Convergência entre Terrorismo e Crime Organizado: Uma Análise Estrutural sob a Ótica da Teoria dos Conjuntos

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Imagem meramente ilustrativa, gerada por inteligência artificial


Valmor Saraiva Racorti e Cássio Araújo de Freitas*

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A complexidade das ameaças híbridas emerge da convergência entre o crime organizado e o terrorismo; este artigo, explora essa interseção no chamado “Black Point”, onde o crime se politiza e o terrorismo se “mercadifica”, desafiando o Estado em múltiplas dimensões.


Introdução

A complexidade crescente das ameaças contemporâneas exige um olhar multidimensional sobre os fenômenos criminais. O crime organizado e o terrorismo, antes vistos como esferas distintas, passaram a apresentar padrões de convergência estrutural, cognitiva e econômica, configurando o que autores contemporâneos denominam ameaças híbridas.

Inspirado na Teoria dos Conjuntos, este artigo propõe uma leitura visual e conceitual sobre a interseção entre Terrorismo e Crime Organizado, identificando zonas exclusivas e uma área de sobreposição — o ponto de fusão denominado Black Point.

Nessa intersecção, o crime adquire discurso político, e o terrorismo, lógica de mercado, resultando em organizações capazes de desafiar o Estado tanto pela força quanto pela narrativa.

Base Teórica da Convergência

O conceito de Insurgência Criminal, formulado por John P. Sullivan (Los Angeles Sheriff’s Department), define a atuação de facções e cartéis como estruturas insurgentes voltadas à conquista de hegemonia territorial e legitimidade social, usando a violência não apenas para lucrar, mas para governar.

Alessandro Visacro reforça essa tese ao descrever o crime organizado brasileiro como um fenômeno estratégico de guerra irregular, no qual o poder armado e a narrativa se combinam para ocupar o vácuo deixado pelo Estado.

Para Visacro, “a guerra moderna não é mais pela conquista de território, mas pela conquista de influência”.

Sid Heal, referência mundial em doutrina policial, explica que o crime atual se comporta como um sistema adaptativo complexo, dotado de resiliência e capacidade de aprendizado. Já Max Manwaring alerta que a ausência de legitimidade governamental é o combustível que permite o surgimento de governos paralelos.

Mary Kaldor descreve as “novas guerras” como conflitos em que a linha entre o crime, a política e a guerra se dissolve. David Kilcullen, por sua vez, observa que as insurgências modernas são “conectadas” — sustentadas por redes digitais, economia ilícita e propaganda transnacional.

Estrutura dos Conjuntos: Crime, Terror e Intersecção

A Teoria dos Conjuntos aplicada à segurança pública permite representar graficamente a relação entre esses fenômenos:

• O Conjunto do Terrorismo é motivado por causas políticas, religiosas ou ideológicas, buscando desestabilizar governos e gerar medo coletivo;

• O Conjunto do Crime Organizado é orientado por fins econômicos, estruturado em redes empresariais ilícitas com comando, logística e governança paralela.

A zona de intersecção revela o Terrorismo Criminal ou Insurgência Criminal: o momento em que o discurso ideológico serve à estrutura de lucro, e o poder econômico sustenta a violência política.

Essa convergência cria o Black Point — ponto de simbiose entre ideologia, lucro e poder.

Exemplos incluem:

• O PCC, que adota retórica de “justiça social” para legitimar domínio territorial;

• O Cartel de Jalisco Nueva Generación (CJNG), que utiliza táticas militares e propaganda digital;

• As FARC dissidentes, que mantêm uma estrutura híbrida de guerrilha e narcotráfico.

Como define Sullivan, trata-se da terceira geração da guerra criminal, em que as facções passam de organizações ilícitas para atores político-militares com base social.


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Os Cinco Alicerces Estruturais do Sistema Criminoso

O modelo desenvolvido no âmbito do Comando de Policiamento de Choque da PMESP identifica cinco pilares de sustentação compartilhados por terroristas e criminosos organizados: economia, cultura, território, cognição e ação.

Economia Ilícita

É o alicerce material do sistema. Conforme Visacro, “sem poder econômico, não há poder armado”. Essa base compreende narcotráfico, contrabando, corrupção, lavagem de dinheiro e uso de criptomoedas. Sullivan e Bunker denominam esse fenômeno political armed crime, no qual o lucro financia o poder político e militar.

Cultura Ilícita

Corresponde à legitimação simbólica do crime. A hegemonia cultural é consolidada quando o criminoso é visto como herói popular e o Estado como opressor. A cultura ilícita se expressa em músicas, símbolos, gírias e redes sociais.

Mary Kaldor chama esse fenômeno de “guerra pela mente”, onde a vitória depende da capacidade de moldar percepções.

Território

Segundo Sullivan, o domínio territorial é o limiar entre criminalidade e insurgência. O controle do território permite impor normas, arrecadar tributos e substituir a autoridade estatal.

No Brasil, áreas sob domínio de facções funcionam como microestados criminais, com aparato social, logístico e coercitivo.

Cognição

Refere-se ao controle da narrativa. Sid Heal e Gordon Graham apontam que a guerra moderna é essencialmente cognitiva: vence quem controla a percepção coletiva. O crime opera campanhas de desinformação, vitimização e manipulação emocional, corroendo a credibilidade do Estado.

Ação Criminal

É a exteriorização operacional do sistema: execuções, atentados, ataques a bases policiais e sabotagens. Visacro denomina essa etapa “zona cinzenta da violência”, na qual o crime adquire táticas militares e o Estado precisa responder com ciência, não apenas força.

Da OrCrim ao Sistema Complexo

A Organização Criminosa (OrCrim) é apenas uma célula dentro de um ecossistema de poder paralelo. Esse sistema é composto por redes interconectadas — jurídicas, políticas, empresariais e comunitárias — que garantem resiliência e sustentabilidade. Manwaring resume: “a verdadeira ameaça é a perda da legitimidade, quando o cidadão passa a reconhecer no criminoso o provedor de ordem e segurança.

A criminalidade atual é, portanto, um sistema de governança criminal, capaz de operar em múltiplos níveis — do microterritório à economia transnacional — e de disputar corações e mentes.


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Implicações Estratégicas para o Estado

O enfrentamento das ameaças híbridas requer integração, inteligência e legitimidade. A simples repressão é insuficiente frente a sistemas que combinam narrativa, economia e territorialidade.

Medidas prioritárias incluem:

1. Unidade de Comando e Inteligência Integrada, conforme o Sistema Único de Segurança Pública (Lei 13.675/2018), com interoperabilidade entre forças federais, estaduais e municipais;

2. Gestão de Incidentes Híbridos, com adoção de doutrina ICS/NIMS, planejamento modular e comando unificado em operações complexas;

3. Doutrina de Contrainsurgência Urbana, como propõe Visacro, voltada a neutralizar as causas estruturais da criminalidade;

4. Operações Multidomínio, abrangendo os campos físico, informacional e cibernético;

5. Reforço dos Pilares Estatais — educação, presença policial qualificada e reconstrução da confiança social.

O verdadeiro centro de gravidade da guerra moderna não é o território, mas a legitimidade. O Estado precisa ser percebido como presente, confiável e justo, recuperando o monopólio simbólico da autoridade.

Conclusão

A convergência entre terrorismo e crime organizado revela a transformação das guerras contemporâneas em conflitos híbridos e cognitivos. O modelo da Teoria dos Conjuntos demonstra que esses fenômenos se entrelaçam em múltiplas dimensões econômica, cultural e informacional tornando o enfrentamento um desafio que transcende o campo policial.

O crime moderno é um sistema adaptativo de poder, sustentado por narrativas e pela economia ilícita. O terrorismo, por sua vez, é o braço ideológico desse mesmo sistema. Ambos buscam controle social e substituição da autoridade estatal.

Como sintetiza John P. Sullivan:

As redes criminosas contemporâneas são insurgências em andamento — e o campo de batalha é a mente, a rua e a comunidade.

E, conforme Visacro:

A guerra moderna não se trava por conquista de território, mas por influência. Quem domina o imaginário coletivo, domina o poder.

Referências Bibliográficas

SULLIVAN, John P. Criminal Insurgencies in the Americas: Reconsidering Counterinsurgency and Criminal Networks. Small Wars Journal, 2012.

VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular: Terrorismo, Guerrilha e Movimentos de Resistência ao Longo da História. Contexto, 2018.

HEAL, Sid. Field Command. Lantern Publishing, 2020.

MANWARING, Max G. The Complexity of Modern Asymmetric Warfare. University of Oklahoma Press, 2012.

KALDOR, Mary. New and Old Wars. Polity Press, 2013.

KILCULLEN, David. The Dragons and the Snakes: How the Rest Learned to Fight the West. Oxford University Press, 2020.

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