Quem é Viktor Bout, o “Mercador da Morte” trocado por uma jogadora de basquete

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Viktor Bout, o traficante de armas russo libertado após 14 anos sob custódia dos EUA, participa de convenção do Partido Liberal Democrático da Rússia (LDPR), em Moscou, Rússia, 12 de dezembro de 2022 (Serviço de imprensa do LDPR via Reuters).

Viktor Bout, o traficante de armas russo libertado após 14 anos sob custódia dos EUA, participa de convenção do Partido Liberal Democrático da Rússia (LDPR), em Moscou, Rússia, 12 de dezembro de 2022 (Serviço de imprensa do LDPR via Reuters).

Se não fosse por Biden, garantindo a liberdade da estrela do basquete Brittney Griner, o “Mercador da Morte”, Viktor Bout, ainda teria ao menos 10 anos de pena por cumprir.


Na última sexta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, compartilhou um vídeo no Twitter mostrando Cherelle Griner, esposa de Brittney Griner, a jogadora de basquete americana libertada pela Rússia, no Salão Oval da Casa Branca. No vídeo, Biden abraça Cherelle e diz que sua esposa está “a caminho de casa”. Mais adiante no vídeo, Cherelle pode ser vista na mesa do presidente, com a vice-presidente Kamala Harris e o secretário de Estado Antony Blinken, sorrindo e comemorando a notícia. Biden e Harris falaram por telefone com Brittney do Salão Oval, disse uma fonte da Casa Branca.

O comentário do tuíte de Biden é “Brittney está voltando para casa”, mas Griner não é a única. Quem também voltou para casa é Viktor Bout, um traficante de armas russo extraditado para os EUA em 2010 e condenado a 25 anos de prisão por acusações de terrorismo.

A libertação de Griner da prisão russa, onde permaneceu por 10 meses depois de ser condenada a nove anos de prisão por contrabando de drogas, foi acordada em troca da libertação de Bout. A troca de prisioneiros foi realizada no aeroporto de Abu Dhabi. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Washington se recusou a discutir a troca de Griner por Bout, mas que “No entanto, a Federação Russa continuou a trabalhar ativamente para resgatar nosso compatriota”. “O cidadão russo foi devolvido à sua terra natal.”

Essa troca de prisioneiros foi recebida com reações mistas da opinião pública americana e políticos. Alguns comemoraram a libertação de Griner, mas muitos criticam o fato de que Paul Whelan, ex-fuzileiro naval e executivo de segurança, permanece preso na Rússia, algum tempo depois de ter sido informado pela Casa Branca de que “as coisas estavam indo na direção certa”.

Na sexta-feira, a ex-secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, defendeu o acordo no Twitter, dizendo que a medida abre caminho para uma futura libertação de Whelan. Psaki diz que, se os russos “ainda não estavam prontos” para desistir de Whelan, teria sido um erro se a Casa Branca deixasse Griner para trás.

Mas há quem acredite que quem foi deixado para trás foi Whelan. Essa é a posição do tenente-coronel aposentado do Exército americano Stu Scheller, que comentou o assunto com Tucker Carlson na rede de TV Fox News. Scheller foi além, e disse que o episódio mostra a fraqueza da atual liderança americana, afirmando que “o comentário do presidente Biden, de que Vladimir Putin não lhe deu escolha, apenas mostra a posição enfraquecida em que nossos líderes estão agora. Precisamos de um líder com coragem. Precisamos de um líder que possa fazer o que nós, como povo americano, esperamos que eles façam. E agora, simplesmente não vejo isso em todos os nossos líderes”.

Quem é Viktor Bout?

Com várias acusações relacionadas ao tráfico de armas, Bout, apelidado de “mercador da morte” e “destruidor de sanções” devido a sua capacidade de contornar embargos de armas, foi um dos homens mais procurados do mundo até sua prisão em 2008. Em quase vinte anos de carreira, Bout tornou-se o traficante de armas mais famoso do planeta, vendendo armas para estados, grupos rebeldes e senhores da guerra na África, Ásia e América do Sul.

Sua notoriedade era tanta que inspirou o filme de 2005 Lord of War (O Senhor da Guerra na versão em português, atualmente disponível no Amazon Prime Vídeo), estrelado por Nicolas Cage no papel de Yuri Orlov, um traficante de armas vagamente baseado em Bout.

As origens de Bout não são claras. Geralmente se concorda que ele nasceu em 1967 em Dushanbe, então capital do Tadjiquistão soviético, perto da fronteira com o Afeganistão. Ele tem facilidade com idiomas, dominando o inglês, francês, português, árabe e persa, habilidade que o ajudou a construir seu império de armas. Supostamente Bout frequentou o clube de Esperanto em Dushanbe quando jovem, tornando-se fluente no idioma universal e abrindo caminho para suas habilidades linguísticas.

Ele serviu no Exército soviético, onde atuou como tradutor militar em Angola, um país que mais tarde se tornaria fundamental para seus negócios. Acredita-se que Bout foi dispensado do Exército soviético depois da dissolução em 1991 no posto de tenente-coronel, embora alguns afirmem que ele era major da GRU.

O grande avanço de Bout veio com o colapso soviético, ao lucrar com o súbito descarte de armamento soviético que alimentou uma série de guerras civis na África e na Ásia. Bout conseguiu inclusive comprar uma frota de cerca de 60 aeronaves militares soviéticas de transporte baseadas nos Emirados Árabes Unidos, com as quais ele entregava seus produtos em todo o mundo.

Uma biografia de 2007 intitulada “Merchant of Death: Money, guns, planes, and the man who makes war possible” (em português “Mercador da Morte: O que terão em comum os talibãs, o criminoso de guerra Charles Taylor e o governo dos Estados Unidos”, esgotado no Brasil), de autoria de Douglas Farah e Stephen Braun, relatou detalhes dos negócios de Bout.


LIVRO RECOMENDADO:

Merchant of Death: Money, guns, planes, and the man who makes war possible

• Douglas Farah e Stephen Braun (Autores)
• Em inglês
• Kindle, Capa dura ou Capa comum


A partir de uma base no Golfo de Sharjah, Bout ocultou seu império de armas por trás de uma empresa de logística. Ele apareceu pela primeira vez no radar da CIA em meio a relatos de um misterioso cidadão russo negociando armas na África, e na virada do milênio já era um dos homens mais procurados do mundo.

Seus clientes incluíam grupos rebeldes e milícias do Congo até Angola e Libéria. Bout não parecia ter preocupações com ideologia, e parece que tendia a colocar os negócios acima da política. De acordo com o livro de Farah e Braun, no Afeganistão ele vendeu armas tanto aos insurgentes islâmicos do Talibã quanto a seus inimigos da Aliança do Norte pró-Ocidente. Ainda segundo o livro, ele forneceu armas para o então presidente liberiano Charles Taylor, que agora cumpre pena de 50 anos de prisão por assassinato, estupro e terrorismo, e a várias facções congolesas, bem como ao grupo militante islâmico filipino Abu Sayyaf.

O fim da bem-sucedida carreira de Bout se deu em 2008, depois que uma operação policial da US Drug Enforcement Administration o rastreou por vários países até chegar a um hotel de luxo em Bangkok. Ele foi flagrado concordando em vender para agentes dos EUA, se passando por representantes das FARC da Colômbia, 100 mísseis terra-ar que supostamente seriam usados contra tropas americanas. Pouco depois disso, ele foi preso pela polícia tailandesa.

Depois de mais de dois anos de disputas diplomáticas em que a Rússia insistiu que Bout era inocente, ele foi extraditado para os Estados Unidos, onde enfrentou uma série de acusações que incluíam conspiração para apoiar terroristas, conspiração para matar americanos e lavagem de dinheiro. Em 2012 ele foi condenado a uma pena de 25 anos de prisão, e desde então o Estado russo procura recuperá-lo.

Espião?

Para alguns analistas, o interesse da Rússia em Bout, além de suas habilidades e conexões no comércio internacional de armas, indicam fortes laços com a inteligência russa. Em entrevistas, Bout disse que frequentou o Instituto Militar de Línguas Estrangeiras de Moscou, que serve como campo de treinamento para oficiais de inteligência militar.

De acordo com Mark Galeotti, analista de serviços de segurança russos no Royal United Services Institute (RUSI), “Bout era quase certamente um agente da GRU, ou pelo menos um ativo da GRU”, referindo-se ao serviço de inteligência militar da Rússia. Segundo Galeotti, o caso de Bout se tornou icônico para os serviços de inteligência russos, “que fazem questão de mostrar que não abandonam seu próprio pessoal”.

De acordo com Christopher Miller, jornalista que se correspondeu com neonazistas presos junto com Bout na Penitenciária norte-americana de Marion, em Illinois, o ex-mercador de armas mantinha uma foto do presidente russo Vladimir Putin em sua cela e teria dito que acreditava que a Ucrânia não deveria existir como Estado independente.

Entrevistas e nova vida política

Após sua libertação, Bout concedeu diversas entrevistas, a primeira à Maria Butina, da mídia estatal russa Russia Today (RT). Butina, ela própria já tendo cumprido mais de um ano de prisão nos EUA por espionagem, chamou a troca de “uma capitulação da América” e perguntou a Bout sobre o grande interesse em seu caso. “Não acho que eu seja importante para a política russa”, respondeu ele, acrescentando que “Nós não abandonamos os nossos, certo?”

Bout disse ainda que “O Ocidente acha que não nos eliminou em 1990, quando a União Soviética entrou em colapso”, disse ele. “Eles acham que podem nos destruir novamente e dividir a Rússia em várias partes.”

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia foi “inundado” com felicitações pela libertação e observou quantas vezes o Kremlin exigiu sua liberdade. De acordo com a Tass, a comissária de direitos humanos do governo russo, Tatyana Moskalkova, disse: “Acho que todos que acompanharam a provação dessa pessoa maravilhosa, vítima das insinuações dos EUA, agora estão cheios de alegria.”

Se não fosse pela intervenção de Biden, visando garantir a liberdade da estrela do basquete Brittney Griner, Viktor Bout, o “Mercador da Morte”, ainda teria pelo menos 10 anos de pena prisão por cumprir. Mas sua vida parece ter dado uma guinada. Em um vídeo postado no Telegram nesta segunda-feira, o líder do Partido Liberal Democrático (LDPR, leal ao Kremlin), Leonid Slutsky, ao lado de Bout, disse: “Quero agradecer a Viktor Anatolievich [Bout] pela decisão que tomou e dar-lhe as boas-vindas aos quadros do melhor partido político da Rússia atual.”

O LPDR tem um histórico de recrutamento de personalidades controversas. Em 2007, Andrei Lugovoy, ex-agente da KGB procurado na Grã-Bretanha pelo assassinato do ex-espião russo Alexander Litvinenko, foi eleito para o parlamento pelo LDPR. Se Bout é realmente ligado à inteligência russa, não estará sozinho.

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2 comentários

  1. O Estado Russo demonstra sua força e perspicácia. Vários pontos podem ser destacados: 1) Griner: essa jogadora com certeza foi “escolhida” para jogar na Rússia. Das várias formas existentes para contratar um Atleta eu fico imaginando o interesse do Estado Russo em escolher essa moça para jogar.O empresário Mike Cound tinha determinado um valor para o UMMC Yekaterinburg, time que queria contratar uma jogadora. Por “impulso” ele dobrou o valor e a equipe topou sem hesitar. O UMMC Yekaterinburg ofereceu mais que o triplo do valor que ela poderia ganhar na WNBA, nos Estados Unidos, – se ela concordasse em jogar apenas na Rússia. O UMMC Yekaterinburg,é controlada pelo oligarca Iskander Makhmudov e seu parceiro de negócios, Andrei Kozitsyn. Makhmudov e Kozitsyn dirigem a Ural Mining and Metallurgical Co., que extrai commodities como cobre, zinco, carvão, ouro e prata, e é uma das maiores produtoras da Rússia.Makhmudov foi acusado de estar envolvido em um esquema para assumir o controle da indústria russa de alumínio, de acordo com um processo civil aberto em Nova York em 2000. Nele, Makhmudov e dois outros oligarcas, Oleg Deripaska e Michael Cherney, foram acusados de um esquema de extorsão que envolveu fraude, suborno e tentativa de homicídio. Eles contestaram as alegações e o caso foi arquivado nos Estados Unidos porque o juiz consentiu em transferi-lo para a Rússia.
    Assim, o que me parece é um conluio, um acordo de Putin com o Oligarca, você faz o que estou te mandando (contrate essa moça aqui, pq ela vai me servir e vc fica livre). E ele contratou a escolhida pelo Estado russo para atingir seus objetivos. Esse é um dos prismas que eu vejo. Agora, tem outros, claro. O recado que Biden manda para os Soldados é ” nós preferimos soltar drogados do que investir na liberdade de soldados. Vamos ver no que dá!

    1. Interessante reflexão, Wilson. A conclusão, a meu ver, é exatamente essa: o “wokeísmo” tem precedência sobre tudo o mais. Um abraço!

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