Por Hamid Hajizadeh* e Elizabeth Hautz*
A descoberta de novos campos de gás no Mar Cáspio convida a reflexões diante da atual crise, e pode representar alterações na geopolítica da região.
Leia a Parte 1 deste artigo.
As tensões entre a Rússia e a Ucrânia acabaram por configurar uma situação militar com a chegada de tropas russas na Ucrânia conforme esperado. O fato é que a Rússia, que entrou nessa briga com os próprios pés, não pode sair dela com facilidade e rapidez. A crise terá efeitos prejudiciais sobre a economia russa, e há uma pergunta difícil: é possível que a mudança na estratégia de fornecimento de energia ocidental seja parte dos resultados, ou mesmo das razões desta crise?
O surgimento de uma oportunidade em uma ameaça
Tanto a guerra entre Rússia e Ucrânia quanto as negociações entre ambos estão em andamento, portanto três cenários são previsíveis para os próximos dias e semanas:
- A Rússia pode vencer a resistência do exército ucraniano, ocupar a Ucrânia e insistir em permanecer (ao contrário do que Vladimir Putin disse diversas vezes, que a Rússia não pretende ocupar o país): A comunidade internacional dificilmente permitirá que a fronteira internacional mude. Não apenas o povo ucraniano, mas a maior parte do mundo não concordará e isso deverá finalmente ser deixado de lado;
- A Rússia deixará a Ucrânia por meio das negociações e provavelmente com um acordo: Sem dúvida, os próximos governos da Ucrânia serão novamente eleitos por seu povo, e isso não garantirá necessariamente os interesses da Rússia;
- A Rússia não chegará a um acordo com a Ucrânia e nem assumirá o controle total do país: Esta seria a pior situação possível, e Putin então não poderia simplesmente sair com o fardo desse resultado.
O desenlace desse movimento militar, seja ele qual for do ponto de vista da Rússia, não isenta aquele país do risco de ser apresentado como agressor e iniciador da guerra. Poderia causar centenas de bilhões de dólares em encargos financeiros para Moscou, além de outros custos de guerra diretos e indiretos.
Isso significa que a economia russa, que já não estava em uma situação ideal, pode enfrentar grandes desafios no futuro. O primeiro impacto da crise pode ser a perda do mercado de exportação de gás para a Europa. Ao invés de começar com a Rússia cortando as exportações, esse efeito se iniciou com um boicote ao gasoduto Nord Stream II. É compreensível que a Europa olhe para outros fornecedores, como o Irã, para suprir suas necessidades de gás. Assim, a questão da oferta de energia também pode afetar frentes e matrizes políticas.
O Irã, juntamente com o Cazaquistão, o Azerbaijão e o Turcomenistão, pode fornecer parte do consumo de gás da Europa. Todos os quatro países têm campos de gás na bacia do Mar Cáspio, e recentemente investiram cerca de US$ 40 bilhões em projetos relacionados.
Petróleo e gás no Mar Cáspio
A bacia do Mar Cáspio é a terceira maior fonte de energia do planeta depois do Golfo Pérsico e da Sibéria, que se forma dentro e ao redor do Mar Cáspio. O Cáspio, que com base em suas características na verdade é um lago, é o maior do mundo, com cerca de 40% da área total dos lagos do mundo. Está localizado em uma região estratégica e faz fronteira ao sul com o Irã, ao norte com a Rússia, a oeste com a Rússia e a República do Azerbaijão e a leste com as repúblicas do Turcomenistão e do Cazaquistão. Alguns desses países estão diretamente conectados apenas através deste lago.
O comprimento do Mar Cáspio é de cerca de 1.030 a 1.200 km e sua largura é de 196 a 435 km. O nível do Mar Cáspio é mais baixo do que o do mar, e isso gera diferenças entre este lago e outros mares. Além disso, o Cáspio é o terceiro lago mais profundo do mundo chegando a 1.025 metros de profundidade em alguns pontos. É uma das regiões mais intocadas do planeta em termos de reservas de petróleo e gás.
Era explorado apenas na pesca e transporte marítimo até meados do século passado, mas sua importância estratégica e geopolítica aumentou após a primeira exploração de reservatórios de petróleo no final da década de 1940, e a República Islâmica do Irã, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, também começou a dar mais atenção aos recursos petrolíferos do Mar Cáspio.
Irã e uma nova fonte de energia
Nos últimos anos, especialmente desde 2001, após a descoberta do campo de gás Sardar Jangal, que se estima ter mais de 50.000 bilhões de pés cúbicos de reservas de gás, exploradores iranianos descobriram uma fonte de petróleo a 700 metros de profundidade no Mar Cáspio. De acordo com as estimativas iniciais, este campo de gás, localizado a 200 km da cidade de Rudsar na parte iraniana do Cáspio, possui reservas de petróleo de dois bilhões de barris, e estimando-se uma exploração de 25%, a quantidade de petróleo que poderia ser extraída deste reservatório é de cerca de 500 milhões de barris.
Após estudos exploratórios na plataforma semiflutuante de Amirkabir, foi descoberta uma camada de óleo à profundidade de 728 metros 10 anos depois da descoberta deste campo de gás também no Mar Cáspio. Para realizar essa pesquisa de 10 anos, o Irã construiu uma plataforma semiflutuante que pesa 14.700 toneladas, a estrutura offshore mais pesada do país. Os geradores de energia da plataforma podem gerar mais de 11 megawatts de eletricidade e a plataforma pode acomodar até 120 pessoas, sendo capaz de perfurar em águas de até 1.000 metros de profundidade e tem capacidade de perfurar desde o fundo do mar até 6.600 metros de profundidade.
De acordo com autoridades petrolíferas iranianas, o petróleo no campo de Sardar Jangal tem a melhor qualidade do mundo. De acordo com o CEO da Caspian Oil Company, o “API” de exploração de petróleo bruto nesta região está entre 38 e 40 e, devido à falta de sal e enxofre, tornou-se o petróleo de maior qualidade e mais valioso do planeta.
LIVRO RECOMENDADO:
Ouro Negro: A saga do Petróleo
- Leo Bittencourt (Autor)
- Em português
- Kindle ou Capa comum
Atividades de exploração de gás e petróleo do Irã
Depois que a plataforma flutuante Amirkabir do Irã encontrou petróleo em 2012, a República do Azerbaijão fez algumas reivindicações. Funcionários desta república alegaram que os recursos de petróleo e gás no campo de energia Sardar Jangal não pertencem ao Irã e que estão localizados entre as águas conjuntas da República do Azerbaijão e do Turcomenistão, portanto acusaram o Irã de usurpar petróleo e gás na região.
A mídia que se opõe ao Irã aproveitou a oportunidade para fazer acusações contra o país por essas alegações. Foi por isso que o ministro do Petróleo do Irã, Rostam Ghasemi, em 2013, coincidindo com essas questões, declarou explicitamente que tais alegações eram completamente falsas e que os recursos de petróleo e gás do campo de petróleo Sardar Jangal eram completamente independentes e dentro dos limites marítimos do Irã, e, portanto, pertenciam ao Irã.
Claro que, no ano anterior ao anúncio iraniano da descoberta de um novo campo de gás, a notícia havia sido questionada por seus vizinhos e por companhias petrolíferas internacionais, mas a tocha da plataforma “Irã Amirkabir” nas águas do Mar Cáspio flamejou muito em breve. Sob a luz desta chama, também foi comprovada a existência de reservas de gás, além de petróleo, no reservatório deste campo.
A notícia da descoberta do grande campo de gás Chalous no Irã, há alguns meses, causou muita controvérsia e foi tão longe que, após alguns meses, as autoridades iranianas basicamente negaram completamente tal campo. Chalous é uma cidade iraniana na área do Mar Cáspio.
Em primeiro lugar, houve reportagens com Seyyed Emad Hosseini, presidente da Caspian Oil Company, falando sobre o projeto “Perfuração e exploração da enorme estrutura de Chalous”, que diziam: “Se as estimativas estiverem corretas e a operação de exploração da estrutura de Chalous for bem-sucedida, o volume do gás extraível desta estrutura sozinha será uma vez e meia o gás extraível total da República do Azerbaijão e igual a 30% do gás extraível total dos países da bacia do Cáspio. Por outro lado, de acordo com as evidências, esta estrutura pode ter reservas de petróleo significativas.” A mídia iraniana havia relatado a existência de um enorme campo de gás em Chalous um dia antes das alegações de Hosseini. Eles disseram que o novo campo de gás do Irã mudaria a geografia política da região e citaram o OilPrice.com dizendo que, na semana anterior, o Irã revelou um grande campo de gás em suas águas no Mar Cáspio.
“O campo de gás de Chalous deve ser usado com o objetivo de criar um novo centro de gás no norte do Irã para completar o polo de gás do sul do país, com foco no enorme campo de South Pars”. As reportagens inclusive acrescentaram que o principal desenvolvedor do campo de gás de Chalous é a Caspian Oil Company (KEPCO), mas que a assistência técnica e financeira também vem da Rússia e da China.
“Se as estimativas iniciais das reservas de gás no campo de Chalous estiverem corretas, o gás iraniano será capaz de suprir pelo menos 20% das necessidades de gás da Europa”, disse Ali Osuli, CEO da Caspian Oil Company.
Estimou-se que o campo de Chalous teria reservas de gás equivalentes a um quarto do enorme campo de gás de South Pars (o maior do Irã, compartilhado com o Catar) ou cerca de 11 fases do campo de gás South Pars. O South Pars tem 14,2 trilhões de metros cúbicos (TCM, sigla do termo inglês trillion cubic meters) de reservas de gás e 18 bilhões de barris de gás condensado, e atualmente responde por cerca de 40% do total de 33,8 trilhões de metros cúbicos de reservas de gás do Irã e cerca de 80% da produção total de gás do país. A área de 3.700 km2 de South Pars faz parte de um campo de 9.700 km2 que é compartilhado com o Catar, mas o campo de gás de Chalous – se realmente existir – está inteiramente em águas iranianas no Mar Cáspio.
Da publicação à negação de notícias
Funcionários do governo iraniano, com óbvia distorção, apenas duas semanas após a notícia, basicamente expressaram dúvidas sobre a existência do campo. Ao mesmo tempo, Afshar Soleimani, ex-embaixador iraniano em Baku, no Azerbaijão, considerou que o campo de Chalous é muito importante e causará mudanças políticas na região.
O que, no entanto, provocou mais reações nos dias seguintes, foi a segunda reportagem da OilPrice.com sobre o campo de gás de Chalous. A primeira reportagem, que se relacionava à descoberta do campo, foi citada por agências de notícias iranianas, mas a segunda tinha conteúdo completamente diferente.
A reportagem foi publicada na OilPrice.com há cerca de três meses e gerou muitas reflexões no Irã. Intitulada A maior jogada da Rússia ainda para assumir o controle do mercado europeu de gás, a reportagem afirmou que o Irã havia assinado acordos com a Rússia e com a China em relação a esse campo, com Rússia e China tendo participações maiores do que o Irã.
A Caspian Oil Company do Irã havia rejeitado a transferência de tal campo de gás para a Rússia dois meses antes, mas a OilPrice.com afirmou que, de acordo com suas fontes, o contrato havia sido finalizado. Ela também afirmou que as empresas russas têm maior participação, as chinesas vêm em segundo e as iranianas têm uma menor participação na receita do gás. Isso, de acordo com a reportagem, a despeito de o campo de gás Chalous estar na parte iraniana do Mar Cáspio.
A OilPrice.com afirmou: “Após a estimativa das reservas de gás em Chalous e o aumento dos preços em toda a Europa nas últimas semanas, a divisão das ações no complexo de gás Chalous é a seguinte: as russas Gazprom e a Transneft juntas detêm 40%, as chinesas Sinopec e Companhia Nacional de Petróleo da China (CNPC), têm participação de 28%, e a iraniana Caspian Oil Company tem apenas 25% neste campo de gás sob o domínio iraniano.” De acordo com a alegação, como as reservas de gás deste campo estão acima do esperado, o capital adicional para o projeto será fornecido por instituições financeiras na Alemanha, Áustria e Itália.
A OilPrice.com escreveu que a Rússia pretende obter pelo menos US$ 450 bilhões com a exportação do gás de Chalous durante o contrato de 20 anos, usando uma média anual de US$ 800 por 1.000 metros cúbicos de gás. O embaixador russo no Irã, antes que as autoridades iranianas o fizessem, negou a reportagem. Depois dele, o embaixador iraniano na Rússia também negou as alegações, afirmando que a minuta do contrato de 20 anos ainda não foi enviada pelo Irã para os russos. Ele acrescentou: “O acordo de 20 anos entre o Irã e a Rússia, que foi discutido, deve primeiro ser aprovado pelo parlamento do Irã e não tem aspectos secretos, e será elaborado pela República Islâmica do Irã e apresentado à Rússia. O projeto do acordo também será apresentado pelo Ministério das Relações Exteriores após ser apresentado às instituições e organizações russas relevantes.” As declarações do embaixador iraniano em Moscou vieram em um momento em que, meses depois, o parlamento iraniano ainda não leu o acordo, que deve ser legalmente aprovado.
Uma oportunidade para ambas as partes
Mesmo que, de acordo com a mídia estatal iraniana, a questão do campo de gás de Chalous seja uma especulação e todos os detalhes que a mídia deu anteriormente sejam simples erros na compilação da reportagem, duas questões não podem ser ignoradas:
- O Irã, ao contrário de outros países ao longo do Mar Cáspio (Rússia-Cazaquistão-Turquemenistão e Azerbaijão), ainda não iniciou um trabalho sério para exploração de gás e hidrocarbonetos na região;
- O Irã também tem potencial inato para campos de gás e hidrocarbonetos. Em particular, deve-se lembrar que, sem considerar essas potencialidades, o Irã é o primeiro ou segundo detentor de recursos extraíveis de gás do mundo.
Então, agora que a Rússia está em uma situação especial que pode durar anos, vale a pena para o Ocidente, e especialmente a Europa, mostrar uma suavidade lógica nas recentes conversações referentes ao JCPOA para contar com a interação energética com o Irã no futuro.
Portanto, pode não ser incorreto dizer que a crise Rússia-Ucrânia tem outro benefício extraordinário para o Irã, além de muitos outros, já que o Irã toma uma importância especial para o Ocidente.
O Irã, visto como aliado da Rússia, ainda não assumiu uma posição formal de apoio à Moscou diante da guerra e se limitou a convidar as partes a resolver a crise por meio de soluções diplomáticas.
Hamid Hajizadeh é jornalista iraniano, escritor e poeta persa residente nos Emirados Árabes Unidos. Hamid é analista político e especialista em Turquia, Afeganistão e nos países do Golfo Pérsico. É formado em engenharia econômica e apresentador-especialista em programas de rádio do Irã.
Elizabeth Hautz é graduada em Administração pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e Mestra em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Elizabeth é administradora na Eletrobrás Furnas S.A., e pesquisadora do núcleo de História Antiga e Medieval do CEHAM/UERJ.