Por Reis Friede*
Se em 1974 o Type 091, primeiro submarino nuclear chinês, foi motivo de chacota internacional devido a sua completa ineficiência em combate, hoje o desenvolvimento tecnológico do país surpreende o ocidente e a rápida expansão da Marinha do Exército de Libertação Popular da China preocupa os estrategistas dos EUA.
A Marinha do Exército de Libertação Popular da China colocou em serviço (após sua primeira aparição pública, ainda em fase de testes, em 12 de abril de 2018) dois novos submarinos nucleares estratégicos Type 094A pouco antes de seu aniversário de 71 anos. Estas embarcações militares são variantes do projeto Type 094 (Classe Jin) e foram planejados para, na ocasião de um conflito nuclear, realizar ataques com mísseis balísticos (SLBM’s) sobre alvos inimigos em faixas intercontinentais.
Vale destacar que os aprimoramentos, em relação ao projeto original do Type 094, incluem novos e mais modernos radares e sonares e a integração de novos torpedos, sendo correto afirmar que estes submarinos são capazes de transportar até 16 mísseis balísticos Julang JL-2, com alcance de 7.200 km, transportando uma ogiva singular de 1 Mt[1] (e que entraram em operação em 2015, substituindo os JL-1 implementados nos submarinos Type 092, um SSB diesel da classe soviética Golf com 12 lançadores), embora se espere que estes mísseis sejam substituídos pelos mais modernos Julang JL-3 por volta de 2025.
O míssil balístico JL-3 já passou por vários testes de voo, porém ainda não entrou em serviço. Este foguete intercontinental possui um alcance de mais de 10 mil quilômetros e é dotado de múltiplas ogivas (MIRV’s). A Marinha Chinesa espera introduzir, em sua esquadra, um total de oito submarinos Type 094, com o primeiro tendo ingressado no serviço ativo em 2007 e os outros nos anos seguintes, com a projeção de que todos os seis primeiros sejam modernizados para a versão Type 094A.
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Ademais, uma nova (e mais capaz) classe de submarinos nucleares (SSBN’s) portadores de mísseis balísticos (SLBM’s), os Type 096, está atualmente em desenvolvimento, com sua construção prevista para ser iniciada nos próximos dois anos. Os submarinos mais novos transportarão os mísseis JL-3 (JL-2C), cada qual transportando um total de cinco a sete ogivas (MIRV’s) de 35 Qt[2] ou três ogivas de 150 Qt, com um alcance de aproximadamente 12.000 km, podendo ser equipados com até 24 unidades (de forma semelhante aos SSBN’s da classe Ohio norte-americana). Isto proverá às embarcações um poder de fogo capaz de destruir vários alvos em diferentes países com uma única salva de mísseis.
Estima-se, ainda, que os novos submarinos sejam consideravelmente mais silenciosos, – portanto, mais difíceis de serem detectados por sonares –, e mais resistentes a contramedidas e armas antissubmarino (ASW) que os seus antecessores. Os submarinos de mísseis balísticos continuam sendo um dos poucos campos pendentes em que a marinha da China enfrenta uma relativa desvantagem em relação à Rússia e aos Estados Unidos, embora a velocidade e o aprimoramento de suas capacidades indiquem que a paridade deva ser estabelecida antes de 2030.
Em qualquer hipótese, espanta o mundo, – e, em particular, os EUA –, o surpreendente desenvolvimento tecnológico chinês atual, sendo oportuno lembrar que quando a China construiu em 1974 (na época em que os EUA já estavam lançando ao mar o primeiro SSBN da classe Ohio, em 10 de abril de 1976, dotado do sistema de mísseis Trident I, e os seus modernos submarinos de ataque SSN da classe Los Angeles, no mesmo ano) seu primeiro submarino nuclear (um submergível de ataque SSN, designado Type 091), mais que preocupar o Ocidente, o mesmo foi motivo de chacotas, considerando a sua completa ineficiência combativa.
“Quando a China construiu em 1974 seu primeiro submarino nuclear (o Type 091), mais do que inquietar, provocou piadas no Ocidente. Encomendado por MAO TSÉ-TUNG 16 anos antes, além de ineficiente, emitia ruídos insuportáveis e altos níveis de radiação. Alguns analistas afirmaram que era mais perigoso à sua tripulação do que para o restante do planeta. Menos de meio século depois, entretanto, os passos de gigante da Marinha chinesa e a ambição de Pequim em dominar o Pacífico significam uma dor de cabeça em Washington.
O país há anos está imerso em um processo de transformação de suas Forças Armadas. Coincidindo com seu crescimento econômico, o aumento do gasto militar nos últimos anos – quase 10 vezes maior do que em meados dos anos 1990, de acordo com dados do Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz (SIPRI) – permitiu um desenvolvimento exponencial de suas capacidades, fundamentalmente focado na Força Aérea e na Marinha. Há tempos o Pentágono não esconde sua preocupação pela vulnerabilidade das tropas norte-americanas no Pacífico e a crescente ameaça sofrida por aliados como o Japão e Taiwan. Números reunidos pela Reuters revelam que desde 2014 a China – que de acordo com dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), com sede em Londres, possui um Exército de 2.035.000 efetivos na ativa, dos quais 250.000 pertencem à Marinha – construiu mais navios de guerra, submarinos, barcos de apoio e anfíbios que o total da frota britânica (…)” (PAULO CHOUZA e CARLOS TORRALBA; Expansão da Marinha Chinesa Coloca os EUA em Alerta, Madri, 28/12/2019).
*Reis Friede é desembargador, presidente do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (biênio 2019/21), professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, professor emérito da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército (EsAO) e Conferencista Especial da Escola Superior de Guerra (ESG). É autor do livro Ciência Política e Teoria Geral do Estado. E-mail: reisfriede@hotmail.com.
Notas
[1] Megatonelada.
[2] Quilotonelada.
Parabéns pela matéria, todos elogios para este blog.
Serpio, muito obrigado!
Parabéns ao autor do texto e ao Velho (e bom) General.
Sempre com material digno de novidades, detalhes e análises sérias e confiáveis.
Obrigado.
Mais uma vez obrigado, José! Um abraço!