Os “inimigos” terceirizados das forças armadas americanas

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NELLIS AIR FORCE BASE, Nev. (AFPN) -- An F-16 Fighting Falcon heads out to the Nellis ranges Jan. 31 during Red Flag 06-1 being held here Jan. 21 through Feb. 18.  Red Flag tests aircrews’ war-fighting skills in realistic combat situations. Flights involve more than 85 aircraft, including B-2 Spirit bombers. The aircraft will fly missions day and night at the nearby Nevada Test and Training Range where they will simulate an air war.   Along with the Air Force, units are participating from the Army, Navy, Marine Corps, United Kingdom and Australia. The F-16 is with the 64th Aggressor Squadron. (U.S. Air Force photo by Master Sgt. Kevin J. Gruenwald)

Por Albert Caballé Marimón

Um esquadrão agressor (“aggressor” na USAF) ou adversário (“adversary” na US Navy e no USMC) é um esquadrão treinado para atuar como uma força oponente nos treinamentos e exercícios militares. Esses esquadrões procuram emular táticas e procedimentos inimigos no intuito de proporcionar uma simulação realista de combate aéreo (em oposição ao treinamento contra as próprias forças). Na impossibilidade de se ter uma grande quantidade de aeronaves e equipamentos inimigos reais, são utilizados substitutos para simular os inimigos potenciais.

A primeira vez que aeronaves diferentes foram usadas para treinamento foi por iniciativa da US Navy, que em 1968, através da Navy Fighter Weapons School (a famosa “Top Gun”), usou os Douglas A-4 Skyhawk para simular o MiG-17. A iniciativa foi bem sucedida e a USAF seguiu o exemplo criando seus esquadrões “Aggressors” na Nellis Air Force Base com os T-38 Talon.

A partir de então, diversos esquadrões de agressores foram criados, ficando conhecidos como “Red Air Forces” (“forças aéreas vermelhas”, numa alusão à URSS e China, devido à Guerra Fria). Historicamente, estes esquadrões sempre foram operados pela próprias forças (USAF, US Navy e USMC).


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MiG-21 do programa Constant Peg sobre o deserto de Nevada (Foto: USAF/wearethemighty.com)

Durante a Guerra Fria, o Departamento de Defesa dos EUA criou um programa chamado de Constant Peg, através do qual procurou obter aeronaves soviéticas de forma discreta. O resultado desse programa foi o “Red Eagles”, que voou aeronaves como MiG-17, MiG-21 e MiG-23.

Nesse período, tanto a USAF como a US Navy possuíam grandes “esquadrões agressores” (ou “adversários”) operados por pessoal próprio com aeronaves não padronizadas fazendo o papel de “bandidos”; porém com a queda da URSS e o fim da Guerra Fria, a partir da década de 90 essa capacidade foi sendo reduzida.

Esse fator, aliado a questões orçamentárias – mesmo as forças armadas dos EUA, com o maior orçamento militar do planeta, enfrentam seus problemas – as pressões orçamentárias devem-se, em grande parte, às grandes despesas com a aquisição das aeronaves F-35 e aos custos de desenvolvimento de novos projetos em andamento, entre eles um novo bombardeiro stealth atualmente em curso. Diante deste cenário, a maior parte dos esquadrões agressores foram sendo encerrados ao longo dos anos, com os militares americanos mantendo o foco nas unidades operacionais de combate.

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Paralelamente a isso, talvez devido à mudanças na economia, houve uma espécie de êxodo de pilotos, na maior parte das vezes buscando oportunidades mais lucrativas na aviação comercial; com isso, os EUA passaram a enfrentar uma escassez de pilotos militares. Segundo o General David Goldfein, chefe do Estado-Maior da Força Aérea, a USAF tinha falta de 1.500 pilotos (em setembro de 2017).

Esta combinação de fatores começou a afetar o treinamento, ameaçando fazer com que toda uma nova geração de pilotos de caça tenha poucas oportunidades de treinar voando contra aeronaves modernas.

Na década de 1990, as empresas de “adversários contratados” começaram a surgir, preenchendo uma parte dessa necessidade, usando caças usados para oferecer serviços de treinamento, de certa forma ainda timidamente. Durante muito tempo, a demanda militar por estas empresas terceirizadas permaneceu relativamente pequena.


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Um F-15C do 65º Esquadrão Agressor na Base da USAF de Nellis, Nevada (Foto: USAF/Capt. Tana Stevenson)

Em setembro de 2014, em parte pelas já mencionadas restrições orçamentárias, a Força Aérea decidiu desativar o 65º Esquadrão Agressor, uma das três unidades responsáveis por este tipo de treinamento. No final de novembro de 2015, a Draken International – uma das empresas de “adversários contratados” – conseguiu fechar um contrato com a USAF para substituir o esquadrão agressor desativado e fornecer serviços de treinamento adversário na base da Força Aérea em Nellis, Nevada. De acordo com um comunicado da USAF na época, três ou quatro surtidas da Draken custavam o mesmo que uma única surtida dos F-15.

Em 2017, após pouco mais de um ano testando o serviço em Nellis, a Força Aérea anunciou que solicitaria propostas para um contrato com diversos fornecedores para cerca de 40.000 horas anuais de serviços aéreos adversários em 12 bases aéreas. O contrato, conhecido por “Adversary Air”, ou ADAIR, chegará a várias centenas de milhões de dólares. A US Navy também planeja fazer maior uso de adversários contratados.

AS AERONAVES

A Draken, a ATAC e a TacAir, as maiores empresas do setor, voam basicamente aeronaves mais antigas – Skyhawks, Mirages, F-5, entre outros – que não equivalem as capacidades dos mais modernos caças russos e chineses, e nem dos F-16 e F-15 dos esquadrões agressores das forças armadas americanas. Ambas as forças, a USAF e a US Navy, colocam como requerimentos aeronaves de quarta geração para confrontar seus pilotos com amostras mais próximas da realidade que podem enfrentar. Draken e ATAC adquiriram lotes de Mirage F1, que não estão nesse nível; no entanto, espera-se que com upgrades em seus aviônicos eles possam aproximar-se desses requerimentos.


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Hawker Hunter F58 da ATAC (Foto: Planespotters.net/Atsuhi Kameda)

Ainda assim, de acordo com Jeffrey Parker, veterano da USAF e executivo da ATAC, em 95% das missões de treinamento seus aviões voam com algum equipamento de guerra eletrônica a bordo. Parker afirmou ainda que “nem sempre é o equipamento mais complexo que fornece o maior retorno para o investimento”.

Segundo ele, essa é uma premissa válida especialmente no treinamento para aviões de quinta geração, como o F-22 e o F-35. Nessas aeronaves, sua capacidade stealth e seus sensores avançados significam que eles normalmente vão detectar e abater mesmo as mais recentes aeronaves não furtivas ainda antes de serem vistas. Ainda segundo Parker, “os F-16 nem vão ver os F-35”. Tomando como parâmetro suas conversas com pilotos de aeronaves não furtivas que enfrentaram caças furtivos, ele afirmou que “não é muito divertido”.


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Douglas A-4L Skyhawk da Draken International (Foto: Planespotters.net/Alexander Viduetsky)

Diante desse cenário, os pilotos de F-22 e F-35 não precisam necessariamente de aeronaves de alta qualidade como adversários, mas sim em grande quantidade. Parker argumenta que “aeronaves de 5ª geração têm um grande apetite por adversários, eles precisam de muitos inimigos para desafiá-los, limitados apenas pelo número de mísseis que podem carregar”. Nesse sentido, é muito mais barato voar uma missão com meia dúzia de Hawker Hunters do que a mesma quantidade de F-16 ou F-18.

Portanto, não são todas as missões que exigem aeronaves avançadas para treinamento, e se a pressão orçamentária é um fator importante, isso passa a ter peso significativo. Ainda assim, é bastante possível que, a médio e longo prazo, a necessidade de usar aeronaves mais avançadas seja fundamental.


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Northrop F-5 da TacAir – Tactical Air Support (Foto: Frank Crebas/Bluelifeaviation.com)

Segundo Russ Bartlett, piloto aposentado da US Navy e executivo da Textron Airborne, controladora da ATAC, “a próxima geração de aeronaves para treinamento deverão apresentar à USAF e à US Navy novas capacidades, ser equipadas com radares de última geração, supersônicas e altamente manobráveis”. Mas, segundo ele, essas questões tem que ser avaliadas com muito cuidado, já que o modelo de grande sucesso da ATAC é usando “caças estrangeiros baratos”, que podem operar por uma fração do custo dos caças mais avançados.

PERFIL DAS EMPRESAS

Além da Draken, há diversas empresas atuando nesse mercado. Elas operam com pessoal altamente qualificado e muito experiente: normalmente ex-pilotos militares, muitos foram comandantes de ala ou de esquadrão, instrutores, pilotos de teste, etc. Vamos apresentar aqui um breve perfil de algumas delas.

DRAKEN INTERNATIONAL

A Draken International é uma fornecedora americana de aeronaves de caça para serviços aéreos, sediada em Lakeland, na Flórida, e tem também uma base operacional na Base da Força Aérea de Nellis, em Nevada. A Draken oferece suporte de adversários aéreos (“Red Air”),  GAA – guiamento aéreo avançado (JTAC, Joint Terminal Attack Controller), suporte aéreo aproximado (CAS, Close Air Support), treinamento de voo, simulação de ameaças, suporte de guerra eletrônica, reabastecimento aéreo, entre outros.

Segundo informações do site da empresa, a Draken opera a maior frota comercial de aeronaves táticas ex-militares. Sua frota inclui Aero Vodochody L-159E Honey Badger, Douglas A-4 Skyhawk, Aermacchi MB-339CB, Mikoyan MiG-21Bis, Aero L-39 Albatross, Dassault Mirage F1M e Atlas Cheetah, além de outras de transporte e apoio.

Mais informações no site da empresa: http://www.drakenintl.com

ATAC – AIRBORNE TACTICAL ADVANTAGE COMPANY

A Airborne Tactical Advantage Company (ATAC), tem sede em Newport News, Virgínia. A ATAC treina a Fighter Weapons School da US Navy, a conhecida “Top Gun”, e os pilotos de F-22 Raptors da USAF. Sua principal base de operações aéreas é na Estação Aérea Naval de Point Mugu, na Califórnia. Foi adquirida pela Textron em 2016 e continua a operar como subsidiária.

Em sua frota, a ATAC opera os Mk-58 Hawker Hunter, IAI F-21 Kfir, A-4 Skyhawk e L-39 Albatross II em funções táticas de treinamento de voo para a US Navy, USAF e US National Guard.

Mais informações no site da empresa: http://www.atacusa.com/index.html

TACTICAL AIR SUPPORT

A Tactical Air Support, Inc. (TacAir) é sediada em Reno, no estado de Nevada. Quase todos os seus funcionários são ex-comandantes operacionais e instrutores ou pilotos de teste especializados em suporte aéreo tático avançado. A Tactical Air fornece serviços aéreos comerciais e de consultoria, entre outros, suporte de adversários, treinamento, GAA – guiamento aéreo avançado (JTAC), treinamento de voo, manutenção, logística.

A Tactical Air opera uma frota de caças supersônicos F-5AT Advanced Tiger, Canadair CF-5D, Embraer A-27 Tucano e SIAI Marchetti SF-260TP.

Mais informações no site da empresa: https://tacticalairsupport.com

REFERÊNCIAS

*Imagem de capa: USAF F-16C “Aggressor” em esquema de camuflagem emulando marcas soviéticas em tons de azul e cinza (Foto: Master Sgt. Kevin J. Gruenwald/USAF)


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US Navy Fact File F-5N/F Adversary

  • USN (Autor)
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  • eBook Kindle

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17 comentários

    1. Mais um artigo muito bom. Parabéns
      Esta questão de usar caças artigos porque tanto faz para um caça de 5 geração e uma aposta cara. Porque não poe em canta a estratégia que pode ser empregada. Vinde a situação de Israel na Síria. Que até agora estar conseguindo operar sem ser molestado pelo s-300.

  1. Excelente artigo.
    Estamos presenciando a terceirização de parte das forças armadas?
    Estamos presenciando a exploração espacial também sendo terceirizada?

    1. Orçamentos encurtados, custos altissimos (mesmo na maior economia do planeta) vão direcionando as decisões. Vamos ver onde tudo irá chegar! Obrigado pelo comentário.

  2. Interessante mesmo. E pensar que quando todos os esquadrões agressores estavam na ativa, a soma deles era maior que muitas forças aéreas mundo afora. Sinal dos tempos essa terceirização. Nossa FAB deve pensar nessa possibilidade tb. Abraço a todos.

    1. Mesmo essas empresas, Draken, ATAC, etc., tem forças aéreas maiores do que muitos países. Acredito que, por enquanto, essa terceirização ainda seja algo distante da realidade da FAB, mas o tempo dirá. Obrigado por acompanhar e comentar!

    1. Não tenho essa informação, mas acredito que seja uma situação um pouco distante da realidade brasileira. Além dos custos envolvidos, o contexto dos EUA é bastante diferente do nosso. Muito obrigado por seguir e por comentar!

  3. Sou Guilhermina Pereira Oliveira vendo minha coleção de avioes de guerra 1985 Nova Cultural a 100 reais fone (01455) 55 prefixo 997072285 abraços!

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