Superioridade Aérea no Conflito Coreano

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Por Reis Friede*


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F-86E Sabres em abril de 1952. No final de 1951, unidades de F-86 aplicaram faixas amarelas na fuselagem e nas asas para ajudar o reconhecimento. Anteriormente, as marcas eram listras pretas e brancas (Foto: USAF)

SGA-2019-Selo-100pxNão obstante todas as eventuais controvérsias ainda existentes, especialmente de natureza estatística, não há qualquer dúvida que os EUA lograram estabelecer uma gradual e crescente superioridade aérea nos céus coreanos, durante sua participação no conflito, entre 1950 e 1953.

Como bem lembra ANDRÉ VARGAS (O Conflito que Quase Deu Início à Terceira Guerra, Aeromagazine, 2012, p. 1), copilando JORG FRIEDRICH (Yalu, Record, 2011), TOM CROUCH (Asas, Record, 2008), KENETH WERREL (Sabres over MIG Alley: The F-86 and the Battle for Air Superiority in Korea, Naval Institute Press, 2005), DAVID C. ISBY (Fighter Combat in The Jet Age, Harper Collins, 1997) e JAMES MICHENER (As Pontes de Toko-Ri), o primeiro combate aéreo na península coreana ocorreu em 8 de novembro de 1950, “quando russos e americanos se enfrentaram no primeiro confronto da era dos jatos. Naquele dia, o primeiro-tenente RUSSEL BROWN, do 16º Esquadrão de Interceptação (16th FIS) da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF), voando em formação a 20.000 pés com seu F-80C Shooting Star, avistou oito MiGs-15 Fagot cerca de 10.000 pés acima de sua altitude. A Guerra da Coreia estava em pleno curso. A missão dos MiGs do 28º Regimento de Aviação de Caça (Istrebeitel Aviatsionnaya Polk) era simples: decolar da Manchúria, cruzar o rio Yalu, na divisa da China com a Coreia do Norte, esperar os caças-bombardeiros (B-26 Invader, F-80C e, posteriormente, F-84 Thunderjet) e bombardeiros americanos (notadamente os B-29 Superfortress), mergulhar sobre eles utilizando canhões, subir usando a boa potência de seus motores e retornar à base, em Antung, evitando os interceptadores inimigos. O tenente BROWN tomou proveito do descuido de um MiG-15, que abandonou a cobertura de seu companheiro, permitindo aproximação. As metralhadoras .50 (12,7mm) do Shooting Star travaram logo após o início dos disparos, mas uma delas sustentou uma rajada de cinco segundos, que abateu o MiG. O que BROWN desconhecia é que sua vitória não havia sido contra um piloto chinês, como indicavam as marcações da aeronave. O caça abatido era comandado pelo tenente soviético SHCHEGOLEV. Naquele dia, os russos ainda abateram um P-51 Mustang, veterano a pistão da Segunda Guerra. E, assim, a batalha aérea prosseguiu por quase três anos”.

Captura de Tela 2019-07-16 às 12.54.03.jpg RECOMENDADO: MiG Alley: The Fight for Air Superiority

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Uma nova vitória contra os MiG-15 ocorreu, logo em seguida, por parte de um F-9F Phanter da Marinha, não obstante também tratar-se de uma aeronave de desempenho inferior.

A decisão presidencial de restringir o conflito, com a destituição de McARTHUR (em 11 de abril de 1951), acabou por estabelecer a MiG Alley (a Alameda dos MiGs) ao longo da fronteira do rio Yalu, onde pilotos de ambos os lados exerceram suas habilidades e instintos como poucas vezes ocorreria novamente.

Conforme muito bem lembra ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 2), “o conflito na península coreana havia começado em 25 de junho, quando tropas norte-coreanas, apoiadas pelo regime de MAO TSÉ-TUNG, ultrapassaram o Paralelo 38, que divide até hoje ambos os países. Meses depois, uma coalizão capitaneada pelos Estados Unidos empurrou os comunistas contra a fronteira da China. O ditador JOSEPH STALIN enviou esquadrões de seu novo caça MiG-15 Fagot para tentar reverter o domínio americano nos céus, o que permitia o intenso bombardeio das tropas comunistas. STALIN desejava derrotar os EUA sem se expor desnecessariamente. Para tanto, optou por mandar suas esquadrilhas ‘incógnitas’ para as bases de Mukden, Amshan e Antung, na Manchúria. As aeronaves tiveram os caracteres em cirílico apagados das fuselagens e receberam novas pinturas com marcações em alfabeto romano. Era exigido silêncio absoluto no rádio para não denunciar a presença de russos no front e quem fosse abatido deveria cometer suicídio para não ser capturado. Em solo, os pilotos usavam roupas civis e, no ar, uniformes chineses. A intenção era defender a fronteira chinesa, principalmente contra os bombardeiros BOEING B-29 Superfortress, desgastando os americanos, enquanto chineses e norte-coreanos eram treinados para a guerra aérea. Antes da chegada dos russos, as esquadrilhas chinesas eram formadas por ultrapassados Yakovlev Yak-7, Yak-9 e Ilyushin Il-10 Shturmovik, adversários que os jatos F-80 Shooting Star, F2H Banshee, F9F Panther e F-84 Thunderjet, além do velho Gloster Meteor britânico, conseguiam superar sem dificuldade”.

Com a introdução do MiG-15, essa situação alterou-se, obrigando os EUA a enviar o mais avançado de seus caças, o F-86 Sabre, que havia realizado seu primeiro voo em 1º de outubro de 1947 e sido entregue ao 1º Grupo de Caça da USAF, na Base Aérea de March, em fevereiro de 1949.

Os primeiros 19 Sabres, versão A, da 4ª Ala de Caça Interceptadores (4th Fighter Interceptor Wing), chegaram à Coréia em 16 de dezembro de 1950, revertendo a situação em favor dos EUA. Até junho de 1951, apesar da nítida inferioridade numérica, 90 F-86A se opunham a 450 MiG-15, com relativo sucesso em combates. Somente essa primeira unidade abateu 40 MiGs e danificou outros 71, com apenas seis perdas.

À medida que os encontros ficavam mais intensos, conforme leciona ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 3-4), “as estritas regras de engajamento de ambos os lados foram ignoradas. Em muitas ocasiões, diálogos nervosos em russo foram captados pela fonia aliada. Os norte-americanos, por sua vez, eram expressamente proibidos de ultrapassar a fronteira da China, o que nem sempre era respeitado. Em busca hot pursuits, líderes americanos acompanhados de alas confiáveis entravam em silêncio de rádio fronteira adentro”. Na volta, as imagens das câmeras ligadas às metralhadoras sumiam misteriosamente, o que restou parcialmente comprovado pelo fato de que as bases da Manchúria eram constantemente protegidas por patrulhas aéreas.

O planejamento soviético previa um rodízio maior dos pilotos, uma vez que STALIN era temeroso de um conflito em suas fronteiras europeias. Já a USAF optou, por razões práticas, em sentido oposto, pelo rodízio restrito e dentro das próprias unidades. Segundo ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 3-4), “do lado soviético, a rotatividade envolvia unidades inteiras, tornando virtualmente impossível o compartilhamento de experiências entre quem chegava e quem partia”.

Captura de Tela 2019-07-16 às 12.54.26.jpg RECOMENDADO: The United States Air Force in Korea – Complete Coverage and Authoritative History of All Aspects of American Air Power in the Korean War

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É importante registrar que os americanos tiveram que desenvolver táticas para lidar com os MiGs, que chegavam do alto em grandes formações. Uma das alternativas criadas, recorda-se ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 4), “foi a jet stream, tática em que uma esquadrilha se dividia em unidades menores, com quatro aviões (o four fingers, aperfeiçoado pelos alemães na Guerra Civil Espanhola), que se apoiavam mutuamente e, com intervalos de alguns minutos, atacavam a partir de diferentes altitudes, forçando a quebra da formação inimiga e atraindo o combate para altitudes mais baixas, onde o Sabre era reconhecidamente superior. Em contrapartida, os soviéticos adotaram a tática apelidada de bandit trains, com objetivo de anular os caças-bombardeiros aliados, principalmente os F-84 Thunderjets. Dotado de um motor Klimov melhorado, os MiG-15 BIS preferiam ignorar a escolta dos F-86, partindo direto contra o alvo prioritário em sucessivas vagas de ataque, o que anulava em parte a deficiência do modelo em altitudes mais baixas”.

A resposta foi o aperfeiçoamento dos F-80 (dotados de atenuadores hidráulicos similares aos usados em automóveis) e a chegada de novos Sabres, versão E (com novo desenho de cauda que lhe permitia manobras em alta velocidade e altitude; atenuadores eletro-hidráulicos; e motor mais potente). Em setembro de 1951, a superioridade desta nova versão do Sabre restou imediatamente estabelecida, sendo gradativamente acentuada com 39 MiGs derrubados em março de 1952 e mais 44 aeronaves no mês de abril do mesmo ano. No início de 1952, todos os F-80C foram substituídos por F-84E Thunderjet em missões de apoio tático e suporte (apoio aéreo aproximado), sendo certo que, no início de 1953, uma última versão do Sabre, o F-86F, iniciou suas operações derrubando um total de 308 MiGs e estabelecendo uma supremacia aérea plena nos céus da Coreia com a incrível marca de 77 MiGs derrubados em julho de 1953, sem qualquer perda de aeronaves F-86F naquele mês. No total, durante toda a extensão temporal do conflito, foram derrubados, em combates diretos, 800 MIG-15 Fagot B contra 78 F-86 Sabre.

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Vale consignar que, na MiG Alley, como bem lembra ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 4), “a disponibilidade de caças sempre foi maior do lado comunista. Em 275 combates registrados contra os Sabres, os MiGs estiveram em maioria em 197 deles. Mesmo assim, os aliados conseguiam extraordinária vantagem. Em 13 de dezembro de 1951, dois bandit trains com 150 MiGs falharam em abater um único Sabre e ainda acumularam 14 perdas”.

A partir de 1953, segundo ANDRÉ VARGAS (ob. cit. p. 4-5), “os aliados aprimoram suas capacidades, com novos radares de solo e a chegada da versão F do Sabre. Os ‘bandit trains’ foram reduzidos e entraram em ação unidades chinesas e norte-coreanas. Para piorar, a retirada das unidades soviéticas experientes prejudicou mais ainda os comunistas. A principal preocupação aliada era a presença na China de mais de 100 bombardeiros Ilyushin Il-28, capazes de carregar bombas nucleares, mas que jamais entraram em ação. O armistício assinado em 27 de julho de 1953 encerrou o conflito, manteve as fronteiras anteriores e deixou lições. A mais importante foi que a superioridade aérea norte-americana na MiG Alley não se traduziu, como se esperava, em uma inconteste ‘virada’ no conflito. O clima ruim, a insuficiência de aeronaves (incluindo a resistência de TRUMAN em transferir um maior número de Sabres das bases americanas e europeias) e a falta de precisão do armamento ar-solo prejudicaram uma força aérea que na guerra anterior era capaz de arrasar metrópoles. Na Coreia rural, tais alvos não existiam, ainda que a capital Pyongyang tenha sido completamente destruída pelos bombardeiros B-29. E, por fim, – e talvez o mais importante –, houve a impossibilidade política de atacar o inimigo além da fronteira a fim de destruir sua infraestrutura e barrar a ofensiva terrestre (uma limitação política que também seria vista no Vietnã, na década seguinte)”.

Captura de Tela 2019-07-16 às 12.54.40.jpg RECOMENDADO: B-29 Superfortress Units of the Korean War

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É importante registrar, contudo, que o grande sucesso dos Sabres decorreu, acima de tudo, da superioridade tecnológica da aeronave, sobretudo a partir da introdução do F-86E, em fins de 1951, dotado de atenuador de controle eletro-hidráulico que lhe outorgava uma especial vantagem sobre os Fagots, mesmo em sua versão aperfeiçoada MiG-15 BIS, que possuía controles convencionais, dificultando o desempenho em rolagens e curvas e em altas velocidades, vantagem esta que se tornou definitiva com a chegada da versão “F” (com novos motores J-47 GF-33, com 2.680 Kgf de empuxo, em comparação ao J-47 GE-13, da versão “A”, com 2.359 Kgf de empuxo), ambas dotadas de uma mira A-1CM (acoplado a um radar Sperry K-14) de alta precisão, contra a mira convencional (semelhante a dos caças da Segunda Guerra) utilizada pelos MiG-15.

Porém, foi também marcante, conforme adverte ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 5), “as diferenças entre as doutrinas americana e soviética. Os soviéticos, conforme já afirmado, preconizavam o contínuo rodízio de pilotos. STALIN estava preocupado com um ataque na Europa e queria pilotos experientes disponíveis. Já os americanos preferiam manter seus pilotos no front, em um esquema de rodízio, como mostrado no filme As Pontes de Toko-Ri, baseado em livro homônimo de JAMES A. MICHENER”.

Vale destacar que o MiG-15 foi construído, consoante ensina ANDRÉ VARGAS (ob. cit., p. 5-6), “para abater pesados bombardeiros americanos em grandes altitudes, como o B-29. O avião era dotado de três canhões – dois de 20 mm e um de 37 mm. Baseado em estudos alemães capturados após a Segunda Guerra, seu projeto só foi viabilizado após a desastrada venda à URSS, em 1947, de 25 turbinas britânicas Rolls-Royce Nene, que foram escancaradamente copiadas através de técnicas de ‘engenharia reversa’. De visual atarracado, o projeto de ARTEM MIKOYAN e MIKHAIL GUREVICH foi o primeiro jato bem-sucedido no emprego de asas enflechadas. Ao chegar ao front coreano, o MiG era capaz de abater tudo que fosse americano ou britânico. Lentos e de asa reta, os caças americanos F-80 Shooting Star, F-84 Thunderjet e F-9F Panther só obtinham sucesso diante do treinamento superior das tripulações estadunidenses. Seu grande inimigo, o Sabre, era derivado de um projeto da Marinha, o FJ-1 Fury, que tinha asa reta. A USAF propôs um caça similar à North American, que incluiu, após a apresentação do projeto, uma asa enflechada a 35º. A alteração surgiu depois da captura de estudos alemães que levaram ao Me-262, no final da Segunda Guerra. As novas asas proporcionavam mais velocidade sem significativo aumento de potência e, consequentemente, de peso. O Sabre voou pela primeira vez em 1º de outubro de 1947. Na Coreia, a versão derradeira que estabeleceu a supremacia aérea, no final do conflito, conforme já afirmado, foi o F-86F. Na prática, ambos os caças apresentavam relativas inadequações para suas missões, a começar pela baixa autonomia, primordial para a interceptação de longa distância, escolta de bombardeiros e superioridade aérea. Poderosos, os canhões dos MiGs tinham uma cadência lenta demais para engajar os Sabres, que ficavam apenas por segundos enquadrados em suas alças de mira. Por sua vez, os jatos americanos, muito estáveis no combate ar-ar, possuíam uma mira A-1CM, acoplada ao radar Sperry K-14, capaz de disparos deflexivos (disparos em diversas direções em modo de divergência1), mas suas seis metralhadoras de 12,7 mm (.50) muitas vezes deixavam o adversário escapar por falta de alcance e poder destrutivo. Mais leve, o MiG-15 subia melhor, alcançava qualquer adversário acima de 10.000 metros e, exceto em altas velocidades (em função da ausência de atenuadores), fazia curvas mais fechadas. Já o Sabre era mais rápido em voo nivelado, tinha melhor desempenho em baixa altitude e alta velocidade. Uma característica fundamental no dogfight pendia a favor do Sabre, – particularmente nas versões ‘E’ e ‘F’ –, que conseguia alcançar seu oponente em mergulho. Por sua vez, o MiG-15 também era direcionalmente instável em grandes altitudes, tinha baixa taxa de rolagem e a triste peculiaridade de travar o manche quando em mergulho acentuado”.

Apesar da superioridade tecnológica dos F-86E/F (a versão “A” empatava, na prática, com o rival MiG-15), os Fagots tiveram relativo sucesso na guerra, particularmente pela grande superioridade numérica no teatro de operações coreano, limitando, sobremaneira, a efetividade dos bombardeiros B-29 Superfortress norte-americanos em missões de interdição e dos F-84 Thunderjets em operações de apoio tático e suporte.

O Mig-15 Fagot é considerado o jato mais construído da história, com 18.000 unidades fabricadas, sendo 15.000 na antiga URSS e, estima-se, mais 3.000 em países satélites. Foi operado em diferentes versões por 42 países. Em comparação com os F-86 Sabre (construído em um total de 9.812 unidades), seu primeiro voo ocorreu em 30 de dezembro de 1947 (10 de outubro de 1947 para os Sabres), seu peso máximo de decolagem era de 6.045kg (8.061kg para os Sabres), sua velocidade máxima era de 1.075 km/h (1.106 km/h para os Sabres) e tinha um alcance de 1.975 km (2.120 km para os Sabres).

Captura de Tela 2019-07-16 às 12.54.56.jpg RECOMENDADO: Combat Over Korea

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Quanto aos motores, como bem registra RENATO OLIVEIRA (Aviões Não-Guiados na Guerra Aérea, p. 14 e segs.), “assim como após a Primeira Guerra, vários países se apoderaram das tecnologias alemãs. A URSS estava atrasada no desenvolvimento de motores a jato, e tentou, por diversos modos, adquirir motores ocidentais quando, de forma surpreendente, a Inglaterra, com seu governo ‘de esquerda’, repassou 25 motores Rolls-Royce Nene completos, na época os mais avançados do mundo”, permitindo o desenvolvimento de um avião da categoria do MiG-15, mesmo não dispondo das tecnologias (de motores à reação) necessárias para tal proeza. A URSS não perdeu tempo e passou a fazer a retroengenharia, ou engenharia reversa, dos motores, construindo primeiro a Klimov RD-45, que depois de um breve desenvolvimento gerou o VK-1. Os EUA, por sua vez, construíram o Nene sob licença como Pratt & Whitney J42 e o aperfeiçoaram para a versão J-47, que passou a equipar os F-86 Sabre.

“Houve duas mudanças importantes no período entre a Segunda Guerra e a Guerra da Coreia. A primeira foi o virtual desaparecimento dos armamentos mistos (metralhadoras/canhões). A segunda foi o virtual desaparecimento das metralhadoras em calibre fuzil dos armamentos das aeronaves. A explicação é simples. Com a maior velocidade das aeronaves, os tempos de cruzamentos eram em geral muito curtos, exceto em ataques à traseira.

Como as aeronaves a jato tinham que ser metálicas, devido às temperaturas maiores resultantes das maiores velocidades, mesmo as metralhadoras pesadas perderam seu espaço, pois em geral era preciso dezenas ou centenas de impactos para abater até mesmo caças leves, o que ficou patente na Guerra da Coreia.

O uso de motores avançados, mais os estudos com asas enflechadas, levaram às aeronaves transônicas, ou seja, com velocidades máximas em linha reta próximas à do som. Pelo lado ocidental, o estadunidense F-86 Sabre, com o qual os EUA passaram a Inglaterra no desenvolvimento de aviões; pelo lado soviético, o MiG-15 ‘Fagot’. O Hawker Hunter apresentou problemas de desenvolvimento e não chegou a tempo para a Guerra da Coréia. Não se pode deixar de observar a similaridade entre os dois, que por sua vez são muito similares ao Focke-Wulf Ta-183 alemão, que nunca passou de modelo de túnel de vento.

O armamento dos caças a jato diferia muito de seus contrapartes a hélice da Segunda Guerra, alguns com metralhadoras pesadas, outros com canhões, outros com foguetes. A grande diferença estava nos sistemas de mira, com quase todos empregando miras defletoras, e o F-86 Sabre indo além e empregando um radar para correção de mira, o que aumentava enormemente a precisão do tiro.

A vantagem não era, entretanto, totalmente aproveitada devido ao fraco poder de impacto das seis metralhadoras que a USAF teimava em manter no Sabre. Mais tarde, o Sabre levaria canhões, foguetes e, finalmente, os primeiros mísseis ar-ar.

O alcance dos jatos era um problema sério. O curto alcance não era problema quando na função defensiva, mas era um grande complicador quando em missões ofensivas. Deve-se lembrar que as técnicas de reabastecimento em voo (REVO) eram pouco desenvolvidas na época, pouco mais que experimentais. Em contrapartida, o uso de depósitos descartáveis estava muito bem difundido.

Quando a Guerra da Coreia eclodiu, ambos os lados estavam equipados quase que exclusivamente com aviões a hélice. Os jatos mais empregados no teatro eram os F-80, que eram bastante superiores aos aviões a hélice disponíveis. A superioridade das forças da ONU, não apenas pelos F-80, mas pelos aviões a hélice mais avançados já construídos até então, e a presença maciça de pilotos veteranos da Segunda Guerra, foi esmagadora, e a pequena Força Aérea da Coréia do Norte foi rapidamente varrida dos céus.

Qual não foi a surpresa da ONU quando a China entrou na guerra, com um número gigantesco de tropas e aeronaves MiG-15. Inicialmente, a ONU sofreu muito até o F-86 Sabre estar difundido entre suas forças. As performances gerais do MiG-15 eram melhores em alguns cenários, principalmente por ser mais leve (MTOW de 6.105 kg contra 8.234 kg do Sabre), uma vez que era menor e levava menos combustível. O problema para a Coreia, China e URSS era que os pilotos em geral eram inexperientes (exceto pelos ‘honchos’, literalmente ‘maiorais’), e a ONU conseguiu estabelecer uma superioridade aérea, apesar do número expressivamente maior de aeronaves adversárias.

As cifras de abates são hoje objeto de contestação, após a abertura dos arquivos soviéticos, principalmente devido ao fato de muitos casos citados como abates provavelmente terem sido apenas danos, devido ao fraco poder das Browning .50 (por esta razão os índices iniciais de perdas em combate de 14:1, em favor dos norte-americanos, foram ajustados para 10:1)

A verdadeira sorte da ONU foi que o armamento assimétrico do MiG-15 (1 canhão de 37 mm + 2 canhões de 23 mm) dificultava a precisão dos disparos, ao passo que o radar telemétrico do Sabre aumentava a precisão de suas armas. O grande peso dos projéteis soviéticos quase garantia a letalidade com apenas um acerto.

No geral, os MiGs conseguiram o que queriam: a aviação da ONU não foi tão eficaz como a dos Aliados na Segunda Guerra, e o resultado final acabou sendo um empate técnico”. (RENATO OLIVEIRA; Armas Não-Guiadas na Guerra Aérea, p. 14 e segs.)

Notas

1 Convergência e Divergência

Segundo ensinamentos de RENATO OLIVEIRA (Armas Não-Guiadas na Guerra Aérea, p. 10), “convergência significa simplesmente fazer os disparos convergirem, isto é, atingirem, um mesmo ponto a uma determinada distância. Divergência é o oposto, fazer com que os projéteis voem em diversas direções, como os balins num disparo de espingarda. No conflito coreano, os pilotos mais experientes, que eram uma pequena minoria, preferiam a convergência, muitas vezes ajustada para 100 m ou menos, em alguns casos menos de 50 m. Para os pilotos menos experientes, a divergência era ajustada para cobrir a área aproximada do tamanho de uma aeronave a 150 m ou mais. A imensa maioria dos abates foi feita com aeronaves cujas armas estavam ajustadas em modos divergentes. Os ases preferiam modos convergentes, seguindo o raciocínio dos melhores caçadores, ‘quando você achar que está muito perto do animal, aproxime-se mais 10 metros!’”.


*O Desembargador Reis Friede é Presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica. É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. E-mail: reisfriede@hotmail.com


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