
Acordo firmado entre Zelensky e Starmer pode ter estabelecido compromissos de longo prazo com o Reino Unido conflitando com as demandas de Trump, com potenciais impactos no processo de paz e no futuro da Ucrânia como Estado independente.
Em nosso artigo de 3 de março de 2025, abordamos a forma confusa como se estava conduzindo o processo de paz para o conflito russo-ucraniano, e tentávamos enxergar alguma lógica no caos. Na ocasião, identificamos que o Acordo de Minerais, que começou a ser negociado entre os presidentes Trump, dos Estados Unidos da América, e Zelensky, da Ucrânia, se mostrava um complicador para uma questão já extremamente complexa (COUTINHO, 2025).
Na nossa análise, havíamos identificado um terceiro personagem que se movimentava nos bastidores, numa forma que havíamos qualificado de bastante habilidosa: o primeiro-ministro Keir Starmer, do Reino Unido.
Entretanto, uma nova perspectiva sobre esse imbróglio nos foi trazida em uma entrevista do analista norte-americano de assuntos militares e geopolíticos, o militar da reserva Scott Ritter (DIALOGUE WORKS, 2025).
Neste artigo, procuramos revisitar a questão da exploração mineral das reservas ucranianas, mas sob esse novo ponto de vista que nos foi apresentado por Scott Ritter, concluindo poderia estar havendo uma disputa econômica entre os governos Trump e Starmer pelas riquezas da Ucrânia.
A problematização dessa pesquisa visa responder a seguinte questão: Teria Zelensky se comprometido com a exploração mineral das reservas de seu país pelo Reino Unido, e com isso estaria vivendo um impasse para assinar o Acordo de Minerais proposto por Trump?
A hipótese com a qual trabalharemos seria a de que ao assinar o Acordo de 100 anos com Starmer, Zelensky estabeleceu compromissos com o Reino Unido, literalmente de ordem secular, e que criam um ambiente de tensão e complexidade ainda maior para o atendimento das demandas do presidente Trump, que caso não atendidas, podem levar à retaliações graves dos norte-americanos, particularmente no que se refere ao essencial apoio financeiro e militar dos EUA nesse momento crucial das negociações de paz.
A entrevista de Scott Ritter e o acordo com os britânicos
Em uma entrevista no dia 5 de março de 2025, Ritter afirmou que, na verdade, Starmer e Zelensky estavam desesperados para tentar contornar uma crise muito maior com Trump: as riquezas minerais ucranianas já teriam sido vendidas por Zelensky para o Reino Unido, por meio de um Acordo que ficou conhecido como “One Hundred Year Partnership Agreement” (Acordo de Parceria de 100 Anos), assinado em 16 de janeiro de 2025 (REINO UNIDO, 2025).
Um dos aspectos mais suspeitos dessa negociação reside no fato de que tenha sido realizada ainda no apagar das luzes do governo do presidente Biden, uma vez que Trump viria a assumir a presidência apenas em 20 de janeiro de 2025, quatro dias depois, motivo pelo qual esse acordo tenha passado despercebido por muitos.
Mas talvez não por Trump.
O acordo de 100 anos com os britânicos estaria obviamente relacionado ao quarto ponto do “Plano para a Vitória” de Zelensky, que, como vimos em nosso artigo anterior, estabelecia que a Ucrânia cederia a exploração de seu potencial de riquezas minerais, em troca de apoio econômico, na guerra e no pós-guerra, no que Zelensky denominara como um “Acordo Especial para a Proteção Conjunta dos Recursos Críticos” (COUTINHO, 2025).
Lembramos que esse ponto havia sido apresentado em 2024 para boa parte dos líderes europeus, inclusive Starmer, do Reino Unido, assim como para os norte-americanos Biden (ainda na presidência) e Trump (ainda candidato).
Mas voltando à recente entrevista de Scott Ritter, o experiente analista norte-americano joga uma luz sobre um ponto até então pouco analisado: o Acordo de 100 anos entre Zelensky e Starmer.
Para entender melhor esse ponto em particular, vamos analisar em detalhes o referido acordo.
Resumo do Acordo de Parceria de 100 Anos
O acordo assinado entre Zelensky e Starmer (REINO UNIDO, 2025) aborda temas de interesse bilateral, divididos em oito “pilares”, por meio dos quais as partes aprofundarão a cooperação em diversas áreas, a saber:
Pilar 1 – Defesa: os países acordaram fortalecer a cooperação em defesa, com foco em produção conjunta de armas, inovação, capacidade de resposta rápida e modernização das forças armadas da Ucrânia. O Reino Unido compromete-se a fornecer apoio militar anual de pelo menos £3 bilhões até 2030.
Pilar 2 – Segurança: estabelece-se o compromisso por uma paz justa e duradoura, alinhada aos princípios da ONU. Inclui suporte à modernização da arquitetura de segurança da Ucrânia, fortalecimento da cibersegurança, combate ao crime organizado e coordenação em situações de agressão externa.
Pilar 3 – Marítimo: Estabelece uma cooperação para reforçar a segurança marítima, com cooperação entre as Marinhas dos dois países, remoção de minas no Mar Negro e fortalecimento da infraestrutura marítima da Ucrânia. A parceria visa garantir navegação segura, inclusive por meio de operações conjuntas.
Pilar 4 – Economia e Comércio: define que ambos os países trabalharão para fortalecer os mercados, com ênfase em modernização econômica, atração de investimentos, apoio ao setor financeiro e desenvolvimento de infraestrutura moderna e verde. Há também foco na transformação agrícola e segurança alimentar.
Pilar 5 – Energia, Clima e Transição para Energias Limpas: estabelece uma parceria para diversificar fontes de energia, proteger infraestruturas energéticas e promover energias renováveis, como hidrogênio. Há colaboração no fechamento de minas de carvão e desenvolvimento de uma estratégia para minerais críticos. Também se destacam esforços conjuntos no setor nuclear e na produção de aço verde.
Pilar 6 – Justiça e Responsabilização: os países acordaram que trabalharão para garantir a responsabilização da Rússia por seus atos de agressão e danos causados. Inclui apoio ao Tribunal Penal Internacional, modernização do sistema judicial da Ucrânia e reformas que fortaleçam instituições democráticas.
Pilar 7 – Combate à Manipulação de Informação: define que a parceria visa combater a desinformação e fortalecer a comunicação estratégica, promovendo valores democráticos e apoiando a mídia independente. Inclui iniciativas conjuntas para mitigar interferências e manipulações externas.
Pilar 8 – Ciência, Tecnologia e Inovação: cria um acordo para cooperação em tecnologias emergentes, inteligência artificial, e-governança e parcerias no setor espacial. Há também iniciativas para acelerar a reconstrução da infraestrutura da Ucrânia com o uso de tecnologia de ponta.
Como pudemos observar, o Acordo de 100 anos tratou de temas bastante abrangentes. No entanto, para o desenvolvimento de nossa pesquisa, observaremos o documento sob o ponto de vista que nos trouxe Scott Ritter e, neste sentido, passaremos a analisar especificamente o Pilar 5 – Energia, Clima e Transição para Energias Limpas.

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O Pilar 5 e a exploração das riquezas minerais
Este Pilar apresenta alguns itens que poderiam se revelar como concorrentes ao Acordo de Minerais de Trump, particularmente os de número 3, 4 e 5, que detalharemos a seguir.
Item 3: trata das reservas de carvão, estabelecendo um compromisso britânico para a apoio ao fechamento de minas de carvão e à transição justa para as regiões carboníferas da Ucrânia. Isso inclui iniciativas para requalificar trabalhadores e promover alternativas econômicas sustentáveis nessas áreas.
Item 4: trata das reservas de minerais críticos, estabelecendo as bases para o desenvolvimento de uma estratégia de exploração de tais minerais pela Ucrânia, incluindo a criação de estruturas regulatórias necessárias para maximizar os benefícios dos recursos naturais do país. Cita também a criação de um Grupo de Trabalho Conjunto para apoiar essa estratégia.
Item 5: trata especificamente das ricas reservas de urânio ucranianas, e estabelece um acordo para cooperação no setor de energia nuclear, abrangendo desde o fornecimento de combustível nuclear até a adoção de melhores práticas para garantir a segurança das instalações nucleares. Além disso, busca-se substituir tecnologias e combustíveis nucleares russos na Europa e em outros países, além de iniciar negociações para um Acordo de Cooperação no Campo da Energia Nuclear Civil.
O Acordo de 100 Anos e a negociação com Trump
Voltando à nossa problematização, precisaremos responder ao questionamento de nossa pesquisa: Zelensky já teria se comprometido com a exploração mineral das reservas de seu país pelo Reino Unido, e com isso estaria vivendo um impasse para assinar o acordo de minerais proposto por Trump?
Ao analisar os itens 3, 4 e 5 do Pilar 5 do Acordo de 100 anos entre a Ucrânia e o Reino Unido, fica claro que haverá um choque de interesses entre esse acordo e o possível Acordo de Minerais com Trump.
Se isso estaria levando a um impasse, não há comprovações objetivas, mas sim, há indícios subjetivos de que estaria ocorrendo problemas sérios, a saber:
• Desde que Trump incluiu o tema da negociação do Acordo de Minerais com a Ucrânia como uma etapa prioritária da negociação de paz, esse ponto tem gerado mais atrito e tensão do que os demais pontos de um eventual processo de paz, inclusive os mais polêmicos, como a adesão à OTAN e questões territoriais;
• A visita do secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, teria sido realizada sob grande tensão, particularmente na sua reunião com o presidente Zelensky;
• A primeira visita à Zelensky do emissário de Trump para a Ucrânia, general Keith Kellog, também teria sido muito tensa, com relatos de que o general teria sido destratado pelo presidente ucraniano;
• A definição de que o Acordo de Minerais não seria assinado no nível presidencial, mas apenas no nível ministerial, o que contraria a praxe diplomática para acordos desse nível de importância;
• O fato de que Starmer tenha solicitado à Zelensky uma reunião em Londres, antes de seu deslocamento para uma reunião prévia entre Starmer e Trump, onde claramente buscou um alinhamento de discursos;
• O fato de Zelensky ter ficado aguardando em Londres pelo resultado da reunião de Starmer com Trump, e de terem se encontrado novamente na volta de Starmer para Londres;
• A reunião desastrosa (e absolutamente fora do normal) entre Zelensky e Trump no Salão Oval, que terminou sem a assinatura do acordo; e
• A demora de retomada das negociações sobre o Acordo de Minerais, com a imposição por Trump de demandas adicionais para a assinatura de algo com que os próprios norte-americanos haviam concordado.
Há inúmeros indícios de que, eventualmente, Trump tenha tido conhecimento das negociações entre Starmer e Zelensky para o futuro controle das riquezas minerais ucranianas. Em que pese a alta probabilidade, não há nenhuma evidência auditável de que isso tenha efetivamente ocorrido.
Mas a nossa problematização era simplesmente no sentido de confirmar que, ao assinar o Acordo de 100 anos com Starmer, Zelensky teria se comprometido a exploração mineral das reservas de seu país com o Reino Unido. Da análise do referido acordo, podemos afirmar que, sem sobra de dúvidas, tais compromissos haviam sido estabelecidos. Em que grau o foram, não se sabe, uma vez que provavelmente cláusulas adicionais devem ter sido negociadas em uma anexo secreto.
E se as cláusulas ostensivas que analisamos no presente trabalho são de conhecimento de Trump, conforme afirma Scott Ritter, é possível afirmar que esse acordo com os britânicos, assinado no apagar das luzes do governo Biden, estaria contribuindo para um impasse na assinatura do Acordo de Minerais proposto pelos norte-americanos.
Conclusão
A hipótese com a qual trabalhamos no presente trabalho de pesquisa restou muito provável, seja pela análise do acordo assinado entre Zelensky e Starmer, seja pelo desencadeamento de fatos relacionados à duríssima negociação para o Acordo de Minerais de Trump.
Neste sentido, é possível afirmar que, ao assinar o Acordo de 100 Anos com Starmer, Zelensky estabeleceu compromissos de longuíssima ordem temporal com o Reino Unido, e que criam um ambiente de tensão e complexidade ainda maior para o atendimento das demandas do presidente Trump.
Caso essa situação não se resolva em breve, o que pode demandar uma renegociação de Zelensky no seu “Acordo de 100 Anos” com Starmer, a situação da Ucrânia se mostrará ainda mais complexa do que a maioria dos analistas já estavam avaliando, com impactos para o processo de paz como um todo, e para o futuro da Ucrânia como Estado independente.
Referências
COUTINHO, Marco A. de F. Processo de paz para a Guerra Russo-Ucraniana: há lógica no caos? Velho General, 3 de março de 2025. Disponível em: https://velhogeneral.com.br/2025/03/03/processo-de-paz-para-a-guerra-russo-ucraniana-ha-logica-no-caos/.
DIALOGUE WORKS. Trump Halts All Military Aid to Ukraine! What’s next? Entrevista de Scott Ritter a Nima R. Alkhorshid. YouTube, 5 de março de 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/live/hA2u19r-o_c?si=34makm6uSrozgCpk.
REINO UNIDO. UK-Ukraine 100 Year Partnership Declaration. Londres: Gabinete do Primeiro-Ministro, 16 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/uk-ukraine-100-year-partnership-declaration/uk-ukraine-100-year-partnership-declaration.