As tensões Japão-Rússia sobre as contestadas ilhas do Pacífico se transformarão em guerra?

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O porta-helicópteros japonês JS Izumo participando de manobras no Indo-Pacífico em 2019. Esta embarcação está sendo convertida em porta-aviões para operar jatos F-35 (u/Smoke_Me_When_i_Die/Reddit).

O porta-helicópteros japonês JS Izumo participando de manobras no Indo-Pacífico em 2019. Esta embarcação está sendo convertida em porta-aviões para operar jatos F-35 (u/Smoke_Me_When_i_Die/Reddit).

Vazamento de rascunho do documento japonês mostra mudanças surpreendentes e supostamente usa uma linguagem forte contra a Rússia.


Anualmente, o Ministério das Relações Exteriores do Japão lança um Diplomatic Bluebook, um guia para as visões do governo sobre o mundo. O Kyodo News, um reputado serviço de notícias japonês, informou que o Bluebook de 2022 terá uma linguagem forte contra a Rússia. O relatório será lançado ao público antes do final de abril, mas os repórteres da Kyodo News tiveram acesso ao documento vazado. O texto que a agência de notícias viu ainda não passou pela aprovação final do governo do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida.

Duas mudanças surpreendentes aparecem neste rascunho. Primeiro, o Bluebook se refere ao controle russo sobre algumas ilhas ao norte de Hokkaido como uma “ocupação ilegal”. A última vez que um relatório anual usou essa frase foi em 2003. Então, o Bluebook apontou que o Japão “renunciou ao seu direito às Ilhas Curilas” no Tratado de Paz com o Japão de 1951, assinado em São Francisco (Capítulo II, Artigo 2 [c]); as ilhas eram então parte da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

No entanto, o Bluebook de 2003 dizia: “Nas Quatro Ilhas do Norte, a ocupação ilegal pela União Soviética e pela Rússia continua até hoje”. O Japão chama essas “Quatro Ilhas do Norte” de Etorofu, Habomai, Kunashiri e Shikotan (a Rússia as chama de “Curilas do Sul”: respectivamente, Iturup, Khabomai, Kunashir e Shikotan).

Em segundo lugar, o Bluebook de 2006 chamou as ilhas de “inerentemente japonesas”. Esta frase não tinha sido usada desde então, mas reapareceu no rascunho de 2022. Frases como “ocupação ilegal” e “inerentemente japonês” no relatório sugerem que as tensões entre Japão e Rússia certamente irão aumentar.

Sanções do Japão contra a Rússia

Em 24 de fevereiro de 2022, quando as forças russas entraram na Ucrânia, o ministro das Relações Exteriores do Japão, Hayashi Yoshimasa, divulgou um comunicado condenando a ação e exigindo que as forças militares russas retornassem ao seu território. No dia seguinte, o Japão, alinhado com seus parceiros do G7, anunciou medidas contra a Rússia. Estas incluíram o congelamento de ativos sediados no Japão de três bancos russos, o Bank Rossiya, o Promsvyazbank e o VEB (banco de desenvolvimento da Rússia). Pouco tempo depois, o Japão concordou com a posição da União Europeia de excluir sete grandes bancos russos (incluindo os três já sancionados pelo Japão) do sistema SWIFT. Esses quatro outros bancos são o Bank Otkritie, o Novikombank, o Sovcombank e o VTB.

Além disso, o Ministério das Finanças do Japão disse que impediria os principais bancos japoneses de fazer negócios com a maior instituição financeira da Rússia, o Sberbank. Três dos principais bancos do Japão – Mizuho Bank, MUFG e Sumitomo Mitsui Banking Corporation – têm uma exposição considerável dentro da Rússia, uma vez que forneceram financiamento de longo prazo para projetos de petróleo e gás natural; eles devem perder US$ 4,69 bilhões, 20% dos lucros líquidos anuais esperados desses bancos.

O Banco do Japão para Cooperação Internacional do governo japonês tem grandes investimentos em campos de gás e gasodutos russos (incluindo com o fundo soberano da Rússia, o Fundo de Investimento Direto Russo). Essa exposição trará problemas para seus balanços.

A Rússia retaliou colocando o Japão em sua lista de “países hostis”, cuja equipe diplomática deve ser reduzida e cujos cidadãos terão dificuldade em obter um visto para a Rússia.


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Dependência energética do Japão

Em 31 de março de 2022, quando seu governo prometeu sancionar os bancos russos, o primeiro-ministro japonês Kishida disse ao parlamento do Japão, a Dieta, que seu governo permaneceria envolvido com o projeto russo de gás natural e petróleo Sakhalin-2. Este projeto, disse Kishida, fornecerá ao Japão “suprimentos de GNL [gás natural liquefeito] de longo prazo, baratos e estáveis”. “É um projeto extremamente importante em termos de nossa segurança energética”, disse ele. “Nosso plano não é desistir.”

O governo do Japão possui uma parte significativa da Sakhalin Oil and Gas Development Co. (SODECO), que construiu e gerencia os projetos Sakhalin-1 e Sakhalin-2. Quatro dos investidores da Sakhalin-2 são a Gazprom (a empresa de energia russa), a Shell, e duas empresas japonesas (Mitsubishi e Mitsui). Cerca de 60% das 9,6 milhões de toneladas de GNL produzidas pelo Sakhalin-2, localizado na Ilha Sacalina (a cerca de 50 quilômetros da costa do Japão), são entregues ao Japão. O investimento japonês nos campos de petróleo de Sakhalin-1 tinha como objetivo reduzir sua dependência de petróleo bruto no Oriente Médio (atualmente 80% do petróleo do Japão vem do Golfo).

Em dezembro passado, o Banco do Japão para Cooperação Internacional fez parceria com bancos da China (China Development Bank e Export-Import Bank of China), bem como da Rússia (Gazprom Bank, Sberbank e VEB) para financiar o Projeto Arctic LNG 2 na Península de Gydan, na Rússia, no Mar de Kara (no Oceano Ártico). Quando esta planta entrar em operação, fornecerá 19,8 milhões de toneladas de GNL, o dobro da produção atual de Sakhalin-2.

A hesitação do primeiro-ministro Kishida em se afastar das importações de energia russa requer uma explicação. O Japão importa a maior parte de sua energia de outros países além da Rússia. Em 2019, o Japão importou 88% de suas necessidades de energia, principalmente combustíveis fósseis. Esses combustíveis vêm de vários países, que incluem Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos com 58% de seu petróleo bruto, Austrália com 65% de seu carvão e Austrália e Malásia com 40% de seu gás natural liquefeito.

A Rússia é um pequeno, mas importante fornecedor de petróleo bruto (9%), carvão (8,7%) e GNL (9%). Devido à proximidade dos combustíveis da Rússia e ao preço do gás russo no mercado spot, o custo total da energia russa é muito menor do que o da energia dos Estados do Golfo. Se o Japão parasse de importar GNL de Sakhalin-2, suas contas subiriam imediatamente entre US$ 15 e US$ 25 bilhões. Essa é a razão pela qual o primeiro-ministro Kishida se recusou a interromper as importações de energia da Rússia.

Se a Rússia cessará as exportações para o Japão ou se insistirá em que o comércio seja denominado em rublos, ainda é algo a ser confirmado (até agora, a Rússia apenas insistiu que o pagamento pela forma gasosa do gás seja feito em rublos).

Tensão no Mar de Okhotsk

Em 1956, a URSS e o Japão assinaram uma declaração que prometia resolver questões pendentes entre os dois países. A URSS concordou que entregaria duas das quatro ilhas (Habomai e Shikotan) “após a conclusão de um Tratado de Paz” entre os dois países. Nenhum tratado desse tipo foi concluído. Cada Bluebook das últimas décadas observa que essas pequenas ilhas formam “a questão mais importante nas relações Japão-Rússia”. O ex-primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, mais de 20 vezes, mas eles não conseguiram avançar.

Essas pequenas ilhas no Mar de Okhotsk permitem que a Rússia estenda suas águas territoriais até o Oceano Pacífico. É a partir dessas passagens que as frotas do Pacífico e do Norte da Rússia – respectivamente com sedes em Fokino e Severomorsk –, atravessam as águas cada vez mais importantes do Ártico e do norte do Pacífico (onde a Rússia convive com uma presença crescente da OTAN). A perda dessas ilhas seria uma questão não apenas de prestígio, mas também das ambições comerciais russas em suas águas do norte.

É improvável que essas ilhas atraiam os dois países para qualquer tipo de conflito além das sanções que o Japão impôs aos bancos russos. Mas estes são tempos perigosos, e é impossível adivinhar exatamente o que vem a seguir. Qualquer confronto acidental entre o Japão e a Rússia desencadearia o Artigo V do tratado de 1960 que o Japão assinou com os Estados Unidos; se isso acontecesse, seria uma catástrofe.


Este artigo foi produzido pela Globetrotter.


*Vijay Prashad é historiador, editor e jornalista indiano. É correspondente-chefe da Globetrotter, editor-chefe da LeftWord Books, diretor do Tricontinental: Institute for Social Research, e membro sênior não residente do Instituto de Estudos Financeiros de Chongyang da Universidade Renmin da China. Ele escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seu último livro é Washington Bullets.

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