A exata mensagem da manobra conjunta entre Rússia, China e Irã

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Forças navais do Irã, Rússia e China realizaram exercícios conjuntos em grande escala na parte norte do Oceano Índico no início de 2023 (Agência de notícias IRNA).

Forças navais do Irã, Rússia e China realizaram exercícios conjuntos em grande escala na parte norte do Oceano Índico no início de 2023 (IRNA).

Com observadores do Paquistão e Cazaquistão, foi realizado o exercício Cinturão de Segurança Marítima 2023 no Oceano Índico e Mar de Omã com duração de três dias e participação de unidades navais do Irã, China e Rússia, incluindo a fragata russa Admiral Gorshkov e o destroier chinês Nanning.


Esta não é a primeira vez que as forças armadas iranianas realizam um exercício conjunto. O último exercício naval do Irã com a participação de China e Rússia foi realizado no início de fevereiro de 2022 no norte do Oceano Índico sob o título “Maritime Security Belt Compound Exercise 2022”. A primeira manobra naval conjunta dos três países havia sido realizada há quatro anos, durante quatro dias, no mar de Omã e no oceano Índico. Isso apesar do fato de que, há alguns meses, um exercício militar conjunto entre Irã, Rússia e China ter sido realizado nas águas territoriais da Venezuela. Este exercício, sob liderança da Rússia, começou em 13 de agosto e continuou por duas semanas até 27 de agosto de 2022.

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, que agora assiste os Estados Unidos em uma virada intangível da diplomacia, saudou a realização de uma grande manobra conjunta do Irã, Rússia e China no noroeste da Venezuela e a descreveu como “um desafio para a América”. Os EUA consideram o Caribe, a América Central e a América Latina como seu quintal tradicional com base na doutrina “Monroe”. Ao longo de sua história, os EUA sempre tentaram influenciar esses países como potência ao norte. Além disso, muitas vezes desempenharam um papel nos golpes militares desses países. Esta manobra conjunta, denominada “Border Sniper”, foi realizada pela primeira vez nas últimas décadas pelos mais importantes “países antiamericanos” perto de suas fronteiras e exatamente um dia após a manobra do Comando Sul dos EUA.

Irã e relações de segurança no Golfo Pérsico

O Irã, que possui o maior litoral do Golfo Pérsico e do Mar de Omã, sempre foi o principal eixo de segurança do Golfo Pérsico. Analistas acreditam que os Estados Unidos, com ajuda de aliados, buscam equilibrar a segurança da região. Em outras palavras, os EUA querem mudar o sistema de segurança no Golfo Pérsico por meio de seus aliados. O papel central do Irã muda esta ordem, que, como resultado da presença da coalizão naval apoiada pelos EUA, visa alterar o equilíbrio político e militar do Golfo Pérsico, pendendo em favor dos Estados Unidos.

Por isso é importante a presença da China e da Rússia ao lado do Irã: até aqui, esses países praticamente não desempenham nenhum papel na região marítima mais rica em petróleo do mundo. Na verdade, o Irã está realmente tentando criar uma transformação no Golfo Pérsico jogando com a China e com a Rússia. A mídia também publicou análises com esta perspectiva. O jornal transregional RaiAlyoum, referindo-se à manobra naval do Irã, Rússia e China, escreveu: “Esta cooperação entre os três países envia uma mensagem clara e desafiadora ao governo dos Estados Unidos e é um sinal significativo do surgimento de uma nova aliança entre Teerã, Pequim e Moscou, que é considerada em confronto com a América e suas políticas na região e no mundo.” Ao mesmo tempo, o jornal estatal chinês Global Times também escreveu em um artigo: “Esta manobra conjunta mostra que China e Rússia, como duas potências mundiais, apoiam o Irã e o acordo nuclear após a retirada dos Estados Unidos. Esses três países, Irã, Rússia e China, estão enfrentando sanções devido a disputas, em alguns casos, contra os EUA.”

As crescentes medidas punitivas dos Estados Unidos exigem uma coordenação tripartite entre esses países, chegando ao nível militar, e essas três potências estão demonstrando suas capacidades militares em uma região vital e sensível por meio de uma manobra naval.

A Associated Press também escreveu: “A China despachou o destroier de mísseis guiados Nanning para participar de exercícios focados em busca e salvamento no mar e outras missões não relacionadas a combate. A China mantém sua única base militar estrangeira com um estaleiro naval no Djibuti, nação do Chifre da África, do outro lado do Mar de Omã”. A Fox News também escreveu: Três inimigos dos Estados Unidos estão se unindo para participar de exercícios navais que começam na quarta-feira e continuam até 19 de março. O Wall Street Journal também escreveu: “A crescente cooperação entre os três países é um desafio aos interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio.” Este jornal americano acrescentou: “O poderoso papel de Pequim no Oriente Médio cria novas complicações para os EUA, que estão tentando reduzir seu foco na região para voltar sua atenção para a China e a Rússia.” A mídia sionista Jerusalem Post também escreveu: “Enquanto a Rússia, o Irã e a China realizam manobras navais, Putin está recebendo o presidente sírio, Bashar al-Assad, em Moscou.” Esta mídia continuou: “Esta manobra de vários dias é um símbolo importante das relações entre China, Rússia e Irã e como a região está mudando.”

Mas o fato é algo mais! Uma mudança nas relações de segurança no Golfo Pérsico pode ser pensada como tendo começado antes dessa manobra com a convergência entre Irã e Arábia Saudita, e agora com as inúmeras viagens de diplomatas iranianos aos Emirados Árabes Unidos e ao Iraque. O estabelecimento de voos diretos entre o Irã e o Bahrein depois de anos e as negociações com o Egito depois de décadas também são outros sinais dessa mudança. Mas esta é apenas a aparência do case, e o que está em seu interior pode ser diferente do que está à mostra. Tal como a última manobra conjunta, esta não só não teve uma abordagem controversa, como foram realizados basicamente exercícios regulares como tiro à superfície, salvamento e socorro marítimo, combate a incêndios e combate à pirataria.


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Do ponto de vista de dois países, Rússia e China, este exercício tem uma mensagem de convergência na região e visa aumentar a cooperação científica das suas forças armadas. De modo que a agência de notícias Reuters apontou para as declarações do ministro da Defesa da China a esse respeito e escreveu: “Este exercício ajudará a aprofundar a cooperação prática entre as marinhas dos países participantes.” De acordo com a declaração do Ministério da Defesa da Rússia, esta manobra conjunta “ajuda a desenvolver a cooperação entre as forças navais dos países participantes e aumentar a prontidão conjunta para garantir a segurança marítima e também criar energia positiva para a paz e estabilidade regional”.

A verdadeira mensagem do exercício é diminuir a tensão entre os países da região e declarar que não há necessidade da presença de países distantes no Golfo Pérsico. Esta mensagem pode realmente reduzir a possibilidade de guerra e conflito em uma parte do mundo que esteve envolvida em guerras e derramamento de sangue por décadas, o Oriente Médio; a região do petróleo, a região do fratricídio muçulmano.

Um olhar diferente sobre o assunto

Apesar do fato de que o governo iraniano finalmente voltou-se para a desescalada com os países árabes, alguns meios de comunicação e até mesmo pensadores dizem que a cooperação do Irã com a Rússia e a China se deve apenas a mudanças nas relações de segurança regional e para limitar os EUA e seus aliados no Golfo Pérsico.

Apontando que a China pode em breve propor uma nova aliança militar anti-AUKUS, a revista Forbes escreveu: “Se o Irã também se envolver, a tecnologia dos submarinos nucleares russos pode se espalhar para os oceanos Índico e Pacífico e para o Oriente Médio e Europa.” O AUKUS é um acordo militar tripartite entre Austrália, Reino Unido e EUA. Assim, a resposta diplomática da China ao tratado está se tornando mais clara a cada dia.

Anteriormente, o think tank estratégico Stimson também escreveu em uma análise das relações militares entre o Irã e a Rússia: “Embora os Acordos de Abrahão tenham sido concluídos antes do ataque russo à Ucrânia, foram um fator na decisão do Irã de fortalecer suas relações militares com Moscou. Os acordos também tiveram um sério impacto no pensamento estratégico do Irã. O Irã busca superar o déficit de equilíbrio causado pela ordem emergente dos árabes, de Israel e dos Estados Unidos com a aquisição de novas armas, como mísseis supersônicos e caças Sukhoi-35. O Irã também está tentando aumentar sua ‘profundidade estratégica’ expandindo sua influência em áreas próximas aos EUA, como a América Latina.” Este think tank também escreveu que: “aumentar a cooperação militar com a Rússia e as relações econômicas com a China estão entre as respostas do Irã para mudar a ordem global e regional.”

Na análise do Stimson, falou-se dos Acordos de Abrahão, uma declaração conjunta do regime sionista, dos Emirados Árabes Unidos e dos Estados Unidos, concluída em 13 de agosto de 2020. Este termo também é geralmente usado para se referir aos acordos de paz entre o regime sionista e outro país árabe. Até aqui, muitos países árabes iniciaram relações diplomáticas com Israel sob este acordo. Seja qual for a motivação do Irã na manobra trilateral, o fato é que o governo iraniano deve desacelerar para superar as pressões internas (causadas por protestos populares) e externas (causadas por sanções), mesmo que isso seja contrário à política estrangeira do atual governo iraniano.

Quem conhece Israel e seu principal apoiador, os Estados Unidos, sabe o quanto a chegada ao poder do atual regime do Irã em 1979 beneficiou indiretamente Israel.


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Em 1979, Israel estava politicamente isolado na região. Todos os países árabes e seus vizinhos cortaram relações com ele ou eram seus inimigos. Além da famosa guerra árabe-israelense de seis dias em 1973, os países árabes lutaram com Israel mais três vezes: em 1948 (conhecida como a Guerra da Independência de Israel), em 1956 (durante o tempo de Gamal Abdel Nasser no Egito – no caso da nacionalização do Canal de Suez) e, finalmente, em 1973 (devido ao ataque surpresa dos árabes no leste do Canal de Suez e nas colinas de Golã).

Mesmo em 1978, quando o então presidente do Egito, Anwar Sadat quis restaurar as relações do Egito com Israel assinando o Acordo de Camp David, enfrentou oposição dos países árabes. Camp David foi o acordo assinado por Sadat e Menachem Begin, então primeiro-ministro de Israel. O Acordo de Camp David foi finalizado após 12 dias de negociações secretas com mediação dos Estados Unidos em Camp David, um dos resorts presidenciais nos EUA, e em 17 de setembro de 1978 foi realizada a cerimônia de assinatura final na Casa Branca, com a presença do então presidente americano Jimmy Carter.

Camp David foi o primeiro tratado de paz entre uma parte árabe em guerra e Israel. Anwar Sadat foi o primeiro presidente de um país parte da guerra árabe-israelense que fez as pazes com Israel e reconheceu este país. Esse acordo, criticado nas Nações Unidas, foi contestado pelos demais países árabes. Por esta razão, o Egito foi expulso da Organização da Conferência Islâmica e da Liga Árabe. Anwar Sadat apostou sua vida neste acordo e foi assassinado cerca de três anos depois durante uma parada militar por membros do grupo egípcio Jihad Islâmica.

Este episódio mostrou a Israel e à América que a melhoria das relações árabe-israelenses não é possível tão facilmente. Talvez por isso, com a revolução e ascensão de extremistas no Irã, houvesse um ambiente propício para resolver o problema entre Israel e os árabes. As facções radicais do Irã, que falavam em eliminar Israel, gradualmente levantaram a questão de exportar a revolução para os países islâmicos, e isso fez com que Israel e os Estados Unidos se voltassem para disseminar uma fobia anti-Irã entre os países árabes. Durante o regime anterior, o Irã foi o primeiro país a concordar com o acordo Camp David, mas tornou-se um país cujo governo falava sobre a eliminação de Israel e, com a política de profundidade estratégica, também buscava a presença de forças proxies em seus muitos países árabes vizinhos. Essa estratégia, muitas vezes contestada pela opinião pública iraniana, permitiu a Israel convencer os países árabes de que podiam contar com o apoio de Israel para enfrentar a ameaça iraniana.

Talvez esta análise seja nova para você, e até agora você tenha pensado como todas as análises que apresentam os Acordos de Abrahão como uma necessidade para os países árabes e até agora você não tinha se dado conta de que não só existem história, religião e cultura comuns entre os povos do Irã e dos países árabes, mas também há um ideal comum (a liberdade da Palestina). A iminente aliança militar dos países árabes com Israel, à qual já me referi como a “OTAN árabe” em outro artigo sobre este assunto, é um dos resultados dessa “fobia iraniana”. O papel dos extremistas iranianos, cujo comportamento na prática, ao contrário dos slogans, tem estado de acordo com os interesses de Israel, não pode ser ignorado. Outro resultado da fobia ao Irã é que os países árabes começaram, um a um, a normalizar suas relações com Israel.

A fobia ao Irã também resultou em inúmeros benefícios econômicos para os EUA, Israel, Rússia e China. A venda de armas e equipamentos militares para os dois lados dessa disputa, a compra de petróleo a prestações com grandes descontos e, finalmente, o não reembolso do petróleo comprado são alguns desses interesses. Talvez o memorando de entendimento de 25 anos entre o Irã e a China possa ser considerado como resultado dessas condições. Talvez o presidente Trump também tenha se referido à Arábia Saudita como uma vaca leiteira com base nesses benefícios.

O que põe em risco os interesses americanos na sensível região do Golfo Pérsico é muito mais a convergência do Irã com os países árabes do que as manobras trilaterais. A desescalada na região pode reduzir os interesses econômicos das superpotências e colocar os governos árabes em oposição a Israel devido à opinião pública de seu povo em relação aos palestinos. Lembremos que os povos dos países árabes são árabes, tal como os palestinos, enquanto os iranianos não são considerados uma nação árabe.

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