Quer o ataque ao hospital em Gaza tenha sido perpetrado pelo Hamas ou por Israel, descobrir a verdade é mais importante do que a própria verdade.
O ataque a um hospital em Gaza foi uma das catástrofes mais graves dos últimos meses, e seus amplos efeitos manifestaram-se não apenas no Oriente Médio, mas mesmo na Europa e nos EUA sob a forma de protestos maciços. A reação de cada pessoa a este incidente é um sinal de sua honra e humanidade e não pode ser simplesmente ignorada. Qual foi a realidade do ataque e qual é a obrigação da comunidade internacional diante dele?
As dimensões do desastre, a primeira ambiguidade
O Hospital Batista, o segundo mais antigo da região de Gaza, foi fundado em 1904 e ao seu lado foi construída uma igreja. O recente desastre ocorreu no hospital. Antes de discutirmos as dimensões da questão, devemos admitir que o ataque a um hospital é um ato brutal e ninguém no planeta poderia ficar indiferente. Hospitais não são alvos militares e todas as vidas humanas, especialmente crianças, mulheres e civis, são sempre preciosas, independentemente de quantos morreram.
Ainda assim, é importante conhecer os fatos relativos ao número de mortos. Relatórios iniciais publicados pelo Hamas e amplamente refletidos nos meios de comunicação de muitos países, como o Irã, anunciaram que o número de mortos era de quase 1.100. Esta avaliação foi feita enquanto Ashraf al-Qadara, porta-voz do Ministério da Saúde palestino, afirmou que quase 500 pessoas morreram na explosão na noite de terça-feira, e mais tarde a CNN estimou o número de mortos entre 100 e 300 pessoas. Entretanto, um alto funcionário dos serviços de informações da União Europeia (UE) estimou este número entre 10 e 50 pessoas. Esclarecer o número exato de vítimas é importante para descobrir a verdade. Aqueles que declararam um número muitas vezes superior ao real, se for um erro intencional, serão acusados de tentar criar uma onda de ódio na opinião pública mundial, e aqueles que, da mesma forma, declaram um número mais baixo, se o fizerem conscientemente sofrerão a acusação de procurar minimizar as dimensões de um crime.
O que se pode depreender pela foto abaixo, que mostra o local do impacto, é que não é difícil saber o verdadeiro número de vítimas. A área afetada é óbvia e também não é difícil descobrir os nomes dos que perderam a vida no ataque. Em qualquer o caso, quem estava na área do hospital ou já estava ferido ou doente e por isso estava ali, ou veio visitar alguém que estava internado.
Tipo de explosão, a segunda ambiguidade
A guerra tem dois lados, o Hamas e Israel. Portanto, isso foi feito por um dos dois. Ambos têm as armas que usaram antes e usam habitualmente durante esta guerra. Até agora, ninguém conseguiu afirmar que um deles usou alguma nova arma pela primeira para atacar o hospital. Não é difícil para especialistas militares entender o tipo de arma utilizada considerando as ruínas e a quantidade de destruição. O certo é que, ao contrário dos primeiros relatos que diziam que o prédio do hospital foi alvo de ataques e muitas pessoas ficaram sob os escombros, foi mostrado nas fotos que o ponto atingido foi o pátio do hospital. É mostrado que um buraco foi criado por um foguete, míssil ou bomba. O buraco que aparece na foto abaixo é pequeno se comparado a ataques similares.
No entanto, deve-se aceitar que o diagnóstico é uma questão técnica e devemos nos habituar a, sobre questões técnicas, não dar opiniões que não sejam de especialistas, e ao invés de especular, devemos aguardar investigações.
O fator do desastre, a terceira ambiguidade
Tal como o Hamas culpa Israel pelo crime, Israel também levanta a questão dos foguetes da Frente de Resistência, que, segundo o Exército israelense, já teria lançado mais de 400 foguetes que caíram dentro de Gaza. É claro que as declarações são diferentes em outros lugares, e foi dito que de 30 a 40% dos foguetes disparados a partir de Gaza atingiram a própria Gaza.
O porta-voz do Exército israelense afirma que a Jihad Islâmica é responsável pelo bombardeio do hospital e que seu sistema de radar mostrou foguetes disparados de Gaza. Diante disso, o Hamas declarou que a Frente de Resistência não disparou nenhum foguete antes e durante o bombardeio ao Hospital Batista, e que o Exército ocupante não ativou o Domo de Ferro.
Em sua declaração, o Hamas acrescentou que os foguetes da Resistência são “caseiros” e que seu poder destrutivo não é capaz de matar centenas de pessoas em um único ataque. Alguns conteúdos também foram publicados em paralelo a estas afirmações.
Vários meios de comunicação pró-Hamas afirmaram que o Exército israelense admitiu ter atacado o pátio do hospital. É uma declaração que não foi apoiada por nenhuma documentação e, por mais que procurássemos, não encontramos tal confissão. Por outro lado, Israel também publicou conversações para provar que dois operadores do Hamas admitiram o erro. Mas Alex Thomson, do Channel 4 do Reino Unido, disse que conversou com especialistas em língua árabe e que as gravações pareciam ser falsas. Embora Thomson tenha admitido que o tamanho do buraco deixado pela explosão não era compatível com um míssil, ele apontou mentiras anteriores da mídia israelense e disse que o hospital já havia sido atacado por Israel antes. Exceto pelas afirmações de Thomson, o que foi publicado da conversa é sobre um cemitério que fica a sete quilômetros dos pontos que o Exército israelense apontou no mapa como pontos de disparo de foguetes do Hamas.
De qualquer forma, Israel é o principal suspeito, salvo prova em contrário. Martin Griffiths, diplomata britânico que atualmente atua como subsecretário-geral para Assuntos Humanitários e coordenador de Ajuda de Emergência da ONU, disse anteriormente: “De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde, o Hospital Batista foi um dos 20 hospitais de Gaza que Israel anunciou que os civis deviam ser evacuados”. No entanto, de acordo com a Organização Palestina de Saúde, existem três hospitais na Faixa de Gaza que foram completamente desativados e 25 que foram danificados.
É importante que, seja o Hamas, seja Israel, alguém seja responsabilizado por esta tragédia. Agora que ambos negam seu possível papel, no futuro não poderão declarar que o ataque foi resultado do um erro e assim justificá-lo. Não importa se a Frente de Resistência cometeu um erro na forma de uma operação de bandeira falsa ou por um problema no foguete, ou se Israel agiu de propósito para assustar o Hamas e o povo de Gaza, ou se houve algum erro no ataque. Descobrir a verdade é mais importante do que a própria verdade.
As posições em relação ao desastre
Talvez os EUA possam ser considerados o primeiro país depois de Israel que, embora expressando pesar pela ocorrência da tragédia, o presidente Biden negou o papel de Israel dizendo: “O Pentágono forneceu provas que mostram que Israel não atacou o hospital em Gaza. Se não confiasse no Departamento de Defesa dos EUA, eu não teria dito que Israel não foi responsável pela explosão do hospital. É claro que não estou dizendo que o Hamas bombardeou deliberadamente o hospital.”
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Por outro lado, vários países, com base nas informações que receberam ou com base em seu apoio ao Hamas, identificaram Israel como a causa do desastre. O Irã foi um dos primeiros. Além dele, o representante da África do Sul nas Nações Unidas, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia, o chefe da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Egito, o governo do Iraque e o Conselho de Cooperação do Golfo, que inclui oito países do Golfo Pérsico, e muitos outros, também condenaram Israel.
Alguns outros condenaram o desastre sem identificar a causa. O secretário-geral das Nações Unidas, o presidente do Parlamento Europeu, o primeiro-ministro do Canadá, o chanceler da Alemanha e muitos outros fazem parte deste grupo. O chanceler alemão disse ainda que é preciso saber quem provocou o bombardeio do Hospital Batista em Gaza. Este foi também o pedido do presidente do Parlamento Europeu.
Entretanto, a reação de Vladimir Putin foi diferente. Ele próprio é acusado de apoiar direta e indiretamente o Hamas no ataque a Israel, e diz-se que seu país tem inúmeros interesses nesta guerra. Sem identificar a causa do desastre, ele apenas expressou pesar.
A mídia no teste de honestidade e transparência
Sem dúvida, o que vemos hoje em dia nos protestos populares em todos os cantos do mundo é o resultado da informação midiática. Uma mídia que especulou e abordou o assunto antes de investigá-lo de forma independente. Alguns veículos sequer atuaram de forma profissional em sua função. Por exemplo, o New York Times mudou suas manchetes três vezes: 1) O ataque israelense matou centenas de pessoas num hospital; 2) Pelo menos 500 mortos num ataque a um hospital em Gaza; 3) Pelo menos 500 pessoas morreram na explosão de um hospital em Gaza.
O canal de notícias NBC também teve um comportamento contraditório. A NBC já disse em um de seus programas que os palestinos não têm uma arma que possa causar tal explosão e destruição.
Esta rede também publicou um artigo de Alexander Smith, Courtney Kube, Caroline Radnofsky e Anna Schecter. Eles escreveram que haviam consultado quatro especialistas militares e em munições. Um concordou com a avaliação dos EUA, que culpou os foguetes do Hamas pelo desastre, e três concordaram apenas que a causa da explosão não partiu de Israel. Os especialistas assistiram a trechos de mais de uma dúzia de vídeos e imagens do incidente no hospital e suas consequências, geolocalizados e analisados pela NBC News. Alguns disseram que as ruínas restantes não correspondem às armas que Israel utilizou recentemente.
O comportamento da rede do Catar, Al Jazeera, foi mais estranho. A Al Jazeera, cujo país desempenhou um papel complicado nas crises do Oriente Médio, como na Síria, afirmou que Israel utilizou um tipo especial de bomba capaz de causar milhares de estilhaços no ataque ao Hospital Batista. No entanto, a Al Jazeera transmitiu um vídeo mostrando que às 18h59 da noite de terça-feira, 10 foguetes foram disparados de Gaza em direção a Israel, e que um deles caiu no Hospital Batista de Gaza. Por outro lado, a equipe de pesquisa da Al Jazeera Digital disse que sua investigação segundo-a-segundo do incidente mostra que Israel atacou a vizinhança do hospital quatro vezes no período que antecedeu a explosão principal, uma das quais causou a tragédia que matou quinhentas pessoas! Esses ataques ocorreram às 18h54:28, 18h55:03, 18h57:42 e 18h58:03, sendo que o último levou ao desastre.
Tudo isto mostra que pessoas importantes e meios de comunicação da região devem cooperar para descobrir os fatos e que uma equipe de investigação independente, trabalhando sob a supervisão de instituições internacionais, deve examinar o assunto na presença de representantes das partes e informar os resultados à população do mundo. Uma boa organização internacional pode ser o Conselho de Segurança da ONU, que inclui países como os Emirados Árabes Unidos, que geralmente apoiam os palestinos.
Ontem, um oficial do Exército israelense afirmou, em entrevista ao canal de televisão Iran International, que a questão é tão clara que não precisa sequer ser investigada! Qualquer que seja a base deste argumento, é um erro, porque a questão está relacionada à paz e à segurança mundiais e é tão importante que não pode ser ignorada.
É óbvio que qualquer parte que obstrua ou não coopere na realização desta importante investigação deveria se preparar para responder à opinião pública dos povos do mundo.