Por Carlos Henrique Arantes de Moraes*
A crise de segurança no Equador e as ofertas de ajuda feitas por diversos países da região evidenciam que o narcotráfico é um mal que contamina o continente, exigindo respostas duras e bem coordenadas para um combate ao crime efetivo.
O presidente equatoriano Daniel Noboa decretou estado de exceção em todo o território nacional, no dia 8 de janeiro de 2024, diante da grave crise de segurança pública que o Equador vivenciou após a fuga de Adolfo Macías, líder do grupo criminoso “Los Choneros”, conhecido como Fito.
Uma série de eventos violentos, como sequestros de policiais e agentes penitenciários, a invasão de um canal de televisão e incursões de grupos armados em universidades, fizeram Noboa incrementar o estado de exceção, já no dia seguinte, com outro decreto executivo, reconhecendo a existência de um conflito armado em seu país. Além disso, identificou 22 grupos criminosos classificando-os como organizações terroristas, que passaram a ser objetivos militares para neutralização.
Vale ressaltar que a fuga de Fito ocorreu durante uma transferência das principais lideranças criminosas entre presídios. Essas transferências de lideranças encarceradas fazem parte de uma política de endurecimento ao enfrentamento do crime organizado. Inspirado nas ações do presidente Nayib Bukele de El Salvador, nesse curto espaço de mandato Noboa vinha dificultando aos principais líderes criminosos o exercício de sua influência.
De fato, antes de Noboa assumir o executivo, o Equador apresentou uma escalada de insegurança, marcada por altas taxas de homicídios. Segundo o Observatório Equatoriano do Crime Organizado (OECO), em 2023 o país registrou um recorde de 7.878 homicídios, em contraste com as 1.187 ocorrências em 2019. Atualmente, o país alcançou a posição de mais violento da América do Sul, com uma taxa de 45 homicídios por 100 mil habitantes. No campo externo ao Equador, identifica-se a internacionalização das organizações criminosas, sobretudo as de origem colombiana e mexicana. A crescente sofisticação desses grupos, exemplificados pelos Los Choneros, e seus vínculos com o Cartel de Sinaloa, do México, indicam uma dinâmica complexa, que não respeita fronteiras.
Obviamente que as ações de rechaço do governante impactaram no cotidiano da população como um todo. A Comissão de Desenvolvimento Econômico do Município de Quito; a Câmara de Comércio de Quito; empresas privadas como Construtoras Positivas, Associação de Restaurantes Pichincha (AGREPI) e Câmara de Pequenas e Médias Empresas de Pichincha (CAPEIPI) pediram que seja implementado um sistema adaptativo para aplicação do toque de recolher obrigatório e outras medidas no país, dependendo do contexto de cada território em relação à situação de cada cidade que permitem alargar horários e influenciar a recuperação econômica.
O governo brasileiro se ofereceu para enviar policiais ao Equador para apoiar investigações, trabalhos de inteligência e tarefas de segurança pública. O diretor-geral da Polícia Federal do Brasil, Andrei Rodrigues, enviou à Comunidade Policial da América (Ameripol), uma lista de propostas para apoiar o governo equatoriano. Entre as propostas está a abertura de um Adido Policial brasileiro em Quito, capital do Equador, para “fortalecer ainda mais a cooperação” entre os dois países, bem como o envio de agentes em missão “imediata”, embora o ofício não esclareça quantos. Além disso, as autoridades brasileiras estão dispostas a oferecer equipes de inteligência e cursos de formação em investigação e análise financeira para “descapitalizar” as organizações criminosas.
LIVRO RECOMENDADO:
Sistema de Gerenciamento de Incidentes e Crises
• Wanderley Mascarenhas de Souza, Márcio Santiago Higashi Couto, Valmor Saraiva Racorti e Paulo Augusto Aguilar (Autores)
• Em português
• Capa comum
A Argentina, por meio de sua ministra de Segurança, Patricia Bullrich, se posicionou de forma mais enfática. “Estamos dispostos a ajudá-los e a enviar forças de segurança, se necessário. (…) É uma questão continental. O que acontece no Equador, na Colômbia, no Peru, na Bolívia, influencia a Argentina”.
A declaração da ministra argentina se faz assertiva, na medida que os países latinos evidenciam incapacidade estatal de conter o avanço do tráfico de drogas. Ademais, a fragilidade institucional da região caracterizada pela corrupção torna ainda mais difícil o embate contra esses grupos criminosos.
Ainda que seja amplamente criticada a estratégia de enfrentamento frontal desses grupos, inclusive com o emprego das Forças Armadas, demonstra a manutenção da popularidade de Noboa. Inclusive, cabe destacar que Nayib Bukele foi reeleito em El Salvador com uma elevada margem de diferença para o segundo candidato presidencial, o que demonstra que a população aprova e concorda com essas ações, mesmo que gerem prejuízos aos seus cotidianos.
Como conclusão, ainda que o evento seja recente, é possível apontar que:
- O estado de Exceção e o reconhecimento de conflito armado interno foram prolongamentos de uma política de enfrentamento ao crime organizado. Não foram medidas estanques, mas sim uma resposta aos grupos criminosos que se mostraram inquietos com as ações que já viam sendo executadas pelo governo equatoriano;
- O evento confirma a caracterização da América Latina como ambiente dominado pelo narcotráfico. Não apenas países como Bolívia, Colômbia e México, a rigor mais divulgados, são dominados por grupos criminosos. Toda a região é impactada pela atividade ilícita;
- A cooperação entre os países latinos é de suma importância para o enfrentamento do tráfico de drogas, conforme apontou a ministra de Segurança da Argentina. Contudo, isso exige um amadurecimento político dos países em orientar suas políticas externas de forma mais pragmática e menos ideológica;
- O emprego das Forças Armadas no combate ao crime organizado pode ser útil, conforme demonstra a vontade popular dos países aqui verificados. Porém, essa ação não pode ser isolada, é essencial a coordenação de esforços, reformas internas e cooperação internacional para superar os óbices estruturais;
- Para o Brasil é bastante salutar o envio de um Adido Policial para a embaixada brasileira de Quito. É alta a probabilidade de organizações criminosas brasileiras estarem ligadas com os cartéis a serem combatidos. Além de alimentar o conhecimento da inteligência brasileira sobre o modus faciendi dessas organizações, a presença de um Adido Policial pode contribuir para a projeção brasileira sobre seu entorno estratégico.
*Carlos Henrique Arantes de Moraes é major do Exército Brasileiro, turma 2003 da AMAN. Realizou os cursos de Operações na Selva no CIGS, de Aperfeiçoamento de Oficiais na EsAO, de Comando e Estado-Maior do Exército na ECEME e Avançado de Inteligência na EsIMEx. Possui pós-graduação em Ciências Políticas pela Faculdade UNILEYA e mestrado em Ciências Militares pelo Instituto Meira Mattos (IMM) da ECEME.