“Social Learning”: o método americano de formatação cultural de elites estrangeiras

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Investig’Action.

Por Éric Denécé*

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Breve visão de um assunto de discussão delicada de tão difuso, impalpável, e arraigado em nossos cérebros, tomados a ponto de sequer percebermos: a lenta conquista, pelos Estados Unidos, dos territórios mentais europeus e especialmente latinos.


A influência americana não se exerce apenas em torno de padrões legais e éticos desenvolvidos em organizações internacionais. Também afeta um espectro mais amplo, o das normas socioculturais, a formação intelectual das elites e o condicionamento dos estilos de vida do consumidor. Na competição econômica, na era da informação, do conhecimento e da multimídia, ganha quem impõe seus conceitos e ideias muito à montante. No mundo globalizado, qualquer nova “ideia”, paradigma ou slogan é imediatamente arrebatado nos quatro cantos do planeta, e seu impacto é tão duradouro quanto multiplicado por uma campanha de mídia. Esse fenômeno multiplica os movimentos de moda e provoca identificação com o ambiente que o gerou, que se torna, de fato, a referência essencial.

No entanto, as normas socioculturais condicionam os comportamentos e o estilo de vida de uma nação, que influenciam os consumidores e moldam a atividade econômica. Assim, por trás dos filmes, séries e clips, a priori não tendo outro propósito senão o de entreter, surge a promoção do estilo de vida que lhes deu origem. Isto tem enormes impactos em termos culturais, mas também políticos, sociais e econômicos. Qualquer agente econômico que pretenda entrar em novos mercados deve assim criar e impor seus conceitos, porque representam uma vantagem competitiva. Uma técnica atende a esse objetivo, de estabelecer um padrão intelectual, de definir um referencial social: o Social Learning (“aprendizagem social”) – que poderia ser traduzido como Formatação Cultural.

A técnica de Social Learning: conquista de territórios mentais

Social Learning é um método de conquista de mercados baseado na imposição de formas de pensar. Seu objetivo é a conquista de territórios mentais. Procede-se à formatação intelectual dos executivos e tomadores de decisão de um país-alvo, tomando assim, por meios indiretos, o controle de seu referencial de raciocínio e direcionando-os naturalmente para comportamentos precisos… o que os leva a transformá-los em quase- clientes garantidos do país por trás dessa operação de influência altamente elaborada.

O alvo são os centros de decisão ou de referência de uma nação – autoridades administrativas, políticas, econômicas, culturais, esportivas, musicais, etc. – ter poder de decisão, influência ou formação sobre o resto da comunidade. Esta manobra encaminha legitimamente os públicos-alvo para a oferta que se esconde por trás deste aparentemente inócuo processo formativo.

Através do Social Learning, os atores econômicos procuram assumir o controle de um mercado à montante, moldando os seus gostos e necessidades – até mesmo condicionando-os – e depois impondo-lhe seus produtos, que parecem responder naturalmente às suas expectativas. Trata-se de adaptar, por vezes com muita antecedência, o cliente à sua oferta, de destruir a da concorrência, mas também de substituir a influência política e cultural do seu Estado pela do adversário.

A influência do estilo de vida no mundo dos negócios é fundamental. Tradições e culturas continuam a moldar o ambiente político e regulatório em que os contratos são assinados. A imposição de novas normas culturais destinadas a condicionar o estilo de vida de um determinado país pode ser feita de diversas formas. Escolhemos três das ilustrações mais comuns: educação, linguagem e cinema.

Educação: da escola às escolas de negócios

O Social Learning baseia-se principalmente na formação de futuras elites. Para fazer isso, usa os efeitos combinados de cultura, conhecimento e psicologia para levar os futuros tomadores de decisão a pensar de acordo com um determinado padrão iniciado pelo influenciador. Por meio da educação, as ideias estão gradativamente sendo formatadas no modelo americano em um bom número de países europeus.

A tradição universitária anglo-saxônica é identificar entre os estudantes estrangeiros aqueles que amanhã constituirão as elites de seu país e promovê-los. São acompanhados, treinados, apoiados e favorecidos, estabelecem-se laços duradouros com eles, mantidos quando regressam ao seu país. Da mesma forma, em todas as escolas de negócios do mundo, os MBAs se tornaram referência e as consultorias e auditorias anglo-saxônicas, que personificam o padrão em administração, atraem a cada ano mais jovens formados.

Assim, fica mais fácil vender – ou fazer vender – produtos americanos para ex-alunos de escolas de negócios do outro lado do Atlântico, acostumados com o American way of life. A formação profissional, setor estratégico, em particular para os países recém-industrializados, também permite estas conivências.

Língua, um poderoso ativo comercial – e político

Os movimentos de internacionalização das empresas são fortemente marcados por afinidades culturais. Se a globalização das trocas abole as fronteiras, os Estados, no entanto, tendem a se agrupar e associar de acordo com dados culturais e históricos comuns. Empresas americanas vão naturalmente para o Canadá, empresas portuguesas para o Brasil, britânicas para a Índia, francesas para a África. Estas proximidades linguísticas são reforçadas pela existência de redes de indivíduos que compartilham valores e educação comuns, bem como múltiplos vínculos, muitas vezes pessoais ou familiares.

A esfera anglo-saxônica se beneficia de um forte espírito comunitário impulsionado por uma língua comum, uma tradição oral, que oferece uma vantagem real em um mundo de comunicação onde o inglês é a única língua falada. Compartilha do mesmo gosto pelos negócios, dos mesmos modelos jurídicos e do espírito da livre iniciativa. Os povos que a compõem vêm de uma mesma escola de pensamento, que promove as trocas – até porque, em questões comerciais, impor o vocabulário muitas vezes significa vencer a primeira batalha.

Do Walkman a Wargame, de Teenagers a Fast Food, de Management a Benchmarking, os americanos assumiram a liderança. “Na medida em que a americanização do vocabulário e da imaginação acompanha a do modo de consumo, esse fenômeno cultural quase planetário oferece um dos meios mais eficazes de penetração de empresas americanas em mercados dinâmicos” (Rémi Kauffer, L’arme de la désinformation Les multinationales américaines en guerre contre l’Europe, Grasset, 1999). Diante dessa profusão, quantos termos globais os japoneses podem reivindicar? Pouquíssimos: “karaokê” e alguns nomes de esportes marciais.

E os europeus? Nenhum! (nota do tradutor: pode-se dizer praticamente o mesmo do Brasil) Além disso, os americanos têm a genialidade de associar uma imagem muito positiva de si mesmos às suas estratégias econômicas: juventude, descontração, profissionalismo, tecnicismo.

A supremacia do anglo-americano é agora óbvia nos meios científicos, resultado de bombardeios incessantes nas últimas quatro décadas e os efeitos indiretos da fuga de cérebros; para não falar das situações de monopólio por vezes verdadeiramente desconcertantes, como é o caso da Argus de citações científicas de pesquisadores não anglófonos, detido durante muitos anos por uma empresa privada, a Garfield Company da Filadélfia. Esta empresa cita apenas publicações em inglês, que apareceram em 90% dos casos em periódicos norte-americanos: o resultado disso é que todo o desenvolvimento científico da pesquisa francesa, em particular, depende da boa vontade de uma organização privada americana…


Publicado no Le Nouveau Conservateur.


*Éric Denécé é cientista político, diretor do Centro Francês de Pesquisa e Informação e professor associado na universidade Bordeaux IV-Montesquieu em Bordeaux, na França. Ao longo de sua carreira, foi analista de informação e consultor do Ministério da Defesa francês atuando em projetos sobre o futuro das forças especiais.

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2 comentários

  1. Muito bom. Mostra a influência que os EUA têm na mentalidade principalmente de jovens. Na minha opinião nota-se muito pelo cinema e na televisão com mais de 50% ser precisamente americano.

    1. Sim. E observando as nossas autoridades, podemos citar o ex ministro da economia Paulo Guedes( Formado na universidade de Chicago, ou seja, chicagoboy). Fazendo o papel de entreguista das nossas empresas, destruindo, sobretudo, a nossa soberania energética.

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