Incêndio no USS Forrestal

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Robinson Farinazzo*

Albert Caballé Marimón**

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O USS Forrestal arde em chamas logo após o acidente (Foto: US Navy).

Durante a Guerra do Vietnã, uma combinação fatal de munição vencida, incorretamente armazenada e inobservância de procedimentos de segurança vigentes levou ao incêndio que veio a ser uma das maiores tragédias da história da US Navy.


“Se Você acha que segurança é caro, experimente um acidente.”

Cinquenta e dois anos atrás o porta-aviões USS Forrestal (CVA-59) ocupava uma posição estratégica na Yankee Station, um ponto no Mar da China ao largo da costa norte-vietnamita numa manhã de sábado, 29 de julho de 1967. Na segunda série de surtidas do dia, por volta das 10h50, um foguete Zuni de 127 mm alojado no lançador de um jato McDonnell Douglas F-4B Phantom II disparou inadvertidamente. O projétil atingiu o tanque subalar de um Douglas A-4E Skyhawk, rompendo-o e espalhando combustível de aviação no motor quente, incendiando a seguir esta aeronave (que ainda estava armada com duas bombas de 1.000 libras que caíram da asa). Em segundos, o fogo se espalhou para os aviões vizinhos, formando-se também uma mortal piscina de combustível em chamas no convoo.

As bombas logo começaram a queimar, explodindo daí a 96 segundos e tornando-se uma das maiores tragédias da história da Marinha dos Estados Unidos, em que 134 tripulantes perderam a vida, 161 ficaram feridos e 21 aeronaves de última geração foram completamente destruídas. Um dos sobreviventes ferido no incêndio foi o então capitão-de-corveta John McCain, que, senador pelo estado do Arizona de 1987 a 2018 e candidato à presidência da república em 2008 contra Barack Obama, faleceu no ano passado, em 25 de agosto de 2018.

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John McCain piloto, à esquerda, em 1965 (Foto: Biblioteca do Congresso americano) e candidato à presidência da república dos EUA disputando com Barak Obama, à direita, em 2008 (Foto: Business Insider/USA Images).

Os antecedentes

No dia anterior, 28 de julho, o navio de transporte de munições USS Diamond Head havia reabastecido o Forrestal com 16 bombas de 1000 libras modelo AN/M65A1. Essas bombas foram originalmente fabricadas para a Guerra da Coréia 14 anos antes; passaram parte desse tempo expostas ao calor e umidade em Okinawa ou Guam, e apresentavam sinais de ferrugem e muita poeira. Ainda estavam guardadas nas embalagens originais, que se encontravam bastante deterioradas, e foram entregues sob protestos ao encarregado do Diamond Head no depósito da Marinha em Subic Bay, nas Filipinas.

Dado o histórico de armazenamento, sua estabilidade era duvidosa. Inicialmente, o oficial responsável pelo depósito da Marinha em Subic Bay achou que o Diamond Head iria descarta-las no mar. Ao saber que seriam efetivamente usadas no serviço ativo, protestou veementemente e só aceitou transferi-las para o Diamond Head após receber mensagem por escrito do seu COMIMSUP (Comando Imediatamente Superior), o CINCPAC, United States Indo-Pacific Command, isentando-o da responsabilidade.

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Capa da revista Life de 11 de agosto de 1967.

O capitão-de-mar-e-guerra John Beling, comandante do Forrestal, ficou preocupado com a munição que recebeu, mas não via outra saída: era isso ou interromper as missões de bombardeio de que o porta-aviões fora incumbido. Como uma concessão às ponderações de alguns dos armeiros mais experientes de bordo, Beling autorizou o armazenamento das mesmas num paiol à parte, sem contato com o restante das munições do navio. Não fosse isso, talvez o horror que se seguiu tivesse assumido proporções ainda maiores.

Mas operar com bombas cuja confiabilidade era para lá de discutível não era o único dos problemas à bordo do Forrestal. Os foguetes Zuni tinham interruptores de segurança (safety pins) instalados em seus TER (Triple Ejector Rack, plataformas ejetoras tríplices), para evitar que qualquer sinal elétrico chegasse ao foguete antes da decolagem da aeronave. Além do pino de segurança, havia também um pigtail (“rabicho”) conectando a fiação elétrica do foguete ao pod que o disparava.

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Diagrama mostrando a disposição das aeronaves no início do acidente, provavelmente ocasionado pelo F-4B 110 no círculo vermelho à esquerda. McCain estava num dos A-4 marcados no círculo á direita do diagrama. Na foto à direita, instalação de foguetes Zuni em um jato F-4B Phantom II (Imagens: US Navy).

Como era sabido pelas tripulações, não era incomum que os pinos de segurança fossem arrancados pelos fortes ventos que comumente varrem o convoo. Por isso, os protocolos de segurança vigentes à época preconizavam que os pigtails só poderiam ser conectados quando a aeronave já estivesse presa à catapulta e pronta para o lançamento (condição em que uma ignição prematura indesejada direcionaria o foguete para o mar).

Os agravantes

Não foi isso o que aconteceu naquela manhã, conforme pode ser visto no diagrama e foto acima. O safety pin do TER foi removido, seja pelo vento, como parecia comum ocorrer, seja manualmente – algumas fontes afirmam que ele foi retirado por equipes de manutenção, para ganhar tempo –, e é fato comprovado que o pigtail, também para ganhar tempo, foi conectado antes do preconizado pelos procedimentos de segurança.

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Restos de um A-4 Skyhawk destruído no acidente (Foto: US Navy).

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Danos na blindagem do convoo do Forrestal (Foto: US Navy).

Quando o piloto do Phantom mudou a fonte elétrica de externa para interna, houve uma sobrecarga que em condições normais seria barrada pelo safety pin do TER, que não estava conectado. Mas o pigtail, enfatizamos, contrariando o protocolo de segurança, já estava conectado, e o foguete Zuni foi acionado. Conforme já foi descrito, o fogo tomou proporções incontroláveis.

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A tripulação nos trabalhos de combate ao incêndio após o desastre no USS Forrestal (Foto: US Navy).

Fato é que a equipe de CAV (Controle de Avarias) do navio estava treinada e preparada para apagar incêndios de bombas de 1.000 lb do tipo Mk 83, mais modernas e seguras, que por sua vez tem um tempo de cook off (período em que podem ficar expostas às chamas sem detonar) de dez minutos. As velhas e instáveis M65A1 explodiram em pouco mais de um minuto, matando imediatamente quase todos os experientes militares que combatiam as chamas.

Estas baixas fizeram muita diferença no combate ao sinistro, porque enquanto os poucos especialistas restantes aplicavam espuma para conter o incêndio, os demais tripulantes, por imperícia técnica, varriam o convoo com água salgada a qual, além de dispersar a espuma, espalhava o combustível, agravando o quadro. Vários tripulantes caíram ou pularam no mar e foram recolhidos por helicópteros de navios nas vizinhanças.


ASSISTA AO VÍDEO 611 DO CANAL ARTE DA GUERRA EM COMPLEMENTO A ESTE ARTIGO: INCÊNDIO NO PORTA-AVIÕES USS FORRESTAL


Das nove bombas que detonaram no Forrestal naquele dia, oito eram M65, que explodiam com uma força 50% maior do que o normal, uma tendência que seu agente explosivo apresenta quando velho ou inadequadamente estocado. A série de explosões abriu um rombo no convoo blindado, fazendo com que combustível vazasse para os conveses abaixo, aumentando a amplitude do desastre e fazendo mais vítimas.

Com o empenho de toda a tripulação e auxílio dos navios vizinhos, o fogo foi contido às 13h42 daquele dia, mas os trabalhos de rescaldo continuaram até às 04h00 da manhã seguinte.

LIVRO RECOMENDADO:

Sailors to the End: The Deadly Fire on the USS Forrestal and the Heroes Who Fought It

  • Gregory A. Freeman (Autor)
  • Em inglês
  • Versões capa comum e capa dura

As lições da tragédia

Uma marinha de guerra não é um corpo estático, tratando-se na verdade de um organismo vivo em permanente evolução. Assim sendo, a US Navy procurou aprender com as amargas lições que o acidente do USS Forrestal lhe impôs. Poucos meses depois, foi instalado em caráter experimental no porta aviões USS Franklin Roosevelt um sistema de aspersão de espuma que cobre todo o convoo. Uma vez aprovado, ele foi disseminado para toda a Força Aeronaval.

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O USS Ronald Reagan (CVN 76) testando seu sistema de combate a incêndio de convés de voo, obrigatório em todos os porta-aviões em decorrência do acidente no Forrestal (Foto: US Navy).

Também levantou-se a necessidade de dotar os porta aviões com potentes empilhadeiras blindadas, as quais serão empregadas para o alijamento de aeronaves e bombas no mar, de vez que no Forrestal essa faina foi realizada usando a força manual da tripulação, com graves riscos para a mesma.

Em adição, criou-se o WSESRB (Weapon System Explosives Safety Review Board, Comitê de Revisão de Segurança de Explosivos para Sistema de Armas), um importante órgão destinado a sistematizar o manuseio de munições e diminuir seus riscos operacionais.

Por fim, dado o fato de que todo o acidente foi filmado pelas câmeras de bordo, produziu-se um filme educativo que até hoje é divulgado em diversas marinhas alertando para os erros e acertos de uma operação de combate a incêndio à bordo, Trial by Fire: A Carrier Fights for Life.


ASSISTA AO FILE TRIAL BY FIRE: A CARRIER FIGHTS FOR LIFE


Mas talvez uma das atitudes mais comoventes da US Navy tenha sido batizar o Centro de Combate a Incêndios da Marinha em Norfolk com o nome do Chief Petty Officer Gerald W. Farrier. Naquele distante verão vietnamita, ele foi o primeiro a chegar às chamas, e morreu tentando salvar as vidas dos pilotos que estavam presos nas aeronaves.

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Centro Farrier, a Escola de Treinamento de Combate a Incêndio, um legado positivo da tragédia que homenageia um marujo excepcional (Foto: Walt Stinner).

*Robinson Farinazzo é capitão de fragata (FN) da reserva da Marinha do Brasil, expert em tecnologia aeronáutica e consultor de Defesa. Com mais de trinta e cinco anos de carreira militar, extensa experiência de campo e formação superior em Administração de Empresas, é editor do Canal Arte da Guerra no YouTube e articulista do Blog Velho General. E-mail: robinsonfarinazzo@gmail.com.

**Albert Caballé Marimón possui formação superior em marketing. Depois de atuar vários anos em empresas nacionais e multinacionais, tornou-se fotógrafo profissional e editor do blog Velho General. Já atuou na cobertura de eventos como a Feira LAAD, o Exercício CRUZEX e a Operação Acolhida e proferiu palestras na Academia da Força Aérea. É colaborador da revista Tecnologia & Defesa e do Canal Arte da Guerra. Pode ser contatado através do e-mail caballe@gmail.com.


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28 comentários

  1. Que tragédia….
    Vcs são muito bons parabéns pelo trabalho, uma sugestão de matéria, a revolta dos negros do USS Kitty hawk….

    1. Ótimo artigo! A Segurança de Instalações com riscos elevados devem sempre estar em primeiro lugar. Safety First.

  2. Ótimo artigo! A Segurança de Instalações com riscos elevados devem sempre estar em primeiro lugar. Safety First.

  3. Se eu já achava que combater incêndio florestal era complicado, imaginem fazer o mesmo no convés de um navio, cercado de combustível e explosivos.

    Parabéns pela excelente matéria.

  4. Excelente Artigo! Sempre aprendo algo novo! Não sabia que John McCain foi ferido neste acidente, meses depois ele seria abatido e ejetou ficando gravemente ferido, sendo repatriado se não me engano ao final da guerra, um verdadeiro sobrevivente!

  5. Excelente comentário…esse acidente serve para provar que as forças armadas não são para ficar brincando já que um erro peguemos pode tomar proporções castastróficas…

  6. Igual vocês eu duvido que tenha na internet, tanto o blog, o GBN e o canal no Youtube são excelentes. Agradeço por compartilharem seus conhecimentos, abraço!!!

  7. O aviso ao final do “Trial by Fire” diz tudo: Learn or burn, Baby. Learn or burn!

    Não basta ter motivação e boa vontade, é preciso treinamento e prática, além de procedimento e disciplina.

    Água do mar jogada contra a espuma, pessoal sem uniforme, desconhecimento das rotas de fuga dentro da embarcação, cadeia de comando confusa, enfim, ingredientes para a tragédia que foi.

    Além do dinheiro do contribuinte sendo literalmente jogado ao mar e queimado, vidas humanas preciosas foram perdidas por negligência e irresponsabilidade.

    O bom é saber que muito se aprendeu com este terrível incidente e que hoje há muito mais segurança a bordo.

    Bravo Zulu pelo excelente artigo!

  8. Me revolto quando vejo um acidente envolvendo militares, independente de Forças-Armadas ou PM, e pessoas comemoram neste país, isto é, se podemos chamá-los de pessoas, enquanto nos EUA, a cidade inteira fica de luto, as pessoas acompanham das calçadas o cortejo, em continência, ou o país inteiro no caso de baixas em campo de batalha, como aquele herói que virou tema de filme, o Sniper Americano, o seal, Chris Kyle.

  9. Foi uma grande tristeza. Valorosos homens pereceram. O lançador de foguete da foto é Zuni 70mm num casulo de 19 foguetes, o que ocasionou todo o acidente é o Zuni 127mm, lançado de um casulo LAU-97.

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