ser disponibilizados para a Nação, se necessário, para o qual estabelece a obrigação de as empresas que operarem serviços essenciais e de infraestruturas críticas colaborarem com as Administrações Públicas. Por outra parte, em coerência com a Estratégia de Segurança Nacional, a LSN considera a promoção da Cultura de Segurança Nacional como um requisito essencial para salvaguardar a liberdade, a justiça, o bem-estar, o progresso e os direitos dos cidadãos.

3. CONCLUSÃO

O Reino da Espanha possui uma Estratégia de Segurança Nacional que visa a proteger a liberdade e o bem-estar dos cidadãos, garantir a defesa da Espanha e de seus princípios e valores constitucionais, bem como contribuir, juntamente com seus parceiros e aliados, para a segurança internacional. Tudo isso, a partir de um conceito amplo, que pretende cobrir todos os âmbitos que afetam a segurança do Estado e dos cidadãos, e de uma perspectiva dinâmica, que facilita a adaptação às rápidas alterações que vivencia o entorno estratégico.

Neste cenário em mudança, a ESN considera que a Espanha deve se projetar para o exterior com um perfil próprio, como um Estado de primeira ordem situado em uma privilegiada, e ao mesmo tempo complexa, posição geoestratégica, a partir da qual trabalha na procura da estabilidade, da paz e da segurança no contexto internacional. Nesta tarefa, a União Europeia, o Mediterrâneo e a América Latina são as grandes prioridades estratégicas da Espanha, enquanto a África, o espaço euro-atlântico e outras regiões do mundo também são áreas de atenção preferencial. A Estratégia de Segurança Nacional considera que os desafios e as ameaças globais só podem ter soluções globais. Por isso, propõe relações no seio da comunidade internacional baseadas na cooperação, na tomada coletiva de decisões e na ação multilateral, função em que são determinantes organizações como a ONU e a OTAN.

A ESN identifica, no contexto internacional, riscos e ameaças tradicionalmente vinculados ao âmbito da Segurança, como os conflitos armados, o crime organizado, o terrorismo, a vulnerabilidade do espaço marítimo e das infraestruturas críticas e serviços essenciais, a proliferação de armas de destruição em massa e a espionagem. Junto com estes, distinguem-se outros riscos e ameaças novos ou que, embora já fossem reconhecidos como elementos perturbadores, nem sempre eram associados prioritariamente ao campo da Segurança, tais como a instabilidade econômica e financeira, a vulnerabilidade energética, os fluxos irregulares de imigrantes ou a vulnerabilidade diante de ameaças cibernéticas ou de emergências e catástrofes. O documento detalha ainda na sua análise outros fatores potencializadores, como a pobreza, a desigualdade, os desequilíbrios demográficos, os extremismos ideológicos, as mudanças climáticas e o uso nocivo das novas tecnologias, que podem gerar novos riscos e ameaças ou multiplicar e agravar os que já existem.

Em resposta a estes desafios, a ESN estabelece objetivos a atingir e linhas de ação estratégicas a seguir no âmbito da Defesa Nacional e em outras onze áreas de atuação que correspondem, em linhas gerais, às modalidades de riscos e ameaças identificados. A fim de dar coerência a este conjunto de atuações de tão diversa natureza e promover seu planejamento e execução, foi criado um Sistema de Segurança Nacional, dirigido pelo Presidente do Governo, que tem o apoio de um Conselho de Segurança Nacional, comitês especializados e um Departamento de Segurança Nacional, que mantêm a ligação entre as instituições dos diferentes níveis da Administração envolvidos nestas atividades. Deve-se destacar que os trabalhos desta estrutura foram facilitados com a aprovação da Lei de Segurança Nacional, que criou os instrumentos legais que permitem operacionalizar os princípios políticos e estratégicos enunciados na ESN.


REFERENCIAS

  • CESEDEN. (2007). Modelo Español de Defensa y Seguridad. Ministerio de Defensa español.
  • Escuela de Altos Estudios de la Defensa. (2014). Perspectivas para el desarrollo futuro de la estrategia de seguridad. Ministerio de Defensa.
  • Gobierno de España. (2013). Estrategia de Seguridad Nacional. Un projecto compartido. Presidencia del Gobierno.
  • Gobierno de España. (2015). Ley 35/2015, de 28 de septiembre, de Seguridad Nacional. Boletín Oficial del Estado n° 233.
  • Gobierno de España. (2016). Informe Anual de Seguridad Nacional 2015. Ministerio de la Presidencia.
  • Laborie Iglesias, M. (2014). La Estrategia de Seguridad Nacional (Mayo 2013). Instituto Español de Estudios Estratégicos.
  • Ruíz González, F. (2013). La Nueva “Estrategia de Seguridad Nacional”: Continuidad y Cambio. Fundación Ciudadanía y Valores.
  • Zamora Navarro, J. (2016). La Ley 36/2015, de Seguridad Nacional. Instituto Español de Estudios Estratégicos.

NOTAS

1 A função de Presidente do Governo equivale ao cargo de Primeiro-Ministro existente em outras monarquias parlamentares.

2 Informação adicional sobre a Política Comum de Segurança e Defesa europeia disponível no site: http://www.europarl.europa.eu/factsheets/en/home

3 A Aliança do Pacífico é uma iniciativa de integração regional criada em 2011 e formada pelos seguintes países: Chile, Colômbia, México e Peru.

4 O Sahel é a faixa de território de transição entre o deserto do Saara, ao norte, e as savanas situadas ao sul; ao oeste limita-se com o oceano Atlântico e ao leste com o mar Vermelho.

5 Dentre outras atuações de apoio às nações da região africana, a Espanha participa das Missões Militares de Adestramento da União Europeia no Mali, na República Centro-africana e na Somália, que assessoram as forças armadas destes países para o estabelecimento de uma cadeia de Comando e Controle mais eficaz e fornecem adestramento e treinamento especializado às suas Unidades.

6 Como declarou recentemente o embaixador representante da Espanha no Comitê Político e de Segurança da UE, Nicolás Pascual de la Parte, no Congresso Internacional de Estudos Militares, organizado pela Universidade de Granada e pelo Mando de Adiestramiento y Doctrina (MADOC), “se não projetarmos segurança, importaremos insegurança”, e acrescentou que não existe nem duplicidade de recursos nem incompatibilidade entre a OTAN e a UE, pois a primeira está prevista para os conflitos de alta intensidade, enquanto a segunda tem uma resposta para os conflitos de média e baixa intensidade militar. Informação adicional disponível no site: https://cisde.es/observatorio/rusia-terrorismo-migraciones-nuevas-amenazas-sobre-europa

7 O exército espanhol lidera atualmente uma das duas Brigadas Multinacionais que integram a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (FINUL).

8 As forças armadas espanholas participam da Operação “Inherent Resolve”, que realiza a coalizão de mais de sessenta (60) países formada para destruir o grupo terrorista DAESH. No quadro dessa operação, um contingente espanhol está desdobrado no Iraque realizando missões de adestramento do exército iraquiano.

9 Os projetos de cooperação para o desenvolvimento realizados pelo Ministério dos Assuntos Exteriores e da Cooperação espanhol tentam erradicar a pobreza e fomentar o progresso econômico e social em muitas nações em vias de desenvolvimento, com a finalidade de que seus habitantes não tenham necessidade de abandonar seus lares. Informação adicional sobre a Cooperação Espanhola no site: http://www.exteriores.gob.es/Portal/es/PoliticaExteriorCooperacion/CooperacionAlDesarrollo/Paginas/Planificación.aspx

10 As forças armadas espanholas participam da Força Naval da União Europeia no Mediterrâneo que executa a Operação “Sophia”, voltada para a luta contra o modelo de negócio montado pelas redes de contrabando e tráfico de pessoas no Mar Mediterrâneo e para reduzir a perda de vidas de imigrantes irregulares que ocorrem no mar. Informação adicional no site: http://www.armada.mde.es/ArmadaPortal/page/Portal/ArmadaEspannola/conocenos_noticias–2016–10–NT-198-NAVARRA-RES-703_es?_selectedNodeID=2799103&_pageAction=selectItem

11 Informações adicionais sobre a participação das forças armadas espanholas em operações disponíveis no site do Comando de Operações do Estado-Maior da Defesa: http://www.emad.mde.es/MOPS/

12 Site do Departamento de Segurança Nacional do Gabinete da Presidência do Governo disponível no link: http://www.dsn.gob.es/

13 O Relatório Anual de Segurança Nacional de 2015 está disponível no site: http://www.lamoncloa.gob.es/serviciosdeprensa/notasprensa/presidenciadelgobierno/Paginas/2016/270516informe2015.aspx

14 Informação adicional sobre o Departamento de Segurança Nacional no site: http://www.lamoncloa.gob.es/serviciosdeprensa/notasprensa/presidenciadelgobierno/Paginas/2016/191016-seguridad.aspx


*Ten Cel do Exército Espanhol Jésus Padin é oficial do exército espanhol designado instrutor da ECEME (Escola de Comando e Estado Maior do Exército).


*Imagem de capa: Bandeira do Reino de Espanha


RECOMENDADOS PELO VELHO GENERAL

Captura de Tela 2019-05-27 às 17.01.50

A Arte da Guerra

  • Nicolau Maquiavel (Autor)
  • Em português
  • Versões eBook Kindle e Capa Comum
Captura de Tela 2019-05-27 às 17.02.05

Reflexões Sobre Estratégia, Temas de Segurança e Defesa

  • Gen Loureiro dos Santos (Autor)
  • Em português
  • Capa Comum
Captura de Tela 2019-05-27 às 17.02.18

Defesa, Segurança e Estratégia: V Encontro da ABED

  • Eduardo Svartman, Eduardo Mei, Thiago Rodrigues (Editores)
  • Em português
  • Capa Comum

Compartilhe:

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

1 comentário

  1. Um país como a Espanha, seu histórico de império, de conquistas, não pode se anular diante dos desafios que estão sendo impostos, seja dentro de casa, nas suas ex-colônias, ou no novo modelo capitaneado pelo espaço asiático. Enfim, preocupação no futuro, na garantia do seu status quo como nação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

V-UnitV-UnitPublicidade
AmazonPublicidade
Fórum Brasileiro de Ciências PoliciaisPrograma Café com Defesa

Veja também