Por Valmor Saraiva Racorti e Adriano Enrico Ratti de Andrade*

A Cadeia de Sobrevivência é vital em ataques ativos, unindo resposta civil, policial, estabilização, transporte e cuidados; integrar estes elos, focando na rapidez e resiliência, minimiza fatalidades, transformando vítimas em sobreviventes.
Ataques ativos, caracterizados pela rápida evolução de violência intencional, exigem respostas imediatas e coordenadas para minimizar o número de vítimas fatais. A Cadeia de Sobrevivência em ataques ativos é um modelo que define cinco elos críticos (resposta civil, resposta policial, estabilização, transporte e cuidados definitivos) necessários para mover uma vítima em potencial para o status de sobrevivente.
Neste artigo exploramos cada elo da cadeia, destacando a sua importância, e como a aplicação eficaz e integrada desses componentes pode reduzir significativamente as Mortes Potencialmente Evitáveis (MPE). Além disso, analisaremos o papel da Engenharia de Resiliência (ER) na resposta a esses ataques, onde a capacidade de adaptação e monitoramento é essencial. Concluímos discutindo a importância do tempo como fator crítico em cada fase e sugerimos melhorias na política de resposta a ataques ativos.
Introdução
Ataque Ativo é um incidente crítico dinâmico em que um ou mais indivíduos estão ativamente motivados a matar indiscriminadamente o maior número possível de pessoas em determinado local, podendo fazer uso de quaisquer meios à sua disposição (RACORTI; ANDRADE, 2023).
São eventos violentos e inesperados que, em muitos casos, resultam em grande número de vítimas. Para responder adequadamente a esses incidentes, é crucial uma coordenação eficiente entre civis, policiais e equipes médicas, pois se trata de um incidente com grande compressão de tempo.
Um estudo conjunto entre a Universidade do Texas e o FBI, demonstrou que dos incidentes havidos nos EUA de 2000 a 2013, em que se pôde aferir a sua duração, verificou-se que 69,8% se encerraram em cinco minutos ou menos (BLAIR; SCHWEIT, 2014).

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Esse tipo de ocorrência geralmente não tem um padrão claro de seleção de vítimas, estando sujeitas a serem vitimadas todas as pessoas que se encontrarem no local alvo do ataque, ocorrendo, portanto, a seleção de um grupo, que o atacante julga como responsável pelas suas insatisfações. Neste caso o uso da violência é um fim por si só.
A modalidade de seleção de vítimas é o fator preponderante para diferenciá-lo de outros crimes violentos com resultado morte, tal qual a violência doméstica ou crime organizado relacionado com o narcotráfico, onde as vítimas são mais específicas. Nestes casos o uso da violência é um meio para um fim, que pode ser a consecução de uma vingança ou o domínio de uma facção rival, por exemplo, respectivamente.
A Cadeia de Sobrevivência em ataques ativos foi desenvolvida para estruturar a resposta a esses incidentes de maneira eficiente, conectando cinco fases ou elos interdependentes: resposta civil, resposta policial, estabilização, transporte e cuidados definitivos.
Este artigo tem como objetivos trazer a atenção para esta sensível e importante questão, analisar cada um desses elos e sua importância no contexto dos ataques ativos, com foco na redução das MPE, além de discutir como políticas de resposta mais rápidas podem melhorar as chances de sobrevivência.
A cadeia de sobrevivência: estrutura e função

A Cadeia de Sobrevivência é um modelo que organiza a resposta a ataques ativos em cinco fases ou elos, que precisam ser conectados para que a transição de vítima em potencial para sobrevivente seja bem-sucedida. Os elos são:
Parar a matança
Atuação Civil

Compreende as ações que civis ou vítimas em potencial tomam para se protegerem até a chegada da polícia. Isso inclui a fuga imediata do local atacado, a ocultação em local seguro de acesso negado ao atacante ou, em último caso, defender-se do atacante com os meios disponíveis. Civis bem treinados nestas medidas de autoproteção podem evitar se tornarem vítimas, interrompendo a escalada da violência.
Atuação policial

O segundo elo da cadeia envolve a chegada dos primeiros policiais ao local do ataque. Seu objetivo é neutralizar o atacante o mais rápido possível para evitar novas vítimas. Estudos indicam que a rápida intervenção policial é crucial para reduzir o número de fatalidades em ataques ativos (MYERS; DECARLO; DLUGOLENSKI, 2024).
Parar a morte
Estabilização

Depois do atacante ter sido confinado sem acesso às vítimas ou neutralizado, o foco muda para a estabilização das vítimas feridas. Essa fase inclui o uso de técnicas de atendimento pré-hospitalar (APH), como a aplicação de torniquetes para evitar hemorragias fatais. A literatura médica sugere que a estabilização precoce pode reduzir significativamente as Mortes Potencialmente Evitáveis (SMITH; JONES, 2020).
Transporte

O transporte rápido de vítimas para centros de trauma adequados é o próximo passo. Durante essa fase, as vítimas são movidas para instalações médicas que podem fornecer um nível de cuidado mais avançado, como cirurgias de emergência, necessárias para salvar vidas em casos de ferimentos graves.
Cuidados adequados

A fase final da cadeia refere-se ao atendimento médico definitivo, normalmente realizado em centros de trauma, onde os ferimentos mais graves podem ser tratados com intervenção cirúrgica. A eficiência dessa fase depende diretamente da rapidez com que os elos anteriores foram executados.
Mortes Potencialmente Evitáveis (MPE) e a importância do tempo

Pesquisas indicam que cerca de uma em cada seis mortes em ataques ativos são classificadas como Mortes Potencialmente Evitáveis (MYERS; DECARLO; DLUGOLENSKI, 2024).
São fatalidades que poderiam ter sido prevenidas com uma intervenção mais rápida ou eficaz. A Cadeia de Sobrevivência foi concebida justamente para minimizar essas mortes. Cada elo da cadeia deve ser ativado e conectado rapidamente, pois o tempo é o fator crítico em cada etapa.
Em ataques ativos, onde a situação evolui rapidamente, a rapidez da resposta civil pode evitar que mais pessoas sejam feridas. Da mesma forma, a intervenção rápida da polícia diminui o tempo de atuação do atacante. Estudos mostram que, em ataques que duram mais de cinco minutos, o número de vítimas fatais é significativamente maior (JOHNSON, 2019).
Além disso, uma estabilização eficiente, seguida por transporte ágil e cuidados definitivos, pode fazer a diferença entre a vida e a morte de uma vítima gravemente ferida.
A Engenharia de Resiliência como estrutura teórica
A Engenharia de Resiliência (ER) é uma estrutura teórica que pode ser aplicada à Cadeia de Sobrevivência, pois enfatiza a adaptação e a resposta flexível a situações inesperadas.
Segundo Hollnagel (2013), ER é definida como a “capacidade intrínseca de um sistema de ajustar seu funcionamento antes, durante ou após mudanças e perturbações, para que ele possa sustentar as operações necessárias sob condições esperadas e inesperadas”.
Em ataques ativos, a resiliência dos civis e socorristas está em sua capacidade de monitorar a situação e ajustar seus comportamentos rapidamente para mitigar os danos. A aplicação de ER na Cadeia de Sobrevivência destaca a importância de um treinamento contínuo para antecipar riscos e responder adequadamente a mudanças súbitas.

Integração das fases e políticas de resposta
Uma falha em qualquer dos elos da cadeia pode resultar em fatalidades que poderiam ser evitadas. Políticas mal calibradas que priorizam excessivamente a segurança dos socorristas, em detrimento da rapidez nas operações, podem custar vidas (MYERS; DECARLO; DLUGOLENSKI, 2024).
As diretrizes de resposta a ataques ativos devem considerar um equilíbrio entre a segurança e a eficiência das operações. A análise de dados de ataques anteriores mostra que a adaptação de políticas para aumentar a velocidade das operações, como a entrada rápida de policiais em zonas de risco, pode salvar muitas vidas (WILLIAMS, 2020).
Conclusão
A Cadeia de Sobrevivência é um modelo essencial para guiar as respostas a ataques ativos. Ela integra ações de civis, policiais e socorristas em uma sequência crítica de eventos, cada uma dependente do sucesso da anterior. A redução das Mortes Potencialmente Evitáveis depende da rápida ativação e integração de cada elo da cadeia.
O tempo, como fator crítico, deve ser o foco das políticas de resposta, com um equilíbrio cuidadoso entre velocidade e segurança. A aplicação da Engenharia de Resiliência complementa essa abordagem, ao enfatizar a adaptação e o monitoramento contínuo das situações em campo.
Em última análise, a Cadeia de Sobrevivência oferece um caminho claro para aumentar as chances de sobrevivência em ataques ativos, salvando vidas e minimizando fatalidades.
*Valmor Saraiva Racorti é coronel da PMESP e instrutor pela Universidade do Texas/Programa ALERRT. Comandou o Batalhão de Operações Especiais, que compreende o GATE e o COE. Realizou o Curso Preparatório de Formação de Oficiais em 1990-1991. Graduado em Direito pela UNISUL, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra”. Foi comandante de Pelotão ROTA no 1º BPChq de 1994 a 2006, Chefe Operações do COPOM em 2006, Oficial de Segurança e Ajudante de Ordens do Governador do Estado de 2007 a 2014, Comandante de Companhia ROTA no 1º BPChq de 2014 a 2016 e Comandante do GATE de 2016 a 2019. Atualmente, comanda dos Batalhões de Choque da PMESP. Já atuou em mais de 500 incidentes críticos.
*Adriano Enrico Ratti de Andrade é capitão da PMESP, instrutor pela Universidade do Texas/Programa ALERRT e instrutor de Tiro Defensivo na Preservação da Vida “Método Giraldi” desde 2006. É bacharel em Direito pela UNIBAN e especialista em Direito Público pela UNAR, bacharel e mestrando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Possui formação em Negociação de Crises com Reféns pela PMESP, Segurança Multidimensional em Fronteiras pela USP e Fundamentos para Repressão ao Narcotráfico e ao Crime Organizado pela UFSC. Foi comandante de Força Patrulha e Força Tática e Comandante de Companhia nos batalhões em que serviu. Atualmente integra o Departamento de Operações da Corregedoria PM.
Referências
BLAIR, J. P.; SCHWEIT, K. W. A study of active shooter incidents, 2000-2013. Washington: Texas State University and Federal Bureau of Investigation, 2014. Disponível em: https://www.fbi.gov/file-repository/active-shooter-study-2000-2013-1.pdf.
HOLLNAGEL, E. et al. Engineering resilience in systems. Boca Raton: CRC Press, 2013. ISBN 978-1409410355.
JOHNSON, M. Active shooter events and response times: a critical analysis. Journal of Emergency Management, 27(3), 112-125, 2019.
MYERS, D.; DECARLO, J.; DLUGOLENSKI, E. Stopping the active shooter: a multi-phase approach to reducing fatalities. Police and Public Safety Journal, 15(2), 45-63, 2024.
RACORTI, V. S.; ANDRADE, A. E. R. Ataques ativos: análise do fenômeno e propostas de atuação em amplo espectro. Velho General, 2023. Disponível em: https://velhogeneral.com.br/2023/04/07/ataques-ativos-analise-do-fenomeno-e-propostas-de-atuacao-em-amplo-espectro/.
SMITH, A.; JONES, B. Trauma response and the golden hour: maximizing survival rates. Trauma Care Today, 19(1), 88-96, 2020.
WILLIAMS, K. Policing in crisis: balancing speed and safety in emergency responses. Law Enforcement Quarterly, 34(2), 67-85, 2020.