UAVs nos céus da Ucrânia (Parte Dois)

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Aeronaves russas Ilyushin Il-76MD como as que teriam pousado em Teerã com dinheiro e equipamentos ocidentais, de acordo com informações da Sky News (Sefa Karacan/Agência Anadolu via Getty Images).

Aeronaves russas Ilyushin Il-76MD como as que teriam pousado em Teerã com dinheiro e equipamentos ocidentais, de acordo com informações da Sky News (Sefa Karacan/Agência Anadolu via Getty Images).

Leia a Parte Um deste artigo.


Os céus da Ucrânia são cenário de confronto entre potências transregionais; nesta segunda parte do artigo, o autor analisa os reflexos e consequências de um acordo Irã-Rússia.


O valor do mercado global de drones militares em 2021 foi estimado em 11 bilhões de dólares. Estima-se que esse valor chegue a 26 bilhões de dólares em 2028. Em 2021, a Turquia obteve mais de três bilhões de dólares desse mercado; ou seja, o país assegurou mais de 25% do mercado de drones no ano passado. Não há informações sobre o valor das exportações de UAV do Irã para o mercado mundial.

Países como Irã e Turquia têm uma vantagem relativa sobre os europeus na produção de drones e podem produzi-los a um custo muito menor. Portanto, têm vantagem no mercado de países de média e baixa renda.

Se o Irã puder provar a alta qualidade e superioridade tecnológica de seus UAVs em uso em campo, pode esperar pelo menos ocupar o lugar da Turquia no mercado até 2028 e capturar 25% do valor de mercado mundial de drones. Isso significa algo equivalente a 6,5 ​​bilhões de dólares anuais. A construção de linhas de produção de drones pelo Irã na Venezuela e no Tajiquistão e o acordo de exportação de centenas de drones para a Rússia mostram que esse número não está longe de ser alcançado. Portanto, a exportação de UAVs (e de armas em geral) pode trazer um ganho de renda significativo para o Irã.

O que os oponentes dizem sobre esse acordo?

No Irã, há muitos que se opõem ao acordo com a Rússia. Os opositores, que são principalmente os críticos do governo, partidos moderados e reformistas e mesmo críticos do regime, usam essa questão para demonstrar a fragilidade do sistema diplomático ou mesmo para provar a existência de uma linha de influência entre os decisores da política do país. Entre os inúmeros críticos, estão alguns analistas militares e políticos.

Por exemplo, o ex-embaixador do Irã na Rússia, Nematullah Izidi, que é também uma pessoa bem-informada, diz que Teerã parece ter sido “derrotado por uma operação de fraude de Moscou” na questão da venda de drones para a Rússia.

Há poucos dias, Izidi criticou a inconsistência entre “a parte de campo” e “a parte da diplomacia” no Irã e disse: “Parece que fomos derrotados por uma operação de engodo da Rússia, que não atende aos nossos interesses nacionais de forma alguma.” Segundo o ex-embaixador de Teerã em Moscou, a questão da venda de drones para a Rússia, além das consequências relacionadas à guerra na Ucrânia, tem outras sequelas para Teerã, que também podem estar relacionadas ao programa nuclear da República Islâmica do Irã.

O ex-embaixador do Irã em Moscou mencionou o termo “campo” em contraste com o termo “diplomacia”. Os dois termos são muito proeminentes na literatura política do Irã atualmente. Foram usados ​​pela primeira vez pelo ex-ministro das Relações Exteriores do Irã do governo anterior, um governo que seguiu o caminho da moderação e um dos resultados de sua atuação foi o fechamento do acordo JCPOA. “Campo” é um termo usado para se referir às forças militares, especialmente o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) e a facção política radical no Irã, e o oposto é o termo “Diplomacia”, que se refere ao Ministério das Relações Exteriores do Irã.

As definições políticas no Irã estão sujeitas às decisões desses dois setores, que às vezes diferem. Os que simbolizam o “campo” são aqueles como o ex-comandante da Força Quds, o general Qassem Soleimani, que acreditava na doutrina da profundidade estratégica e no uso de forças proxy em todo o mundo. Ele, que foi morto em um ataque terrorista dos Estados Unidos no aeroporto de Bagdá, acreditava que as negociações com os EUA não são tão eficazes quanto a doutrina de profundidade estratégica. Essa linha de pensamento ainda é seguida por outros comandantes do IRGC e facções radicais do espectro fundamentalista no Irã.

Além de Izidi, o ex-membro do parlamento iraniano Ali Motahari também considerou a venda de drones para a Rússia, como um símbolo da vitória do “Campo” sobre a “Diplomacia” na política externa da República Islâmica. Alguns dias atrás, ele escreveu em sua página no Twitter: “A presença de drones iranianos no ataque da Rússia à Ucrânia mostra que o campo ainda prevalece sobre a diplomacia”. “O ministro das Relações Exteriores diz que somos neutros e, por outro lado, a Ucrânia relata que 136 pessoas foram mortas como resultado do ataque dos drones Shahid do Irã.”

O que dizem os apoiadores?

Por outro lado, alguns acreditam que a aliança militar com a Rússia é muito útil para o Irã e que Teerã não pode contar com as promessas do Ocidente, da Europa e principalmente dos Estados Unidos. Entre esses, é claro, não há vestígios de funcionários do governo, e incluem apenas alguns jornalistas ou sites radicais. Eles consideram a retirada unilateral dos EUA do JCPOA como um símbolo de quebra de acordo. Na sua interpretação, os contratos militares entre o Irã e a Rússia não se limitam aos dias atuais, portanto ninguém pode acusar o Irã de ajudar a Rússia na guerra com a Ucrânia.

O governo iraniano mantém acordos militares com a União Soviética, os Estados Unidos e o Reino Unido há muito tempo. Antes disso, o Irã importou canhões de 100 e 30 mm, veículos de transporte, etc., da URSS, em contraste com as relações militares do regime iraniano anterior com os Estados Unidos, que existiam em grande escala. De acordo com essa interpretação, o próprio Ocidente sancionou o Irã depois da revolução e decidiu cortar relações com o país; caso contrário, o Irã teria mantido as boas relações comerciais com o Ocidente, assim como mantém com a Rússia.

Como as sanções foram impostas por eles, o Irã teve que suprir parte de suas necessidades militares na China e na Rússia. Eles dizem que, agora, a capacidade do Irã de produzir armas chegou ao ponto em que pode exportá-las. No entanto, o Irã não pode determinar quando e como o país comprador pode usar essas armas. Assim como, quando a Rússia fornece ao Irã sistemas de defesa S-300 ou caças Sukhoi Su-35, ou outras armas que sejam vendidas no futuro, Moscou não pode determinar ao Irã quando e como usá-las.

Eles acreditam que a visão ética não tem lugar nas relações internacionais. Não há lógica na ideia de que todos os países façam política com base em seus interesses, exceto quando se trata do Irã. A França não vendeu aeronaves Mirage e Super Étendard para Saddam Hussein para que ele atacasse o Irã com elas? A União Soviética não vendeu MiG-25 para Saddam? Os alemães e os holandeses não venderam armas químicas a Saddam? Por que ir tão longe? Neste momento, os americanos não sabem que a Arábia Saudita está bombardeando civis no Iêmen com caças F-15? No entanto, por que eles vendem armas para os sauditas?

Além disso, se o Irã vende armas à Rússia, isso não significa que se uniu à Moscou contra a Ucrânia. A Turquia fornece armas à Ucrânia e vende petróleo russo contornando as sanções. O regime sionista de Israel fornece armas à Ucrânia e tem boas relações com a Rússia. A Arábia Saudita condena oficialmente a agressão da Rússia contra a Ucrânia e mantém suas relações comerciais com a Rússia. Por quê todos os países podem agir com base em seus interesses nacionais e jogar suas cartas no campo político, mas quando se trata do Irã, espera-se que Teerã se comporte de forma ética?


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Aspectos do acordo e suas consequências

Independentemente das opiniões dos opositores e apoiadores, deve-se admitir que a visão dos russos sobre o Irã nunca foi positiva, e o Reino Unido sempre teve a mesma opinião. As raízes dessa questão remontam ao século XIX e início do século XX, quando o Irã foi palco da rivalidade entre o Reino Unido e a Rússia. Essa questão continuou até oitenta anos atrás, de modo que, naquela época, o Irã se tornou a ponte da vitória dos Aliados (Rússia, Reino Unido e aliados) contra a Alemanha nazista. Agora, depois de oitenta anos, parece que os russos desejam repetir a história e acreditam que podem fazer do Irã uma ponte para sua vitória na Ucrânia.

Se há oitenta anos o petróleo iraniano veio em auxílio dos Aliados e especialmente da Rússia, agora os drones iranianos vieram em auxílio da Rússia. Vladimir Putin não tem nada a perder neste acordo, e o Irã pode ser vítima da ambição de Putin e, claro, da demasiada confiança nos russos. A Rússia é o mesmo país sobre o qual Mohammad Javad Zarif, ex-ministro das Relações Exteriores iraniano, falou sobre sua má fé em um arquivo de áudio em um grupo limitado. Certamente, o Irã é um dos grandes perdedores na guerra da Ucrânia.

O Irã deseja o apoio da Rússia no JCPOA, e gasta sua credibilidade internacional e seu objetivo revolucionário pela Rússia. Deve-se lembrar que a guerra na Ucrânia teve grandes vencedores como Turquia, Azerbaijão, Arábia Saudita e Estados Unidos. Eles se beneficiam e lucram o quanto podem devido à oportunidade obtida com a aquisição do mercado de energia russa, venda de armas e ampliação da ameaça russa à Europa.

De qualquer forma, agora com a admissão explícita do Ministro das Relações Exteriores do Irã, sabe-se que Teerã forneceu drones à Moscou e muito se fala sobre o pagamento desse negócio. Recentemente, o canal de televisão Sky News, citando “uma fonte de segurança” cujo nome não divulgou, informou que a Rússia receberia dezenas de drones suicidas do Irã. Alegou que Moscou pagou 140 milhões de euros em dinheiro e um conjunto de armas americanas e britânicas avançadas destinadas à Ucrânia que caiu nas mãos da Rússia.

De acordo com a Sky News, esta “fonte de segurança” mostrou imagens de satélite do pouso de dois aviões russos Ilyushin às sete horas da manhã de 29 de agosto deste ano no aeroporto de Mehrabad, em Teerã. Também alegou que os aviões carregavam dinheiro em espécie e os equipamentos militares americanos e britânicos. Esta fonte avaliou que o IRGC pretende fazer “engenharia reversa” dos avançados equipamentos ocidentais e fabricar similares em suas indústrias de defesa.

Se a reportagem for verdadeira e o Irã recebeu dinheiro neste acordo, ou se, de acordo com o Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã, a notícia é falsa e tal voo não foi realizado, em qualquer caso a questão dos drones pode se tornar um problema para o Irã, mesmo não tendo impedido as sucessivas derrotas e recuo da Rússia.

Embora seja improvável que o aparato diplomático de Teerã não tenha conhecimento das consequências do acordo, provavelmente está esperando para ver os resultados das gestões do “campo” e da “diplomacia”. Mesmo que a data de venda ou mesmo do transporte dos UAVs não tenha sido comprovada, as seguintes consequências já se apresentam para o Irã:

  • A opinião pública mundial, que assumiu uma posição clara em relação à agressão da Rússia, também se posicionou contra esta questão. Esta pode ser considerada a maior consequência para o Irã, pois pode preparar a opinião pública para qualquer outra atitude contra o Irã;
  • A opinião pública interna do Irã, que hoje se considera pacifista, está se distanciando ainda mais do governo com este incidente, considerando que, por mais de 50 dias, muitas cidades no Irã foram palco de protestos;
  • A União Europeia deve impor novas sanções contra o Irã; o chanceler alemão anunciou uma lista recentemente, e parece provável que os ministros das Relações Exteriores da União Europeia decidam sobre ela em sua próxima reunião em 14 de novembro;
  • A tensão nas relações diplomáticas entre Irã e Ucrânia, que gradualmente havia esfriado, aumentou a ponto de se transformar em disputa verbal. Há alguns dias, Zelensky disse que o Irã mentiu, em resposta às declarações do ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir Abdolhiyan, que afirmou que Teerã havia fornecido à Moscou um pequeno número de drones antes da guerra na Ucrânia. Além disso, o chanceler da Ucrânia, Dmytro Kuleba, também disse que a resposta da Ucrânia seria “realmente brutal”. Autoridades iranianas também responderam a essas ameaças;
  • Acusar Teerã de apoiar a Rússia agressora levará a uma nova onda de fobia iraniana entre os vizinhos do Irã, especialmente entre os países árabes. Esses países melhoraram suas relações com Israel depois de sessenta anos devido a essas preocupações, e apoiam os militares de Israel porque isso os protegeria contra possíveis movimentos futuros do Irã;
  • Se for comprovado que o acordo foi feito depois do início da guerra na Ucrânia, isso pode ter consequências maiores. Neste caso, o assunto será adaptado às disposições da Resolução 2231, e é provável que a interpretação ocorra de forma a acusar o Irã de violar tais disposições. Isso poderia levar a pesados custos para o Irã, que atualmente está em condições econômicas difíceis devido às sanções e sua situação se tornaria ainda mais complicada.

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