O “conservadorismo saudável” de Vladimir Putin

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Painel de discussão no Valdai Discussion Club em 27 de outubro de 2016: Da esquerda para a direita, Tarja Halonen, ex-presidente da Finlândia; Vladimir Putin, presidente da Rússia; Heinz Fischer, ex-presidente da Áustria; Thabo Mbeki, ex-presidente da África do Sul; e Timothy Colton, presidente do Departamento de Governo da Universidade de Harvard (Serviço de Imprensa Presidencial da Rússia).

Por Rodrigo R. Pedroso*

Painel de discussão no Valdai Discussion Club em 27 de outubro de 2016: Da esquerda para a direita, Tarja Halonen, ex-presidente da Finlândia; Vladimir Putin, presidente da Rússia; Heinz Fischer, ex-presidente da Áustria; Thabo Mbeki, ex-presidente da África do Sul; e Timothy Colton, presidente do Departamento de Governo da Universidade de Harvard (Serviço de Imprensa Presidencial da Rússia).

O Clube de Discussões Valdai, fórum que reúne especialistas de diversos países interessados nos acontecimentos da Rússia para debates de alto nível – fundamental para compreender a política externa russa –, é amplamente ignorado no Brasil.


A mídia do Brasil é merecedora de críticas sob vários aspectos. Devo começar este artigo destacando mais um deles: a pouca ou nenhuma atenção que é dada às conferências anuais do Clube de Discussões Valdai, o mais importante foro de debates estratégicos naquela que é uma das duas maiores potências militares do planeta, a Rússia. Essa lacuna da imprensa no Brasil é particularmente grave, pois deixar de cobrir as discussões do Clube Valdai é sonegar ao público brasileiro um elemento essencial para a compreensão da política externa russa, o que obviamente prejudica uma análise objetiva dos fatos em nível internacional e o entendimento da situação geopolítica global.

O Clube de Discussões Valdai foi fundado em 2004, sob os auspícios de Vladimir Putin, com o objetivo de reunir os principais especialistas internacionais interessados nos acontecimentos da Rússia para debates de alto nível. Seu nome foi tomado do lago Valdai, a noroeste de Moscou, onde ocorreu a sua primeira conferência. Quando o Clube Valdai foi fundado, a responsável pela organização das conferências anuais era a agência de notícias oficial RIA Novosti. Em 2011, foi criada a Fundação para o Desenvolvimento e o Apoio ao Clube de Discussões Valdai, que se tornou responsável pela a organização do evento a partir de 2014.

As conferências do Clube Valdai ocorrem todos os anos, geralmente no outono europeu, que corresponde à primavera do nosso hemisfério Sul. Para cada conferência é escolhido um tema geral e sobre ele são realizados diversos painéis de debates. A simples leitura dos temas debatidos nas conferências de Valdai transmitem a importância e a complexidade dos assuntos que lá são tratados. A primeira conferência anual, em 2004, teve como tema “A Rússia na virada do século: esperanças e realidade”. Destacamos, a seguir, alguns temas dos encontros anuais: “Energia global no século XXI: o papel e a posição da Rússia” (2006), “A diversidade da Rússia para o mundo moderno” (2013), “Sociedades entre guerra e paz: superando a lógica do conflito no mundo de amanhã” (2015), “Mudança global no século XXI: o indivíduo, os valores e o Estado” (2021). Para ter-se uma ideia da riqueza dos debates, na conferência de 2015, foi organizado um painel com a participação de escritores e críticos literários russos para discutir a influência dos fatos históricos nos clássicos da literatura russa. Outros painéis têm foco em assuntos como religião, política ou questões militares.

Aproximadamente 150 especialistas participam dessas conferências anuais, entre professores e pesquisadores das principais universidades e centros de estudo mundiais. Mesmo críticos do governo russo são convidados. No final de cada conferência, os participantes têm a oportunidade de debater com a alta cúpula da classe política russa. Ministros de Estado, como Sergey Lavrov, participam regularmente dessas reuniões. O último painel de debates conta com a participação do presidente Vladimir Putin.


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Em seus discursos no Clube Valdai, Putin sempre ressaltou a necessidade de resgatar as raízes cristãs da Rússia. Na conferência de 2013, fez uma crítica devastadora à apostasia do Ocidente: “Podemos ver quantos países euroatlânticos estão atualmente rejeitando suas raízes, em especial, os princípios cristãos que constituem a base da civilização ocidental. Estão negando os princípios morais e todas as identidades tradicionais: nacionais, culturais, religiosas e até sexuais. Eles colocam em prática normas que igualam as famílias numerosas a casais do mesmo sexo, que igualam a fé em Deus com a fé em Satanás”.

Não obstante, em minha fraca opinião, o mais importante dos discursos de Putin foi o da conferência do ano passado, em que ele declarou que o governo russo se orienta por um “conservadorismo saudável”: “Ao formar nossas abordagens, nos guiaremos pelo conservadorismo saudável. Agora, quando o mundo passa por uma ruptura estrutural, a importância de um conservadorismo razoável como base para o curso político cresceu muito, precisamente devido à multiplicação dos riscos e ameaças e da fragilidade da realidade que nos rodeia”.

Putin é um homem reflexivo, que leu muito, coisa rara hoje em dia no mundo da política. Durante as perguntas e respostas que se seguiram ao discurso, Putin confessou ser admirador e leitor de Nikolai Berdiaev (1874-1948), filósofo cristão que fugiu da Rússia para a França, perseguido pelo regime soviético. Aliás, em seu discurso, Putin tampouco poupou críticas à Revolução Russa.

Em dezembro do ano passado, nosso presidente Bolsonaro, eleito com uma plataforma conservadora, aceitou o convite de Putin para visitar a Rússia no mês de fevereiro. Foi certeiro e assertivo em rejeitar as pressões para que desistisse da viagem. Fez o correto: parafraseando Machado de Assis, se a Rússia nos galanteou, o Brasil correspondeu ao galanteio. “Conjuguemos os nossos interesses e um pouco também os nossos sentimentos”. A cooperação internacional é um dos princípios constitucionais da política externa brasileira (art. 4º, IX, CF). E o Brasil tem muito a ganhar, em termos econômicos, políticos, culturais e militares, cooperando com a Rússia. Façamos votos que a visita presidencial a Moscou seja pródiga em bons frutos.


*Rodrigo R. Pedroso é advogado, formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em filosofia pela mesma universidade. Procurador da USP em virtude de concurso público desde 2009, exerceu o cargo de assessor especial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos na gestão da ministra Damares Alves.

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