O desastre do submarino Kursk

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O submarino nuclear russo Kursk em 1999 (Alexander Raube/TASS).

O submarino nuclear russo Kursk em 1999 (Alexander Raube/TASS).

O submarino da Marinha da Rússia, que afundou após duas explosões, foi batizado com o nome cidade de Kursk, onde em 1943 foi travada aquela que até hoje é considerada a maior batalha entre tanques da História.


No Mar de Barents, próximo à Murmansk, na costa da Rússia ocorreu, em 12 de agosto de 2000, o que é tido como um dos maiores acidentes submarinos em tempos de paz. Uma enorme explosão afundou o Kursk, submarino movido a energia nuclear da Marinha da Rússia, matando a maior parte da tripulação e deixando 23 sobreviventes a centenas de metros de profundidade. Os trabalhos de resgate, realizados inicialmente pela Rússia e depois por uma equipe internacional, não conseguiu chegar aos marinheiros a tempo de salvá-los.

“Carrier killer”

No período da Guerra Fria, uma das grandes preocupações da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) eram os porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos, tidos como plataformas capazes de lançar ataques aéreos nucleares contra o território russo, além de atuar como caçadores da própria frota de mísseis balísticos nucleares da URSS. Como resultado, a União Soviética investiu grandes somas de dinheiro em sistemas de armas destinados a caçar os porta-aviões americanos em uma possível guerra.

Os submarinos da classe Antey foram um desses sistemas de armas. Apelidados de “Oscar II” pela OTAN, são grandes embarcações movidas a energia nuclear projetadas para neutralizar grandes navios, em particular os porta-aviões. O Oscar II tem 154 metros de comprimento (508 pés), boca de mais de 18 metros (60 pés) e desloca 19.400 toneladas, o dobro da tonelagem de um destroier classe Arleigh Burke, por exemplo. Para conseguir acompanhar os porta-aviões americanos que, movidos a energia nuclear, são navios muito velozes, os submarinos soviéticos são propulsionados por dois reatores nucleares OK-650 que, juntos, fornecem 97.990 cavalos de potência. Tanta potência lhes permite alcançar a velocidade máxima, quando submersos, de 33 nós (cerca de 61 km/h).

Os Oscar II transportam grandes mísseis. Cada um deles carrega 24 mísseis P-700 Granit, do tamanho de um pequeno avião, com cerca de 10 metros de comprimento e pesando quase sete toneladas (15.400 libras). O P-700 tem velocidade máxima de Mach 1,6 (cerca de 1.945 km/h), e alcance de 620 km. Um míssil Granit pode carregar uma ogiva convencional de 1.653 libras (quase 650 quilos, o suficiente para danificar um porta-aviões) ou uma ogiva de 500 quilotons (suficiente para vaporizar um porta-aviões em um único impacto). O K-141, batizado de Kursk, foi um dos 16 submarinos Oscar construídos.

Exercício fatídico

O Kursk foi concluído em 1994 e integrado à Frota do Norte da Rússia, sediada em Murmansk. Em 12 de agosto de 2000, o Kursk zarpou para participar de um exercício de frota, juntamente com o porta-aviões Almirante Kuznetsov e o cruzador de batalha Pyotr Velikiy. O Kursk estava totalmente armado, com mísseis Granit e torpedos Tipo 65-76A e, como parte das operações programadas, deveria simular um ataque ao Almirante Kuznetsov.

Às 11h20, horário local, uma explosão subaquática abalou a área dos exercícios, seguida, dois minutos depois, por outra explosão ainda mais forte. Uma estação de monitoramento sísmico norueguesa registrou ambas. Um relato russo afirma que o cruzador de batalha Pyotr Velikiy, com 28.000 toneladas de deslocamento, balançou já na primeira explosão. O Kursk afundou a mais de 100 metros (354 pés) em um ângulo vertical de 20 graus.

O comando naval russo esperou muito tempo antes de lançar uma operação de resgate e, devido às tensões com o Ocidente, chegou a recusar ofertas de assistência internacional. Inicialmente a Marinha Russa procurou minimizar o acidente, e o então comandante da Frota do Norte, almirante Vyacheslav Popov, só ordenou a primeira busca pelo submarino nove horas após o naufrágio. O Kremlin foi informado do afundamento apenas doze horas depois do acidente, e o então ministro da Defesa, Igor Sergeyev, só notificou o presidente Vladimir Putin às 07:00 da manhã do dia seguinte.

Os russos enviaram diversos minissubmarinos que tentaram se conectar à escotilha de escape do submarino, sem sucesso. Cinco dias depois, o governo russo finalmente autorizou a ajuda estrangeira e mergulhadores noruegueses conseguiram abrir a escotilha, mas já era tarde demais: todos os 118 membros da tripulação estavam mortos.

O acidente abalou a população russa e Putin foi muito criticado pela forma com que seu governo e o alto comando da Marinha lidaram com a situação.

Teorias

Na segunda-feira, 14 de agosto de 2000, o comandante da Marinha da Rússia, almirante Vladimir Kuroyedov, afirmou que o acidente foi causado por uma colisão grave com um submarino da OTAN, embora não tenha fornecido evidências para apoiar sua declaração.

No final de agosto, uma comissão do governo encarregada de investigar o acidente anunciou que a causa provável foi um “forte ‘impacto externo dinâmico’ correspondente ao ‘primeiro evento’”, provavelmente uma colisão com um submarino estrangeiro ou um grande navio de superfície ou colisão com uma mina da Segunda Guerra Mundial. A comissão disse que o exercício foi monitorado por dois submarinos americanos, o USS Memphis e o USS Toledo, e pelo submarino britânico HMS Splendid.


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O secretário de Defesa dos EUA à época, William S. Cohen, respondeu às acusações de colisão em uma coletiva de imprensa em Tóquio em 22 de setembro, afirmando que as embarcações americanas não tiveram nenhum papel no acidente.

Em 25 de outubro, com o inquérito oficial ainda em andamento, o almirante Popov disse em entrevista ao jornal espanhol El Mundo que o Kursk colidiu com um submarino da OTAN que acompanhava o exercício. Ainda em 25 de outubro, o almirante Kuroyedov afirmou que tinha “80% de certeza de que o acidente foi causado por uma colisão” com um submarino estrangeiro. Em 5 de novembro, um porta-voz da Frota do Norte disse à rede de TV russa NTV que o naufrágio foi causado por uma colisão. O chefe do Estado-Maior e vice-comandante da Frota do Norte, almirante Mikhail Motsak, reafirmou a hipótese de colisão em 17 de novembro ao jornal russo Izvestia. A Marinha russa divulgou imagens de satélite do submarino americano Memphis atracado em uma base norueguesa em Bergen logo após o acidente e alegou que isso provaria que o submarino havia emergido para reparos, mas a autenticidade das fotos nunca ficou clara.

Em oposição à teoria da colisão, uma diretriz dos exercícios exigia que submarinos russos permanecessem dentro de uma área específica. Este protocolo destinava-se a eliminar a possibilidade de colisão e facilitar que navios russos detectassem a presença de submarinos espiões na área.

Mais tarde, o inquérito da Marinha russa determinou que um dos torpedos Tipo 65-76A havia explodido. De acordo com a investigação, a explosão provavelmente foi causada por uma solda defeituosa que não conseguiu manter a integridade da câmara de combustível de peróxido de hidrogênio. Apesar de não ser inflamável, o peróxido de hidrogênio pode causar fogo e explodir quando aquecido ou em contato com determinados combustíveis e metais.

A sequência de eventos, provavelmente, pode ter sido a seguinte: um vazamento de peróxido de hidrogênio teria iniciado um incêndio, que por sua vez detonou a ogiva explosiva de 900 libras (cerca de 400 kg) do torpedo Tipo 65-76A. Isso provavelmente iniciou a abertura no casco acima do compartimento de torpedos. A segunda explosão, relatada como sendo muito mais forte do que a primeira, teria sido a detonação dos demais torpedos do submarino.

Recentemente, em entrevista à RIA Novosti em novembro de 2021, o almirante Popov, já aposentado, voltou a afirmar que o Kursk colidiu com um submarino ocidental. No entanto, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, recusou-se a comentar a afirmação de Popov e fez referência à investigação oficial que concluiu que a causa da catástrofe foi o combustível que vazou de um torpedo defeituoso.

Surgiu também uma teoria pela qual o submarino teria colidido contra o fundo do mar, o que fez com que as armas explodissem. No entanto, a teoria mais concreta, e concluída pela investigação oficial, é que o peróxido de hidrogênio do torpedo desencadeou a primeira explosão, que por sua vez levou à segunda. O impacto de ambas variou na escala de força TNT, com a primeira explosão liberando cerca de 100-250 kg de força TNT e a segunda liberando cerca de 3-7 toneladas de força TNT. Na escala Richter, a densidade da primeira explosão chegaria a 2,2 graus, enquanto a segunda seria de cerca de 3,5 a 4,4 graus.

Carta devastadora

As explosões mataram imediatamente 95 membros da tripulação, enquanto os 23 restantes lutaram por suas vidas em um compartimento antes de sucumbir. Um dos oficiais do navio, o tenente Dmitry Romanovich Kolesnikov, de 27 anos, deixou uma carta datada de cerca de duas horas após a segunda explosão. A recuperação da carta foi uma indicação firme de que alguns dos marinheiros permaneceram vivos por pelo menos algumas horas após o desastre. Fragmentos da mensagem de Kolesnikov contaram um pouco da luta pela vida dos submarinistas, dizendo que os 23 sobreviventes se reuniram em um compartimento na popa, na esperança de sair pela escotilha de escape. “Estou escrevendo às cegas”, escreveu ele. “São 13h15. Todo o pessoal das seções seis, sete e oito foram para a seção nove. Há 23 pessoas aqui. Tomamos essa decisão porque nenhum de nós pode escapar”.

Após a catástrofe, acreditou-se que os membros da tripulação que sobreviveram à explosão poderiam estar vivos por cerca de três dias, mas a investigação finalmente concluiu que todos morreram de envenenamento por monóxido de carbono por volta de oito horas após as explosões, portanto muito antes que qualquer ajuda pudesse chegar. Os destroços do submarino foram recuperados em 2001 e levados aos estaleiros submarinos da Marinha russa em Roslyakovo.

Em 2007, o jornalista Robert Moore, com base em entrevistas com oficiais russos e visita à base submarina de Murmansk, lançou o livro A Time to Die, contando a história do desastre. O livro foi adaptado para o cinema em 2018 no filme Kursk: A última missão, dirigido por Thomas Vinterberg e estrelado por Matthias Schoenaerts, Léa Seydoux, Peter Simonischek, August Diehl, Max von Sydow e Colin Firth. Foi o último filme de von Sydow antes de sua morte em 2020.

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1 comentário

  1. Excelente descrição dos fatos. Se não exatamente como tudo se sucedeu ou bem próximo da realidade daquele terrível acidente.

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